São João Batista

Suscitado para predispor as almas a receberem o Divino Salvador, São João Batista “abatia as colinas e preenchia os vales,,, ou seja, calcava aos pés o orgulho e eliminava a impureza. Foi, além disso, um magnífico exemplo de destemor, ao exprobrar a impiedade e o pecado do rei Herodes. Esse homem que de tal modo abatia a sensualidade, lutava contra o orgulho,  cortava o caminho aos ímpios e servia de modelo de penitência, era digno de ser o precursor de Nosso Senhor Jesus Cristo!

Procurando imitar as perfeições divinas

Desde a sua infância, Dr. Plinio cultivou um profundo amor às excelsas perfeições do Homem-Deus, almejando o quanto possível refleti-las em sua própria alma. De modo particular, encantava-o a sublime dignidade de Nosso Senhor, à qual desejou imitar para difundir ao seu redor o “bom odor de Cristo”.

 

No tempo em que fiz a Primeira Comunhão e cursava os anos iniciais de colégio, Nosso Senhor era apresentado sempre na plenitude de sua bondade, mas também com majestade e dignidade excelsas. De tal maneira que, tenho a impressão, quem O conhecesse pessoalmente, ao mesmo tempo se derreteria de confiança e se evanesceria de humildade diante da grandeza d’Ele. As imagens, o estilo do culto, o ambiente das igrejas, tudo recendia uma elevação que era a expressão da majestade suprema e incomparável de Jesus. Essa realeza se origina do fato de ser Ele o Homem Deus e, como tal, o Rei de todas as coisas por definição e natureza.

Espelhando-se na dignidade de Jesus

Ora, eu julguei que O imitava, na medida em que toca às meras criaturas, de dois modos. Primeiro, prestando muita atenção e procurando entender a dignidade humana, não com raciocínios filosóficos (os quais não estavam ao alcance de minha jovem idade), mas vendo as pessoas mais especialmente dignas que eu conhecia, analisando a sua superioridade e como se colocavam acima das outras, para o bem delas e o de todas. Em segundo lugar, compreendendo, em conseqüência, o que é ser e como se tornar uma pessoa digna.

Depois, quanto coubesse à minha condição de criança, tentei realizar essa dignidade em mim mesmo. Porque nunca aceitei como válida a teoria — muito difundida no meu tempo de infância, e talvez ainda vigente e requintada nos dias atuais — segundo a qual um menino não possui dignidade nenhuma. Ele é considerado um palhacinho, um bobinho, para divertir os mais velhos e fazer coisas terríveis: quebrar as janelas, praticar toda espécie de turbulências, com o que indica a sua genialidade e o grande homem que ele será no futuro. Isso nunca admiti. Pelo contrário, detestei essa ideia com toda a minha alma.

O menino é uma participação dos seus pais. Ele tem a dignidade inerente a seus maiores, embora posta nas condições da infância. Daí eu sempre cultivar maneiras cerimoniosas, o modo elevado de se exprimir, o observar a castidade (inseparável da dignidade), o prestar homenagens aos mais dignos do que eu, etc. Como também o fazer sentir àqueles que me eram inferiores, os limites, as diferenças, movido pelo senso das proporções da caridade que impregna tudo quanto faz o verdadeiro católico.

Hábito da reflexão e amor às autoridades

Outro elemento característico da dignidade que procurei nutrir em minha alma, para imitar a Nosso Senhor Jesus Cristo, é o hábito e o gosto da reflexão. Sempre me pareceu que a pessoa espontânea, irrefletida, estava a um milímetro do completo ignorante. O indivíduo que mal ouve algo e já se põe a tagarelar, sem nunca ter pensado naquilo, é um asno, pois se orienta apenas pelos seus sentimentos impulsivos. Essa atitude me inspirava não pequeno desdém.

Pelo contrário, aquele que reflete, pesa todas as coisas, entende, considera, forma as suas opiniões, tem uma dignidade especial. E essa dignidade eu procurei, desde os meus primeiros anos, manter em mim, muito ciente de que em Nosso Senhor Jesus Cristo, a própria Sabedoria Encarnada, isso tomava os aspectos divinos que n’Ele têm todas as coisas.

Outro traço da divindade de Jesus que procurei cultivar em mim, tanto quanto possível, foi reverenciar adequadamente todas as autoridades constituídas. Lembro-me de ficar indignado vendo como alguns dos meus colegas consideram certos professores. Tratavam-nos como lacaios ou algo até inferior. Em última análise porque eram filhos de pais ricos e o professor era pobre. Se esse mesmo professor um dia aparecesse no colégio dirigindo um automóvel de luxo, porque se tornara um homem de posses, seria tratado com bajulação. Porém, como em geral recebiam um ordenado pequeno e levavam vida modesta, eram humilhados pelos seus alunos abastados. Então, senhores de 50, 60 anos, dignos de alguma reverência, tornavam-se objeto de debiques e gargalhadas. Isso me revoltava, e me levava a ter para com todos os meus professores um imenso respeito.

As perfeições de Nosso Senhor são tantas, que passaríamos vários dias enumerando-as e indicando os modos de um fiel imitá-las. Poderíamos considerar, ainda, a observância de todas as leis que Ele praticou desde Menino, bem como o ter sempre manifestado muito respeito às autoridades legítimas. Por exemplo, às da Sinagoga, pois quando Ele curava alguém, mandava-o mostrar-se aos sacerdotes.

Enfim, em tudo Nosso Senhor demonstrou a maior deferência, até o momento em que investiram contra Ele. E o Redentor se deixou matar como uma ovelha, um manso cordeiro, sem protesto nenhum, mas sustentando implacavelmente a verdade.

A exemplo do Divino Mestre, eu julguei que também era meu dever sustentar a verdade em qualquer ocasião, de modo intransigente, porém com o respeito e o acatamento devidos a todas as autoridades.

E assim, nas diversas circunstâncias da vida, procurei formar meu senso contra-revolucionário por meio da imitação das qualidades divinas de Nosso Senhor.

O dom da palavra

Um dos mais excelentes dons que Deus deu ao homem é o da palavra, e o bom uso que dela devemos fazer, pois é o melhor meio de se praticar a caridade. Com efeito, o dinheiro e outros recursos materiais que oferecemos a alguém necessitado pode lhe matar a fome do corpo, mas a fome da alma só é saciada pela palavra.

Nesse sentido, poder-se-ia tecer uma longa descrição a respeito do uso que Nosso Senhor Jesus Cristo fazia da palavra, e nos perguntar: Ele falou pouco ou muito?

É curioso: não parece que Ele tenha sido de muito falar, mas de dizer coisas apropriadas. Cada palavra de Nosso Senhor tinha um peso, uma densidade, uma luminosidade especiais. O menor conselho ou comentário seu, era um tesouro, uma bênção, algo extraordinário!

Mesmo na intimidade com Lázaro, Marta e Maria, em que Ele se expandia mais, como se estivesse em casa, imaginemos que ali Jesus falasse de modo menos conceptual: quais eram as suas conversas?

O Evangelho não nos revela, mas vendo o conjunto da conduta dos anfitriões com Ele, percebe-se que cada palavra nascida dos lábios de Jesus era uma estrela que se acendia, deixando seus interlocutores mudos de admiração e enlevo.

Ora, tanto quanto houvesse proporção com a minha condição de menino, de mocinho e, depois, de homem feito, eu procurei cultivar uma linguagem correta, elevada, com vocabulário abundante, e, sobretudo, na qual eu tivesse o que dizer. Claro, não indo além do limite alcançado por meu espírito, mas chegando até ele, pelo que sou responsável diante de Deus.

Então, com o auxílio da Santíssima Virgem, procuro atingir esse limite, fazendo um bom uso da palavra, para imitar Nosso Senhor, para bem servi-Lo e à Santa Igreja.

Sem nos esquecermos de que a presença é a bem dizer o complemento da palavra, a qual está para a primeira como o perfume para a flor, patenteando-se não só através de fatores ponderáveis, mas também imponderáveis. Há presenças insignificantes: a pessoa entra numa sala onde vários estão conversando, não chegou ninguém; e quando sai, não se retirou ninguém. A roda de conversa não se enriqueceu com a chegada dela, nem se empobreceu com a sua saída.

Devemos procurar, com humildade, sem pretensões, que nossa presença faça sentir aos outros o bom aroma de Nosso Senhor Jesus Cristo. E ao entrarmos num ambiente, possam dizer que chegou alguém, e ao sairmos, que alguém se ausentou. Entretanto, há muita gente que abusa do dom da palavra, dizem asneiras, coisas sem importância, conversam sobre trivialidades sem valor, sem conteúdo algum. Além disso, se exprimem com uma linguagem vil, com termos chãos, sem elevação, sem beleza, sem a menor preocupação de adornar suas palavras. Para usar uma bonita expressão hispânica, é uma “linguagem pedestre”. Ou seja, não é a do homem a cavalo, mas a do que anda a pé e se arrasta no meio da poeira.

Quantos exemplos Jesus nos deu disso! Nem há palavras para exprimi-lo. Quando estava presente, só havia Ele; quando ausente, não havia ninguém. Porque num lugar onde deixou de estar Nosso Senhor, podem ter ficado os homens mais célebres do mundo, o local se tornou vazio. Pois Ele condescendeu que Lhe fôssemos semelhantes também nessa qualidade, e, portanto, devemos cultivá-la.

Os divinos olhares de Nosso Senhor

Sempre procurei imaginar e admirar igualmente a divina perfeição dos olhares de Nosso Senhor. Ah, se eu pudesse fazer uma ladainha dos divinos olhares de Jesus! Acredito que, para se elaborar tais invocações, precisar-se-ia ser um extraordinário pintor.

É belo considerar as várias cenas do Evangelho, tentando figurar-se a expressão dos olhos de Jesus naquelas diferentes ocasiões. Por exemplo, no sermão das Bem-Aventuranças, cada palavra que Ele dizia era acompanhada, discretamente, por mudanças de fisionomia, assim como o mar assume esse ou aquele colorido, sem percebermos em que instante passou de um para outro. E retratar tão-só os vários semblantes de Jesus no Sermão da Montanha seria uma obra tal que mereceria se edificasse sobre ela uma imponente catedral.

Imagine-se, então, vitrais que representassem os divinos olhares de Jesus, nas várias circunstâncias de sua vida. O último e supremo olhar d’Ele nesta Terra, que podemos conjecturar tenha sido dirigido à sua Mãe, aos pés da Cruz. Como foi essa troca de olhares, mais valiosa que todos os olhares que houve, há e haverá no mundo? Ou como foi o colóquio de olhares que Mãe e Filho travaram, quando Ele, ressurrecto, pela primeira vez apareceu a Ela?

Aparecerão artistas capazes de pintar isso? Tenho a esperança de que, no Reino de Maria, sim. Pois sendo a santidade a medida de todas as coisas, quando ela é muito grande — como o será no reinado de Nossa Senhora — todas as qualidades humanas têm condições ideais para florescer. Portanto, assim como haverá santos extraordinários, aparecerão artistas geniais que saberão representar essa ladainha de olhares de Jesus. Nossa terá sido a voz que, antes de  todas essas maravilhas, as prognosticou e com elas se alegrou. É uma primeira saudação a todas essas grandezas.

Plinio Corrêa de Oliveira

O Magnificat, hino de sabedoria, humildade e grandeza

Único cântico que se sabe proferido por Nossa Senhora em sua vida terrena, o “Magnificat” despertava na alma de Dr. Plinio enlevadas considerações que ele, em mais de uma ocasião, comprouve-se em transmitir a seus jovens discípulos. Como essas, que abaixo transcrevemos.

 

Entoado por Nossa Senhora no encontro com Santa Isabel, o “Magnificat” é um maravilhoso hino inspirado pelo Altíssimo, é Deus cantando sua própria glória pelos lábios da mais amada das suas filhas. É, também, uma linda mensagem, coerente, lógica e séria, que Ele transmitiu a todos os homens de todos os séculos, pela voz virginal de Maria.

O cântico se inicia com a palavra “Magnificat” do latim “magnus”, isto é, grande para enaltecer Aquele que é a Grandeza personificada, reconhecendo que Deus merece este superlativo de louvor e de honra na sua glória extrínseca, passível de crescimento, por haver realizado n’Ela, Virgem bendita, o cumprimento da maior e mais alvissareira promessa divina feita à humanidade: a Encarnação do Verbo.

A exultação em Deus, seu Salvador

Então a alma d’Ela se apressa em extravasar o seu sentimento de profunda gratidão, proclamando como o Senhor assim se revelava o magno por excelência.

Em seguida, vem a alegria: “Et exsultavit spiritus meus in Deo salutari meo” (“E o meu espírito exulta!”).

Exultar é sentir um júbilo intenso, e não uma qualquer satisfação, como a que poderia experimentar alguém se soubesse que os seus investimentos renderam um pouco além do esperado. Esta seria uma alegria pequena, perto daquela que se exprime pela palavra “exultação”.

Por isso Nossa Senhora a emprega, para significar como seu espírito transbordou de gáudio em relação a Deus, o seu magnífico Salvador.

Essa felicidade se mostra tanto mais intensa quanto, conforme o pensamento que se completa no versículo seguinte, Ela considera a sua pequenez e vê como Deus a salvou de modo extraordinário, super-excelente, não só fazendo d’Ela a Mãe do Verbo Encarnado, mas dispondo que Ela tivesse em toda a existência de Nosso Senhor Jesus Cristo o papel admirável que sabemos.

Legítima alegria por ter sido engrandecida

Depois de afirmar a sua exultação, a Santíssima Virgem manifesta então o motivo dessa imensa alegria: “Quia respexit humilitatem ancillae suae – porque Deus olhou para a humildade da sua Serva”. Em conseqüência dessa atenção do Senhor para com Ela, “ecce enim ex hoc beatam me dicent omnes generationes”, eis que “todas as gerações”, isto é, todos os homens até o fim do mundo, vão por sua vez enaltecê-La, chamando-A “bem-aventurada”.

“Quia fecit mihi magna qui potens est” – porque me fez grande Aquele que é poderoso”. Percebe-se aqui, mais uma vez, o gáudio de Maria por ter sido objeto de um especial desígnio do Onipotente: Ela, tão humilde, tornou-se grande pela força d’Ele.

Há, nessa passagem, um interessante ensinamento que deve ser considerado.

Alegrando-se com a grandeza divina, Nossa Senhora ao mesmo tempo se alegra com o fato de ter sido também engrandecida por uma condescendência d’Ele, e sabe que essa sua magnitude Lhe valeria o louvor e a devoção das gerações vindouras. É uma glória única, que a cobre de felicidade, e pela qual, cheia de reconhecimento, agradece a Deus.

Ora, essa atitude de Nossa Senhora aceitando, auferindo e amando a própria excelência, demonstra como é legítimo nos alegrarmos com a grandeza que Deus eventualmente nos conceda. Desde que, a exemplo de Maria, esse júbilo esteja alicerçado no amor a Ele, compreendendo que essa glória estabelece uma relação mais íntima entre nós e o Criador.

Eis outra importante lição a ser colhida do “Magnificat”.

O temor se divide em servil e reverencial. O temor servil é aquele que tem, por exemplo, um escravo ao fazer a vontade de seu dono pelo receio de sofrer duros castigos se não obedecer. O temor reverencial é aquele que alguém demonstra em relação a outrem, não por medo das penalidades que lhe possa infligir, mas por respeito e veneração pela superioridade dele, por não querer ultrajá-lo nem violar a obediência que deve a ele.

Um exemplo maravilhoso de temor reverencial encontramos nas ardorosas palavras que Santa Teresa de Jesus dirige a Nosso Senhor: “Ainda que não houvesse Céu, eu vos amara; ainda que não houvesse inferno, eu vos temera”. Quer dizer, ainda que Deus não lançasse à geena aqueles que se revoltam contra Ele, por temor de Deus experimentavam, antes de serem tocados pela graça e se converterem.

Pode-se supor, por exemplo, que São Paulo na via de Damasco não tivesse temor de Deus. Mas, atingido por um raio, ele caiu do cavalo, perdeu a visão, e logo ouviu a voz de Nosso Senhor que o interpelava. Quando se levantou, era outro homem, tornando-se o grande Apóstolo dos gentios. Era uma extraordinária ação da misericórdia divina muito provavelmente a rogos de Maria estendendo-se sobra uma alma que até então não temia a Deus.

Queda dos soberbos e exaltação dos humildes

“Fecit potentiam in brachio suo, dispersit superbos mente cordis suis – Manifestou o poder do seu braço, e dissipou aqueles que se orgulhavam nos pensamentos do seu coração”.

“Et sanctum nomen eius – E o Seu Nome é Santo”. Quer dizer, “Deus agiu assim para comigo, e procedeu santamente”. Essa fabulosa obra que o Senhor realizava na sua serva, vinha marcada pela infinita perfeição com que Ele modela tudo quanto sai de suas mãos onipotentes.

Misericórdia para os que temem a Deus

Após ter manifestado de tal maneira a grandeza de Deus e a sua própria, Nossa Senhora evoca o aspecto de bondade: “Et misericordia eius a progenie in progenies, timentibus eum – e a misericórdia d’Ele se estende de geração em geração, sobre aqueles que O temem”.

Significa que o fato de Deus A ter feito tão grande redunda num benefício e numa obra de misericórdia de que se aproveitarão todos os homens ser Ele quem é e pelos infinitos títulos que Ele possui acima de nós, temeríamos não fazer a vontade d’Ele. É essa a forma altíssima e nobilíssima do temor reverencial.

Então, aos que amam a Deus com um amor tal que até O temem não apenas por causa do inferno, mas sobretudo por não querer desagradá-Lo na sua infinita santidade -, para estes se abre a inesgotável misericórdia de Deus: “et misericordia eius a progenie in progenies, timentibus eum”. Cumpre salientar que, muitas vezes, a bondade divina não se prende a essa restrição, superando-se em requintes de solicitude até mesmo para com homens que pouco ou nenhum

Entendamos o que significa “manifestar o poder de seu braço”. Trata-se de uma metáfora, pois Deus, puro espírito, não possui braço. Este, porém, é no homem o membro pelo qual ele mostra a sua força e executa os decretos de sua inteligência e de sua vontade. Então, ao se referir ao “braço de Deus”, Nossa Senhora nos faz ver como Ele age energicamente em relação aos soberbos e orgulhosos, àqueles que se fecham para a ação da graça e não O temem nem O amam nos seus corações. Para com esses, Deus manifesta o poder de seu braço.

O pensamento se completa no versículo seguinte: “Deposuit potentes de sede, et exaltavit humiles – Depôs de seus tronos os poderosos, e exaltou os humildes”.

Por meio da Encarnação do Verbo, Deus quebrou o poder com que o demônio e seus sequazes neste mundo atormentavam os bons. Então, depôs aqueles de seus tronos, e exaltou a estes que eram perseguidos.

Alguém poderia objetar: “Mas, Dr. Plinio, não foi o que aconteceu. Deu-se o contrário! Anás, Caifás, Pilatos e congêneres, todos se achavam nos seus tronos, perseguiram e mataram Nosso Senhor!”

É verdade. Mas essa história não está narrada até o fim. Porque depois de Jesus ter sido morto, aconteceu precisamente o que aqueles poderosos queriam evitar: Ele ressuscitou, triunfando sobre a morte e sobre todos

os seus algozes. Com Ele, triunfava a Santa Igreja, venciam os Apóstolos e Nossa Senhora, os humildes até en-

tão desprezados. E para todo o sempre, serão estes glorificados e exaltados, enquanto Anás, Caifás e Pilatos serão mencionados com vitupério e horror. Então se comprovou a veracidade do dito: “deposuit potentes de sedes, et exaltavit humiles”.

Essa ideia ainda prevalece na seqüência do cântico: “Esurientes implevit bonis, et divites dimisit inanes – Cumulou de bens os famintos, e despediu os ricos com as mãos vazias”.

Nossa Senhora não pretende fazer aqui uma alusão aos recursos materiais ou financeiros. Ela se refere, antes de tudo, aos que se acham na carência de bens espirituais, aos indigentes das dádivas celestiais. A esses pobres de espírito que, humildemente, suplicam essas graças, Deus os atende na abundância infinita de sua misericórdia. Pelo contrário, aos “ricos”, àqueles que se julgam inteiramente satisfeitos no seu orgulho, Deus os despede de mãos vazias, isto é, sem torná-los partícipes do tesouro de seus dons sobrenaturais.

Em Maria, cumpre-se a promessa feita a Abraão

Por fim, Nossa Senhora volta à ideia central que inspira esse hino maravilhoso: “Suscepit Israel puerum suum: recordatus misericordiae suae – Tomou cuidado de Israel, seu servo, lembrado da sua misercórdia”.

Quer dizer, o Povo Eleito receberia em breve o Messias há milênios prometido, a Quem Deus enviaria ao mundo, recordando que

sua misericórdia assim havia disposto. Daí a conclusão: “Sicut locutus est ad patres nostros, Abraham et semini eius in saecula – Conforme tinha dito a nossos pais, a Abraão e à sua posteridade para sempre”.

A promessa feita a Abraão, fundador da raça hebraica, e aos descendentes dele ao longo dos séculos, de que o Salvador nasceria de sua progênie, acabava de ser cumprida. Nossa Senhora já trazia em seu claustro materno o Esperado das nações. Ela, uma filha de Abraão, daria à luz o Filho de Deus.

E assim o “Magnificat”, esta joia inapreciável, este maravilhoso cântico de sabedoria, humildade e grandeza, muito harmoniosamente se encerra pensando na Encarnação do Verbo, como o fizera na primeira estrofe.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Divino artifício de bondade

Ao destinar, desde toda a eternidade, a Virgem Santíssima para Mãe d’Ele e de todos os homens, Nosso Senhor como que usou de um sublime artifício para aumentar ainda mais, se fosse possível, a sua infinita misericórdia em relação a nós.

Com efeito, existindo n’Ele um equilíbrio absoluto entre a bondade e a justiça, Jesus gostaria entretanto de levar mais longe aquela do que leva esta. Então o fez através de Maria, cujo amor materno é um extremo e um requinte insuperáveis do próprio amor de Deus para com seus filhos, e cuja benevolência ultrapassa todos os auges de medida que o coração humano possa conceber.

Operando maravilhas…

A alma medieval era encantada por todas as formas de maravilhoso, mesmo as mais diversas… Há um fato na vida de Santo Antônio de Pádua, típico deste gracioso medieval:

Estando certa vez num povoado marítimo — o qual era repleto de hereges — Santo Antônio dispôs-se a fazer uma pregação sobre a onipotência divina. Como ninguém vinha escutá-lo, voltou-se para o mar e disse: “Já que não há aqui ninguém que queira ouvir a palavra de Deus, vós, puras criaturas, vinde ouvir-me a fim de ser confundida a indocilidade destes ímpios”. Logo surgiram milhares de peixes, os quais, pondo a cabeça para fora da água, pareciam prestar grande atenção na pregação de Santo Antônio. Ao fim de sua exortação, deu-lhes a bênção e despediu-os. Diante de tal milagre, todo o povo converteu-se.

Que maravilhosa a alma de Santo Antônio, tão humilde e cheia de fé: no desprezo a si próprio ele vê, no fundo, um desprezo à palavra de Deus; e, para reparar a ofensa feita a Deus, com toda simplicidade, opera um milagre extraordinário. Este foi o espírito intrínseco da Idade Média, e mais ainda da Igreja Católica.

Quando os homens tiverem esta fé ardente, veremos maravilhas ainda maiores.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 21/1/1974)

Santo Antônio

A hagiografia e iconografia católicas nos apresenta Santo Antônio de Pádua como um varão de extrema placidez e de uma ordenação de alma que se reflete, até mesmo, nas harmoniosas dobras de seu hábito franciscano.

A invariável compostura da veste é uma espécie de sismógrafo da ordenação de sua mente extraordinária. Rosto quase imberbe, nariz de um adunco muito bonito, com algo de ave de rapina. No arcado das sobrancelhas, uma delicadeza, uma precisão e uma força que se encontram expressas, sobretudo, no olhar. São olhos de quem já passou por todos  os desencantos, de quem conhece o pecado original e seus efeitos, assim como a Satanás, suas pompas e suas obras.

Tudo está analisado com raro discernimento. Na ponta dos lábios delgados, tem ele prontas as respostas que fizeram dele o magnífico defensor da fé contra as heresias. Em toda a sua pessoa  resplandece a pureza, a castidade e a serenidade do santo que tanto realizou a favor da glória de Deus.

Plinio Corrêa de Oliveira

Arca do Testamento e Martelo dos hereges

Uma deformada devoção a Santo Antônio — favorecida pelas imagens dele muito difundidas — o apresenta como bobinho, casamenteiro, festeiro. Entretanto, o verdadeiro Santo Antônio histórico foi o maior conhecedor da Sagrada Escritura em seu tempo, pregador extraordinário e grande polemista que derrotava os hereges.

 

No dia 13 de junho se comemora a festa de Santo Antônio de Pádua, Confessor e Doutor da Igreja. Chamado “Arca do Testamento” e “Martelo dos hereges”. Franciscano. Século XIII.

Fisionomia séria, olhar imperioso e majestoso

Nesse dia as igrejas em todas as nações do Ocidente, pelo menos, enchem-se de fiéis para comemorar a festa de Santo Antônio de Pádua. E por toda parte as imagens de Santo Antônio estão sendo expostas para objeto da veneração dos fiéis.

Este fato me faz lembrar que, estando em 1950 em Pádua, tive ocasião de me documentar a respeito de como era Santo Antônio. E na Basílica de Pádua se mostra um quadro pintado por Giotto, que passa por ser o mais próximo, mais provavelmente representativo da pessoa de Santo Antônio. E se trata, então, de uma pessoa de corpo hercúleo, pescoço taurino, forte, de expressão fisionômica séria, olhar imperioso e majestoso.

Comprei, então, algumas fotografias dessa imagem. As fotografias formavam um maçozinho, que se vendia na entrada da igreja.

E, ao mesmo tempo, comprei uma estampa retirada de uma das pilhas iguais, que eram vendidas às pessoas que iam à basílica, e que representava Santo Antônio não conforme a probabilidade histórica do quadro de Giotto, mas de acordo com uma concepção que figura nas imagens comuns.

Essa estampa representava um homenzinho imberbe, coradinho, com o Menino Jesus no braço, com um ar de quem não entende muito o que está fazendo com o Divino Infante; o Menino Jesus também com uma fisionomia de quem não entende muito o que está fazendo no braço de Santo Antônio, sorrindo os dois, um para o outro, como a dizer: “Desculpe, aqui deve haver algum equívoco. Vamos nos aturar algum tempo.”

Na fisionomia de Santo Antônio, nada havia que falasse do Doutor da Igreja, nada que representasse o homem tido como o maior conhecedor do Novo e do Antigo Testamento, no tempo dele, porque ele sabia as passagens mais raras, mais excepcionais, mais ignotas de todos e tirava delas efeitos de pregação extraordinários. E Santo Antônio é conhecido como o “Martelo dos hereges”, como polemista, homem capaz de discutir, de entrar em debate com os hereges, de achatá-los. Não havia ninguém como ele, e tudo isso coberto ainda com os milagres que completavam sua pregação e faziam com que ele fosse o terror dos hereges.

Tudo isso passou e ficou um Santo Antônio, eu quase diria, ecumênico: bonzinho, bobinho, casamenteiro, festeiro, que arranja questõesinhas. Quer dizer, o verdadeiro Santo Antônio histórico, como se encontra no Céu e como é apontado pela Igreja para nosso modelo, desapareceu quase completamente, para ficar uma imagem que dá apenas um aspecto de Santo Antônio: os muitos favores e graças que ele concede, mas representando uma figura física que nada tem a ver com ele e, sobretudo, com a sua fisionomia moral.

Conquista Orã e defende o Rio de Janeiro

Santo Antônio, além de ser o “Martelo dos hereges” e a “Arca do Testamento”, é venerado como o Patrono das Forças Armadas. E a razão disso, entre outras, está no fato de que Santo Antônio, em certa ocasião, foi objeto de um ato de devoção especial da parte de um almirante espanhol. Uma esquadra espanhola sitiava a cidade de Orã, na Argélia, e não havia meio de conseguir resultado eficaz. Então, o almirante dirigiu-se a uma imagem de Santo Antônio, colocou o chapéu de almirante sobre ela, deu-lhe as insígnias de comando e pediu-lhe que investisse contra Orã. Os mouros fugiram inesperadamente e, interrogados, disseram que tinha estado entre eles um frade vestido com o chapéu do almirante e que tinha ameaçado Orã com o fogo do Céu, e por causa disso, eles tinham achado mais prudente ir embora.

Este aspecto do “Martelo dos hereges”, que ao mesmo tempo incute terror aos mouros e se apresenta a uma cidade infiel ameaçando-a com o fogo do Céu, tudo isso foi abolido. Não se conhecem e não se ressaltam esses aspectos nessa espécie de devoção milagreira que se tem a ele. Vemos, por aí, a lamentável deterioração da devoção aos Santos em nossos dias. Quer dizer, como eles já não representam, nessa legenda popular criada em torno deles, a verdadeira santidade.

Quem, por exemplo, comentará a respeito da vida de Santo Antônio o seguinte fato ocorrido no Rio de Janeiro?

O Rio de Janeiro encontrava-se cercado pelos calvinistas franceses e estava quase completamente rendido, pois a cidade já não tinha meios de resistir. Os frades, então, tomaram a imagem de Santo Antônio, desceram com ela do morro, colocaram numa pilastra que se encontrava ali, e a simples exibição da imagem, de um modo maravilhoso, comunicou tal ardor na cidade que grande número de jovens se alistaram. Foi possível reorganizar a resistência aos franceses que, depois de pouco tempo, foram embora.

De maneira que o Rio de Janeiro não se tornou calvinista, e talvez com repercussão em toda a História da América Latina e, consequentemente, em toda a História da Igreja, por causa dessa ação simbólica da presença maravilhosa de Santo Antônio.

Missão de mostrar o lado combativo, polêmico e contrarrevolucionário de cada Santo

O fato de episódios como esses não serem contados nem comentados leva-nos a verificar duas realidades: em primeiro lugar, como é lamentável essa torção que a vida dos Santos sofreu.

Entretanto, por outro lado, como é admirável a vocação dada por Nossa Senhora àqueles que têm, por missão, restaurar todas essas coisas e mostrar os próprios Santos no seu aspecto combativo, guerreiro, polêmico e contrarrevolucionário, que a Revolução tanto gostaria de esconder e disfarçar.

Nessas condições, devemos pedir a Santo Antônio uma graça especial: Ele que soube ameaçar a cidade de Orã com o fogo do céu, nos faça esse favor de se apresentar em algum lugar do mundo, e ali nos obter, em determinado momento, uma graça que tenho em mente, mas prefiro não dizer qual é.

Esta graça é o melhor pedido que podemos fazer a Santo Antônio por ocasião de sua festa.         v

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 12/6/1965)

O papel da Eucaristia no mundo moderno

Diante de uma falsa concepção de modernidade, amplamente difundida em nossos dias, onde encontrar o equilíbrio que salvará o mundo hodierno? Dr. Plinio, por ocasião de um Congresso Eucarístico nos remotos anos 50, evidencia para seus ouvintes que a salvação só pode vir da Eucaristia.

 

Na linguagem corrente, “mundo” é o conjunto de toda a humanidade, ou o globo em que vivemos. Porém, “mundo” traz consigo um sentido mau, ele pode ser considerado como um reino das trevas, que tem Satanás por príncipe.

O que entendemos por “mundo moderno”?

Muitos são os sentidos que contém a palavra “moderno”. “Mundo moderno” pode ser considerado o mundo de hoje em relação ao de ontem, sendo que o de hoje não exclui o de ontem, pois foi graças ao de ontem que o de hoje existe.

Porém, por vezes a palavra “moderno” é empregada com o sentido de oposição ao passado.

Todavia, este termo tem um sentido ainda mais sutil e recôndito, e é este sentido que me cabe analisar.

Nós não poderíamos dizer que tenha se modernizado um país onde vigorasse o regime de separação entre a Igreja e o Estado, e este passasse ao regime de união; mas, muita gente dirá que se modernizou outro que passasse da união para a separação. Ninguém diria que passar do divórcio para a indissolubilidade do vínculo conjugal é modernizar; mas muita gente acha que passar da indissolubilidade do vínculo conjugal para o divórcio é modernizar.

Orgulho, sensualidade e modernidade

Nós temos então uma certa ideia de modernidade, em virtude da qual se entende que tudo quanto é laicismo, tudo quanto é igualitarismo, tudo quanto é conceder aos instintos do homem a liberdade de se divertir e de se satisfazer como entenderem, isso é verdadeiramente moderno.

De tal modo esse conceito existe e é ativo, que vós o podeis observar na vida contemporânea. Ela se transforma constantemente; a todo momento, um costume muda, uma instituição toma novo aspecto, outra instituição morre para dar lugar a alguma coisa de novo; observai todas essas mudanças, e, na sua quase totalidade, vós vereis nas transformações que se deram um progresso da ideia de igualitarismo, um progresso do princípio de laicismo, um progresso da sensualidade.

Observai na vida doméstica: a todos os momentos as barreiras que separam os pais dos filhos se atenuam, a autoridade do marido decai, a liberdade dos filhos cresce. E cresce para quê? Para que os filhos cumpram melhor o seu dever? Cresce para que sejam mais castos? Cresce para que eles sejam mais esforçados? Ou cresce, pelo contrário, para que eles tenham maior liberdade em fazer tudo quanto bem entenderem, de se atirarem às diversões imodestas, desonestas, de satisfazerem a sua sede de prazer, de romperem os grilhões de uma obediência indispensável que deve vincular os filhos aos pais?

Observai as relações entre as classes sociais. A todo momento mudam-se os trajes, e estes tendem a nivelar e equiparar as classes; a todo momento mudam-se as maneiras, e essas mudanças significam uma diminuição do respeito dos mais moços aos mais velhos, do homem à mulher, dos alunos aos seus mestres. De todos os lados, minguam as forças da autoridade, as forças da hierarquia, as forças da ordem, roídas por um movimento incessante, gradual, mas profundo, roídas por essa tendência imensa para o nivelamento, que acaba tendo no laicismo a sua expressão mais completa. Porque o homem, depois de não ter querido, na Terra, superior de nenhuma espécie, também não quer um superior no Céu, não quer saber de Deus, e, então, organiza a sua vida precisamente como se Deus não existisse.

O perigo da má concepção de modernidade

Este é o terrível fenômeno o qual mina a própria população católica, e no espírito do brasileiro — tão acomodatício, infelizmente — conduz a essa situação monstruosa: somos uma população de esmagadora maioria católica, as estatísticas indicam uma quase unanimidade de católicos no Brasil, mas se nós examinarmos a vida pública brasileira, a moralidade existente nela é como se Deus não existisse. Se nós examinarmos a nossa vida doméstica, veremos que cada vez mais ela vai sendo como seria se Deus não existisse. E, entretanto, as igrejas continuam cheias, os atos do culto continuam concorridos. É um fato indiscutível que todos se dizem católicos na ocasião do recenseamento!

Como explicar isto senão pela corrosão silenciosa, discreta, muda, terrível como uma lepra, feita por esse estado de espírito de organizar o mundo abstraindo de Deus, de conceber tudo ao signo da revolução e da desordem, de organizar tudo com base na sensualidade, o que é a própria desorganização?

E eu vos pergunto, minhas senhoras e meus senhores: se esta Nação, tão bela e tão digna de um melhor presente, se contorce neste momento numa das mais graves crises da História, não porque lhe faltem as condições materiais de existência, não é por que lhe falta aquela moralidade? Não é por que lhe falta aquela coerência da Fé com as atitudes práticas?

“Modernidade”, traço decisivo de nossa época

Assim definidos os vários sentidos da palavra “moderna”, nós podemos perguntar qual vem a ser o papel desta modernidade dentro do mundo moderno.

E nós poderíamos dizer que se no mundo a mentalidade dita moderna não conquistou tudo, ela é a grande força propulsora de quase todos os acontecimentos, a grande nota característica do momento. Ela é também o grande perigo, o traço forte e decisivo da época em que nós vivemos.

Onde buscar a salvação para o mundo moderno?

Mas, também é verdade que neste mundo — cada vez mais dominado pelo espírito acima descrito — há Alguém Eterno, Onipresente: Nosso Senhor Jesus Cristo. Presente em todos os sacrários da Terra, nos sacrários de ouro do Brasil e dos templos da Cristandade. Este Alguém, cuja presença não se percebe com os sentidos da carne, está presente na Sagrada Eucaristia. Ele é o grande Apóstolo do mundo contemporâneo, como de todos os tempos. E Ele fala constantemente às almas, ensinando-lhes pela linguagem muda — mas, infinitamente eficaz — que é a linguagem de Deus. Fala-lhes constantemente sobre a necessidade de o homem se opor às coisas que constituem a sua miséria, a sua degradação. Fala-lhes da necessidade de caminhar rumo a outro sentido, de se converter a Deus Nosso Senhor de todo o coração.

Por meio da Eucaristia Deus multiplica suas maravilhas

Minhas senhoras e meus senhores, neste mundo moderno terrível, dá-se o que sempre acontece quando se desafia a Deus. Deus multiplica as maravilhas, e, ao mesmo tempo em que a iniquidade vai chegando ao seu auge, nós notamos frutos admiráveis da Sagrada Eucaristia, frutos da graça, frutos que dão no apostolado um resultado incomparável. Enquanto multidões caminham para o prazer e para o vício, enquanto multidões silenciam diante do mal e se acovardam, vão se tornando, por toda parte, mais numerosas as almas que, elevadas por um anelo de perfeição absoluta, de ortodoxia completa, de obediência inteira à Igreja Católica, renunciam a tudo, dispostas a tudo enfrentar para afirmar apenas a doutrina da Igreja.

Eu me lembro, neste momento, da figura angélica de Santa Maria Goretti. Nesta época em que as praias são tomadas pelo neopaganismo que estadeia toda a corrupção da civilização moderna, uma virgenzinha entrega a sua vida com toda a resolução para não perder aquilo que tanto ama: sua virgindade. Quando se tem uma alma verdadeiramente eucarística, aprende-se a amar a virgindade como o dom mais precioso da vida.

Santa Maria Goretti é um fato culminante, será um fato único?

A Eucaristia faz de frágeis crianças, grandes heróis!

Eu me lembro, por fim, de um fato impressionante, ocorrido atrás da cortina de ferro, e noticiado pelo “L’Osservatore Romano”.

Os comunistas tinham invadido uma aldeia onde havia uma igreja católica. Alguns meninos ouviram dizer que, a horas tantas, eles iriam entrar na igreja, arrombar o sacrário e profanar as Sagradas Espécies.

Era noite, nevava, o luar brilhava de modo admirável. A igreja estava na solidão, e enquanto os fiéis dormiam em suas casas, a agonia se aproximava: o recinto sagrado vai ser assaltado. Nosso Senhor estará sozinho neste “Horto das Oliveiras”? Não, durante a noite inteira, três meninos, que pulam pela janela aberta, estão dentro da igreja.

Quando os comunistas entraram, uma das crianças tentou detê-los inutilmente a caminho do altar, e morreu massacrado. Outro defendeu a mesa da Comunhão, e morreu também. O terceiro pôs-se sobre o altar, cobrindo o sacrário com o próprio peito. O que fizeram, então, os bárbaros sacrílegos? Mataram este sacrário vivo antes de arrombar o sacrário de ouro, tão menos precioso do que aquele.

Por fim, apanharam as Sagradas Espécies e as profanaram. O inferno, certamente, exultou, mas muito mais exultou o Céu pelo sangue desses três pequenos mártires derramado na igreja, de modo não menos glorioso do que o dos mártires que derramaram seu sangue na arena do Coliseu.

Uma das maiores vitórias de todos os tempos

Aí está, como vedes, a ação da Eucaristia no mundo moderno. No momento em que a iniquidade está chegando ao seu cúmulo, a graça e a misericórdia chegam também ao seu auge. À fortaleza do vício e do mal, Deus opõe uma indômita fortaleza do bem. O triunfo da Igreja Católica se dará no mundo moderno. Esse triunfo se dará certamente pelo embate gigantesco entre as pequenas forças do bem e as enormes forças do mal, mas nós veremos talvez, e, a meu ver, provavelmente nos próprios dias em que existimos, nós veremos este fato com que a Igreja há de marcar uma das maiores vitórias de todos os tempos, e essa vitória será a vitória da Sagrada Eucaristia, fonte de graça aberta para o mundo por intermédio da intercessão de Nossa Senhora que, rezando sempre a Jesus Eucarístico, consegue para nós as graças de que nós precisamos.

A salvação vem da Eucaristia, por meio de Maria 

O papel da Sagrada Eucaristia no mundo moderno faz-me pensar em Nossa Senhora. Como não se pode falar em triunfos sem pensar em Maria Santíssima — Ela é a Medianeira necessária —, eu posso afirmar que um dos mais preciosos dons concedidos por Nosso Senhor, através da Sagrada Eucaristia, é a devoção a Nossa Senhora.

Esta devoção, tão característica e radicada em nossa Terra de Santa Cruz, há de salvar o Brasil. v

 

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência pronunciada na solene sessão da ­Semana Eucarística de Campos dos Goytacazes, em 23/4/1955)

Revista Dr Plinio 147 (Junho de 2010)

 

O Batismo: A porta do Céu!

Dr. Plinio comenta suas alegrias ao sentir-se membro da Igreja pelo fato de ser batizado.

 

Em 7 de junho de 1991, para comemorar o 82° aniversário do Batismo de Dr. Plinio, um de seus discípulos dirigiu-lhe breves palavras, enquanto outros entoavam cânticos.

Dr. Plinio, então, afirmou:

“Apesar de tudo quanto dissestes de excelente, generoso e bom, talvez não tenhais inteira ideia de como tocais no que há de mais sensível em mim.

“Recentemente, refletindo a respeito de vários assuntos, passou-me pela cabeça a questão do inferno. E pela primeira vez, depois de ter feito várias considerações sobre os tormentos ali existentes, ocorreu-me a ideia — a qual transformou-se desde logo em convicção, pois é uma evidência — de que, quando a alma é condenada ao inferno, fica expulsa da Igreja Católica Apostólica Romana. E, apesar de ter pensado em todos os horrores do inferno, nenhuma coisa me amedrontou tanto, quanto a hipótese de ser expulso da Igreja Católica.

“Pareceu-me que sofrer tudo aquilo, mas continuar na Igreja, era muito menos dolorido do que não padecer nada e estar fora da Igreja. Assim, podeis ver bem — e provavelmente não até o extremo que deveria ser — quanto Nossa Senhora me ajuda a prezar a graça inestimável de ser filho da Santa Igreja Católica.

“O contrário também é verdade. Todos os deleites da Terra, nada são, comparados com a felicidade do menor dos católicos membros da Igreja Gloriosa, que celebra sua vitória eterna no Céu. Tudo quanto o homem terreno pode ter de gozo, beleza, bem-estar, grandeza, etc., cada bem-aventurado possui numa plenitude incomparável, porque está em contato direto com Deus no Céu como se Este existisse só para ele. Não devemos imaginar que, sendo os habitantes do Paraíso tão numerosos, Deus não tem tempo de lhes dar audiência. Ele os recebe a todo instante com o mesmo afeto.

“É certo que o Céu Empíreo dará aos seus corpos uma felicidade que completará a da alma. Porém, nada se compara à felicidade de cada um poder dizer: “sou membro da Igreja, filho de Deus; tenho uma participação na natureza divina, “divinae naturae consors” (Cfr. 2Pd 1, 4). Por toda eternidade será um príncipe neste Céu, onde os menores são príncipes.

“Todos que aqui estamos recebemos a graça inefável do Batismo, e meu desejo é que alcancemos o Céu e lá possamos nos lembrar de nosso Batismo com amor indizível, e quem sabe se Deus, no fim do mundo depois de ter incendiado a Terra, etc., conservará alguns objetos que disseram especialmente respeito à nossa salvação. Por exemplo, as pias batismais que as desgraças não tenham destruído. E, nas festas do Paraíso me seja dado descer à Terra para visitar a pia batismal da igreja de Santa Cecília, junto à qual o caminho do Céu se abriu para mim. Após a ressurreição, cada um de nós será um ente glorioso, e iremos com corpo e alma, andando — com que alegria e suavidade! — oscular a pia, onde foi batizado e louvar o momento bendito em que o sacerdote disse: “eu te batizo em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo”. As portas se abriram, o sol de Deus entrou, e por assim dizer a eternidade começou.

“Alegro-me de que vós tenhais vos alegrado com a comemoração do meu batismo. Meus filhos que estão aqui também passaram por este momento, foram batizados, e para eles o caminho do Céu se abriu; mais tarde, houve um dia em que as portas de nosso movimento se abriram, e começou a via da vocação, iniciou a batalha!

“Com quanto comprazimento ouvi cantarem: ‘Mon Dieu donnez-moi, la souffrance…’ (Meu Deus daí-me o sofrimento)”, como isto é belo, e quanta felicidade de alma há naquele que não tem medo de cantar a plenos pulmões: “Mon Dieu donnez-moi la souffrance”. São coisas, meus filhos, que só no Céu compreenderemos.

Até o Paraíso nos leve a proteção, a bênção, as graças da “clemens, pia et dulcis Virgo Maria” (clemente, piedosa e doce Virgem Maria).  v

 

A grandeza do dom da Sagrada Eucaristia

Admirador da lógica de Santo Inácio de Loyola, Dr. Plinio fez uma série de reuniões, em 1973, sobre os exercícios espirituais inacianos, comentados pelo célebre jesuíta, Pe. João Pedro Pinamonti. Nestas linhas, Dr. Plinio comenta a grandeza do Sacramento da Eucaristia.

 

“Considera que três coisas podem concorrer para fazer um dom grandemente estimável: a grandeza do mesmo dom; o afeto de quem o dá; a utilidade de quem o recebe; as quais três coisas todas se acham maravilhosamente na diviníssima Eucaristia”(1).

Gostaria que analisassem o raciocínio para perceberem como é lógico.

Ele faz aqui consideração sobre o Santíssimo Sacramento enquanto dom, ou presente. Como preliminar do assunto, explicita uma teoria a respeito do valor de um presente, aplicável a todos os dons, em todas as épocas e sobre toda a face da Terra.

E indica os três pontos que tornam um presente muito apreciado:

  1. a) a grandeza do dom;
  2. b) o afeto de quem o dá;
  3. c) a utilidade de quem o recebe.

É uma ordem perfeita e reduzida à sua expressão mais simples!

Para compreender o valor de um dom, devo analisar o objeto, a pessoa que o dá e quem o recebe. Creio ser bem perceptível a limpidez de espírito que há nesta operação mental. Desta maneira como é apresentada não há nada que escape.

Esta é uma ordem hierárquica de valores muito diversa da usada em nossos dias.

Hoje, quando se dá um presente, grande parte dos indivíduos o recebe marcusianamente(2): fazem relambórios, não sabem analisá-lo, nem dizer qual o seu valor; afirmam que gostaram etc. É uma massaroca de impressões confusas. A pessoa de espírito católico analisa seus próprios sentimentos para verificar, no que são bons ou ruins, qual a razão deles, etc. Este é o verdadeiro espírito da Igreja.

Conhece-se o caso de Santo Inácio de Loyola em que ele afirmava ser capaz de escrever as dezesseis razões — pró e contra — pelas quais cumprimentou de certa maneira algum noviço da Companhia, quando este passou perto dele em determinado momento. Quer dizer, nele tudo era bem pensado, bem calculado.

Caso dois de meus ouvintes, por exemplo, se cumprimentassem, eu gostaria de vê-los escrever três razões pelas quais o cumprimento foi daquele jeito. Creio que haveria muita dificuldade em redigir alguma coisa…

A Escritura diz que todas as obras de Deus têm conta, peso e medida. Neste comentário — que muito reflete a mente de Santo Inácio — vê-se que tudo tinha conta, peso e medida.

Tendo penetrado no firmamento do espírito inaciano, entendamos que é um firmamento ordenado, no qual tudo tem conta, peso e medida.

A primeira coisa, pois, que ele considera é o valor do dom (hoje considerar-se-ia a utilidade de quem o recebe); a segunda, quem o deu; e a terceira, a utilidade de quem o recebe. Esta é a verdadeira hierarquia.

Se alguém, recebe, por exemplo, um brilhante, numa linda caixa, primeiramente indaga qual seu valor. Depois, quem o deu. Suponhamos que lhe informem: “Foi a Rainha da Inglaterra… Ouviu falar de suas singulares virtudes e resolveu mandar-lhe este presente. Sua reação imediata: “Que psicóloga essa rainha! Ela, de longe, percebeu minhas qualidades!” E manda logo colocar na caixa um cartãozinho: “Brilhante que a rainha da Inglaterra enviou-me.”

A terceira pergunta: “O que vou fazer com este brilhante?”.

Está tudo, portanto, magnificamente pensado. Assim eu quisera que fosse cada um de nós. É um convite para um firmamento que se abre.

Continua o Pe. Pinamonti:

“Considera, pois, em primeiro lugar a grandeza do dom. Grandes coisas tinha o Senhor já dado aos homens: tinha-nos dado a nós mesmos, e juntamente nos tinha dado inumeráveis criaturas para o benefício da nossa criação e conservação: estas coisas, ainda que muito estimáveis, eram limitadas. Deu, pois, o Senhor aos homens na Encarnação um dom infinito; porém este dom foi imediatamente dado à humanidade de Jesus Cristo, e a nós por ela só mediatamente; e por isso podia ainda o Senhor dar-se a si mesmo a cada um dos fiéis em particular, estendendo desta forma o benefício da mesma Encarnação”(3).

O pensamento dele aqui é o seguinte: para cada homem, Deus deu uma série de coisas.

Em primeiro lugar o ser, pois de nada adiantaria dar-lhe todo o resto se o homem não existisse.

Além disso, criou o Céu para a Humanidade no seu conjunto e para cada homem individualmente. Porque, se um só homem se salvasse, o Céu brilharia para ele da mesma forma.

Ademais deu-nos saúde, inteligência; em síntese deu-nos todas as coisas que existem.

Sobretudo, deu a Encarnação do Verbo: Ele se fez carne para nos salvar. É um dom enorme!

Imaginemos que uma pessoa empreendesse uma viagem a outro planeta para, chegando lá, fazer a doação de um olho a alguém necessitado; consideraríamos tal gesto de uma extrema generosidade. Se fizéssemos tal coisa, acharíamos que o beneficiado deveria a vida inteira cantar louvores a nossa bondade.

Ora, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade percorreu um espaço muito mais que planetário para vir a nós. Deus verdadeiro, abaixou-se, condescendeu em fazer-se, não anjo, mas homem, para nos salvar.

São Luís, Rei da França, introduziu o costume de inclinar-se quando, no Credo, se diz: “et Homo factus est”. Porque é um dom tão extraordinário, que temos de fazer vênia para agradecê-lo a Deus.

Mais ainda: fazendo-se Homem, passou trinta anos em vida oculta com Nossa Senhora, para glorificar a Deus e rezar pelo gênero humano. Durante todo esse tempo passou orando pela missão que posteriormente haveria de exercer.

Depois, durante três anos operou tais maravilhas, que São João chega a dizer que se as fosse narrar,  encheria a Terra com os escritos de Seus feitos. Os Evangelhos contam-nos apenas parte deles, e já são tão magníficos que nem se sabe o que dizer.

E Jesus além de todos os ensinamentos, o exemplo, de toda a manifestação de paciência, de carinho, e de perdão, ainda fez mais: como coroa de todos os dons anteriores, Ele deu a Sagrada Eucaristia.

Fazendo eco ao espírito de Santo Inácio em seus Exercícios Espirituais, o Pe. Pinamonti irá mostrar adiante que, dar a Sagrada Eucaristia é de algum modo mais do que ter-Se feito Homem: através dela Ele adquiriu uma união mais íntima conosco do que pelo fato de ter-Se encarnado. A Sagrada Eucaristia é um dom, fruto da própria Encarnação; compreende-se portanto quão prodigioso ele é.

Continua o Pe. Pinamonti:

“Isto, pois, é o que Ele faz na Eucaristia, comunicando-nos quanto tem de riquezas e de bens: o seu corpo, o seu sangue, os seus merecimentos, as suas virtudes, a sua alma,e a sua divindade, com uma invenção tão admirável, que por toda a eternidade não viria jamais ao pensamento dos serafins. Não se pode, pois, pedir outra coisa maior ao nosso Salvador nesta vida; e, se lha pedíssemos, poderia ele responder que, mesmo sendo Senhor de todos os bens, agora não tem mais que nos dar, tendo-nos dado tudo no pão dos escolhidos, e no vinho que gera virgens”(4).

É um pensamento admirável! Nosso Senhor, na Eucaristia, dá-Se a nós de um modo tão esplêndido como ninguém poderia inventar. Os mais altos anjos — os serafins —, se pensassem sobre o assunto por toda a eternidade, não poderiam excogitar a ideia de um Deus que Se dá ao homem sob as espécies de pão e de vinho, de modo a penetrar nesse homem e assumí-lo.

Não há na Terra, por exemplo, nas relações de pessoa a pessoa, nenhuma forma de união tão íntima como a existente entre Nosso Senhor Jesus Cristo, na Eucaristia, e nós.

E Pe. Pinamonti enumera os dons que isto representa: Seu corpo, Seu sangue e todos os Seus méritos.

Os méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo são tais que, por cada gota de Seu sangue, Ele resgataria o mundo inteiro. Ora, Ele derramou todo o sangue no alto da Cruz. Como, pois, haveríamos de calcular esse mérito? Ele é infinito!

Na Eucaristia recebemos o precioso dom: todo seu sangue derramado! Também todas as Suas virtudes. Quer dizer, toda a Sua santidade, por assim dizer toca-nos, contagia-nos santamente.

A santidade de Nossa Senhora é incomensurável, mas ela não é infinita. A de Nosso Senhor é estritamente infinita. Ele é “a” santidade.

Pois bem, Aquele que é “a” santidade condescende em vir a mim na Sagrada Eucaristia.

Que dom formidável Ele ficar no sacrário, trancado, até a hora em que chego para comungar! Nesse momento por mim escolhido, Ele vem e me visita, mais intimamente do que à casa de Lázaro e de Maria, enquanto estava vivo na terra. Porque, naquela ocasião, Ele não entrava em Lázaro nem em Maria. Aqui, Ele entra em mim.

É um dom verdadeiramente inestimável! Glória, saúde, todas as riquezas do mundo, nada são comparadas a uma comunhão. E nós que recebemos o chamado para comungar diariamente!

Alguns de nosso movimento, há dez, vinte anos comungam todos os dias; eu, há quarenta anos. Quantas comunhões isto representa! Quantos dons foram se acumulando ao longo desses anos em tais comunhões diárias! É verdadeiramente inimaginável! Esta é a amplitude do dom que Deus nos dá.

Como aproveitarmos esta meditação?

Podemos aproveitá-la, por exemplo, lendo ao menos um destes pontos, a fim de prepararmo-nos para a comunhão.

Suponhamos que uma pessoa esteja, com problemas de inveja. Deve ela considerar que vai receber Aquele que é a suma generosidade, a suma bondade, que nunca invejou ninguém; pelo contrário, alegrou-Se com o bem que fez a todos os outros.

E então dizer: “Senhor, vinde, e dai-me Vossa bondade. Lavai-me do defeito de inveja que noto em mim”.

E se a dificuldade for praticar a castidade, pensar: Nosso Senhor Jesus Cristo é a própria pureza. O sangue d’Ele é chamado vinho que gera virgens. Quem não tiver parte com Ele não consegue a pureza.

E pedir: “Senhor, vinde à minha alma para comunicar-me a Vossa pureza. Por meio de Maria Vos peço que me torneis puro, de uma pureza que lembre a d’Ela, o melhor espelho de Vossa própria pureza”.

Estes pensamentos são tão profundos que não há possibilidade de deter-se em todos antes da comunhão; basta um tomado a sério, para fazer uma comunhão bem feita.

Prossegue o Pe. Pinamonti:

“Em comparação pois duma liberalidade tão excessiva de teu Deus com a tua alma, quão enorme será a tua avareza para com Ele, se não lhe ofereces, pelo menos, aquela liberdade que te resta? Tens até agora feito resistências aos outros dons; mas poderás ainda resistir a um Deus que te dá a si mesmo?” 5

Imaginem que entrasse na casa de um de nós uma pessoa de suma importância e dissesse: “Fulano, vim aqui porque quero ser seu amigo e dar-lhe tudo o que possuo”.

Normalmente a reação seria perguntar-se a si mesmo: “O que tenho para retribuir-lhe? É um presente tão grande que ele me concede: sua fortuna, dinheiro, automóveis, aviões, tudo ele está me dando nesse momento! Alguma coisa deverei fazer por ele”.

Toma então um objeto fino que tenha em sua residência e diz: “Não está de modo algum na proporção do seu dom. Mas, para lhe manifestar o quanto estou grato, leve isto”.

Ou, uma bebida excelente que possua: “Sei que isto não paga em nada, mas peço-lhe aceitar esta bebida. É uma magra expressão daquilo que eu gostaria de fazer”.

A mais elementar das gratidões levaria a tais atitudes.

O Pe. Pinamonti, a respeito da Eucaristia, faz dessas perguntas sumamente lógicas, próprias a levar a alma quase que de elevador para o caminho da virtude.

“Estás recebendo tal dom: o que pretendes fazer? Tens resistido a outras graças: resistirás também a esta? Deus Se dá a ti, e tu não te darás a Ele? Que propósito tem não te ofereceres a Ele por inteiro nesta comunhão?”

Porque na verdade Nosso Senhor dá muito e pede pouco. O que sou para Deus Nosso Senhor? Nada! E eu não me ofereço a Ele?

Portanto, o corolário normal de uma comunhão é fazer um oferecimento: “Senhor, não sou digno de Vos receber, mas suplico que entreis em minha alma. Concedei-me a graça do desejo de dar-me a Vós, e de que um dia, o mais breve possível, eu efetivamente me dê a Vós inteiramente, isto é, abandone o pecado, deixe de Vos ofender, pratique a virtude inteiramente, seja um perfeito soldado de Vossa Causa; por meio de Maria, Vô-lo suplico”.

Esta é a retribuição forçosa. Quem recebe tanto, deve ao menos pagar um pouco pelo que recebeu. E, se Deus Se dá inteiramente a nós, tal será que não nos entreguemos completamente a Ele!

São reflexões que penetram até o fundo! Se a pessoa as tomar um pouco a sério, não pode deixar de persuadir-se. Porque, se em última análise eu acredito na Eucaristia, que é o corpo e o sangue de Cristo, como posso negar a validade de tal raciocínio? É o mais evidente que há!

Coisa muito boa é ter em mente durante o dia determinado pensamento. Por exemplo: de que, hoje, Nosso Senhor Se deu a mim. Pedir-Lhe-ei, portanto, a graça de me entregar a Ele em tal ponto. E farei nessa intenção algum sacrifício, entregarei algo que me custa, oferecerei a Ele tal tarefa difícil, etc.

Ou, então, se percebo que terei uma grande aflição certa coisa muito difícil diante de mim devo refletir: se Deus deu-Se a mim hoje, e novamente Se dará amanhã, não vou confiar n’Ele? Não irá ajudar-me nessa ocasião, sorrir para mim em tal oportunidade? É evidente que sim! Viverei esse dia com confiança, porque Deus Nosso Senhor me auxiliará.

Essas são atitudes normais de alma, de quem vive em função da comunhão que fez hoje e fará amanhã. É assim que se prepara uma alma verdadeiramente eucarística.

Os raciocínios do Pe. Pinamonti para os que praticam os exercícios de Santo Inácio pedem muita seriedade.

Porém, estas são meditações profundamente lógicas.

Imaginemos uma pessoa que resida num país aonde haja um rei, o qual lhe deu um principado. Em certa circunstância, ela precisa de um pequeno favor do monarca, por exemplo, que mande a outrem fornecer-lhe um certificado de vacina.

Não é razoável que ela tenha medo de fazer esse pedido ao rei, pois quem deu-lhe o muito mais dar-lhe-á o menos. Deve, entretanto, pedir muito não só coisas pequenas, mas grandes.

Assim precisamos ser com Nosso Senhor; preparar nossa vida em função d’Ele na Eucaristia.

Tudo isso é profundamente sério e estas conferências são um convite à seriedade. Se não formos sérios nessa vida, ao morrer teremos o maior choque que se possa imaginar: defrontar-nos-emos com a infinita seriedade de Deus.

Ele então nos dirá:

“Diariamente durante tantos anos dei-te a graça de desejardes a minha visita; e correspondeste a ela. Mas, em todas essas visitas não foste sério. Recebeste-me não refletindo no que o ato significava, nem tirando as consequência dele”.

O que iremos dizer-Lhe?  Compreende-se a importância de meditar sobre isto?

O ideal seria fazer um recolhimento com base nesse texto. Se tivéssemos um local onde pudessem revê-lo, com alguém encarregado de dar um desenvolvimento mais amplo à matéria… E meditar aos poucos, tomando notas para prepararem um “manual do comungante” a fim de ajudar a terem estas considerações no espírito, na hora de receberem a Eucaristia. Esta é a verdadeira seiva da vida espiritual. v

 

Continua no próximo número.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 15 de setembro de 1973).

 

 

1) Exercícios de Santo Inácio e Leituras Espirituais. 3ª ed. corr. Edições A.J. Porto, 1934, p. 170

2) Conforme Marcuse. Herbert Marcuse (1898-1979), filósofo de origem alemã, que se radicou nos EEUU, propugnador de uma filosofia baseada em Freud e Marx. Exerceu forte influência nos movimentos revolucionários estudantis que eclodiram a partir da Sorbonne, em 1968.

3) Pinamonti, op. cit. p. 170.

4) Ídem. p. 171

5) Ídem. p. 171