São Tiago

São Tiago, o Maior, foi um Apóstolo e um missionário movido por extraordinária ousadia. Empreendeu uma epopeia que, levando-se em conta as condições rudimentares da época, pode ser considerada tão — ou mais — audaciosa quanto uma viagem, em nossos dias, até a Lua. Pois o filho do trovão partiu de Jerusalém para pregar o Evangelho aos povos do Ocidente, e chegou aos extremos da Península Ibérica.

Homem de gigantesca estatura moral, recebeu o infalível auxílio de Maria Santíssima, que lhe apareceu para reconfortá-lo, animando-o a não recuar diante de nenhum obstáculo na sua magnífica obra evangelizadora.

Plinio Corrêa de Oliveira

Contrassenso: uma prova de amor

Uma das piores provações pelas quais podemos passar é nos encontramos diante de um contrassenso inexplicável. Mas, confiando em Nossa Senhora, veremos que tudo tem solução.

 

Santa Brígida foi casada com um homem de um gênio muito difícil e que provou muito o temperamento dela. Ela era uma pessoa muito irritadiça e, naquele contato com o marido, teve que se dominar e acabou, afinal de contas, vencendo o gênio muito desagradável, muito duro que ela também tinha.

Ao final da vida, teve que retomar a batalha

Depois disso, ela fez uma peregrinação para o Oriente, santificou-se e voltou para Roma, tendo renunciado à condição régia que possuía e vivendo como uma espécie de freira.

Quando a Santa chegou ao fim da vida, em que a grande luta tinha sido contra o seu temperamento impulsivo, o mau gênio, aparece uma coisa que para ela foi uma catástrofe: todo aquele mau gênio renasceu, e aquela luta parecia perdida. Ela tinha conseguido dominar seu temperamento, reduzir aqueles ímpetos, e via aquilo tudo ressurgir desabotoadamente; teve que retomar a luta, venceu e então morreu em paz.

Comentam os hagiógrafos que isso não significava que Santa Brígida tivesse dado algum consentimento ao mau gênio, nem era um fenômeno de decadência espiritual dela. Mas Nossa Senhora, que tinha sopitado esse mau gênio por uma graça especial, permitiu-lhe uma última prova, fazendo-a passar por uma situação com características de coisa absurda, sem sentido.

Porque é mais ou menos sem sentido uma vida durante a qual a pessoa constrói uma obra espiritual e, de repente, esta parece desabar. Deve-se ter confiança na Providência e, mesmo na velhice, retomar aquele trabalho espiritual.

Situações que parecem sem sentido

Ela não tinha nenhuma culpa pelo que estava sucedendo e, com uma grande sujeição e confiança na Santíssima Virgem, refez todo o trabalho para apresentar a sua alma ao Criador.

Parecia, portanto, uma espécie de cúmulo o vencer o mau gênio. Mas a última coisa, depois do mau gênio completamente vencido, era aceitar a provação enviada por Deus.

Exatamente aqui está um requinte da vida espiritual, a respeito do qual nunca será suficiente insistir. A Providência Divina nos pede, em muitas ocasiões da vida, que enfrentemos situações que parecem sem sentido, que caminhemos de encontro a muralhas que não têm portas, a mares que não têm fundo, a obstáculos que não têm solução, e depois, quando nos aprofundamos, aquilo se abre, se move, e continuamos a avançar.

Isso é frequentíssimo na vida espiritual, bem como na vida de apostolado e na vida privada. Nossa Senhora faz essas coisas para as almas a quem Ela chama às mais altas finalidades e ama mais especialmente. Essa espécie de contrassenso é exatamente uma prova de amor.

Preparar o espírito para a provação

O que pede uma prova de amor? Uma fé cega, depois da qual vem sempre uma grande graça.

Digo isto para alguém que esteja nessas condições, mas também para os que não estão, porque é preciso preparar o espírito para provas dessas.

A pessoa não compreende por que a prova vem, e passa a provação toda protestando. Entretanto, se não protestasse, tornaria a prova mais breve e, no fim, compreenderia o sentido que aquilo tem.

É mesmo uma constante de muitas vocações excelentes. De maneira que é necessário preparar o espírito para essa ideia e enfrentar a prova, porque Nossa Senhora é assim bem servida. Tanto no Antigo como no Novo Testamento, encontramos homens de Deus, especialissimamente amados por Ele, que são provados por essa forma. Devemos ir preparando reservas de energia de alma, de disposição, para quando isso acontecer.

Uma das piores provas que podemos atravessar durante a vida é a impressão de que estamos diante de coisas sem sentido, e não há mais solução nem caminho para nada; e, depois, vemos que há solução e caminho, e tudo no final se esclarece.

Uma tentação que se apresentou ao jovem Plinio

Desculpem-me exemplificar com uma reminiscência particular, mas a vida inteira me causou verdadeiro horror a ideia de briga entre católicos. A única tentação que tive em minha vida de deixar o movimento católico foi logo no comecinho das minhas atividades, quando um senhor tentou provocar uma cisãozinha contra mim, na minúscula Ação Universitária Católica(1) daquele tempo.

Fiquei fortemente tentado de desânimo. Lembro-me ainda de mim, andando de bonde pelo Viaduto do Chá para ir a uma reunião deles, numa noite chuvosa e ruim, e eu tomando todos os ventos no bonde aberto, de pernas trançadas e lutando contra aquela tentação de deixar tudo. A minha ideia era esta: “Sou feito para lutar contra os inimigos da Igreja, e não para lutar contra os filhos dela”.

Tempos depois, eu li uma biografia de Santa Teresa de Jesus, que me agradou muito. Quando terminei a leitura, fechei o livro e pensei: “Está bem, graças a Deus isso é para ela, mas eu fui suscitado para lutar contra a Revolução; não para combater dentro da Igreja”.

Se eu tivesse podido prever tudo o que veio depois, talvez desmaiasse. Ora, tive que aceitar uma realidade que durante muito tempo me pareceu um completo contrassenso.

Quantos outros absurdos dentro de minha vida eu poderia apontar. Pilhas de disparates, de situações que não têm sentido, simplesmente, mas que se vai enfrentando, se adaptando, fazendo-se pequeno, obedecendo à vontade de Nossa Senhora que fala pela voz dos acontecimentos e, depois, vai-se compreendendo que devia ser, e que foi bom que tivesse sido assim.

Calma, segurança e certeza

Eu recomendaria muito àqueles que tenham de trilhar veredas semelhantes àquelas trilhadas por mim que, meditando a respeito disto, se preparassem para enfrentar esses contrassensos. É uma forma de ato de humildade compreender que devemos nos colocar diante de Maria Santíssima como escravos, feitos para obedecer sem discutir. Ela é quem manda, quem dispõe e, portanto, tem o direito de nos fazer passar pelas evoluções que entender para, afinal de contas, chegarmos aos resultados que Ela quiser. Porque isto é obediência, confiança e amor.

Peçamos a Santa Brígida para vincar bem esta ideia em nosso espírito: calma, segurança e certeza de que tudo se resolve e tudo se explica, mesmo nos momentos em que tudo parece insolúvel e inexplicável.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 8/10/1964)

 

1) Grupo fundado por Dr. Plinio em 12 de setembro de 1929, constituído de congregados marianos universitários. Ver Revista Dr. Plinio n. 18, p. 4; n. 59, p. 28-30; n. 152, p. 29; n. 175, p. 5.

 

Santo Elias – Primeiro Devoto de Nossa Senhora

Historicamente falando, Santo Elias pode ser considerado o primeiro devoto de Nossa Senhora. Ao avistar a pequena nuvem — símbolo da futura Mãe de Deus — terá ele recebido uma forma de devoção à Santíssima Virgem prefigurativa e precursora da plena devoção mariana ensinada, séculos depois, por São Luís Grignion de Montfort.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 14/6/1967)

São Daniel

Às vésperas de sua morte, o Profeta Daniel teve a visão de um anjo que lhe disse: “Quanto a ti, vai até o fim. Tu repousarás e te levantarás para receber tua parte de herança, no fim dos tempos” (Dan 12, 13).

É a majestade varonil do Antigo Testamento que aí se contempla; é a magnitude do Profeta exaltada pela aparição de um anjo que vem anunciar sua passagem para a eternidade: “Tu profetizaste, foste grande aos olhos de Deus e dos homens, mas tu também és perecível em teu corpo. Este desaparecerá, enquanto tua alma viverá à espera da recompensa. Dormirás, e serás feliz quando te reergueres para a ressurreição da carne!”

Há nisto uma elevação, uma excelência profética que paira imensamente acima de todas as coisas e nos descansa de tantas trivialidades deste mundo.

Plinio Corrêa de Oliveira

Santa Maria Madalena

De súbito, entra na sala do banquete uma mulher chorando os seus pecados, e sobre os pés divinos de Jesus derrama o bálsamo aromático que trazia numa preciosa ânfora.

Era Maria Madalena que, arrependida e humilhada, torna sua alma contrita ainda mais bela do que fora quando pura, e se converte numa santa. Porque muito amou, muito  foi perdoada, tendo a imensidade do perdão granjeado a ela perfeições que poucos alcançaram. E nos emociona considerarmos que, no alto do Calvário, junto à Cruz, ao lado de Maria Santíssima e de São João, maravilhas da inocência, estava também Madalena, maravilha da penitência…

Plinio Corrêa de Oliveira

Contemplação: fruto da penitência e do desapego!

Estando profundamente arrependida, Santa Maria Madalena perdeu o apego às coisas da Terra que lhe foram ocasião e motivo de pecado, e voou à contemplação. Meditando na vida da Santa Penitente, Dr. Plinio põe-se a seguinte interrogação: existirá alguma correlação entre espírito de contemplação, espírito de arrependimento, e desprendimento das coisas desta Terra?

 

Santa Maria Madalena mereceu ser a primeira pessoa a contemplar o Salvador ressuscitado.

No famoso episódio do banquete, em que Maria Madalena — tudo leva a crer que dela se tratava — ungiu os pés de Nosso Senhor, há aspectos colaterais os quais nos fornecem algumas perspectivas da alma e da vida dela, bem como de sua posição no firmamento da Igreja, que seria o caso de comentarmos.

Contemplação e penitência

Ela era irmã de Lázaro, o qual, segundo a tradição, pertencia à alta sociedade porque era um homem muito rico. Portanto, Lázaro e suas duas irmãs eram pessoas de alta categoria, mas Maria Madalena havia decaído muito e se tornara uma pecadora pública.

Depois do seu arrependimento, Santa Maria Madalena passou a representar duas coisas que se tornaram claras: de um lado a contemplação, e de outro a penitência.

Ela se diferenciou de Marta, no célebre episódio em que Nosso Senhor disse a esta última — que censurava Madalena porque não estava se ocupando das coisas da casa, mas se limitava a olhar para Ele e ouvi-Lo —: “Marta, Marta, Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada!”(1)

A partir de então, Santa Maria Madalena representou o estado puramente contemplativo, destacado da vida ativa. E, pelo seu grande arrependimento, pela sua fidelidade ao pé da Cruz, e pelo fato de ter sido a primeira que teve notícia da ressurreição do Redentor, ela passou a simbolizar não apenas a contemplação, mas a penitência, a penitência na sua glória, no estado do maior perdão e da maior intimidade com Nosso Senhor.

Com o exemplo da vida dela, e de outros santos, alguns teólogos pretenderam que o estado de penitência séria, profunda, é mais bonito que o estado de inocência.

Judas, o oposto de Santa Maria Madalena

Em terceiro lugar, ela representou também a afirmação dos direitos da inocência e dos direitos de Nosso Senhor.

Em que sentido?

Todos se lembram deste fato: estando o Divino Salvador em Betânia, foi oferecida uma ceia em sua honra. Madalena entrou e, quebrando um vidro de perfume, começou a ungir os pés de Nosso Senhor. Judas censurou-a a esse respeito, mas o Redentor justificou a atitude dela.(2)

Vemos aí a penitência, juntamente com a contemplação, numa espécie de irredutível oposição ao espírito sem nenhum arrependimento de Judas. Este, em vez de arrepender-se, caiu no desespero, como mostra o ato pelo qual ele se enforcou na figueira.

Enquanto ela, como contemplativa e penitente, representava a renúncia aos bens da Terra, Judas, como ladrão, traidor — e traidor por dinheiro —, simbolizava o apego aos bens deste mundo.

Dois itinerários que se cruzaram

O que pode ter levado esse miserável a ter tanto apego ao dinheiro? Um apego que naturalmente chegou ao ódio ao Redentor, porque ninguém faz uma traição como aquela, apenas por lucro, sem ódio; no fundo, um ódio que domina o próprio espírito de lucro. A roubar as esmolas coletadas para os pobres? Ele que era o defensor dos direitos dos pobres, na hora em que se verteu o perfume nos pés de Divino Mestre… Ao desejo de se tornar rico, para ter uma carreira colateral à de apóstolo, e ser um homem considerado importante naquela sociedade de Jerusalém, julgando que ele perdia algo de sua carreira humana seguindo a Nosso Senhor Jesus Cristo, a quem os fariseus desdenhavam como um homem sem importância?

Judas fez tais coisas porque, quando ele estava junto a Nosso Senhor e ouvia as prédicas e assistia aos milagres do Divino Mestre, o seu espírito saía de lá e começava a pensar em Jerusalém, nas suas praças ou no Templo, onde ficavam os tão “finos, simpáticos e inteligentes” fariseus.

Porque não se reteve nas contemplações do Redentor e começou a aspirar às coisas do mundo, ele caiu em pecado. E esse pecado, chegando até o extremo, o conduziu ao desespero: Judas então se enforcou na figueira maldita.

Podemos admitir a possibilidade de que, em determinado momento, Judas esteve em estado de graça e Maria Madalena em pecado mortal. Ela saiu do pecado, para subir a um alto grau de virtude, e ele desceu da condição de apóstolo, para a qual tinha sido convidado por Nosso Senhor — houve, portanto, uma hora em que o Redentor não só o amou, mas o amou até o fim, e Judas amou a Nosso Senhor —, ele desceu desta condição, para ser o vendilhão do Salvador.

Vemos assim quanto pode subir uma alma que está no lodo, e quanto pode cair uma alma chamada para o que há de melhor. Foram dois itinerários que se cruzaram; é uma coisa que nos arrepia, enche de terror.

Santa Maria Madalena e Judas; espírito de Jacó e de Esaú

A oposição das figuras de Santa Maria Madalena e de Judas torna-se tão flagrante que vai até ao Calvário e à Ressurreição.

Ela estava ao pé da Cruz, e ele, o apóstolo maldito, o homem execrando, foi quem encaminhou Nosso Senhor para a Cruz. Santa Maria Madalena é a primeira a presenciar a Ressurreição, enquanto ele se enforca e sua alma cai porcamente no Inferno.

As antíteses entre um e outro estado de alma são tremendas; os espíritos são diferentes. Compete-nos fazer uma análise dos traços desses espíritos.

Que nexo há entre arrependimento, pura contemplação e desapego dos bens do mundo, de um lado; e de outro lado, impenitência final, desespero, apego aos bens do mundo, enchafurdamento na vida prática, ativa, como fazia Judas, homem que naturalmente roubava e fazia negócios desonestos? Que paralelismo existe entre uma coisa e outra?

Há algum tempo tratei neste auditório a respeito de Esaú e de Jacó, e falei sobre o espírito de ambos.

Santa Maria Madalena nos afigura como quem teve o espírito de Jacó. Quer dizer, espírito superior, voltado para as coisas elevadas, portanto para Deus, e indiferente às coisas materiais do mundo.

Judas é o tipo do Esaú. Mais do que vender o direito de primogenitura por um prato de lentilhas, ele vende seu Salvador por trinta dinheiros, o que é muitíssimo pior. E não teve verdadeiro arrependimento, porque nele não havia mais nenhuma forma de virtude sobrenatural. Fracassou totalmente, caiu no desespero e suicidou-se.

Contemplação nascida da penitência e do desapego

Então, que nexo existe entre estas três coisas: o espírito de contemplação, o espírito de arrependimento, e o desprendimento das coisas desta Terra?

É fácil compreender, pois uma pessoa, de qualquer um desses pontos parte para o outro. Estando profundamente arrependida, com arrependimento eficaz, ela perde o apego às coisas da Terra que lhe foram ocasião e motivo de pecado; e, tendo esse desapego, facilmente vai para a contemplação. A pura contemplação e a renúncia das coisas devido às quais ela pecou, levada ao último extremo, são o próprio da penitência. Quem pratica a verdadeira penitência não se limita a separar-se daquilo que o conduziu ao pecado; ele o execra. E por isso coloca, entre aquilo por onde pecou e si mesmo, a maior das distâncias.

Para praticar essa penitência tão grande, convinha a Santa Maria Madalena separar-se completamente do mundo. E não ficar apenas no estado de uma vida contemplativa e ativa, mas levar vida puramente contemplativa, em que tudo foi abandonado, e qualquer forma indireta de contato com a matéria execrada devido ao pecado foi também cortada; assim, não lhe restava outra coisa senão a contemplação. Contemplação que, nascida da penitência e do desapego, faz compreender a excelência das coisas do Céu, e que todas as coisas da Terra foram feitas para as do Céu. Portanto, era justo e bom derramar unguento nos pés sacrossantos de Nosso Senhor Jesus Cristo, mesmo quando houvesse pobre que precisasse de esmola.

A pecadora arrependida amava Nossa Senhora, e o traidor A detestava

Todos os que têm tratado deste particular dizem o seguinte: Judas com certeza não tinha devoção a Nossa Senhora. Se tivesse para com a Santíssima Virgem um mínimo de instinto filial, de simpatia, de amor, quando ele caiu inteiramente em si iria procurar por Ela; e ter-Lhe-ia pedido que arranjasse a situação dele. Mas Judas tinha antipatia por Nossa Senhora, e A detestava. O Evangelho diz, de modo taxativo, que o demônio tinha entrado nele. E o demônio afastava-o o quanto possível da Virgem Maria.

Qual o resultado? Ele não se dirigiu Àquela que é o canal das graças, e isto ocasionou a sua perdição.

São Pedro, depois de ter renegado Nosso Senhor, talvez tenha tido tentação de desespero. Mas é certo moralmente que ele procurou Nossa Senhora. Por isso, ele, que também tinha pecado muito, foi fiel, sendo o primeiro Papa da Santa Igreja Católica.

Santa Maria Madalena sempre aparece fazendo parte do cortejo da Santíssima Virgem, intimamente unida a Ela em todos os momentos, sobretudo na hora régia da vida de Nossa Senhora, quando Nosso Senhor Jesus Cristo, com dores indizíveis, disse “Consummatum est”.

Podemos imaginar Santa Maria Madalena junto a Nossa Senhora, na hora da piedade, quando a Mãe de Deus tinha Nosso Senhor Jesus Cristo sobre seu colo.

Naquele momento tremendo, Nossa Senhora ficou inteiramente abandonada: Nosso Senhor no sepulcro, o Colégio Apostólico vacilante, a cidade de Jerusalém entregue a terremotos, e os justos da Antiga Lei andando de um lado para o outro. A Santíssima Virgem, nessa situação tão pouco conhecida, estava completamente só.

Tenho a impressão de que não Lhe faltou a assistência de Santa Maria Madalena, a qual estava junto d’Ela. E porque permaneceu junto à Mãe de Deus, ela recebeu um rosário de glórias, cada uma mais extraordinária do que outra.

Quando vemos tudo isto, é impossível não estremecermos com a nossa própria fraqueza. Mas é impossível também que não nos sintamos concertados com este ponto: por mais fraco que o homem seja, desde que ele se apegue muito a Nossa Senhora, peça-Lhe muito por sua própria perseverança e para que Ela o ampare, nunca o abandone, ele encontra aí um ponto de firmeza, de solidez.

A última das pecadoras aproximou-se de Nossa Senhora e se tornou uma penitente gloriosíssima. Um apóstolo, que era distante de Nossa Senhora e frio para com Ela,  tornou-se o filho da maldição e da perdição, que Dante coloca no Inferno dentro da boca de Satanás, com as pernas para fora, o eternamente triturado. Enquanto que podemos imaginar, no Céu, Santa Maria Madalena posta bem perto do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria, agradecendo os favores imerecidos de que ela foi repleta.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 22/7/1965)

 

1) Lc 10,42.

2) Cf. Jo 12,1-8.

Santo Elias, Profeta

É bem verdade que os grandes feitos tornam notórios muitos homens. Entretanto, o que dizer de quem obteve fogo do céu, fez cessar a chuva, e invectivou, ademais, rei, coorte e sacerdotes? O Antigo Testamento viu passar diante de si um ardoroso profeta:  Elias o “ígneo”.

 

A vida do Profeta Elias pode ser dividida em etapas: o enfrentamento com o Rei Acab e o arrebatamento num carro de fogo.

O homem do Deus de Israel

Na primeira delas, vemos Elias colocado diante do povo de Israel, bem amado de Deus, mas governado pelo Rei Acab, que por sua vez era dominado por sua esposa Jezabel, uma mulher ímpia. Esta havia introduzido o culto do deus imoral, impudico(1), Baal, entre o povo eleito.

Diante disso, Elias pregava contra Baal e fazia todo o possível para que o rei e a rainha se convertessem, dando assim o bom exemplo, e os judeus voltassem ao culto do verdadeiro Deus. Mas na realidade as palavras dele não tiveram resultado. Os soberanos continuaram na idolatria.

Compreende-se que dentro dessa situação de tal maneira péssima, a cólera de um homem altamente virtuoso como Elias atingisse limites extraordinários, pois não havia outro caminho. Começa ele, então, a dar o grande de sua vida.

“Quem sabe vosso deus está dormindo?”

Com efeito, naturalmente por ordem de Deus, ele trancou o céu e não choveu durante três anos. E aquele povo, que vivia da agricultura e da criação de gado, não conseguia mais se manter: as ervas definhavam, o gado não tinha o que comer; a fome, a desolação e a miséria se instalavam por todos os lados.

Passados três anos, por ordem de Deus, Elias foi ao encontro do monarca,  desafiando os sacerdotes de Baal a uma confrontação no alto do Monte Carmelo.

Elias, com majestade, obteve a sua vitória sobre os baalitas: “Escolham um novilho para o sacrifício e façam o altar! Depois iniciem vocês por pedir ao seu deus que envie fogo e consuma a vítima em holocausto. Eu farei depois o mesmo. O deus que ouvir será o verdadeiro”.

Eles começam a implorar, a chamar e a executar danças religiosas, provavelmente impúdicas, pois Baal era o deus da imoralidade e da imundície; nada acontecia. Elias debicava deles: “Quem sabe se seu deus está dormindo! Gritem mais alto!” E eles gritavam, dançavam com mais frenesi e começaram então a se cobrir de sangue, cortando-se, para que Baal ouvisse.

Mas, quando o sol chegou a pino, o prazo designado por Elias cessou. Ele então, abstraindo da presença daquela gente, construiu um altar, molhou-o com abundância, para impedir qualquer dúvida de que houvesse algum artifício ou fraude, e depois invocou a Deus a fim de que fizesse descer o fogo do céu.

Imaginemos a grandeza da cena! O povo de Israel e diante dele um altarzinho singelo, mas enormemente respeitável, com um boi esquartejado em cima, tudo molhado e também cercado por um valo cheio de água; todos atentos.

Consideremos a majestade da hora da invocação de Elias. Homem venerável, já com a barba branca, provavelmente com uma túnica alva que lhe ia até os pés, ele reza ao Senhor, pedindo que afinal viesse o fogo do céu para provar ser Ele o verdadeiro Deus.

Elias, com uma prece simples, cheia de beleza, obteve a vinda do fogo. Podemos imaginar um fogo lindíssimo, com labaredas entre azul e vermelho, que desciam do céu e penetravam na carne daquele boi; um fogo de tal maneira devorador que consumiu as pedras do altar e fez evaporar toda a água colocada em torno dele. À medida que o fogo descia, Elias se tornava mais majestoso e grandioso, e, quando tudo estava queimado, o povo reconheceu: “Tu és verdadeiramente o homem do Deus de Israel”, prosternou-se por terra e adorou a Deus.

Exaltabit caput suum

A segunda fase da vida de Elias é misteriosa. Num carro de fogo, puxado por cavalos de fogo, ele é arrebatado num redemoinho.

Sua vida nos abre perspectivas certamente deslumbrantes. Porque para ser glorificado assim é preciso ter passado por humilhações sem conta. Só fundam as instituições muito seguras os homens que passaram por todas as inseguranças! Só fundam as nações muito intrépidas os homens que se expuseram a todos os riscos! Só abrem grandes sulcos de glória na História os homens que sofreram toda espécie de humilhações! “De torrente in via bibet, propterea exaltabit caput suum — Beberá da torrente no caminho; por isso, erguerá a sua fronte”(2). Quer dizer, trata-se de parcelas de gelo que se derretem e descem ao longo dos morros; e um viajante pobre e desamparado de recursos se põe de quatro para beber no chão, como um animal. Esse está no último da humilhação. Ele bebeu da torrente. Por isso, sua cabeça, sua fronte, será exaltada!

E sua glória se manifestou a eles

Devemos nos lembrar também de outro fato grandioso: Elias no monte Tabor, no dia da Transfiguração. Que predileção extraordinária! Nosso Senhor Jesus Cristo vai Se transfigurando e sua glória interna vai se manifestando aos Apóstolos que não cabem em si de deslumbramento. Ao lado d’Ele duas figuras aparecem. Nosso Senhor, não contente de manifestar a sua grande glória, quis mostrá‑la em dois servos eminentes, por Ele especialmente amados: Moisés e Elias.

Imaginemos todas as glórias que houve na História: os generais que obtiveram as vitórias mais brilhantes; os demagogos aclamados pelas multidões mais estrepitosas; os monarcas que receberam as homenagens mais reverentes; os sábios que tenham sido objeto de veneração dos homens mais ilustres e mais admirativos; os Santos diante dos quais se tenham dobrado as maiores multidões. O que tudo isso representa em comparação com a glória de Elias ao lado de Nosso Senhor no Tabor?

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 20/7/1991, 24/11/1990 e 20/7/1983)

 

1) Palavra grafada como o autor a pronunciava, procurando dar-lhe melhor sonoridade.

2) Sl 109, 7.

Catedral de York: Obra-prima de bom gosto e arte

Comentando a imponente e aconchegante catedral de York, Dr. Plinio procura ensinar a arte de saborear belezas subtis que, à primeira vista, podem causar certo choque; mas por isso mesmo, quando bem compreendidas, são motivo de ainda maior admiração.

 

Gostaria de comentar uma catedral bastante conhecida, porém não célebre. Ao menos não me parece que o seja. Esta catedral é de York, na Inglaterra, cidade conhecida no mundo inteiro, sobretudo pelo fato de seus habitantes terem fundado a Nova York, nos Estados Unidos; mas também por ser uma cidade muito importante na vida cultural, política e econômica da Inglaterra.

É preciso saber saborear

A catedral apresenta algumas características que, à primeira vista, impressionam pouco, e cuja beleza é preciso saber saborear.

Por exemplo, a torre sem ponta. O gosto pelo princípio de unidade e transcendência nos levaria a desejar que a torre central terminasse bem mais alta, devendo ser constituída por uma série de lances menores, terminando com uma ponta altiva e elegante.

Se analisarmos a construção que está ao lado — provavelmente deve ser a sala capitular —, com uma ponta cônica, veremos como a ponta a torna bonita. Mas, na torre central não há ponta.

Considerando ainda as duas torres do fundo, as quais não têm ponta, vemos que nos ângulos delas estão flanqueados florões que causam à primeira vista a impressão de torreões.

Onde está a beleza dessa torre assim? Não se diria tratar-se de uma torre inacabada, portanto, não tendo toda a beleza sonhada pelo arquiteto?

A poesia do cone inexistente

A resposta, a meu ver, é a seguinte:

Assim como o Fujiama tem sua beleza própria por não ter cone, há qualquer coisa nessas torres que faz sonhar vagamente numa ponta que não existe. Assim como na ordem da natureza as sombras têm sua beleza, e, às vezes, são mais belas do que a realidade, assim também os cumes e as pontas que não existem, quando o que está embaixo é feito com talento, ficam insinuados. E, por essa insinuação, qualquer um pode formar uma ideia, ainda que vaga e subconsciente, daquilo que não existe.

Então, nas duas torres do fundo, há algo que ajuda a imaginação a se elevar até o cone. Na torre do meio não: é rasa mesmo! Mas, de fato, prestando atenção, desprende-se dela uma certa poesia: é a poesia do cone inexistente!

Aconchego do convívio íntimo entre as pedras 

Eu queria chamar a atenção para outro aspecto da questão.

Observando a catedral, vê-se ser toda ela, por assim dizer, imbricada dentro de um casario, o que se nota, sobretudo, no tocante à peça mais avançada, octogonal, a qual está quase imersa no meio de um emaranhado de dependências da catedral e de casas que estão ao seu redor. Próximo desta está um arvoredo; este também está um pouco entrelaçado com as construções.

Aí se nota o contrário do urbanismo moderno, no qual nada é entrelaçado. Segundo esta concepção, se deveria derrubar todo este casario, para com isso a catedral ficar à vista de todos os lados; naquela área se faria uma praça vazia com gramado, e esse casario, se existisse, deveria existir para longe.

O resultado é que se perderia algo da sensação do aconchego do convívio íntimo entre pedras diferentes.

Note-se também que tais casas são um tanto ligadas umas às outras, sem nada de muito ordenado. Porém, formam um todo agradável e interessante, diferente do perpétuo quadrilátero, ou então do sinuoso, artificialmente poético, das ruas das cidades modernas. Este conjunto formado em torno da catedral causa a impressão de um urbanismo vivo.

Fruto de almas católicas

Hoje a catedral não é católica, mas foi construída por almas católicas, para orações católicas se erguerem daí de dentro, junto ao Santíssimo Sacramento, e aos pés das imagens de Nossa Senhora e dos santos.

A beleza da ogiva e da harmoniosa galeria lateral dá-nos uma ideia de dignidade, de majestade, de recolhimento. Tem-se impressão que a forma da ogiva ajuda as orações a se levantarem ao Céu, até o trono de Deus.

Acho de uma harmonia, de uma distinção e de uma beleza admirável essa catedral, e de um equilibro extraordinário.

Chama a atenção a beleza da pedra, de um colorido que dá a impressão de ser feita de uma espécie de mel claro, de um tom parecido com o da madeira.

Na entrada do coro vê-se uma sucessão de nichos, e entre cada duas colunas um santo; essa parede separa a nave central do coro. Nas asas laterais é muito bonito ver aqueles maços de colunas que se entreveem, e em cima, a construção que não chega até o teto, mas termina com uma balaustrada de colunetas góticas. Todo esse conjunto é uma verdadeira obra-prima de bom gosto e arte.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 22/5/1985)

Conhecimento de Deus através do belo

Por meio da contemplação dos esplendores que o Criador espargiu pelo universo, chega-se ao amor de Deus. Seria necessária, diz Dr. Plinio, uma escola desses exercícios de admiração para inaugurar uma nova e rica via de conhecimento divino, sobretudo conveniente para aqueles que vivem na era da “civilização da imagem”.

 

No seu livro sobre a estética medieval(1), Edgar de Bruyne se refere à escola vitorina(2), o que nos faz pensar na conveniência de haver tratados do amor de Deus ensinando, por meio do belo, a praticar a admiração e o elevar-se ao Criador, ao mesmo tempo metódica e degustativamente, assim como há tratados para outras vias da vida espiritual.

Um novo caminho para a piedade

Compreende-se melhor a oportunidade de um tal ensinamento se considerarmos que, em matéria de livros para formar as almas no amor divino, um tratado dessa espécie seria o único capaz de reeducar as pessoas da “civilização da imagem”, porque parte da figura e tende, através desta, para uma reflexão que nunca se distancia inteiramente da imagem, nem sequer em seu ponto terminal. E constitui, entretanto, um profundo pensamento.

A esse título, trata-se de um caminho novo de piedade e vida espiritual.

Exemplifico. Tome-se, digamos, a estrada de ferro que liga Curitiba ao porto de Paranaguá, no Paraná. Um trajeto famoso pela beleza dos panoramas que ele percorre. Ora, dever-se-ia mostrar fotografias desses cenários e, com essas imagens na retina, explicar como através dos esplendores naturais ali contemplados se chega ao conhecimento e amor de Deus.

Do mesmo modo, com outras incontáveis belezas esparsas pelo Brasil e pelo mundo, seria mais do que benéfico proceder a tais exercícios — atraentes e sistemáticos — de elevação da alma às coisas celestiais. Isto significaria, como acima dissemos, inaugurar para os homens uma nova e rica via de conhecimento divino.

A beleza do espírito transparecendo na da matéria

A arte gótica, aliás, é fecunda no favorecer exercícios dessa natureza. Por exemplo, o Castelo de Saumur, cujos torreões parecem dispostos desordenadamente dentro de um quadrilátero muito rigoroso — e o gênio francês é exímio em unir elementos díspares — nos remete para realidades superiores às terrenas.

Nesse sentido, porém, embora arquitetada num estilo próprio, creio ser mais audaciosa a igreja de São Basílio, em Moscou. Ao vê-la, tem-se a impressão de que suas torres, como que nascendo do solo, são minúsculas e carregam tetos imensamente maiores que elas. Estes, por assim dizer, quase esmagam o edifício, mas são coberturas magníficas. É um conglomerado de torres onde quase tudo é teto, constituindo um jogo de fantasia e imaginação em extremo bonito, e, a seu modo, elevando a alma para o infinito esplendor de Deus.

Dessas análises se deve concluir que, na beleza da arte engendrada pelo talento humano, importa fazer transparecer a beleza mais alta de caráter espiritual que nos fala de Deus.

Então se pergunta: como uma pessoa, percebendo a transparência do espírito na matéria — desde que tal transparência apresente essas qualidades sobre as quais acabamos de falar — tem a noção do belo?

Ela o tem, porque nota através do elemento material que lhe cai comumente sob os sentidos, uma realidade ontológica mais elevada. De algum modo, ela percebe a riqueza de espírito ali presente e, de certa forma, a beleza do próprio Deus. Ou seja, é um degrau para a consideração do Onipotente, do Ser perfeito, eterno e criador de todas as coisas.

A habilidade do artista enriquece a obra

Portanto, não basta dizer — e esse ponto acrescenta algo às nossas elucubrações anteriores —  que a pessoa, ao contemplar a obra de arte, percebe uma virtude e, através disso, Deus. Há outra coisa: ela conhece melhor, com uma cognição mais preciosa que a comum, o espírito humano que concebeu aquela beleza artística, o qual representa uma realidade ontológica superior e independente de considerações de caráter moral, e que remete para Deus, puro Espírito.

Por isso, segundo de Bruyne, às vezes a mensagem espiritual transmitida pela obra de arte não consiste em que seja em si mesma muito expressiva, mas em revelar a enorme paciência e habilidade do artista, em nos dar a conhecer algo de sua própria alma.

Harmonia de opostos não contraditórios

Para concluir, um comentário a respeito da fórmula empregada por Cassiodoro e consignada por de Bruyne, para exprimir a harmonia das coisas opostas e não contraditórias: “ex diversis, non ex adversis”.

Julgo-a perfeita, lapidar e digna de ser retida. Parece-me muito agradável o emprego de palavras semelhantes — diversis, adversis — que, devido à inversão de uma sílaba ou de algumas letras, exprimem conceitos distintos, tornando o pensamento mais nítido ao espírito.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 23/4/1973)

 

1) Todas as referências a Edgar de Bruyne nesta seção reportam-se à sua obra L’Esthétique du Moyen Âge [A estética da Idade Média].

2) Escola de pensamento fundada em Paris por Hugo de São Vitor e Ricardo de São Vitor.

Santo Elias

Pelas narrações da Escritura e pelas imagens que o representam, Santo Elias nos aparece como um perfeito modelo de varão temente a Deus, sério, digno, majestoso, com o  coração imbuído de zelo no serviço do Altíssimo. A fisionomia possante, a barba espessa e farta, o fulgor do olhar de quem transmite os ditames divinos para o mundo, os  gestos, as atitudes, tudo nele reflete a ênfase — quase diria a pompa — dos profetas do Antigo Testamento.

E se não bastasse ser um espírito incendiado de amor ao Messias que viria, Elias teve por um de seus mais valiosos galardões a devoção à Santíssima Virgem, séculos antes  de Ela nascer.

Foi, com justiça, o precursor das gerações e gerações de filhos que louvariam e aclamariam Nossa Senhora como Bem-aventurada até o fim dos tempos.

Plinio Corrêa de Oliveira (“Santo Elias enfrenta o Rei Acab” — Igreja de São José, Madri)