Maravilhosa “neta” do Criador

Mais de uma vez temos considerado como o senso do maravilhoso é algo que possui profundo vínculo com o amor a Deus, pois se trata de um meio superiormente apropriado para conduzir nossa alma ao desejo das grandezas divinas. Noutras palavras,  Deus criou maravilhas para elevar o homem até Ele.

Por exemplo, ao contemplarmos um lindo pôr-de-sol, é-nos dada a oportunidade de louvar, de modo especial, ao Criador. Razão pela qual um São Francisco de Assis cantou o “irmão sol”: porque é maravilhoso, e na sua maravilha ele ergue o coração humano até o Eterno, mais do que o poderia fazer, digamos, um grão de poeira reluzente ao brilho do mesmo sol.

O maravilhoso é a arte produzida por Deus para externar a sua própria magnitude aos nossos olhos.

Acontece, porém, que o nosso maravilhamento não incide apenas sobre as belezas saídas diretamente das mãos do Onipotente, mas também sobre aquelas engendradas pelo próprio homem. Este é a obra-prima criada por Deus, e os esplendores arquitetados pela humanidade ao longo dos tempos, “filhos” do homem, são “netos” de Deus — como disse Dante na Divina Comédia. E, portanto, através da análise desses “netos” podemos nos enlevar com esse imperecível e perpétuo avô que jamais envelhece, Deus Senhor nosso.

***

A natureza foi feita por Deus. As obras de arte foram feitas pelo homem, criado e redimido por Deus. Como igualmente já o dissemos, tudo quanto há de bom, de grande e de belo na Terra é fruto do preciosíssimo Sangue de Cristo, efundido no alto do Calvário para a regeneração do mundo. Desta fonte de méritos infinitos e de graças inapreciáveis nasceram as maravilhas do engenho humano. As águas do batismo concorreram para ordenar e requintar o senso do maravilhoso naqueles que as receberam e que passaram a desenhar o perfil admirável — e até hoje admirado — da Civilização Cristã.

Citar um exemplo?

O que sempre nos vem à mente, quando se trata de ilustrar o maravilhoso, o sonho transformado em realidade nesta Terra. O que tanto nos toca a alma, por ter sabido unir de forma insuperável essas duas criaturas divinas: céu e água.

Simplesmente, Veneza.

O perdão dos pecados e a misericórdia de Nossa Senhora

A gratuita misericórdia de Deus para conosco, dando-nos sua própria Mãe como intercessora, de um lado, e ­nossa completa ausência de méritos, de outro, fez de Dr. Plinio um convicto devoto da ­Santíssima Virgem.

 

Um membro de nosso Movimento escreveu-me, fazendo uma pergunta que pode ser assim resumida:

Certas graças determinam para quem as recebe uma espécie de Grand Retour1, como a que Nossa Senhora de Coromoto concedeu a um índio.

Para que Maria Santíssima dê a uma pessoa graça assim fulminante, é preciso que ela tenha pelo menos alguma boa disposição em sua alma, um primeiro desejo de sair do mal?

Ou pode-se admitir que a graça venha a tocar um indivíduo que está aprazivelmente comendo as bolotas dos porcos, sem nenhuma vontade de voltar para a casa paterna?

Gratuidade da parte de Deus e nossa completa ausência de méritos

Passo, então, a responder.

Segundo a doutrina católica, não existe a possibilidade de fazermos nenhum ato de vida espiritual sobrenatural que não tenha como ponto de partida uma graça a nós concedida gratuitamente. Quer dizer, o primeiro passo é sempre dado por Deus.

O ato é sobrenatural quando praticado tendo em vista a Fé, adesão da inteligência a algo que foi revelado.  Nenhum ato sobrenatural pode ser feito pelo homem antes que Deus lhe dê a possibilidade de vir a praticá-lo. De maneira que no início das nossas relações com Deus está a completa gratuidade da parte de Deus, e a total ausência de méritos de nossa parte.

A misericórdia gratuita de Deus para com o pecador

Isto se dá de modo evidente, por exemplo, com a criança que é batizada, a qual não tem o uso da razão e recebe, entretanto, desde logo, o dom infuso da Fé. 

E também com o pecador. Imaginemos dois pecadores. Um tem o resto de algo concedido por Deus e que ele não recusou inteiramente; o outro não possui nada, porque rejeitou tudo. Cada um deles, para dar um passo adiante na vida espiritual, precisa ter um perdão de Deus, uma graça. É claro que este perdão é maior para aquele que recusou tudo. Mas, em relação a ambos é preciso um perdão, um ato de misericórdia gratuita de Nosso Senhor.

Para Deus nada é impossível

Poder-se-ia apresentar a seguinte dúvida: Suponhamos um católico que apostatou da Fé e passou a ser satanista.

E um outro católico, que vive em estado habitual de pecado mortal, mas não apostatou, reza de vez em quando e assiste a Missa aos domingos. Embora esteja morto para a vida espiritual, porque se encontra em estado de pecado mortal, há nele uma série de disposições de alma que, em última análise, são restos do efeito da graça. Pergunta-se: a este pecador não adianta nada ter estes restos, para atrair a misericórdia de Deus?

É claro que adianta muito. Porque Deus, infinitamente santo e justo, sabe premiar até os pequenos restos de adesão que alguém dá a Ele. O melhor prêmio que Ele pode dar é exatamente chamar esta alma para junto de Si. De maneira que estes restos de virtude são uma razão que mais especialmente inclina a Deus a salvá-la. Mas é errado dizer que as outras almas de nenhum modo são tocadas por Deus, ou não podem ser salvas. Todo homem é salvável por Deus. E, portanto, é possível que qualquer pessoa, de um momento para outro, se converta.

Assim como esses restos de virtude, que podem existir numa pessoa em estado de pecado mortal, são razões para Deus se inclinar mais para ela, é verdade também que o negrume de pecado, no qual se encontra aquele que poderíamos chamar pecador total, afasta-o do Criador. E somente atos de misericórdia de Deus podem determinar sua conversão. É certo que não haverá conversão, quando se trata de formas de pecado onde existe um empedernimento, uma dureza tremenda, uma malícia intrínseca pavorosa.

Deus é onipotente, e por um ato livre de sua misericórdia, a um pecador que está em estado de pecado completo, omnímodo, Ele pode dar mais do que a outro, no qual há restos de virtude, e fazer do primeiro um grande santo.

Mas estas são operações de Deus excepcionalíssimas, com as quais, portanto, não se pode contar. Haveria até liberalismo em admitir que fossem fatos normais, correntes. É o que o bom senso indica e o convívio com as pessoas nos exprime.

Repito: pode acontecer, em rigor, que o Criador, a rogos de Nossa Senhora, ainda converta essa pessoa, por mais que sua atitude reflita obstinação, porque para Deus nada é impossível.

A Teologia é uma ciência feita de subtilezas. Existe a misericórdia especial e a excepcionalíssima, incomparável, como a que opera a conversão de um adorador do demônio.

Se estivermos unidos a Ela, tudo se arranjará

O caminho de nossa perseverança e de nossa salvação é o de sempre ter devoção a Nossa Senhora. Ela é a Arca da Aliança, a Porta do Céu, o Refúgio dos pecadores, a Consoladora dos aflitos, o Auxílio  dos cristãos. Se estivermos unidos à Mãe de Deus, tudo acaba se arranjando. Ela acaba nos dando graças incríveis, e as coisas vão para frente.

É terrível quando se inicia a decadência espiritual de uma pessoa. Alguém dirá: “Dr. Plinio, agora o senhor está me assustando, porque comecei a decair.” Digo-lhe: “Meu filho, pegue imediatamente na corda e recomece a subir.” O que faz um náufrago no meio das ondas, ao qual se lança uma corda, mas ele de repente percebe que está segurando-a com uma mão só? Vai começar a gritar e largar a corda? Não!  Deve agarrá-la com as duas mãos!

Rezar muito para ser fiel na hora da morte

Devemos sempre pedir a graça da perseverança final, de sermos fiéis no último momento de nossa vida. Porque é uma graça autônoma das outras. Por causa disto, na Ave-Maria se pede sempre: “…rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte. Amém”. As batalhas, as tentações na hora da morte são tremendas; representam a última luta do homem. Se não rezarmos para sermos fiéis neste momento…

Uma pessoa expirou; seu corpo está estendido; ela não responde mais nada. Os médicos a abandonaram. Mas considera-se hoje possível que a alma esteja ligada ao corpo aproximadamente duas horas depois do que se convencionou chamar de morte. Esta alma está lúcida. O que lhe acontecerá neste combate, nesta situação na qual eventualmente ouça comentar em torno de si que ela está morta? E vem o demônio com uma tentação:

— Lembra-se, tal pecado?

— Ah, meu Deus, não o confessei!

— Você está só com medo do inferno; sem graça sacramental você não se salva. Agora, desespere. 

É uma mentira do demônio, porque se a pessoa fez bem a confissão e se esqueceu de acusar algum pecado, a graça do sacramento o perdoa. Na hora de nossa morte, lembrar-nos-emos bem disto?  É preciso, portanto, pedir muito a perseverança final.

E também a perseverança durante os acontecimentos previstos por Nossa Senhora em Fátima, a perseverança na eventualidade de grandes sofrimentos, como estar jogado num lugar qualquer, deitando sangue, todo ferido e não recebendo auxílio de ninguém. Para tudo isto é preciso pedir. E se a pessoa não pedir, não obtém. Esta é a razão pela qual se deve rezar e vigiar muito.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 16/2/1971)

Uma das facetas do Imaculado Coração de Maria

Um dos meios bonitos de conhecermos o espírito e o Imaculado Coração de Maria consiste em estudar a vida de São João Batista. Por ter sido ele santificado no seio de Santa Isabel pela palavra de Nossa Senhora, vê-se que Ela comunicou-lhe ali, misteriosamente, o espírito d’Ela. E tudo quanto o Precursor realizou em sua vida era uma decorrência dessa graça inicial recebida e constantemente intensificada, pelos rogos d’Ela.

Podemos, então, ver São João Batista enquanto asceta austero, pregador do Cordeiro de Deus que viria, e como herói que enfrenta Herodes e morre como mártir, sublime de grandeza e de serenidade. É uma das facetas do espírito de Nossa Senhora.

(Extraído de conferência de 11/7/1967)

Exemplo de despretensão

Nuno Álvares, santo português, foi um dos maiores guerreiros da História de Portugal, adornado pelo mais belo título que um militar podia usar: Condestável! É o Condestável Bem-aventurado.

Além de ajudar singularmente o Rei de Portugal a rechaçar as invasões mouras, Dom Nuno Álvares Pereira teve importante papel nas brigas, infelizmente numerosas, entre Castela e Portugal, dois povos quentes. Narra a História Portuguesa que ele conseguiu vitórias brilhantes.

Ao contrário de certos generais de ministério, que ficam a léguas do campo de batalha, enviando telegramas e mantendo comunicações telefônicas, ele era um batalhador que ia à frente de seus guerreiros!

Terminadas as guerras, e visto que se iniciava um longo período de paz com Castela, Nuno Álvares pediu licença ao Rei e fez-se religioso: entrou para a Ordem do Carmo.
Ele, o grande Condestável, venerado por todo o povo português, fez-se irmão leigo e tornou-se o porteiro do mosteiro.

(Extraído de conferência de 17/1/1986)

São João Batista

Um dos meios mais belos de conhecer algo do Imaculado Coração de Nossa Senhora consiste em contemplar a vida de São João Batista.

Ele foi santificado no seio materno, assim que ouviu a voz de Maria saudando Santa Isabel.

Vê-se que, naquele momento, a Mãe de Deus comunicou misteriosamente o espírito d’Ela à criatura chamada a preparar os caminhos do Messias. E tudo quanto São João Batista realizou e cumpriu foi uma decorrência desta graça inicial que ele recebeu ainda antes de nascer. Graça esta que, pelos rogos de Nossa Senhora, foi constantemente intensificada, até atingir o auge na hora em que ele morreu.

Então podemos ver São João Batista enquanto asceta austero, enquanto pregador do Cordeiro de Deus que viria, e depois como herói que enfrenta Herodes e morre como mártir, sublime de grandeza e de serenidade. São facetas do espírito de Nossa Senhora.

 

Moral católica, fundamento da Civilização Cristã

A Europa foi o continente que, em tempos passados, correspondeu à pregação da Igreja Católica; continente que durante séculos permaneceu substancialmente fiel à Esposa de Cristo. Daí partiu a instauração da Civilização Cristã.

 

Por meio de seus Sacramentos, a Igreja dá forças para que a verdadeira Moral seja praticada pelos homens. Ora, é só por meio da verdadeira Moral que os homens conhecem e praticam a verdadeira ordem, porque a Moral não é senão a ordem do procedimento dos homens. Assim, em conclusão, só há autêntica e perfeita ordem entre os homens onde existe a verdadeira Igreja.

Igreja Católica, o fundamento da ordem

Se a Igreja ensina e dá forças para cumprir a Moral, ela é o verdadeiro fundamento da ordem. Quando os homens seguem a Moral da Igreja, a verdadeira ordem está adotada, no que ela tem de mais profundo.

E acontece com a ordem o que sucede com o corpo humano. Se eu estiver, por exemplo, com meu braço em ordem, só poderei esperar coisas boas: os movimentos necessários, a reação, os serviços, a defesa que ele me proporcionará. Se algo do braço está destroncado, o resto é dor, miséria, inflamação, perigo de gangrena, atrapalhações várias.

Assim também ocorre com a Civilização: se ela está baseada na Moral católica, inclusive nos seus pormenores, não há bem que não se possa esperar; mas quando ela se afasta da Igreja, ainda que seja em pequenas coisas de certa importância, não há mal, tristeza, miséria que não se possa temer.

Nascimento de um novo mundo

Ora, São Bento, por meio de seus monges, foi por excelência o missionário que trouxe à Civilização Católica os germanos e deu impulso ao movimento de evangelização que conquistou todas as nações escandinavas.

Por outro lado, São Bento, através dos monges beneditinos, instituiu um tecido de Ordens religiosas que espalharam por toda a Europa essa moralidade e esse modo de ver quando o continente europeu estava se reconstituindo; era um mundo novo que nascia depois das invasões.

Então o ideal da contemplação ficou profundamente presente nessa fecundidade do apostolado de conversão da Europa.

Portanto, a ação da graça penetrou nas raízes dessa árvore, e o resultado foi essa coisa maravilhosa: a Europa, que se tornou durante muito tempo a própria realização dos ideais da Contra-Revolução.

É para a destruição dessa Europa que a Revolução se levantou. E é para essa Europa que os nossos olhos se voltam nostálgicos, admirativos, cheios de afeto, precisamente porque aí estão os restos sagrados da Contra-Revolução.

 

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência  de 10/2/1965)

Revista Dr Plinio 171 (Junho de 2012)

PALCO DE GLÓRIAS

Do cimo do monte que lhe serve de pedestal, ele contempla, sobranceiro e elegante, a aldeia que o circunda, o vale e as vastidões de terra que se estendem à sua frente. Suas torres de variegadas proporções, em gracioso movimento para o céu, conferem ao seu todo o signo da leveza, enquanto seus vigorosos panos de muro, maciços, apenas atenuados por janelas e arcos ogivais, dão-lhe a nota da majestade grandiosa e forte.

Deixa-se ver entre folhagens ou brandamente refletido no espelho das águas que correm um pouco abaixo de seus alicerces. Numa e noutra visão, aparece recuado nos tempos de heroicas epopeias, de lutas e de glórias em que cravou raízes naquela paisagem espanhola. Apesar de reconstituído em sua maior parte no século XIX, o lindo Castelo de Segóvia conserva ainda a atmosfera dos seus dias de batalhas e triunfos. Ao visitá-lo, sem muito esforço nossa imaginação viaja pela história, e nos achamos na presença de um rei santo, São Fernando III, que o utilizou como uma espécie de posto avançado em seus vitoriosos combates.

Podemos figurá-lo ali, na sala do trono, ou na sala de estar, — com suas paredes de pedras rudes e tetos ricamente lavorados — séria, solene, bonita, onde o soberano vivia na intimidade com a rainha. A distração mais repousante de ambos era se dirigirem para junto de alguma das largas aberturas em ogiva, através das quais perlustravam os campos e as pradarias que se desdobravam além. Então, o casal régio sentado em cadeiras de madeira com espaldar alto, com almofadas de um conforto discutível, olhava para aquela imensidão na qual nada se erguia, a não ser uma pequena fortificação de Templários, distante algumas centenas de metros do castelo. Observar a movimentação dos cavaleiros que entravam e saíam de seu reduto, constituía, assim, um motivo de entretenimento para o rei e sua esposa.

São Fernando, porém, sabia que os momentos de lazer não deviam ser o preponderante da existência para a qual fora suscitado por Deus. Sua missão providencial exigia dele a disposição para o sacrifício e para a luta. E foi esse mesmo Castelo de Segóvia o palco de um dos episódios mais eloquentes da gesta que o santo monarca empreendeu de forma magnífica.

Ainda hoje é mostrado aos visitantes o lugar em que São Fernando almoçava, quando lhe foi avisado que Sevilha, a metrópole dos invasores, a cidade cuja conquista proporcionaria o êxito em todas as demais batalhas, estava prestes a ceder diante das investidas das tropas espanholas. E o mensageiro lhe dirigiu o apelo: “Vinde, Majestade, auxiliar os vossos, e hoje à noite entrareis em Sevilha!”

Mais não era preciso para aquele coração de herói e de santo. No mesmo instante o Rei interrompeu a refeição, mandou preparar suas armas e seu cavalo, e se dirigiu à brida solta até a cidade sitiada, onde já seus intrépidos soldados empreendiam os assaltos finais. Ao verem o soberano que se aproximava, os inimigos compreenderam que nada mais lhes restava senão se render e entregar a praça. Naquela noite, São Fernando se lembraria das torres e grossas paredes do Castelo de Segóvia sem nostalgias nem tristezas. Ele já dormia em Sevilha, olhando para o próximo campo de batalha. Pois assim fazem os Santos. Não contemporizam, não deixam para daqui a pouco, e, quando é necessário, interrompem a refeição, sem consumi-la até o último bocado, nem beber o último trago de vinho. Se chegou o momento do combate, que venham as armas e o cavalo, façamos uma jaculatória a Nossa Senhora, um Nome do Pai, e corramos… de encontro ao quê?

Ao que poderia ser para São Fernando a morte, ou a vitória e a glória… Pouco lhe importava que fosse a vitória, a glória ou a morte. Importava, sim, que Maria Santíssima triunfasse e que a Espanha novamente Lhe pertencesse.

Santa Germana Cousin – Segurança sobrenatural

Há determinadas figuras que nasceram para nos dar o exemplo da segurança sobrenatural em si mesma.

Assim vemos Santa Germana Cousin, pobre, órfã de mãe, escrofulosa, magérrima, com a mão direita deformada, desprezada por todos, até por seu próprio pai. Ela poderia, levada pela vergonha, procurar fugir ou ser uma pessoa revoltada. Entretanto, portou-se com extrema dignidade e levou sua vida na segurança de quem tem um valor: ela é batizada, filha de Deus.

A segurança, a paz e a tranquilidade fundadas na Fé desta Santa pastora, diante de uma situação própria a acabrunhar, nos ensinam que o nosso grande título, a grande razão de nossa ufania é de sermos católicos.

Que Santa Germana nos dê a graça dessa enorme segurança de que nosso verdadeiro e único título de glória é sermos filhos da Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 15/6/1967)

Conhecimento perfeito da grandeza de Deus

Qual era a atitude de Nossa Senhora perante seu Divino Filho?

Antes de tudo, era de uma grande estima e de uma grande consideração das grandezas d’Ele.

Apesar de Nossa Senhora ser Mãe de Jesus Cristo e, portanto, ter a natural autoridade que toda mãe tem sobre seu filho, nenhuma criatura conheceu tão bem quanto Ela a grandeza de Nosso Senhor Jesus Cristo; nenhum intelecto criado pôde sondar tão profundamente essa grandeza e, por isso, nenhum soube admirá-Lo tão completamente.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 21/8/1969)

Santa Germana Cousin

Num século habituado aos prazeres e deleites da vida, onde o sofrimento e a dor eram considerados com repugnância e horror, despontou radiosa uma alma de extrema humildade, colidindo estrondosamente com os preconceitos de seu tempo: Santa Germana Cousin.

Comentarei a vida de Santa Germana Cousin, a virgem de Pribac, que vivera em fins do século XVI.

Assim narra-nos uma ficha com sua história:

“Se houve uma vida triste, inútil e miserável aos olhos do mundo, foi a da Bem-Aventurada Germana Cousin. Uma mão paralisada, uma saúde detestável, nenhuma instrução, um cajado para dirigir ovelhas, a guarda de alguns carneiros, enfim, a morte aos vinte e dois anos, eis o que compôs para o mundo a vida de Germana.

“No estábulo, um recanto pobre da casa, estava seu quartinho: um cubículo de cinco pés de comprimento, sob uma escada. Algumas ramagens de videira como leito, e, como alimento, um pouco de pão e de água era bastante para esta miserável escrofulosa. Sua faina diária era guardar o rebanho da família. E as estações do ano lhe fizeram sofrer muito no que elas têm de mais rigoroso.

“Sua paciência era inalterável, ela não possuía outra resposta às injúrias e aos maus-tratos que de todo lado caíam sobre ela quando voltava para casa, trazendo o rebanho e levando-o para o estábulo. A sua única resposta era calar-se e retirar-se a seu pequeno cubículo”.

Diante de uma vida como essa, quais ensinamentos poderiam ser hauridos para o benefício das almas?

Dois notórios contrastes sucederam-se durante a vida de Santa Germana. Tendo nascido no século XVI, houve uma flagrante divergência entre o pecado dominante deste século e a vida levada por ela, como também a diferença entre as dificuldades da vida terrena que sofrera, em relação à glória sobrenatural pela qual esteve cercada no final de sua existência e sobretudo no Céu.

Por um lado, constata-se um século profundamente marcado pela Renascença, carregando seus pendores defeituosos, que se entregava cada vez mais desbragadamente às pompas mundanas, aos prazeres da vida e a uma ambição pela glória terrena. Embora sendo menos vil que a dominante ambição pelo dinheiro no mundo contemporâneo, não deixava de ser censurável, por possuir um aspecto laico, voltado apenas para o amor-próprio pessoal, desconsiderando a glória celeste que é a única glória à qual o homem deve tender.

Temos então um século de vanglória, centrado no que há de passageiro, transitório e terreno, e que, inconscientemente, faz dessa vanglória um de seus ídolos.

Em meio a este ambiente, nasce uma santa venerada por toda a posteridade por ter sido o contrário da vanglória, levando uma vida pautada pelas maiores humilhações possíveis. Não podendo prestar serviços, pois possuía péssima saúde, Santa Germana era vista com extraordinária crueldade pelos seus mais próximos, maltratada e desprezada com uma raiva irracional que o homem de espírito pagão nutre contra quem apresente qualquer inferioridade intelectual ou física. Ela tinha conjugadas ambas as inferioridades, e era também iletrada.

“De um lado, as pessoas caçoavam da simplicidade dela e de sua devoção. Ela não conhecia nada, exceto o doce nome de Jesus, seu Salvador, e tinha muito cuidado de não se entristecer com seus sofrimentos, com sua miséria, e de pedir a Deus que lhe libertasse, ainda mesmo quando o poder divino, multiplicando os milagres em torno dela, parecia disposto a atender todos os seus desejos”.

 “Ela veio ao mundo paralítica da mão direita e atingida por uma escrofulose. Sua mãe fora levada pela morte logo após seu nascimento. Germana teve que passar toda a sua vida sob a autoridade de uma madrasta que a detestava, maltratava e conservava afastada de seus irmãos e irmãs. Seu pai, Lourenço Cousin, não tinha por sua filha nenhuma espécie de ternura, pouco se inquietando por seus sofrimentos”.

Embora sendo uma pessoa de mínima instrução, que nunca dera provas de grande inteligência, além do aspecto físico tão depauperado e desprezível aos olhos do mundo, esquecida pelo próprio pai e perseguida pela madrasta incessantemente, comprouve à Providência reunir em torno da vida de Santa Germana todas as razões de humilhação imagináveis, para cumulá-la ainda mais de alegria na vida eterna.

Rios que se abriam, neves que davam flores…

“Chegada a hora da Santa Missa, a Bem-Aventurada deixava seu cajado e sua roca, abandonando seu rebanho à guarda do Divino Pastor. Em Germana, a confiança era como uma luz sobrenatural que jamais fora iludida; esta lhe inspirava uma certeza sobre-humana que era posta a serviço de um amor heroico.

“O rebanho, sempre muito bem guardado, mesmo na entrada da floresta de Bocogne, onde foi várias vezes deixado, jamais teve uma ovelha desgarrada, nem o menor prejuízo causado aos campos vizinhos. O que há de mais, o rebanho estava florescente e não havia em toda a aldeia um rebanho mais belo nem mais numeroso.

“Nosso Senhor multiplicou os milagres nas mãos de sua caridosa serva, como Ele outrora havia multiplicado entre as suas mãos divinas. Mas esta explicação não veio ao espírito de todos. Acusaram-na de roubar pão da casa de seu pai, e sua madrasta não foi a última a conceber tais suspeitas. Um dia deu-se conta, ou julgou notar que Germana levava em seu avental um certo número de pedaços de pão que não lhe tinham sido dados. Imediatamente tomou um bastão e pôs-se a correr atrás de Germana. Seu furor contra o suposto roubo lhe fez vituperar todas as injúrias que lhe vieram ao espírito. Dois habitantes de Pribac que a viram, tomados de piedade pela pobre menina ameaçada, apertaram o passo com o desígnio de tomar a defesa dela. Quando chegaram perto da pastora, fizeram-lhe abrir o avental e ele não continha outra coisa, senão um magnífico buquê de belíssimas flores, espargindo um perfume delicioso. Jamais os jardins de Pribac tinham produzido flores semelhantes! Não era uma estação de flores, pois estava-se durante um rigoroso inverno…

“Um dia, Santa Germana não podendo ir à igreja sem atravessar um riacho, o qual, de tal maneira se tinha enchido à noite, tornara-se intransponível, e quando duas testemunhas esperavam para ver o desaponto dela, sem se deter um só instante Germana pôs o pé e as águas se retiraram e fizeram para a humilde pastora de Bocogne o que outrora o Jordão havia feito para a Arca da Aliança e para os filhos de Israel. Os camponeses que estavam lá ficaram tomados de temor e como que fora de si mesmos. Ficaram muito tempo com o olhar fixado sobre Germana que se distanciava a toda pressa, e olhavam para ela e para o riacho que continuava a correr”.

Surge então outro aspecto de Santa Germana, os milagres que se realizaram em grande quantidade à sua volta, comprovando sua autêntica virtude. Milagres dos quais dois são clássicos, um de separar as águas, como sucedeu ao povo hebraico quando transpunha o Rio Jordão, com a Arca da Aliança. O outro milagre faz lembrar o famoso fato da vida de Santa Isabel da Hungria quando levava pão aos pobres. Ocorreu que um cortesão veio a exprobrá-la, perguntando o que trazia em suas mãos, ao que ela respondeu-lhe: “São rosas”, e abrindo o avental notou que de fato o que havia ali eram rosas… Milagre magnífico, semelhante ao realizado por Santa Germana quando os pães transformaram-se num lindo buquê de flores.

Milagres como esses poderiam ser uma forma de Santa Germana dar-se conta de sua própria grandeza e orgulhar-se dela. Não obstante, ela foi um modelo indubitável de humildade, mesmo após a enorme fama de santidade intensamente propagada a seu respeito.

Despretensão, a condição para a santidade

Aos familiares dela não foi dado ver as qualidades extraordinárias que possuía. Mesmo consciente dos milagres que lhe eram atribuídos, a madrasta a perseguiu maldosamente por uma suspeita de roubo, absolutamente infundada.

Mas Germana, possuidora de extraordinário equilíbrio, preferiu permanecer em seu estado a pedir a cura que a privaria de suas humilhações, fazendo possivelmente com que não tivesse alcançado a extraordinária santidade a que chegou. Bem poderia ela ter-se utilizado dos milagres para dizer a sua madrasta: “Não percebe quem sou, e que valho sozinha mais do que toda a aldeia de Pribac e as redondezas somadas? Em determinado momento a senhora pode vir a precisar de mim para algum milagre; porém, tratando-me dessa forma, jamais lhe atenderei. E quando adoecer gravemente? Aqui está quem poderá curá-la. Portanto, respeite-me”.

Ela poderia intimidar por essa forma o ambiente em que vivia, pois todos se curvariam ante suas ameaças. Entretanto, continuando a aceitar todas as humilhações que de início lhe foram impostas pela Providência, Santa Germana recusou o aroma inebriante de seus próprios milagres e das homenagens que lhe eram prestadas, para manter-se fiel até o fim.

Protetora do Papado

Pode-se imaginar essa notícia penetrando nos palácios, nos conventos, nas rodas da alta burguesia, e transmitindo a todos os que ouviam, um convite a confiar nas orações dela. Mas vinha juntamente uma afirmação: “É ouvida por Deus a oração daquele que não tem vanglória, pois ela afasta o homem de Deus. Se te queres unir a Deus, abandona a vanglória”.

Uma mensagem como esta, era uma pregação da humildade contrária ao orgulho característico do século XVI, uma pregação da virgindade contrária à concupiscência efervescente que haveria de culminar na Revolução Francesa.

“Germana foi invocada a favor de Pio VII e mais tarde de Pio IX. A dupla libertação desses dois Soberanos Pontífices seguiu-se de perto ao pedido que foi a ela feito”.

Socorrendo a Igreja em terríveis aflições, pedindo por Pio VII e posteriormente por Pio IX,  Santa Germana transforma-se em protetora da mais gloriosa das instituições existentes na Terra: o Papado. Essa foi a grandeza à qual Deus elevou-a.

Mansidão ou… combatividade?

Para o católico de nossos tempos há alguma lição a ser tirada da edificante vida de Santa Germana?

Adaptadas às circunstâncias do mundo de hoje, devemos observar as mesmas virtudes que por ela foram praticadas. O católico de nossos dias deve ser altivo, batalhador, cônscio de seu valor, não esquecendo, porém, de representar perante seu século as virtudes de Santa Germana Cousin. Muitas vezes negado, malvisto, isolado e perseguido, ele vê constituírem-se em torno de si as inimizades mais gratuitas, enquanto desfazem-se as mais fundadas amizades. Ele tem de lutar de peito aberto contra as potências de sua época, remando contra a maré montante dos vícios e desvios de seu tempo. Não raras vezes torna-se ele objeto de desprezo, senão de ódio. Também Santa Germana era objeto de injúrias pessoais, as quais ela humildemente aceitou.

Ante as injustiças particulares recebidas, devemos recebê-las com mansidão. Entretanto, quando a glória de Deus é tocada, devemos defendê-la como leões. E ao tratar-se de problemas do amor-próprio ou de reivindicações pessoais, devemos ser mansos como cordeiros.

Teremos imitado, então, a nosso modo, as virtudes de Santa Germana, ora inclinando a cabeça perante as humilhações, ora defendendo a glória de Deus como guerreiros.

A pastora transformada em rainha

“Uma noite, dois religiosos surpreendidos pela escuridão se viram obrigados a deter-se numa floresta vizinha para esperar lá a aurora. No meio da noite eles foram acordados por cânticos admiráveis, os seus olhos se abriram, e eles viram uma luz das mais esplendorosas dissipar as trevas. Em alguns instantes essa luz se tornou mais brilhante que o sol. Rodeado por essa luz, um conjunto de virgens apareceu por cima da floresta; elas se dirigiam para Pribac, cantando cânticos maravilhosos. A visão não desapareceu, senão para aparecer uns instantes depois; eram as mesmas virgens que vinham em sentido oposto; elas circundavam uma nova companheira que tinha acabado de juntar-se a elas e que levava sobre a fronte uma coroa de flores nova. Desaparecendo a visão uma segunda vez, deixou os religiosos encantados e conversando sobre o que eles tinham visto e ouvido. 

“Na manhã seguinte, Lourenço Cousin, pai dela, não a vendo aparecer como de costume — Germana sempre matinal e ativa — foi ao alto da escada, chamando-a. Aproximou-se e a pastora dormia o seu último sono.

“Havia quarenta anos que o corpo de Germana repousava no campo santo. O coveiro de Pribac, tendo um dia que preparar uma fossa, se pôs ao trabalho no mesmo lugar onde tinha escavado a da Bem-Aventurada. No primeiro golpe de pá ele levantou uma pedra, mas imediatamente se deteve e deitou um brado; ele tinha diante de si um cadáver que parecia todo recente e o instrumento tinha penetrado na carne incorrupta do cadáver.

“Hoje, seus restos mortais são venerados num relicário cercado de ouro e de luzes. Mais de quatrocentos milagres foram atestados por processos verbais              

Amigas do homem, as belas e poéticas florestas da França foram o ambiente escolhido pela Providência para o lindo milagre da aparição dos coros das virgens.

Dois frades de hábito, sandálias, bordão, com alvas e longas barbas a emoldurar-lhes o rosto, realizavam uma longa viagem a pé, rezando recolhidamente. Exauridos pelo esforço, ao cair da noite dormem na própria floresta, tranquilos, à espera de que venha o dia. Alinhados no chão, protegidos pelas árvores, repousam o merecido sono dos justos.

Aparece então uma luz extraordinária nos primeiros raios da manhã. Eles despertam e indagam-se: o que será? Veem passar uma névoa como que de cristal: é um coro de virgens que atravessam a floresta sem dificuldades em ultrapassar os obstáculos materiais, e desaparecem sobre as montanhas. Passado algum tempo as virgens voltam, trazendo uma a mais, agora sem escrofulose e sem humilhações. E, como nos contos de fada, a pastora transformou-se em rainha, cercada por todas as outras princesas. Caminham alegres para o Céu para receber então a coroa de glória.

“Deposuit potentes de sede et exaltavit humiles” , o orgulho fora castigado, enquanto a humildade ia ser coroada no Céu.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/8/1973)