Imaginemos uma caça com falcão. Sua força está como que condensada, acumulando capacidade de voo, com vontade de pegar algo; a agudeza de vista percebe de longe o animal que ele quer agarrar. Ele, então, alça voo e parte com elã e coragem em busca da presa, a fim de dominá-la e trazê-la de volta.
Às vezes, ele voa para uma distância enorme, que parece desproporcionada com o tamanho de seu corpo; seu voo é retilíneo, indicando que no meio daquela ação – a qual tem todas as aparências de perigosa – o falcão não tem o menor medo. E num só lance agarra com toda a certeza a sua presa.
É bonito considerar como ele vê, calcula bem e pega a presa em movimento. Toda causa densa de capacidade de ação é bela quando age. E, nesse sentido, é bonito contemplar no falcão a capacidade, a plena pujança e vitalidade proporcionadas aos meios que ele possui para ir pegar a sua presa.
O voo do falcão, símbolo de qualidades morais
A larga visão, que precede a ação, e esta realizada sem hesitar, nos dá a ideia de uma série de qualidades morais do homem. Em síntese, o voo do falcão é belo porque reporta à beleza das capacidades condensadas no homem.
Não é bela a alma de um homem que vê de longe o adversário e o discerne? E que, no momento oportuno, sem nenhuma vacilação, salta sobre o inimigo, por meio de uma proeza como a do falcão cortando os espaços?
Todas estas coisas são metafisicamente belas, porque ver a causa acumulada que desfecha na ação, a ação precedida do jogo da inteligência – a vista do falcão é o símbolo da inteligência aguda, que vê de longe, caracteriza, segura –, é bonito.
A mais alta ação praticável pelo homem
De outro lado, é belo sentir o ardor belicoso desta ave, pois nos recorda que a plenitude do homem não consiste em trabalhar, mas em lutar por um ideal: depois da oração, esta é a mais alta ação praticável pelo homem. E ver, efervescendo no falcão, este nobre ardor de lutar, de correr risco, acrescenta uma pulcritude especial a esta beleza, já então metafísica, da causa pronta para produzir o efeito.
Determinação que obedece à inteligência
O falcão, sendo um bicho, só tem instintos, mas sua determinação é uma imagem da vontade humana, que obedece à inteligência. Ele vai e realiza aquilo que sua vista mostrou. Ataca o que deve atacar e, depois da vitória conquistada, volta, fiel, para junto de seu dono e come aquilo que precisa comer. Quer dizer, está pacificado.
É nobre a tranquilidade do homem que tem a sensação de ter feito tudo quanto deveria realizar com o pleno emprego de todas as suas qualidades.
Ver a causa produzindo o efeito; o efeito desenrolar-se segundo as leis de sua própria natureza até seu último extremo; a forma de temperança por onde a causa produz todo o efeito desejado e nada mais além; e, terminada a ação, a causa encontra seu repouso em si mesma; tudo isto é metafisicamente, ontologicamente belo – no fundo, deveríamos dizer divinamente belo.
A causa produzindo o efeito, a ação que obedece à inteligência, não são apenas ideias abstratas, mas no fundo imagens da Santíssima Trindade. Quer dizer, são coisas cuja beleza não é senão um espelho da beleza de Deus, que vamos ver por todos os séculos dos séculos, na glória celeste, se até lá nos levar a mão misericordiosa de Nossa Senhora, como esperamos. Isto é propriamente a beleza que contemplamos no voo do falcão.
Cerimonial e compenetração
Ora, assim como, analisando o voo do falcão, percebemos uma série de qualidades morais do homem nele simbolizadas, o cerimonial dá ao homem a compenetração das verdades e dos princípios abstratos nele contidos.
O homem precisa olhar, analisar os símbolos e meditar sobre os mesmos; do contrário, não existe possibilidade de ele se compenetrar inteiramente.
Esta consideração simbólica é uma verdadeira antevisão do Céu. Porque o homem no Paraíso verá Deus face a face, mas aqui na Terra ele O vê nos símbolos. E os símbolos alimentam a inteligência e dão uma espécie de estatura humana à ideia abstrata.
Respondendo às seitas contrárias ao culto externo, os livros de Apologética afirmam que o símbolo é necessário porque o homem não tem apenas alma, mas também corpo. Isto é dito de um modo muito resumido; porém, tendo o homem corpo, ele necessita de símbolos para completarem no seu espírito a ação dos princípios e da doutrina. De tal maneira que o homem fica uma espécie de esqueleto se ele só tem doutrina e não símbolos.
A contemplação católica
A vida na Idade Média era feita de cerimoniais por esta razão.
Isto explica a simbologia medieval e também algo da alma do católico e, portanto, de um membro de nosso Movimento.
Se quisermos praticar a virtude da presença de Deus, devemos viver à procura de símbolos adequados a Ele, que nos falem à alma. E aprofundar conforme expliquei, passando do concreto para o abstrato.
Por exemplo, a “decisão” do falcão ilustra a ideia de um princípio moral, a coragem. E daí chego até Deus, que possui todas as perfeições de um modo incriado. Ou seja, Ele é a Perfeição.
Depois volto para o fato concreto, e analiso-o como símbolo, o qual me dá de um modo meio misterioso uma como que visão de Deus.
Deveríamos saber cuidar da nossa alma, com jeito. Em síntese, cada um de nós precisa saber ver as coisas que lhe toca, parar e se perguntar: Do que gostei? Que valor moral há nisto? Que fundamento metafísico tem esse valor moral? No que esse ponto metafísico espelha a Deus? Depois voltar para a coisa e analisá-la com os olhos armados assim.
Desse modo se forma o varão contemplativo, verdadeiramente católico.
Nadando nas águas da Metafísica
Se alguém me dissesse “Dr. Plinio, não estou adestrado a fazer tudo isto”, eu lhe responderia: “Meu caro, se essa dificuldade fosse intransponível, ninguém conseguiria, por exemplo, nadar, porque de início afirmaria que não está adestrado.”
Há um provérbio alemão que diz “Aller Anfang ist schwer – Todo começo é dificultoso”. Assim também, começar estas coisas é difícil, mas vale a pena; o prêmio é o mais alto que na Terra se pode obter.
Um outro poderia objetar: “Mas eu não sei chegar até o metafísico.” Se os que estão presentes neste auditório tentarem seriamente, faremos aqui algumas esplêndidas reuniões, porque nada é mais grato de que conversar a fim de introduzir nas pradarias das concepções metafísicas as almas desejosas de possuí-las. Meus ouvintes apresentarão mil fatos concretos, farão perguntas, que poderei responder.
Um terceiro me dirá: “Dr. Plinio, preciso pensar em muitas coisas, e por isto não tenho tempo de cogitar nisto.”
Respondo-lhe: “Meu caro, pense nesta, que haverá tempo para pensar nas outras coisas.” Realmente, o problema da maior parte dos que estamos aqui não é a falta de tempo para pensar, mas a falta de pensar para o tempo que temos.
O agradável diapasão da transcendência
Nada é mais agradável do que viver neste diapasão. Por qualquer lugar em que passemos, tudo oferece um lado por onde é agradável ou detestável, e admiramos ou execramos. Se analisássemos as coisas conforme expliquei, nossa vida adquiriria outra dimensão. Não teríamos de nenhum modo um outro sentido, mas seria como que um sexto sentido, o qual nos introduziria no mundo do maravilhoso.
Lembro-me de que certa vez fiz, com três ou quatro membros de nosso Movimento, um passeio a pé na cidade de Amparo(1), a qual tem algo de tradicional, e fui lhes mostrando algumas coisas interessantes.
Por exemplo, certas portas antigas de madeira; o artista, em vez de pôr as traves superiores paralelas ao chão, colocou-as oblíquas, de maneira a se encontrarem constituindo um vértice. Tais portas eram tão bonitas que tive a ideia de comprá-las.
Então, é interessante parar, relacionar essas portas com o estilo imperial francês e pensar nos faustos da Europa do tempo de Metternich(2), e não de Napoleão.
Sempre que vou a Amparo, procuro olhar essas portas. Porque além delas há alguma coisa de moral; por detrás do aspecto moral existe o metafísico, e acima do metafísico uma consideração de ordem religiosa.
Essas considerações servem-nos sobremaneira para meditar a respeito da Pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo. Pretendo comentar meditações de Santo Inácio, o qual utiliza esse sistema ao máximo, através da composição de lugar, etc., para compreendermos o valor destas coisas na verdadeira meditação católica. Os membros de nosso Movimento devem ser sumamente meditativos neste sentido, para abrirem as portas desta super-vida e depois as portas do Céu.
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de Revista Dr. Plínio n° 147)
1) Situada no interior do Estado de São Paulo.
2) Metternich, diplomata e estadista austríaco. É considerado a mais importante figura nas negociações do Congresso de Viena. (1773-1859) seria como que um sexto sentido, o qual nos introduziria no mundo do maravilhoso.