São João Batista – Modelo do perfeito devoto de Maria

São João Batista é uma alma tão ardentemente mariana que, ainda no seio materno, prestou a Nossa Senhora um ato de devoção intensíssimo. Ele é o apóstolo, o discípulo fiel, o devoto perfeito da Santíssima Virgem, que ouve sua voz, nela discerne os primeiros ecos da voz do Cordeiro de Deus que ele devia anunciar e estremece inteiramente de gáudio.

Devemos, portanto, venerar em São João Batista o modelo do verdadeiro e perfeito devoto de Nossa Senhora, pedindo-lhe que faça de nós perfeitos devotos d’Ela e tenhamos um ouvido interior por onde, quando ouvirmos a voz de Maria Santíssima, estremeçamos de gáudio também, de maneira a nunca um pedido d’Ela nos encontrar de má vontade, tristes, aborrecidos, com desejo de não atendê-La. Pelo contrário, sua voz nos faça estremecer de alegria até quando diga uma palavra austera de renúncia, de sacrifício e sofrimento.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 24/6/1964)

Revista Dr Plinio 255 (Junho de 2019)

Oração: Mãe também dos pecadores

Ó Deus, infinitamente bom e justo, tendes o direito de estar irado contra mim, que tanta ofensa Vos fiz. Entretanto, vossa Mãe é também a minha, e Ela conserva para comigo solicitudes, cuidados e paciências que todas as verdadeiras mães têm para com seus filhos. E nesta incansável misericórdia de Maria, tenho eu posto todas as minhas esperanças. Sede, pois, ó Senhor, paciente para comigo, porque assim o é vossa Santíssima Mãe!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 22/4/1992)

Nossa Senhora Porta da Aurora

Nossa Senhora é invocada pela Lituânia como Porta da Aurora: através d’Ela vem o Sol. Evidentemente, é uma alusão à Maternidade Divina. O Sol do gênero humano é Nosso Senhor Jesus Cristo, Homem‑Deus. A Porta pela qual o Homem‑Deus veio à Terra foi Nossa Senhora. A Aurora formou‑Se n’Ela. A noite de Natal prenuncia a Aurora: a aurora da meia noite. É a noite mais alegre do ano. E não há dia, no ano inteiro, em que a Luz seja mais intensa para as almas do que na noite de Natal.

Assim, voltemo-nos para Nossa Senhora Porta da Aurora, que também pode ser a Aurora do Reino de Maria e da Civilização Cristã, para implorar sua proteção.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/6/1990)

Elo entre o Céu e a Terra

“Meu último pensamento seja de amor ao Papa”. Esta é a frase acrescida por Dr. Plinio — de próprio punho — em sua carteira de identidade católica.

Um dos principais pilares de sua espiritualidade era, sem dúvida, a profunda devoção que nutria em relação à Cátedra de Pedro, na pessoa do Romano Pontífice.

Esta devoção tornou-se de tal modo manifesta no decorrer de sua vida, que não seria dificultoso reunir um incontável número de páginas contendo considerações repletas de Fé e submissão acerca do Santo Padre, o Doce Cristo na Terra.

Por ocasião do dia do Papa — 29 de junho —, homenageando tão edificante devoção, Dr. Plinio traz em seu editorial excertos de conferências proferidas pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, nas quais ele manifesta seu entranhado amor ao Papado:

“Já em minha infância, eu percebia que deveria haver uma autoridade infalível, a qual ensinasse a todos, pois, caso isso não fosse assim, não haveria possibilidade de as pessoas pensarem do mesmo modo, e a vida seria um caos, indigna de ser vivida. Então nasceu em mim uma pujante veneração ao Papado e, consequentemente, ao Episcopado e aos outros graus da Hierarquia”.

Assim se manifestaria ele, dois anos mais tarde: “Tão grande é a fragilidade humana, que, inevitavelmente, cairíamos em erro, caso não houvesse um mestre infalível, o qual nos ensinasse toda a verdade.

“Imaginemos uma cidade com milhares de habitantes, onde cada um possuísse ao menos um relógio. Nesta cidade haveria milhares de relógios. De nada serviriam esses relógios caso não houvesse um relógio posto por Deus, chamado sol, pelo qual os homens pudessem saber a hora certa.

“Ora, à semelhança do sol que regra as horas, há um homem que, em matéria de fé e moral, não cai em erro. Este é o Santo Padre; de seus lábios abençoados só pode sair a verdade. Ele é o ‘relógio’ que regula a Humanidade; o Bispo dos bispos; o pastor dos pastores; o Rei da Igreja e de todas as almas. É a mais alta criatura que há na Terra. Não há rei, não há imperador, não há presidente da república, não há milhardário, não há nada, que valha tanto quanto o homem a quem Deus garantiu: ‘As portas do inferno não prevalecerão contra ti. Pedro tu és pedra e sobre essa pedra edificarei a minha Igreja’.

“Assim sendo, nós devemos ser cuidadosíssimos em amar o Papado acima de todas as coisas da Terra.

“Sem o Papado, a Terra seria um antro de confusão, de desordem e de horror.”

Com o decorrer dos anos, tal amor ao Papa evidenciou-se cada vez mais, como se pode verificar nas seguintes palavras de Dr. Plinio:

“Não é com meu entusiasmo dos tempos de jovem que eu me coloco hoje ante a Santa Sé. É com um entusiasmo ainda muito maior, pois à medida que vou vivendo, refletindo e ganhando experiência, compreendo e amo mais ao Papa e ao Papado.

“E este amor não é abstrato. Ele inclui um especial amor à pessoa sacrossanta do Papa, seja ele o de ontem, como o de hoje ou o de amanhã. Amor de veneração, amor de obediência.

“Insisto: amor de obediência. Pois desejo dar a cada ensinamento deste Papa, como de seus antecessores e sucessores, toda a adesão que a doutrina da Igreja me prescreve, tendo por infalível o que ela manda ter por infalível, e por falível o que ela ensina que é falível. Quero obedecer às ordens deste ou de qualquer outro Papa em toda a medida que a Igreja indica que sejam obedecidos. Isto é, não lhes sobrepondo jamais minha vontade pessoal, nem a força de qualquer poder terreno.”

O corolário dessa profunda devoção, cultivada cuidadosamente durante sua existência, foram as tocantes afirmações de Dr. Plinio, pronunciadas exatamente três meses antes de sua morte: 

“O mesmo amor que devoto a Nossa Senhora e a Nosso Senhor Jesus Cristo, também o possuo em relação ao Papado. Pois há um princípio segundo o qual uma corrente vale conforme seu elo mais fraco. Poderá uma corrente ter cem elos, cada um deles com o diâmetro do braço de um atleta, mas estarem presos a um outro elo muito delicado, essa corrente tem o valor do elo frágil.

“Ora, na corrente da tríplice devoção à Santíssima Trindade, à Maria e ao Papado, o elo mais frágil é o Papado, por ser o mais humano. Então, o modo mais vigoroso de amar a corrente inteira é oscular o elo mais fraco.

“Ao dedicar meu inteiro amor ao Papado, meu ato toma o sentido de quem replica ao adversário: ‘Vocês estão recriminando tais e tais debilidades do Papado. Pois ali vai meu ósculo, ali vai minha fidelidade.’

“Onde a infidelidade de alguns poderia tentar a fidelidade dos fiéis em sua totalidade, eu quero pôr a minha fidelidade inteira.”

Plinio Corrêa de Oliveira

O Espírito Consolador

Para a vinda do Reino de Maria não basta apenas o extermínio dos maus por meio de um castigo divino, mas se faz necessária uma efusão de graças do Espírito Santo que leve à conversão grande parte da humanidade. Até mesmo os contrarrevolucionários devem passar por uma transformação à maneira da taturana que se torna linda borboleta.

 

A respeito do Divino Espírito Santo e da Festa de Pentecostes, gostaria de dizer alguma coisa no tocante a um dado de que temos falado: o Grand Retour(1).

Necessidade de graças excepcionais de conversão para a constituição do Reino de Maria

Se considerarmos que os castigos previstos por Nossa Senhora em Fátima vão determinar o extermínio de grande número de pessoas, em especial das que não são boas, e que depois, escapando os bons, com estes nasce uma humanidade nova, parece-me que do ponto de vista demográfico ficamos na estaca zero. Porque, quantos são os autênticos contrarrevolucionários nos dias de hoje? E como garantir a perpetuação do gênero humano a partir de um punhado de bons que reste? É evidente que não basta apenas o extermínio, mas esses castigos têm que ser acompanhados de uma grande conversão.

Sabemos ter sido o dilúvio, além de um castigo, uma ocasião de conversão para muita gente que, diante da iminência da morte, converteu-se e salvou-se. Podemos, pois, imaginar que as tragédias que castigarão a humanidade, caso ela não se emende, também constituam uma oportunidade para muitos se converterem.

Mas como considerar essa graça para tanta gente, inclusive para contrarrevolucionários tão deficientes e cheios de lacunas, quando levamos em conta que se trata de constituir a época mais brilhante da História da Igreja, que é o Reino de Maria? Como resolver esse problema?

Só podemos imaginar isso da seguinte maneira: em determinado momento, de um modo inesperado, Nossa Senhora produz sobre um grande número de pessoas uma ação sobrenatural de graças conseguidas por Ela que atuem sobre as almas para que se convertam, modifiquem-se completamente e se transformem em contrarrevolucionárias.

A algo disso posso dizer que, timidamente, assisti nos dias de minha vida. Porque quando comparo o que é hoje a minha Obra com as possibilidades existentes para a constituição de um movimento católico como este, quando começamos, e o que era o Brasil antes mesmo de começar o movimento católico, noto transformações enormes que não poderiam se dar sem graças muito especiais, evidentemente distribuídas pelo Espírito Santo às almas e obtidas por sua Santíssima Esposa.

Quando nos lembramos da “geladeira” religiosa que era o Brasil no tempo, por exemplo, de Washington Luiz e comparamos com este miserável Brasil do Jango e o indeciso Brasil do Castelo Branco, vemos que, apesar de mil esboroamentos, mil recuos, houve um trabalho evidente da graça que, no seu gênero, é absolutamente maravilhoso, excepcional, que não está no método comum da Providência operar.

Em qualquer estágio da vida espiritual, pedir uma transformação completa

Evidentemente, precisaremos de operações excepcionalíssimas da graça. São essas que devemos pedir: graças muito especiais do Espírito Santo. E é muito conveniente que façamos este pedido ao Divino Espírito Santo, por ocasião da Festa de Pentecostes.

Suponhamos alguém que, em sua vida espiritual, vai se conduzindo de um modo perfeitamente satisfatório; outro, de um modo medíocre; outro ainda, insatisfatoriamente. Como esse pedido de graças se põe para cada um?

Para o primeiro, deve-se pedir a Nossa Senhora que lhe dê uma graça por onde o fervor dele seja tal que corresponda a uma verdadeira conversão, pela qual adquira um modo inteiramente novo de ver a vocação, uma renovação de todas as energias interiores, de maneira que a apetência de santidade, de sacrifício, o amor a tudo quanto é grande e sublime, e que verdadeiramente nos fala de Deus cresça enormemente, e ele seja, em relação ao que era antes, como a borboleta é para a crisálida. Tenho a impressão de que a imagem zoológica da transformação operada pela graça no homem é uma taturana que se arrasta pelo chão – ente vil, feio, metido dentro da poeira – e que, de repente, vai se transformando e dá numa borboleta linda. Eis a transformação espiritual do homem.

Mais ainda devem pedir isso os medíocres, que sentem não estarem progredindo, e cuja vida de piedade se transforma em lero-lero, as Ave-Marias se automatizam, os pensamentos de piedade perdem o suco, conserva-se por tudo isso uma espécie de estima convencional, mas o fundo da alma não corre para lá.

Entretanto, eu gostaria de falar especialmente para aqueles que tenham a infelicidade de não estarem indo espiritualmente bem. Há situações da vida espiritual que são tão difíceis que a pessoa quase perde a coragem: “Não consigo, não aguento. É muito direito, é muito bonito, mas está provado que perdi o fôlego, e daqui não vou para a frente…”

Ora, a Festa de Pentecostes é uma admirável lembrança de que esse modo de raciocinar é falso. Por maiores que sejam as dificuldades, o Divino Espírito Santo pode, de um momento para outro, pela intercessão de Nossa Senhora, atender nossos pedidos e fulminar uma alma com uma graça, como São Paulo a caminho de Damasco. Uma intervenção assim, qualquer um pode e deve pedir.

Nessas condições, portanto, eu sugeriria que todos nós nos aproximássemos da Festa de Pentecostes com muita confiança, inteiramente persuadidos de que, se pedirmos, a Santíssima Virgem nos atenderá, obtendo para nós uma graça especial do Espírito Santo. Não posso afirmar que tal dom vá cair sobre nós no dia de Pentecostes, quando os sinos estiverem anunciando o meio-dia. As coisas na vida espiritual não se dão assim tão cinematograficamente. Mas deve-se pedir para receber no momento adequado e oportuno.

A verdadeira ação do Espírito Consolador

A respeito da ação do Divino Espírito Santo em Pentecostes cabe ainda uma consideração. Devido à histórica torção do espírito religioso ao longo dos séculos, quando se fala da terceira Pessoa da Santíssima Trindade enquanto Espírito Consolador, insinua-se um pouco a ideia de uma viúva cheia de crepes, tendo perto de si três crianças, cada uma lambendo um biscoitinho, sentada ao pé de um salgueiro junto a um túmulo no cemitério da Consolação, e pensando: “Mas como o meu Pafúncio era bom! Tão amável, tão direitinho… Uma vez ele me traiu, é verdade, mas não vale a pena pensar nisso agora.” E depois de um tempo de chorinho bom e suave, ela se retira do cemitério consolada.

Em uma de suas obras, o Proust(2) tem o personagem de uma tia viúva que morava num quarto todo lindinho do qual ela nunca saía. A cama dessa senhora ficava junto a uma janela que dava para a rua, para ela poder ver todos os acontecimentos que ali se passavam. A parede do quarto era listada de azulzinho claro e branco, imitando tecido, onde estava pendurado um retrato do falecido esposo. Entre as distrações da viúva durante o dia, estava a de olhar para o quadro e comentar com a criada: “Como era bom esse meu pobre marido…”

Essa é a ideia comum que se tem de “consolação”. Portanto, o Espírito Consolador seria também aquele que nos faria ter uma unção gostosa às horas da Ave-Maria; uma coisa melada da qual a pessoa sai, neste sentido melífluo da palavra, consolada.

Porém, o Espírito Consolador não é este, mas sim o correspondente à etimologia latina da palavra “consolatio”, isto é, aquele que dá força. Ele é propriamente o Espírito de força, de ânimo diante da dor, do sofrimento e da luta. É o Espírito Santo que nos dá força para batalharmos pela virtude, para conseguirmos a santificação, combatermos pela Causa de Deus. É, pois, o Espírito animador, que dá ânimo para a pessoa lutar. E não, ao contrário, aquele que põe um gostosinho agradável da consolação nesse outro sentido da palavra.

Sem dúvida, está também entre os efeitos do Espírito Santo certa forma de resignação doce, suave em meio ao grande sofrimento. Mas este é um efeito entre muitos outros produzidos pelo Espírito Santo, e que não tem nada a ver com o sentimentalismo melancólico, à Chopin(3), e outras coisas do gênero. É algo da resignação cristã, por exemplo, em Nossa Senhora, depois de Nosso Senhor ter subido ao Céu, passando Ela ainda muito tempo na Terra, para o bem da Igreja nascente, e com saudades d’Ele. Portanto, não tem nada de comum com a fraqueza sentimental da qual falávamos há pouco.

Não conheço nada melhor do que os “gisants” da Idade Média para nos dar a ideia sensível desse espírito de ânimo, de energia, fruto do Espírito Santo, que nos leva a enfrentar a vida em todas as suas circunstâncias. Aqueles guerreiros deitados, em atitude de prece, armados para a vida e enfrentando placidamente a morte, tendo transposto com serenidade os umbrais da eternidade, com Fé em Deus e na Igreja Católica, prontos para comparecer perante o julgamento divino, confiantes em sua justiça e em sua misericórdia, representam bem, a meu ver, essa forma de firmeza que o Espírito Santo dá. Uma firmeza cheia de serenidade, que não é hirta, calvinista. Essa atitude de alma é uma das manifestações dessa ação do Espírito Santo.

Ânimo firme e paciência: graças a serem obtidas do Espírito Santo

Parece-me que se deveria tomar isso em consideração ao se tratar do problema da dor, a posição do católico diante do sofrimento, a admiração, a aceitação e a compreensão da dor como uma espécie de valor supereminente que ordena e esclarece toda a vida neste vale de lágrimas. Tudo isso só pode ser bem compreendido a partir desse ânimo sobrenatural que o Espírito Santo dá aos fiéis para toda espécie de luta e sacrifício, inclusive para a aquisição, conservação e progresso da virtude.

Assim como a palavra “consolação”, também a noção de paciência está deturpada em nossos dias, sendo considerada como uma coisa mole, boba, sem sentido. Mas o que é a paciência? Este termo vem do vocábulo “passio”, que significa sofrer. Logo, paciência é a capacidade de sofrer, uma de cujas manifestações está em suportar as injúrias, quando é o caso de suportá-las.

Mas essa não é uma atitude tola. A paciência é um elemento indispensável e integrante da coragem. É por ter capacidade de sofrer que o homem é corajoso. Mas que sentido teria, numa reportagem, dizer: “A artilharia avançou com admirável paciência sobre o adversário”? Ninguém entenderia. Entretanto, tem um sentido: com uma admirável disposição de sofrer, de dar e receber pauladas. É, portanto, um elemento integrante da coragem.

Vamos pedir a Nossa Senhora que nos obtenha do Espírito Santo as graças para termos essa consolação, esse ânimo firme diante da dor, do sofrimento, de maneira tal que caminhemos com resolução, sobretudo na vida de santificação e na luta contra o adversário.        v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 2/6/1966)

Revista Dr Plinio 255 (Junho de 2019)

 

1) Do francês: Grande retorno. No início da década de 1940, houve na França extraordinário incremento do espírito religioso, quando das peregrinações de quatro imagens de Nossa Senhora de Boulogne. Tal movimento espiritual foi denominado de “grand retour”, para indicar o imenso retorno daquele país a seu antigo e autêntico fervor, então esmaecido. Ao tomar conhecimento desses fatos, Dr. Plinio começou a empregar a expressão “grand retour” no sentido não só de “grande retorno”, mas de uma torrente avassaladora de graças que, através da Virgem Santíssima, Deus concederá ao mundo para a implantação do Reino de Maria.

2) Valentin Louis Georges Eugène Marcel Proust (*1871 – †1922). Escritor francês.

3) Frédéric François Chopin (*1810 – †1849). Compositor e pianista polonês-francês da era romântica.

A recusa ao chamado divino e a necessidade da reparação

Se Luís XIV tivesse sido fiel à Mensagem do Sagrado Coração de Jesus, a França inteira se converteria. Mas o rei não a levou a sério. Nosso Senhor esperava que as diversas classes sociais fossem deixando filtrar, de umas para as outras, a Mensagem, e todos os corações batessem em uníssono com a de um rei fiel ao Coração de Jesus. O supremo esforço desse apelo divino foi despertar um movimento de reparação: a Contra-Revolução

 

A atitude do Sagrado Coração de Jesus com Luís XIV foi de misericórdia, mas ao mesmo tempo de inteiro respeito – o Coração de Jesus podia chamar-Se “Coração infinitamente respeitoso de Jesus” – em relação à organização político-social vigente.

Era bem claro que Ele queria considerar o rei de maneira tal, que não fez nenhuma alusão direta à má vida, nem aos pecados pessoais do monarca, mas chamou de “filho dileto do meu Coração” um pecador que O tinha insultado publicamente de diversas maneiras. Basta mencionar a destruição do Calvário edificado por São Luís Maria Grignion de Montfort, mas há muitas outras coisas a mencionar para se compreender bem quanto Luís XIV errou, ao lado de algumas coisas magnificamente acertadas que ele fez como, por exemplo, a revogação do Edito de Nantes.

Consequências da infidelidade na correspondência ao chamado divino

Acaba sendo, portanto, que o Sagrado Coração de Jesus tratou Luís XIV com muito afeto, porque quis fazer dele a primeira concha de repercussão de seu apoio, pois o recado d’Ele a Santa Margarida Maria Alacoque, que se dirige ao mundo inteiro, deveria ser comunicado antes de tudo ao rei. E, pela repercussão que encontrasse nele, ter uma dilatação por todo o bem-amado Reino da França, filha primogênita da Igreja.

Na sua comunicação, fica bem claro que Nosso Senhor esperava que as diversas classes sociais fossem deixando filtrar, de umas para as outras, a Mensagem, e que, afinal de contas, esta se espraiasse pelo reino inteiro, com a aceitação da missão das classes mais altas de baterem os corações em uníssono com a de um rei fiel ao Coração de Jesus.

Isto me parece muito importante inclusive do ponto de vista contrarrevolucionário, pois se Luís XIV tivesse feito assim e a França inteira se convertido ao som da voz do monarca amado pelo Sagrado Coração, creio que a Revolução Francesa teria ficado impensável. Notem bem: não é dizer que ela se tornaria impossível, mas ficaria impensável. Porque com o prestígio que tinha a realeza naquele tempo, mas também o prestígio individual colossal que Luís XIV, o Rei Sol, possuía na Europa inteira, tudo isso junto faria com que o modo de se embeber essa devoção na nobreza e depois no povo seria de um efeito extraordinário.

Por conseguinte, se a torneira da Revolução não tivesse sido aberta sobre a França, não teria podido alcançar o mundo inteiro como alcançou. O prestígio da França concorreu enormemente para que a Revolução se tornasse universal. Então, fica um homem colocado na posição por onde depende dele tudo, dar-se ou voltar atrás. No que diz respeito à atitude reparadora de nossa espiritualidade, do Sagrado Coração de Jesus como devoção inspiradora de pensamentos e atitudes contrarrevolucionárias, isto vem muito a propósito.

Estado de espírito difundido pelo mal

Por que o Sagrado Coração de Jesus estava de tal maneira pisado? Ademais, em um período a respeito do qual São Luís Grignion chegou a afirmar que a impiedade estava inundando a Terra inteira. Como se explica que analisemos a situação do mundo no “Ancien Régime” quase com uma nostalgia daquilo que nós não conhecemos, e esta mesma situação até anteriormente ao fim do “Ancien Régime” – portanto, quando ela estava menos grave do que se tornou nas vésperas a Revolução Francesa – foi, entretanto, qualificada por São Luís Maria Grignion e tantos outros santos, e a “fortiori” pelo Sagrado Coração de Jesus, de uma situação gravíssima?

Houve a difusão de um estado de espírito pelo qual, quando alguém denuncia o avanço do demônio, uma ou outra voz, em surdina, diz palavras de adiamento, de dúvida, de “laissez faire, laissez passer”(1). Entrevê-se que Luís XIV e as pessoas de seu tempo que receberam a Mensagem do Sagrado Coração de Jesus participavam de um estado de espírito que lhes sugeria ideias mais ou menos assim: “Temos o Rei Sol e todo o princípio monárquico que brilha com o seu resplendor máximo; neste momento falar da possibilidade de uma Revolução que vai chegar à decapitação dos reis, a um virtual destronamento das dinastias, é um absurdo. Nosso Senhor disse isso à Sóror Margarida Maria, mas na superior sabedoria d’Ele, da qual eu sou partícipe – porque a vaidade não pode deixar de entrar nessas ocasiões –, percebo pelo meu “feeling” e pela sensação normal das coisas que isso vai demorar.”

Donde a ideia de que essa Mensagem não poderia ser tomada tão a sério, e deveria ser sensatamente relativizada. Assim, todos os apelos feitos por meio de São Luís Grignion e outras pessoas deveriam parecer radicalismos e fanatismos.

Mensagens totalmente viáveis de serem cridas

Isso constituiu um pecado enorme, pois esta Mensagem foi dada em condições de, logicamente, ser crida por todo o mundo. Deus não pediu a ninguém uma adesão irracional, mas sim um “rationabile obsequium”; havia todas as razões para acreditar na autenticidade desta Mensagem como, por exemplo, na de Fátima também.

Estive lendo, há algum tempo, um relato sobre coisas de Fátima e encontrei o seguinte: o médico de Jacinta era um dos melhores de Lisboa. E no dia do enterro da vidente havia uma reunião de um centro médico católico de muita importância na vida cultural de Lisboa. O Cardeal Arcebispo Patriarca de Lisboa presidia a reunião, quando chegou atrasado esse grande médico cuja ausência todos estavam notando. Ele pediu desculpas ao cardeal pelo atraso e disse que fora a Fátima acompanhar o sepultamento de Jacinta. Apesar da respeitabilidade desse médico, a sala estourou em gargalhadas por causa da credulidade dele. Inclusive o cardeal ria a bandeiras despregadas.

Quer dizer, a Mensagem de Fátima, dada por meio de três pastorzinhos, tinha todas as condições para ser crida. Pois bem, a atitude do público lisboeta diante do enterro de Jacinta é quase uma negação galhofeira.

Vê-se que essa posição foi tomada por certas correntes em face da devoção ao Sagrado Coração de Jesus. Provavelmente houve risadas assim em círculos precursores do “voltaireanismo”, do iluminismo, etc.

Um espírito tépido, ideal para abafar qualquer fervor

Outras correntes foram mais moderadas. Quiçá tenha havido uma corrente comodista que não se ocupou muito com a coisa, pensando: “Essa mensagem talvez seja verdadeira. Mas que importância tem isso em comparação com saber se Madame de Montespan e os filhos dela vão ser reconhecidos por Luís XIV ou não; ou se o rei vai fazer suas caçadas em Fontainebleau este ano? Isto sim é o importante: a vida da corte e dos círculos sociais que se seguem em hierarquia. O resto, se o Sagrado Coração de Jesus disse… Talvez tenha dito mesmo, mas não vale a pena estudar isso. Basta que eu tenha alguma devoção tradicional, boa, segura e que, sobretudo, não seja principalmente católico, mas sim um cortesão ou uma cortesã, está acabado”.

Uma grossa parte de gente, que constituía o peso geral da opinião pública, tomava diante do fato essa atitude. Depois, algumas almas piedosas que tiveram conhecimento da Mensagem seguiram a coisa com atenção, e prolongaram uns filõezinhos que vararam de alto a baixo toda essa imensa crosta de classes sociais até chegar ao povinho. Então, há salpicos de devoção ao Sagrado Coração de Jesus em várias correntes da opinião pública.

Essa marcha geral conjunta da opinião francesa diante desse fato mostra o espírito da Revolução Iluminista – ele próprio filho da Revolução anterior, portanto, da Renascença, do Humanismo, do Protestantismo –, que foi com o tempo radicalizando-se. A bem dizer, o iluminismo já estava nascendo e ensopando de indiferença, de dúvida, essa devoção, não querendo aceitá-la porque ela pediria fervor, e essa grande massa não queria fervor, porque o fervor contrarrevolucionário é uma atitude diametralmente oposta à Revolução. Aliás, o próprio fervor revolucionário essa crosta grossa aprecia, mas não muito. É preciso viver tepidamente.

“Oxalá fosses frio ou quente. Mas porque és morno, nem frio nem quente, estou para vomitar-te de minha boca”, diz Nosso Senhor (Ap 3, 15-16). O pessoal vomitado pelos lábios divinos de Nosso Senhor é essa enorme crosta. Portanto, o grande esforço não era estar em dissonância com o rei, com esse ou com aquele, mas dissonar dessa enorme massa.

A alma da Contra-Revolução é o espírito reparador

Vemos, assim, a importância de uma concepção da História para compreender bem a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, e para adotar diante dela a atitude devida em face dos tempos atuais. Não é capaz de tomar bem uma posição de compreensão da devoção ao Sagrado Coração de Jesus quem não leve em consideração a noção de que essa foi uma imensa providência tomada por Deus para sacudir a Revolução e acabar com a tepidez. Terminada esta, o resto desapareceria.

Essa tepidez era produto de uma evolução histórica. Se um homem do tempo do Rei Sol não quisesse compreender tudo quanto ele perdeu na trajetória da Idade Média para Luís XIV, e que foi uma Revolução que lhe roubou tudo isso, não tinha solução.

A Mensagem do Sagrado Coração dá a entender que diante da situação de derrocada, a qual, em profundidade, acentuava-se já naquele tempo, o específico era a promoção dessa devoção enquanto reparadora. Esses fatos despertam a cólera divina. Mas Deus não quer punir o mundo. Então Ele indica o caminho especial para evitar que essa punição se dê. Não é um caminho entre outros, é o caminho específico.

Logo, o supremo esforço do seu amor é despertar um movimento de reparação que seja a Contra-Revolução, porque se tudo isso é a Revolução; por excelência e mais do que tudo, a Contra-Revolução é o que Ele está indicando. A própria alma da Contra-Revolução é o espírito reparador.

O que isso significa? Deus está ofendido pela Cristandade em geral. Ele considera a Cristandade como um bloco pecador. Tão gravemente pecador que o último esforço do amor d’Ele é aquele, como quem diz: “Prestai atenção, mas se esse esforço que Eu estou deitando não for seguido como deve, virá algo que é a liquidação da ordem em que estais”. Indica também, com a visão histórica retrospectiva inerente a essa devoção, que já foram feitos nessa direção muitos esforços não correspondidos pelos homens. E que então Deus apresenta um esforço que é ao mesmo tempo último e supremo, tão expressivo de amor, tão capaz de tocar as almas, que não se pode cogitar mais do que isso.

Assim, Ele convida a que, ao menos algumas almas de valor, se entreguem completamente a esse esforço reparador e sofram tanto que aplaquem a Deus, deixando-se crucificar como Nosso Senhor Se deixou.

Dona Lucília, sobre quem o Sagrado Coração de Jesus deitou diversas cruzes

Deste modo, as palavras do Sagrado Coração de Jesus se transformam numa mensagem para almas de elite que, sendo em número suficiente e, sobretudo, com um amor intenso, suportam todo o peso desses pecados. Se o resgate pago não estiver na proporção dos pecados cometidos, a avalanche se desencadeia.

Tenho a impressão de que se passou com esse lance de Nosso Senhor o mesmo que se deu com lances anteriores, ou seja, o número de almas que corresponderam foi real, com muito mérito e de um modo muito precioso, mas não foi suficiente. Muitos procuraram corresponder, mas de um modo mole. Várias organizações buscavam atender ao apelo do Sagrado Coração de Jesus, mas com falta de profundidade, de conceitos, etc.

Por esta forma conseguiam que, já dentro do mar solto, alguns barquinhos continuassem a navegar, mas vítimas das ondas que os arrastariam para onde quisessem. Embora continuassem a ter sucessores nessa reparação, provavelmente em número e amor cada vez menores, até chegar a um ponto no qual o número fosse tão pequeno que a avalanche ficaria solta.

Ora, dentro do horror desse mar tempestuoso, minha Obra seria um barquinho, preciosa resultante desses atos de reparação. Não se pode negar que no nascimento e na formação de minha Obra o Sagrado Coração de Jesus teve um papel muito grande, antes de tudo porque houve uma senhora sobre quem Nosso Senhor deitou cruzes desde meninota, e que sofreu desde pequena com uma resignação extraordinária e com os olhos voltados para o Sagrado Coração de Jesus. Esta senhora teve um filho que, por sua vez, fundou esta Obra.

Tendo nascido de Dona Lucília, posso dizer que nasci desse movimento descrito acima. Não propriamente nesse movimento, pois essa devoção já estava tão rarefeita na massa geral dos fiéis, que grande parte do que estou dizendo foi recomposto por mim pelo fato de eu ser contrarrevolucionário, e ter uma visão da História a qual me levou à conclusão de que a reparação é o único jeito.

Abominação num lugar sagrado

Quando tomei conhecimento das revelações de Paray-le-Monial eu teria uns dezessete anos mais ou menos. Para mim aquilo foi claríssimo. Portanto, tudo quanto estou dizendo agora é fruto de muita reflexão, ao longo de anos. Eu não disse antes porque a devoção ao Sagrado Coração de Jesus estava tão aguada, que se eu quisesse levá-la a todos esses extremos, receberia a objeção da imensa crosta dos tépidos que diriam: “Essas são considerações que se fossem verdadeiras estariam nos lábios de todos os bons padres que conhecemos…”

Como eles tratam essa devoção? Não é à maneira de lábaro, pois este supõe um exército em ordem de batalha. Quando chegou o momento de movimentos piedosos serem quase liquidados sob o pretexto de constituírem piedade privada e não litúrgica, essa devoção já não apresentava mais este caráter bélico. Antes de o demônio fazer o que se permite agora, essa devoção foi enxugada da face da Terra.

Deparei-me com um dos indícios mais marcantes desse destroçamento quando estive na França, na década de 1950, e fui visitar Paray-le-Monial. Saindo da igreja, minha vista bateu normalmente em uma livrariazinha católica que ficava em frente. Pensei em comprar para minha mãe uma lembrança que mostrasse com quanto afeto lembrei-me dela nesse lugar tão ligado a ela. Então, dirigi-me a uma vitrine onde vi cartõezinhos preparados com o bom gosto francês em todos os sentidos, de boa qualidade. Aproximei-me para ver o que havia nos cartõezinhos, certo de trazerem fragmentos da Mensagem do Sagrado Coração de Jesus. Pensei: “Eu posso comprar para mamãe essa coleção de cartõezinhos; ela vai gostar.”

Quando eu me inclino para ler, vejo se tratarem de trechos de Voltaire, Rousseau, d’Alembert, sem dizer uma palavra sobre o Sagrado Coração. Expostos numa livraria oficialmente católica, em frente à porta por onde saíam os que tinham ido venerar o lugar onde Nosso Senhor aparecera a Santa Margarida Maria Alacoque! Era a abominação no lugar sagrado, evidentemente.

Diante do sofrimento devemos ter o espírito reparador

Tomando tudo isso em consideração, vemos que se tivéssemos compreendido a necessidade da reparação e oferecido nossos sofrimentos com essa intenção reparadora o tempo inteiro, é fora de dúvida que teríamos obtido melhores resultados na luta contra a Revolução.

Pelo favor de Nosso Senhor Jesus Cristo e pela mediação onipotente de Nossa Senhora, conseguimos constituir a Contra-Revolução. Mas não somos ainda a Contra-Revolução marcada a fogo pela sua característica essencial: a reparação. Isto é o que falta!

Porque entre nós há os que fazem parte da legião dos acomodados, dos tépidos. E essa tepidez nos afasta do desejo da reparação, da cruz e de qualquer forma de sofrimento.

Ora, é preciso termos esse espírito reparador diante do sofrimento. Como se pode pretender vencer uma luta contra um tal inimigo sem aplacar primeiro a Deus? Como se Deus fosse um parceiro de segunda classe, cujo apoio na luta nós desejamos, é bom, vale a pena ter, nada mais. Mas o importante e decisivo fossem as regras de atuação na opinião pública. O que é isso em comparação com o que as circunstâncias exigem?

Antes de tudo, desarmemos a cólera de Deus por meio das orações de Nossa Senhora, tomando-A como a grande reparadora, associando à devoção ao Sagrado Coração de Jesus a devoção ao Imaculado e Sapiencial Coração de Maria.

Que essas palavras nos deem, pelo menos, um acento de especial desejo de que, por meio do Imaculado Coração de Maria, obtenhamos o perdão pela nossa afronta ao Sagrado Coração de Jesus.  v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 29/1/1995)

Revista Dr Plinio 255 (Junho de 2019)

 

1) Do francês: deixai fazer, deixai passar.

 

Comunhão espiritual

Ó Santíssima Mãe de Deus, no momento em que me preparo para a comunhão espiritual, imploro vosso auxílio. Tenho em mente, de modo especial, o período santo e glorioso em que Nosso Senhor Jesus Cristo, vivendo em vosso claustro virginal, estava convosco, noite e dia. E Vos peço que, pelos méritos de tal fase de vossa vida, me obtenhais um desejo ardente de receber, em meu pobre coração, o Santíssimo Sacramento.

Também tenho em mente, ó Mãe Santíssima, a vossa Primeira Comunhão, quando da celebração da primeira Missa no Cenáculo. Com que atos inefáveis de adoração, ação de graças, reparação e de petição recebestes então em vosso peito o Santíssimo Sacramento! E pondero com enlevo que, segundo é licito crer, daí por diante a presença eucarística se conservou em Vós ininterruptamente até o último instante de vossa vida terrena. Quantos atos de piedade perfeitíssimos fizestes então a vosso Divino Filho, ó Mãe!

Creio com toda a alma na presença real de Nosso Senhor Jesus Cristo na Santíssima Eucaristia. E me recordo, neste momento, das numerosas Comunhões que tive a honra e o gáudio espiritual de receber ao longo de minha vida. Recordo-as com amor, gratidão e saudade, pois, para atender aos meus deveres de estado, estou privado dessa graça inefável, nas circunstâncias em que ora me encontro. A ideia de que, neste instante, eu poderia estar recebendo Nosso Senhor Jesus Cristo realmente presente na Sagrada Eucaristia me transporta de amor.

Não podendo comungar sacramentalmente neste momento, apresento-me, entretanto, a Ele na qualidade de escravo de amor. Faço-o por vosso intermédio, ó Santíssima Mãe de Deus e minha, e peço que me obtenhais um ardente desejo de receber a Comunhão sacramental agora mesmo, se tal fosse possível. E assim espero que esta comunhão espiritual seja bem acolhida pelo meu Divino Salvador.

Pelos rogos de Maria, os quais jamais deixais de atender, eu Vos peço, ó Senhor, que me obtenhais todas as graças necessárias para a minha pronta santificação. Amém.

Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento, rogai por nós.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Composta em 22/8/1985)

Revista Dr Plinio 255 (Junho de 2019)

Adoração da personalidade de Nosso Senhor

Quando prestamos culto ao Coração de Jesus, adoramos a personalidade divina e insondavelmente perfeita de Nosso Senhor Jesus Cristo, a qual abarca todas as personalidades e todas as qualidades dos Anjos e homens, desde o começo da Criação até o fim dos tempos.

 

A solenidade do Sagrado Coração de Jesus é tão grande que não podemos deixar de fazer um comentário. Devemos considerar a relação dessa solenidade com as de Cristo Rei, do Imaculado Coração de Maria e da Realeza de Nossa Senhora.

Mentalidade de Nosso Senhor

A do Sagrado Coração de Jesus tem por objeto imediato cultuar o Coração físico de Nosso Senhor Jesus Cristo. Porém, cultuá-Lo em Si e enquanto símbolo da Alma Santíssima do Salvador, e que vem a ser aquilo que se poderia chamar a mentalidade ou, se quiserem, a psicologia de Nosso Senhor, com aquela composição de feitio de inteligência e de vontade que as noções de mentalidade e de psicologia retêm em si.

Quer dizer, é uma solenidade na qual nós celebramos, por assim dizer, a personalidade divina e insondavelmente perfeita, única de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas, ao mesmo tempo, abarcando todas as personalidades, quer dizer, contendo em grau supereminente, enquanto Homem e Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, todas as qualidades de todos os Anjos e de todos os homens, desde o começo da Criação até o fim dos tempos. Isso é propriamente o que nós adoramos, quando prestamos culto ao Coração de carne de Jesus, Nosso Senhor.

Por uma simbologia de outra natureza, as pessoas acabaram se habituando a considerar no coração apenas o símbolo do amor, mas tomando a palavra “amor” com uma corrupção do século XIX, na acepção sentimental da palavra, significando apenas ternura, enquanto sentimento de alma.

É claro que Nosso Senhor Jesus Cristo tinha uma ternura supereminente enquanto Homem, e infinita enquanto Deus. Mas não é só a sua ternura – e poder-se-ia dizer que não é principalmente a sua ternura – que nós adoramos na solenidade do Sagrado Coração de Jesus, embora essa ternura seja digna de toda adoração possível. A personalidade de Nosso Senhor Jesus Cristo não se esgota em ternura; tem muitos outros adornos, predicados além da ternura.

Não é principalmente a ternura. Embora esta – com equilíbrio, com critério, conforme era em Nosso Senhor Jesus Cristo – seja uma grande perfeição de alma, entretanto ela não é a maior das perfeições que uma alma possui. Em Deus todas as perfeições são infinitas, mas na hierarquia de valores num homem a ternura não é, evidentemente, o principal valor.

Desejo de reconquistar por misericórdia uma humanidade revoltada

Entretanto, não deixa de ser verdade que a devoção ao Sagrado Coração de Jesus contém uma nota legitimamente acentuada no que diz respeito à misericórdia d’Ele, isto é, a bondade, a capacidade de perdoar, de passar por cima dos pecados, de amar, de dar sempre novas graças. E pode-se dizer que há qualquer coisa de legítimo no fato de que a piedade no século XIX, romântica por alguns lados, focalizou principalmente a ternura do Sagrado Coração de Jesus. O mal foi que, às vezes, tenha focalizado só a ternura.

Em fins do século XVIII e ao longo do XIX, vemos começar a se dar a grande expansão da devoção ao Sagrado Coração de Jesus, a qual foi quase clandestina antes da Revolução Francesa. São João Eudes a pregou, Santa Margarida Maria Alacoque também, mas era uma devoção de tal maneira considerada audaciosa, e quadrando pouco com o ambiente da época, que um filho de Luís XV, tendo querido erigir um altar na capela de Versailles, não teve coragem de erigir lá, e mandou colocar uma imagem do Sagrado Coração de Jesus do lado de trás do altar, onde, aliás, ela ainda existe. Vejam o misto de ortodoxia e clandestinidade que havia nesta devoção.

Portanto, o grande desenvolvimento desta devoção ocorreu no século XIX. E nós podemos dizer que, apesar de todo o caminho tortuoso, foi também no século XIX que começou a reconquista do mundo da parte de Nosso Senhor. E nesse século houve enorme progresso da Igreja Católica, grande surto de dogmas marianos, a expansão da devoção ao Papa, a definição do dogma da infalibilidade papal, a devoção ao Santíssimo Sacramento, o movimento ultramontano, “pari passu” com o desenvolvimento da devoção ao Sagrado Coração de Jesus.

Qual é a relação entre tudo isso?

O Sagrado Coração de Jesus, sendo visto de um ângulo de misericórdia, de bondade e de perdão, não castiga os homens na medida em que merecem, mas procura lhes fazer um bem ao qual eles não têm direito. Vem daí, então, o desejo de reconquistar por misericórdia uma humanidade revoltada e de prodigalizar graças, uma em cima da outra, para, apesar de serem mal acolhidas, operar essa reconquista dos homens.

Depois dos castigos preditos em Fátima, virá o Reino de Maria

Após o reinado de São Pio X, o curso da História da Igreja muda. Nós temos ainda uma expansão grande de piedade com o florescimento da devoção a Santa Teresinha do Menino Jesus, que se deu no reinado de Pio XI, quando as primeiras neves do progressismo e do modernismo começavam a cair sobre o mundo, depois da grande repreensão de São Pio X.

Mas essa foi uma flor que desabrochou na boca do inverno. De lá para cá, nós não notamos na Igreja nenhum grande movimento de piedade, nenhum desses surtos enormes que levam milhões e milhões de almas a se entusiasmarem, a se afervorarem, como foi no movimento ultramontano do século XIX.

Vimos no Brasil, de um modo efêmero, o esplendor das Congregações Marianas, que se deu ainda no tempo de Pio XI, em que nosso país, por atraso, vivia ainda o pontificado de São Pio X. Tivemos, mais ou menos, uma década de desenvolvimento do movimento mariano, de 1928 a 1938. Depois disso, sucumbiu também.

Embora a devoção ao Sagrado Coração tivesse perdido muito, a devoção ao Imaculado Coração de Maria ter-se difundido bem menos, essas carências de expansão na Igreja não são sempre frutos de infidelidades; são muitas vezes tesouros que a Igreja como que guarda para dias piores.

Então se compreende que, rejeitado o Sagrado Coração de Jesus, venha o Reino do Imaculado Coração de Maria. É a Mãe do Perdão que veio onde Ele foi recusado, para perdoar ainda mais, ir aonde só a mãe pode chegar e o pai não vai.

Não estou afirmando que Nossa Senhora é mais misericordiosa do que seu Divino Filho; quero dizer que Ela é a fina ponta da misericórdia d’Ele. Nosso Senhor manda sua Mãe aonde Ele, como que, não poderia ir. Ele encontra este “artifício” de mandar a sua Santíssima Mãe até lá.

Então, Maria Santíssima recomeça a reconquista do mundo. Fátima, um movimento muito mais difuso do que o do Sagrado Coração de Jesus, é alguma coisa na qual se preconizou o Imaculado Coração de Maria. E nós vemos uma espécie de luta da Providência desafiando os homens, dizendo: “Vocês são tão ruins, mas serei de uma tal bondade que vou vencer toda a ruindade de vocês. Eu acabarei triunfando”.

Isso indica uma vontade deliberada de reinar, de acabar vencendo que, aliás, é muito expressa na mensagem de Fátima: “Por fim o Meu Imaculado Coração triunfará”.

Então, nossa atenção se concentra nessa imagem final: o Sagrado Coração de Jesus, fonte infinita de graças que escoa através do Imaculado Coração de Maria, canal de todas as graças, e inunda a humanidade para reconquistá-la. Uma reconquista na qual é preciso estar perdoando sempre, concedendo sempre mais graças, mas em que, num determinado momento, cairão também os castigos preditos em Fátima, após os quais virá o Reino de Maria.  

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 5/6/1970)

 

Preparação para receber a Eucaristia

Minha Mãe e Senhora do Santíssimo Sacramento, preparai-me Vós mesma para receber Nosso Senhor, dando-me todos os bons movimentos de alma, os bons impulsos para que eu tenha presente o que vai acontecer de extraordinário, a honra imensa que vou ter porque rezastes por mim e, por isso, vosso Divino Filho vem a mim.

Quando comungáveis, Vós compreendíeis inteiramente a grandeza desse ato. Peço-Vos, pois, que adoreis a Deus em meu lugar, porque não sou suficientemente grande para O adorar. Vinde espiritualmente à minha alma e cuidai de vosso Divino Filho como O tratáveis na Terra, porque não sou capaz de fazê-lo devidamente.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 5/1/1974 e 6/2/1981)

Grande lição de combatividade

Tendo fraquejado a coragem de proclamar os dogmas, houve uma diminuição da Fé em incontáveis pessoas que se dizem católicas. A Solenidade de “Corpus Christi” nos ensina a ser cada vez mais combativos por amor a Nossa Senhora e por adoração à Sagrada Eucaristia.

 

Deverei falar alguma coisa a respeito de “Corpus Christi”. Os aspectos da instituição do Santíssimo Sacramento e da presença da Eucaristia na Igreja já têm de tal maneira sido estudados por nós, que se fica um pouco embaraçado em dizer algo de novo. Mas uma vez que não estamos propriamente na festa da instituição do Santíssimo Sacramento, que é na Quinta-feira Santa, mas na solenidade de “Corpus Christi”, eu gostaria de dizer algo sobre a razão pela qual ela foi instituída.

Um dos maiores escândalos na Igreja, no século XVI

Todos sabem que os protestantes, hereges, negaram e negam a presença real de Nosso Senhor Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento. E esse foi um dos maiores escândalos sentidos ou realizados na Igreja, no século XVI, no qual houve tantos escândalos.

Os medievais tinham uma profunda Fé no Santíssimo Sacramento, na presença real e, portanto, uma devoção enorme à Santa Missa, à adoração do Santíssimo Sacramento. E a negação brutal da presença real, feita pelos protestantes, foi um dos pontos de fratura entre eles e os católicos, tendo sido recebida por estes como um dos piores ultrajes que jamais se tenham cometido contra Nosso Senhor.

Qual foi então a política – porque se pode aqui falar em política, no sentido elevado do termo –, quer dizer, a tática pastoral usada pela Igreja em face desse fato?

A Igreja tinha dois caminhos. Um seria o de dizer: “Nossos irmãos separados protestantes estão negando a presença real. Se formos afirmar de modo protuberante essa presença, nós sustentamos a separação. Como eles não querem saber de nenhum modo desse dogma, na medida em que nós o afirmamos, eles se afastam. Vale a pena, então, repensarmos o dogma da presença real. E tomando em consideração que os tempos mudaram – porque o ano de 1500 estava afinal de contas bem longe do ano I da era Cristã –, era muito natural que nós agora exprimíssemos a presença real num vocabulário diferente, que agradasse aos protestantes”.

“Não seria uma negação da presença real, pois é um dogma definido por Nosso Senhor Jesus Cristo. Mas em vez de afirmar de forma tão acentuada que Ele está realmente presente, debaixo das aparências eucarísticas, com seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade, nós poderíamos dizer que há a presença de Cristo no pão aqui consagrado. O que essa presença significa? Deus está presente por toda parte, e os bons amigos protestantes podem entender que Ele se encontra ali como está, por exemplo, numa flor ou num pão qualquer. Nós compreendemos que não é isso, mas sim que Ele está realmente presente com Corpo, Sangue, Alma e Divindade. Porém, não vamos declarar isso para não criar uma cisão. Vamos usar um termo confuso, equívoco e assim eles ficam unidos conosco. Depois, vamos começar o diálogo, no qual dizemos para eles: ‘Que tal seria se nós reestudássemos os fundamentos do dogma da presença real, para verificarmos em conjunto até que ponto ele tem ou não seu fundamento da Sagrada Escritura?’”

O protestante diria: “A sua dúvida é irmã da minha. E tenho vontade de re-pesquisar o assunto, como você tem também”. Eu não lhe iria afirmar que duvido, porque destruiria a Fé. Então eu lhe falaria: “Se você tem dúvidas, era bom estudar”. Ele fica com uma certa  impressão de que eu tenho dúvidas, mas eu não disse que tenho dúvidas.

Se satanás fizesse uso da palavra…

Então, começa uma conversa a respeito do Santíssimo Sacramento em que digo: “Seria mais interessante, em vez de eu tomar uma posição endurecida e você também, nós estudarmos qual é o modo pelo qual poderíamos chegar a um acordo. De maneira tal que, da tese ‘Jesus Cristo não está presente realmente na Eucaristia’, nós conseguíssemos deduzir uma terceira posição que não seria inteiramente uma coisa nem outra. Você cede um pouco e eu também. E nós afirmaremos juntos que Jesus Cristo está presente de fato na Eucaristia. Porém, se ele está presente apenas enquanto Deus, ou enquanto Homem-Deus, é um pormenor a respeito do qual cada um de nós reserva sua liberdade de posição. Então, teremos chegado finalmente a uma síntese”.

Por essa forma poder-se-ia evitar uma ruptura entre protestantes e católicos, e o mundo cristão seria hoje unanimemente católico. Essa unidade teria dado à Religião Católica um vigor, uma magnitude muito diferente da tristeza dessa bipartição que está aí.

“Vocês católicos – argumentaria um protestante – quando veem, do alto e de dentro de sua unidade, as seitas protestantes pulverizadas, riem dessa pulverização, imaginam bem de que desgraça, de que infortúnio estão escarnecendo? Vocês têm uma ideia de quanto isso representou para o rebaixamento moral desse mundo protestante assim dividido? Quanto significou de lutas, de divisões, de dores, de sofrimentos? A primeira cisão partiu de vocês, quando rejeitaram a nossa novidade. Depois, as outras cisões vieram em cadeia, por causa exatamente da rejeição que vocês praticaram. Vocês são os autores dos males dos quais se queixam.”

Se satanás tivesse que fazer uso da palavra, diria – com mais inteligência e mais charme – mais ou menos a mesma coisa.

O ensino deve ter clareza

Ora, os Santos, os teólogos, os papas daquele tempo seguiram uma política inteiramente diversa. Eles pensaram o seguinte: a Igreja Católica foi instituída por Jesus Cristo para ensinar a verdade. E ela não tem o direito de dar um ensinamento confuso porque não é um ensinamento digno desse nome. É indigno o ensinamento confuso, mesmo de um professor que, involuntariamente, por incompetência, deixe a confusão reinar sobre o conteúdo do que ele está ensinando. Porque a clareza é a primeira das qualidades do professor, ou seja, o ensino exige como pressuposto a clareza. Um homem pode ser sábio e não ser claro. Mas não pode ser professor e não ser claro. Seria mais ou menos como um fabricante de binóculos que os faz com um cristal excelente, com uma montagem muito boa, mas os cristais que ele usa são um pouco embaçados: é uma porcaria. Porque o binóculo foi feito para se ver à distância com clareza. Se não dá para ver com clareza, é uma porcaria, o resto não interessa.

Portanto, a primeira exigência do ensino é de ser claro. Se aquele que ensina não o faz com clareza intencionalmente, ele é pior do que um incompetente: é um desonesto. Porque é uma desonestidade, uma fraude, apresentar-se alguém a um outro com a segunda intenção de não lhe transmitir a verdade inteira, quando este supõe que a verdade inteira lhe será dada.

Em termos mais definidos: há uma questão a respeito de saber se os portugueses já conheciam ou não o caminho do Brasil, quando aqui chegou Pedro Álvares Cabral, e se o descobrimento do Brasil foi, portanto, realmente um descobrimento ou uma expedição mandada pelo Rei de Portugal para oficialmente descobrir o Brasil. Os portugueses julgaram que era o momento de revelar ao mundo a posse desta terra que eles já conheciam, mas não queriam que fosse habitada ainda, porque não sentiam ainda a nação portuguesa bastante pujante para iniciar o povoamento deste mundo que estava diante deles.

Há uma discussão sobre esse assunto na História do Brasil. Um professor tem o direito de sustentar uma dessas duas teses, que se apoiam em argumentos prováveis; tem o direito de dizer que não aceita nenhuma delas como demonstradas ainda, porque não as acha suficientemente elucidadas. O que ele não tem é o direito de, numa aula de História tratando da questão, tirar o corpo da solução e não dar a posição dele. Se, por uma razão política qualquer, ele evita tomar posição, não é honesto porque tem a obrigação de dizer a verdade a respeito das coisas.

Pode-se até compreender – não chego a dizer que se possa escusar – que um ou outro faça silêncio a respeito de um determinado ponto de História. Contudo, segundo pensaram aqueles grandes teólogos e doutores, se a Igreja fizesse o silêncio a respeito da Eucaristia, ela estaria fraudando os fiéis que receberiam dela um ensinamento confuso sobre uma verdade indispensável à salvação. E ela, assim, faltaria com a sua missão.

Necessidade de levar os princípios até suas últimas consequências

Ademais, se a Igreja silenciasse a respeito da Eucaristia faria com que os fiéis comungassem mal, porque eles, não tendo o ensinamento claro sobre o que estão recebendo, não podiam recebê-lo bem. Como fazer um ato de adoração ao Santíssimo Sacramento se não se tem certeza que ali está Nosso Senhor Jesus Cristo? Não é possível. Quer dizer, para manter uma unidade pútrida, a Igreja sacrificaria a vida espiritual de seus fiéis.

Por fim, viria um princípio que, embora não seja o mais forte, é o menos realçado, e por isso desejo salientá-lo: A força de toda instituição consiste em levar às últimas consequências seus próprios princípios. A partir do momento no qual ela julga que, para sobreviver, deve adoçar os seus princípios, reconhece que já morreu.

Tomem, por exemplo, o estado militar. As forças armadas constituem uma instituição do país. O próprio delas, na sua pujança, é deduzir da condição militar o estilo de vida militar levado tão longe quanto possível. A partir do momento em que, por exemplo, um ministro da guerra dissesse que o Brasil é um país ao qual repugna tanto o estado militar que, ou o militar toma ares de civil, ou não haverá mais militares, as forças armadas morreram no Brasil. Porque se a coerência do estado militar é inaceitável pelo país, afugenta as vocações; então é preciso reconhecer que o estado militar morreu.

Vocações clericais: um padre deve ser, pensar, vestir-se e viver como padre. Se alguém diz que em determinado país é preciso trajar os padres de macacão para atrair vocações, então esse país não quer ter mais padres, ficou pagão. 

Aplico o mesmo princípio à instituição da família. Alguém dirá: “Dr. Plinio, se não for aprovado o divórcio, muita gente começa a não se casar mais e a viver no amor livre.” A resposta é: “Então diga que morreu a instituição da família. Não vale a pena fazer uma familiazinha moribunda, caricatura abastardada daquilo que deve ser”.

Vamos, então, tomar a questão de frente e dizer logo: tal país morreu. Porque uma nação onde não há compreensão para o estado militar, para o estado eclesiástico e nem apreço pela família é uma nação morta.

Política de enfrentar, lutar, afirmar, proclamar 

Os padres do Concílio de Trento entenderam ser preciso fazer o contrário. E em oposição ao protestantismo, acentuar o culto ao Santíssimo Sacramento. Então, o Concílio fortaleceu o decreto da instituição da festa de “Corpus Christi”, prescrevendo ao clero a realização de uma procissão na qual o Santíssimo Sacramento saísse à rua, para se ver que as multidões O adoram de joelhos postos em terra, reconhecendo que debaixo das aparências eucarísticas está Nosso Senhor Jesus Cristo. Desde então, impulsionou-se o culto ao Santíssimo Sacramento de todos os modos, chegando a essa plenitude que era a adoração perpétua do Santíssimo Sacramento, instituída por São Pedro Julião Eymard.

Era a política de enfrentar, não conceder, lutar, afirmar, proclamar. A política da honestidade, da lealdade, da integridade, da coerência, de onde veio para a Igreja uma torrente de graças, exatamente as graças da Contra-Reforma, que representaram uma das maiores chuvas de bênçãos que a Igreja tem recebido.

Acentuar o culto ao Santíssimo Sacramento, a Nossa Senhora e a devoção ao Papa foi a resposta da Igreja ao protestantismo. Uma longa resposta de trezentos anos. No século XIX ainda, a proclamação da infalibilidade papal, do dogma da Imaculada Conceição; no século XX, o dogma da Assunção. Enfim, tivemos uma série de afirmações e instituições desdobrando e afirmando aquilo que o protestantismo negava. De maneira que quanto mais eles persistam no seu erro, tanto mais nós íamos proclamando alto a nossa verdade. Quanto mais eles se esfarelavam, tanto mais a nossa unidade se afirmava. Quanto mais eles morriam, tanto mais a nossa vitalidade se multiplicava.

Até que outros ventos sopraram… Vejamos a verdade de frente: há incontáveis católicos que não têm mais a coerência de sua Fé. Não possuem mais a pugnacidade, aquela integridade que caracteriza uma instituição quando está viva. A Igreja nunca diminui de vitalidade porque é imortal, sobrenatural, divina, mas a correspondência de seus filhos a ela pode diminuir e, portanto, a densidade de Fé minguar também no espírito de muitos deles.

Como, em nossos dias, a coragem de proclamar os dogmas diminuiu, há, portanto, uma diminuição da Fé em incontáveis daqueles que se dizem católicos!

A solenidade de “Corpus Christi” é a festa do Santíssimo Sacramento, mas também uma grande lição de combatividade. Aprendamos essa lição e procuremos ser cada vez mais combativos por amor a Nossa Senhora e por adoração à Eucaristia.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 28/5/1970)