Rei e centro dos corações – II

A queda singular de uma taça de água, durante a exposição em que Dr. Plinio concluía seus comentários a uma das tocantes invocações da Ladainha do Sagrado Coração de Jesus, ofereceu a ele a oportunidade de exaltar e recomendar, uma vez mais a seus discípulos, a ardorosa prática da virtude da confiança: confiar contra todas as aparências da derrota, na misericordiosa e infalível assistência de Nosso Senhor e de sua Mãe Santíssima.

Após considerarmos os direitos de soberania do Sagrado Coração de Jesus sobre a vontade do homem, simbolizada pelo órgão que lateja em nosso peito, cumpre analisarmos o outro termo da invocação que diz: “centro de todos os corações”.

Eixo do qual tudo se aproxima ou se afasta

A palavra “centro” — não o geométrico, pois se trata de uma metáfora — sugere a idéia de uma multidão de corações com um ponto de atração em função do qual todos se movem para aceitar ou rejeitar algo. Ainda que não percebamos, os movimentos da vida particular de cada um, bem como os da História, se fazem em razão do Sagrado Coração de Jesus.

Imaginemos um ímã gigantesco em torno do qual uma imensa quantidade de limalhas de ferro estivesse disposta, e um vento soprando sobre elas. A viração tende a dispersar as limalhas enquanto o ímã busca atraí-las. Os minúsculos fiapos de ferro estão continuamente solicitados por duas forças distintas: a centrípeta, que os leva a se unirem ao ímã, e a centrífuga, a dele se separarem.

Suponhamos que cada uma das limalhas fosse dotada de inteligência e livre arbítrio, e a todo momento, por causa do vento e da atração, sinta-se obrigada a escolher se irá aproximar-se ou distanciar-se do ímã. Essa é uma metáfora para indicar o significado das palavras “rei e centro dos corações”. Assim, a todo instante de nossa vida, estamos nos acercando ou nos afastando d’Ele. É o sentido de todo ato que praticamos.

Entre Deus e o demônio

A imagem do ímã, da limalha e do vento não apresenta toda a realidade. Por exemplo, não alude à fonte desse vento que tende a dispersar as limalhas. Evidentemente, quem o sopra é Satanás o qual sempre procura nos afastar de Nosso Senhor. Devemos continuamente estar caminhando para o centro, ou seja, para Deus, opondo-nos à pressão e atração exercida pelo demônio. De direito, Nosso Senhor é o ímã.

E também o é no sentido de que efetua um poder atrativo sobre todos os corações. Porém, dá ao homem livre arbítrio. Se este recusar, pecará e, caso não se arrependa, será condenado. Esse é o verdadeiro significado da metáfora.

Tais considerações se aplicam igualmente aos países. Estes têm como que uma inteligência e uma vontade coletivas, as quais constituem a opinião pública. Esta se move como as idéias individuais, pois é a síntese ou a soma delas. Assim, cada um de nós exerce um papel — maior ou menor — na opinião pública, e tem responsabilidade sobre sua orientação para um lado ou outro. De modo especial o têm os que pertencem a um movimento (como o nosso) que visa especificamente atuar no consenso geral para combater o mau “vento” soprado em cima da limalha frágil da opinião dos indivíduos, ou seja, contrariar a ação do demônio sobre as almas.

Em favor do Rei e da Rainha, sua Mãe

Com efeito, visamos criar condições favoráveis para que a atração de Nosso Senhor Jesus Cristo se exerça inteiramente. Nesse sentido, somos os soldados do rei que procuram conquistar limalha por limalha, ou partícula por partícula da limalha, cujo conjunto constitui a opinião pública e levá-la para esse divino centro de todos os corações. E, como antes salientamos, segundo o ensinamento de São Luís Grignion de Montfort, o reinado de Maria se estabelecerá quando, pela intercessão d’Ela, a parte mais poderosa e ponderável, decisiva, da opinião pública tenha conduzido o gênero humano a pertencer efetivamente ao Coração de Jesus.

Há, portanto, uma forte analogia entre esta invocação tão bela, “Nosso Senhor, Rei e centro de todos os corações”, e a devoção a Nossa Senhora Rainha. Queremos que a Santíssima Virgem seja, não só Rainha de direito — pois Ela o é como Mãe de Deus e Co-redentora do mundo —, mas de fato, que as almas Lhe pertençam e, dessa maneira, pertençam a Nosso Senhor.

Numa palavra, o Reino de Maria é um meio necessário para existir o Reino de Jesus, o qual representará uma imensa graça para a humanidade, uma insondável misericórdia para os homens que pouco ou muito pouco têm feito para merecê-la. Esta dádiva somente nos será alcançada pelas mãos de Nossa Senhora, Medianeira de todos os favores divinos.

“Torrentes de graças!”: a taça de água que gira no ar e cai de pé

Compreende-se, assim, como nossa devoção ao Reino de Jesus e a seu Sagrado Coração, ao Reino de Maria e a seu Coração Sapiencial e Imaculado se completam, formando um só todo, propiciando grande alento para nós.

Por fim, se tomarmos em consideração que a vitória pela qual nos empenhamos tanto, depende primordialmente da graça — sem a graça, sem muita graça, sem torrentes de graças nada obteremos…

[NR: Neste exato momento de sua exposição, Dr. Plinio, ao fazer um gesto com o braço esquerdo, inadvertidamente derrubou a taça na qual lhe seria servida a água, colocada sobre uma mesinha ao seu lado. A taça, de fino cristal, bateu no bordo da pequena mesa produzindo um lindo som e projetou-se para o solo caiu com a boca para baixo. Depois de tocar no tapete, saltou ao ar, endireitou-se e finalmente pousou de pé. Não sofreu o menor arranhão, como se fora ali depositada por mão cuidadosa. O fato insólito produziu uma natural reação, misto de surpresa e encanto, em todos que o viram. Dr. Plinio aproveitou a circunstância para tirar dele mais um ensinamento, dizendo então:]

Faço notar a beleza peculiar do fato de esta cena não ter sido registrada em fotografia. Poderia sê-lo, como tantos instantâneos que são colhidos em nossas reuniões. Porém, Nossa Senhora não dispôs que houvesse uma máquina fotográfica preparada neste momento. Por quê? Para que ele ficasse gravado no coração de cada um dos meus ouvintes.

Recordemos: falávamos da necessidade de torrentes de graças as quais dependem da intercessão de Maria Santíssima, que escolhe as ocasiões adequadas para alcançá-las. Às vezes quando a alma, compenetrada de sua miséria, se encontra mais tocada e orientada para a receptividade; às vezes, nas piores horas de sua vida espiritual, quando a graça atua e vence nossa maldade.

Por exemplo, ninguém poderá pretender que São Pedro, quando negou Nosso Senhor durante a Paixão, estava com a alma disposta para receber graças. Entretanto, o dom divino pousou sobre ele e operou sua cura salvadora. O Príncipe dos Apóstolos não cessou de chorar, por assim dizer, até o momento em que morreu crucificado de cabeça para baixo.

História de uma gota d’água, lição de confiança

Insisto, pois, na ideia de que o papel soberano da graça e o de Nossa Senhora em obtê-la do Coração infinitamente misericordioso de seu Filho, são decisivos na História. Nessas condições, não nos devemos importar, de modo cruciante, com os fatores e circunstâncias humanos. O importante é que Deus, na sua clemência, nos seja propício, disposição divina esta que poderemos alcançar por meio de preces a Nossa Senhora. E para nos valermos do fato que acaba de ocorrer, acrescento: se estivermos numa boa situação e cairmos, confiando em Nossa Senhora, cairemos de pé!

Imaginemos que no fundo dessa taça houvesse uma gota de água dotada de pensamento. Estaria contente porque habita dentro de um cristal, com seus reluzimentos próprios. Ela não cogitaria que o recipiente pudesse ser derrubado e diria: “Estou na concha desta taça e nada me sucederá!”

De súbito, o cristal recebe uma cotovelada do orador pouco cauteloso… A gota se assusta, sente um estremecimento e, percebendo que a taça se inclina perigosamente, exclama: “Tenha confiança em Nossa Senhora, não há risco de cair!” Quando o cristal dá uma cambalhota, ela instintivamente se pergunta: “O que me irá acontecer agora? Vou cair…” Mas, continua afirmando: “Confiança em Nossa Senhora!” A taça cai de pé, com a gota ilesa em seu fundo.

Ou seja, a virtude da confiança é, ao mesmo tempo, fruto e condição para a perfeita devoção aos Sagrados Corações de Jesus e Maria. Por maiores que sejam os embates que soframos, parecendo estarmos numa sucessão de desastres, devemos confiar em Nossa Senhora. E se os fatos desabonarem nossa confiança, e Ela permitir que passemos por cambalhotas, convém nos lembrarmos da metáfora da gota d’água: ela se agarrou com todas as forças à superfície lisa de um cristal fascinante e, por fim, notou que a taça caiu de pé.

Nada é impossível para o que confia

Quando nos dirigirmos, então, ao Sagrado Coração de Jesus, tenhamos principalmente em vista que Ele é o Rei e centro de todos os corações, centro e Rei da História. Além disso, consideremos a necessidade de cada um possuir uma mente e vontade firmes, uma sensibilidade varonil e forte, que resiste até aos grandes eclipses dos sentidos. E, na pior das aridezes, permanecer com o inabalável desejo de oferecer tudo a Nosso Senhor por meio de Maria, para que venha o Reino do Sagrado Coração de Jesus, através do Reino do Coração Imaculado da Mãe de Deus.

Alguém poderá dizer: “Como isto é penoso!”

Respondo: “A história da gota d’água na taça no-lo comprova: pode ser difícil, mas nada é impossível para quem confia em Jesus e Maria!”

Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 100 (Julho de 2019)

Admiração transformante

A experiência da vida nos confirma o princípio segundo o qual aquilo que admiramos penetra em nossa alma e nos transforma. Exemplo arquetípico dessa verdade encontramos em Nosso Senhor.

Percorramos as páginas do Evangelho sob este ângulo e veremos como Ele, durante todo o tempo de sua passagem pelo mundo, procurou despertar admiração. O povo que O ouvia não cabia em si de tanto admirá-Lo. E como se tal não bastasse, o Divino Mestre ainda se transfigurou no Tabor. Para quê? Para transformá-los, para obter o amor daquela gente, pois o autêntico amor começa pela admiração.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 30/9/1969)

Estarei sempre presente entre vós

Não posso imaginar como terá sido o luto da natureza com Nossa Senhora morta… Mas imagino-A saindo da sepultura com glória delicadíssima, suavíssima, virginalíssima e maternalíssima.

Ressurrecta, vai subindo ao Céu. Enquanto Nosso Senhor, em sua Ascensão, manifestava grandeza e bondade, Ela exprime mais bondade do que grandeza.

Todos os presentes, vendo seu sorriso materno, compreendem-nA cada vez mais e são atraídos por Ela, à medida em que Maria Santíssima vai se elevando ao Céu, até o momento em que Ela desaparece e uma claridade fica espalhada sobre tudo e sobre todos, como quem diz: “Eu, na realidade, fiquei. Rezai, porque estarei sempre presente e unida a vós”.

Lentamente aquilo se desfaz, deixando lembranças que durarão por toda a eternidade…

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 7/10/1971)

A perfeição da santidade

Os pintores costumam representar a Transfiguração de Nosso Senhor com uma fisionomia muito plácida e serena, e os três apóstolos olhando para Ele numa atitude de admiração.

Isto certamente estava presente em tal episódio. Mas o Redentor, na infinita riqueza de sua santidade, possuía ao mesmo tempo todos os aspectos de todas as virtudes, levadas ao último extremo e à perfeição mais sublime.

Assim, juntamente com a afabilidade, havia em Nosso Senhor majestade e superioridade sem proporção com nenhum conceito humano. A superioridade incutia respeito, afeto e medo, que é o temor de Deus. E a face de Jesus também apresentava ali sublimidade, nobreza régia, poder, seriedade, gravidade e força, deixando estupefatos e tremendo de medo aqueles que O viam.

Na junção de ambos os aspectos, a afabilidade serena e a sublime gravidade, podemos compreender algo de como foi magnífico esse acontecimento, pois a harmonia das virtudes extremas e contrárias constitui a perfeição da santidade.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 6/8/1965)

Lágrimas, milagroso aviso

Em 1972, uma fato despertara interesse nos católicos do mundo inteiro: uma imagem de Nossa Senhora de Fátima vertera lágrimas em Nova Orleans, Estados Unidos. A fim de atender aos anelos de seus leitores a este respeito, Dr. Plinio serviu-se de sua tribuna semanal na “Folha de São Paulo” para analisar o acontecimento.

Sob a direção imediata [da Irmã Lúcia], um artista esculpiu duas imagens, que correspondem o quanto possível aos traços fisionômicos com que a Santíssima Virgem apareceu em Fátima. Ambas essas imagens, chamadas “peregrinas”, têm percorrido o mundo, conduzidas por sacerdotes e leigos. Uma delas foi levada recentemente a Nova Orleans. E ali verteu lágrimas.

O Pe. Romagosa(1) tinha ouvido falar dessas lacrimações pelo Pe. Joseph Breault, M. A. P., ao qual está confiada a condução da imagem. Entretanto, sentia ele funda relutância em admitir o milagre. Por isto, pediu ao outro sacerdote que o avisasse assim que o fenômeno começasse a se produzir.

O Pe. Breault, notando alguma umidade nos olhos da Virgem peregrina no dia 17 de julho, telefonou ao Pe. Romagosa, o qual acorreu junto à imagem às 21:30, trazendo fotógrafos e jornalistas. De fato, notaram todos alguma umidade nos olhos da imagem, que foi logo fotografada. […]

Às 6:l5 da manhã seguinte, o Pe. Breault telefonou novamente ao Pe. Romagosa, informando-o de que desde as 4 horas da manhã a imagem chorava. O Pe. Romagosa chegou pouco depois ao local, onde, diz ele, “vi uma abundância de líquido nos olhos da imagem, e uma gota grande de líquido na ponta do nariz da mesma”. Foi essa gota, tão graciosamente pendente, que a fotografia divulgada pelos jornais mostrou a nosso público.

O Pe. Romagosa acrescenta que vira “um movimento do líquido enquanto surgia lentamente da pálpebra inferior”.

Mas ele queria eliminar dúvidas. […] Cessado o pranto, o Pe. Romagosa retirou a coroa da cabeça da imagem: a haste metálica estava inteiramente seca. Introduziu ele, então, no orifício respectivo, um arame revestido de papel especial, que absorveria forçosamente todo líquido que ali estivesse. Mas o papel saiu absolutamente seco.

Ainda não satisfeito com tal experiência, introduziu no orifício certa quantidade de líquido. Sem embargo, os olhos se conservaram absolutamente secos. O Pe. Romagosa voltou então a imagem para o solo: todo o líquido colocado no orifício escorreu normalmente. Estava cabalmente provado que do orifício da cabeça — único existente na imagem — nenhuma filtração de líquido para os olhos seria possível.

O Pe. Romagosa ajoelhou-se. Enfim ele acreditara.

* * *

O misterioso pranto nos mostra a Virgem de Fátima a chorar sobre o mundo contemporâneo, como outrora Nosso Senhor chorou sobre Jerusalém. Lágrimas de afeto terníssimo, lágrimas de dor profunda, na previsão do castigo que virá para os homens do século XX se não renunciarem à impiedade e à corrupção.

Ainda é tempo, pois, de sustar o castigo, leitor, leitora! Se vier, tenho por lógico que haverá nele, pelo menos, uma misericórdia especial para os que, em sua vida pessoal, tenham tomado a sério o milagroso aviso de Maria.

É para que minhas leitoras, meus leitores, se beneficiem dessa misericórdia, que lhes ofereço o presente artigo…

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído da “Folha de São Paulo” de 6/8/1972)

1) Pe. Elmo Romagosa, autor do artigo “As lágrimas da imagem molharam meu dedo” publicado em “Clarion Herald” — semanário de Nova Orleans distribuído em onze paróquias do Estado de Louisiana.

Transfiguração de Cristo

Poder-se-ia dizer que Nosso Senhor se valeu da capacidade do homem de recordar para estimulá-lo à fidelidade.

Pensemos, por exemplo, no maravilhoso episódio da Transfiguração: no alto do Monte Tabor, d’Ele se esparge uma irradiação das suas infinitas perfeições, e os apóstolos que presenciam tal cena não desejam outra coisa senão permanecer ali, contemplando aquela manifestação da divindade do Mestre.

Ora, quem sabe, no momento de cada um deles partir deste mundo, não lhes terá servido de coragem e firmeza as lembranças das fulgurações do Tabor?

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 19/7/1984)

Santiago, Admirável continuidade de bênçãos

Certos lugares que reluziram com invulgar esplendor nos áureos tempos da Cristandade conservam ainda hoje, e com intensidade por vezes surpreendente, uma admirável continuidade com seu passado. E em se tratando sobretudo de tradições religiosas, a fé muito acentuada pela qual sempre se distinguiu o povo espanhol nos leva a  encontrar, nesta nação, significativos exemplos dessa continuidade.

Talvez o mais expressivo deles seja o Santuário de Santiago de Compostela. Situado na Galícia, ao norte da Espanha, seu nome deriva do latim “Campus Stellae”, isto é, Campo da Estrela. Segundo as crônicas, após o martírio de São Tiago o Maior, ocorrido em Jerusalém, seu corpo foi transladado por discípulos para aquela região hispânica e ali o sepultaram.

Com o passar do tempo, porém, perdeu-se a noção de onde seus restos mortais haviam sido depositados. Até um dia em que, no século IX, alguns camponeses avistaram uma luz inusitada refulgindo sobre o local.

Começaram a escavar e depararam com os ossos do grande Apóstolo. Em breve erguia-se o santuário, que haveria de se tornar um dos maiores centros de peregrinação de  toda a Cristandade. Da Europa inteira se acorria para Santiago de Compostela, e num tal afluxo que, em determinadas épocas do ano, certos trechos dos caminhos transformavam-se em verdadeiras ruas, repletos de peregrinos!

É difícil existir lugar mais sagrado e mais venerável do que Compostela. O devoto que ali se apresente com verdadeiro espírito de peregrinação e a alma voltada para o  sobrenatural, não pode deixar de sentir as bênçãos  inapreciáveis de continuidade com as mais antigas e excelentes graças da Civilização Cristã. Bênçãos peculiares, diferentes das que se nota em outros santuários igualmente  veneráveis como Aix-la-Chapelle ou Genazzano; bênçãos palpitantes num ambiente repassado de fervor e entusiasmo.

A igreja é o maior templo românico do mundo, embora sua fachada obedeça às linhas de um estilo posterior. É grandiosa, magnífica e imponente. À primeira vista, o exterior pode parecer excessivamente sobrecarregado. Mas depois de uma ponderada análise, e tendo nossos olhos se habituado a considerá-lo, percebe-se que essa sobrecarga é  ordenada e muito bonita. As fachadas laterais também se revestem de uma extrema beleza, e todo o edifício compõe um harmonioso, digno e lindíssimo conjunto com os  outros prédios da praça em que ele se encontra.

Internamente, possui a formosura própria da arte românica, com um pormenor bem espanhol: não há vitrais. A luz penetra através de uma claraboia cuja abertura foi cuidadosamente estudada para que todo o recinto receba suficiente iluminação. Em seus corredores laterais abrem-se diversas capelas, consagradas a certas invocações de  Nossa Senhora e a alguns santos.

E no centro, a meio termo entre o altar-mor e a porta de entrada, existe uma capela do Santíssimo Sacramento, bonita e piedosa. Os fiéis que ali se ajoelham para adorar o  Rei dos Reis, perpetuamente exposto, são acolhidos por uma tocante imagem do  Sagrado Coração de Jesus, impregnada de unção e de bondade celestiais.

Entretanto, o local mais abençoado do Santuário é, a meu ver, a cripta onde se encontram os despojos de São Tiago o Maior. A urna funerária em que estão conservados é, na  verdade, uma bela e rica imagem do Apóstolo, lavorada em ouro e pedras preciosas, com traços de inspiração ainda pré-gótica.

Êmula dessa bênção toda particular é a que se sente noutra capela do Santuário, situada embaixo da escadaria principal. Trata-se de uma construção dos tempos de Carlos  Magno, o grande e piedoso monarca do Sacro Império Romano-Alemão, muito devoto de São Tiago e que ali esteve diversas vezes. Ali dentro torna-se ainda mais nítida a noção da continuidade desse presente com as magníficas tradições da Cristandade, e mais viva a ideia de que as graças de hoje e as de ontem se respeitam e se entrelaçam,  constituindo um tesouro espiritual que nada poderá destruir!

Duas coisas merecem especial destaque no conjunto dos atraentes aspectos do Santuário. Uma é o “botafumero”, imenso turíbulo de prata que, em dias de festa, costuma ser levantado para a vasta abertura da cúpula e, lá no alto, descrevendo um gigantesco semicírculo, se põe a espargir o odorífero incenso por todo o recinto sagrado.

Para alguém que o assista pela primeira vez, esse interessante e louvável ritual de incensamento pode tomar um certo ar de exercício de força, como quem observa se os homens encarregados de puxar as cordas têm o necessário vigor para espalhar aqueles tufos fumegantes. E, portanto, no meio desse ato religioso, há algo de campesino e de um pouco tosco. Mas, de um tosco e um campesino saborosos, encantadores, que dão gosto de serem vistos, porque fazem a beleza dos costumes de um lugar como Santiago de Compostela.

Outra coisa que atrai especialmente a atenção, porque imbuída de simbolismo, é a presença dos sinos que tocam nas majestosas torres da igreja. Eles já ressoavam por aquelas regiões, nos dias anteriores à dominação moura.

Quando os invasores chegaram a Compostela, saquearam o Santuário, levando os sinos para uma mesquita de Sevilha. Séculos depois, durante os heroicos feitos da  Reconquista espanhola, São Fernando de Castela recuperou estes mesmos sinos e ordenou que fossem recolocados em seu lugar de origem.

Quando ali estive, eu também como peregrino, ao ouvir o timbre desses bronzes, testemunhas de tantas epopeias, pensei no triunfo daquele grande rei espanhol e no triunfo  ainda maior da Igreja Católica. E os dobrares que ecoavam das torres imponentes encheram minha alma de uma harmonia extraordinária.

Uma vez mais, reluzia a admirável continuidade das bênçãos da Civilização Cristã.

São João Maria Vianney, modelo para os sacerdotes

Homem pobre e pouco inteligente, São João Maria Vianney tornou-se um exemplo da Onipotência Divina pela santidade de sua vida e eficácia de sua ação.

A vida de São João Maria Vianney, um dos maiores santos do século XIX, apresenta muitos aspectos passíveis de comentários.

Ele foi, nas primeiras décadas do século XIX, um seminarista muito pobre e, além disso, de inteligência notavelmente pequena. Precisou fazer seus estudos de seminário com um esforço extraordinário, e, durante algum tempo, até duvidou-se da sua vocação sacerdotal, por causa dessa insuficiência de inteligência. Formou-se a duras penas — pode-se dizer que ele conseguiu o diploma de fim de curso de seminário apenas no limite mínimo da suficiência — e, por ser um homem tão apagado, de tão poucos predicados naturais, foi encaminhado pelo seu Bispo para um vilarejo minúsculo do Sul da França: a aldeiazinha de Ars.

Ali começou então a sua atuação sacerdotal, que encheu de luz a Europa inteira e depois se propagou para o mundo novo; posteriormente, ele foi proclamado modelo e patrono do clero.

Modelo de sacerdote

O que distinguia esse santo?

Embora não tivesse nenhuma das qualidades naturais para exercer um sacerdócio extraordinário, ele, entretanto, foi um sacerdote magnífico, um apóstolo estupendo, um confessor dotado de raríssimo discernimento, um pregador que exercia profunda influência sobre as almas e, acima de tudo, com um título que é a arquitetura de todo o resto: foi o próprio modelo de sacerdote.

Qual era a razão da eficácia do seu apostolado?

Como bem disse Santa Teresinha do Menino Jesus, para o amor, nada é impossível, e quem verdadeiramente ama a Deus Nosso Senhor e a Nossa Senhora obtém os meios para fazer aquilo a que a Providência Divina o chama.

Um ensinamento dotado de potência

Ele era um pregador extraordinário. Estudava os seus sermões, procurava prepará-los com cuidado. Não subia às altas regiões da Teologia, mas suas homilias cuidavam das noções catequéticas comuns com as quais um sacerdote instrui o povo. Entretanto, o santo Cura d’Ars ensinava com tanta unção, compenetração, Fé e amor que tudo quanto ele dizia se tornava atraente. E muitas vezes, tendo ele voz fraca — naquela época em que não havia microfones —, não conseguia se fazer ouvir pelas multidões que ficavam acumuladas na porta do templo e até do lado de fora. Mas, só de vê-lo e de escutar uma ou outra frase que ele pronunciava, as pessoas se convertiam.

Deus num homem

Dom Chautard, na “Alma de Todo Apostolado”, conta esse fato característico:

Curioso pela fama de São João Maria Vianney, um advogado de Paris foi fazer uma visita à cidadezinha de Ars para conhecê-lo. Quando o advogado voltou a Paris, perguntaram-lhe: — O que o senhor viu lá em Ars?

Ele deu esta resposta, que é a maior glória que um homem pode ter:
— Eu vi Deus num homem.

Quer dizer, notava-se que Deus estava nele.

Era só ele começar a falar, que as almas se comoviam e se modificavam; as conversões que ele fazia eram espantosas e numerosíssimas.

Pergunta Dom Chautard: Por que o Cura d’Ars conseguia converter, sendo pouco dotado intelectualmente, enquanto outros padres tão inteligentes muitas vezes não convertem ninguém? E responde: Ele tinha uma grande vida de pensamento, de meditação, uma intensa vida interior. E porque tinha essa vida interior, ele estava imbuído e compenetrado das doutrinas que ensinava. E quando ele falava, as pessoas tinham a sensação de ter um contato vivo com as verdades das quais ele era o arauto.

Ele possuía a unção, o carisma da pregação, e Ars se tornou um centro de peregrinação: à semelhança do advogado há pouco mencionado, pessoas de toda a França, e também de outras regiões da Europa, iam a Ars a fim de ver e ouvir esse sacerdote.

Verdadeiro mártir do confessionário

Além disso, ele foi um verdadeiro mártir do confessionário, onde permanecia horas inteiras ouvindo confissões. Podemos imaginar o que representa para um padre ficar sentado numa verdadeira cabinezinha de escuridão, a ouvir os pecados das pessoas e dar-lhes os conselhos, durante horas e horas. Que tremenda penitência isto representa!

São João Maria Vianney era um sacerdote que seguia o conselho dado por Santo Afonso de Ligório: ouvia cada confissão sem pressa, como se tivesse só aquela pessoa para ser atendida, e lutava corpo a corpo com os pecados daquele indivíduo.

Ele aconselhava, insistia; e quando a pessoa não tinha o propósito sério e verdadeiro de se emendar de seus pecados, ele negava a absolvição.

Isso chegava a tal ponto, que havia paroquianos que iam confessar-se noutras paróquias, para obter absolvição. Ele dizia: “Se outros padres querem lhes mandar para o Inferno… Eu sou seu pároco, e não lhes dou a absolvição.”

Após um dia inteiro na igreja, começava a batalha noturna com o demônio

Este padre extraordinário passava o dia inteiro na igreja: no púlpito, no confessionário, no altar. Poder-se-ia pensar que, quando ele ia à noite para casa, gozaria de um bom repouso. Entretanto, aí começava uma das mais estranhas facetas da vida dele: era a batalha noturna com o demônio.

Contam os biógrafos de São João Batista Vianney que ele teve, certa vez, um sonho no qual se viu julgado por Deus, e o demônio dizer contra ele: “É preciso castigá-lo, porque em tal ocasião ele estava muito cansado e, passando perto de uma cerca, comeu dois cachos de uvas.” De fato, ele estava fugindo do serviço militar, porque Napoleão obrigava os seminaristas a servir na guerra. E o demônio acrescentou: “Ladrão! Comeu dois cachos de uvas, deve ser punido!”

E São João Maria Vianney respondeu: “Tu mentes, ladrão não sou, porque eu deixei em tal local o dinheiro correspondente ao preço dos cachos de uvas, para que o dono, quando passasse por lá, o pegasse.”

E quando vinha confessar-se uma alma particularmente dominada pelo demônio, este começava a atormentar São João Maria Vianney na noite anterior. Em certa ocasião, ateou fogo em sua cama, tendo uma parte do colchão ficado toda tisnada pelas chamas. Ele, felizmente, não se feriu. O demônio o odiava porque sentia que uma de suas vítimas lhe seria arrancada pelo santo.

O santo Cura d’Ars fazia penitências, se flagelava, rezava por aquelas almas, para conseguir depois que suas palavras fossem portadoras das graças necessárias para operar as conversões delas. Além disso, levou uma vida de jejum intenso, e fez de seu confessionário um longo martírio de sua existência.

Atribuía seus milagres a Santa Filomena

Para acentuar ainda mais o seu apostolado, a Providência deu-lhe o dom dos milagres.

Na igreja dele havia uma relíquia insigne de Santa Filomena, mártir. E antes de fazer algum milagre, ele dizia: “Rezemos a Santa Filomena!” E quando o milagre era realizado, afirmava ter sido Santa Filomena que o fizera, para não tocar a ele a graça e a glória de ter operado o milagre.

Revelando o passado miraculosamente

Encerro recordando um fato extraordinário, contado por uma penitente dele.

Uma moça foi confessar-se e São João Maria Vianney disse para ela:
— Minha filha, você se lembra de que esteve em tal ocasião num baile?

Podemos imaginar a sensação dela.

E continuou ele:
— Lembra-se de que, em certo momento, entrou na sala de baile um rapaz muito bem apessoado, elegante, correto, e dançou com várias moças?
— Sim, lembro-me.
— Lembra-se de que você teve muita vontade de que ele dançasse consigo?
— Lembro-me.
— Lembra-se de que o rapaz não o fez, e por isso você olhou para ele com uma espécie de tristeza? E, na hora de ele sair da sala, fitando incidentemente os pés dele, notou uma luz azul que lhe saía dos pés?
— Lembro-me.
— Aquele homem era o demônio, que tomou a forma humana e dançou neste baile com várias moças. Ele não lhe pediu para dançar porque você é Filha de Maria e estava com a Medalha Milagrosa no peito.

Ele estava revelando um passado que não podia conhecer; logo, isso não podia deixar de ser verdade. Tratava-se uma revelação espantosa.

Pode-se imaginar a atmosfera criada na pequena igreja de Ars quando os peregrinos saíam, uns convertidos, outros com seu passado desvendado, todos regenerados e cantando louvores a São João Maria Vianney.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de10/7/1968, 22/5/1976, 6/10/1990)

Santa Josefina Bakhita

Nascida no Sudão em 1869, foi raptada por traficantes de escravos, os quais lhe impuseram o nome de Bakhita, que significa Afortunada.
 
Após ser vendida várias vezes no mercado, teve a dita de ser comprada pelo cônsul italiano, Callisto Legnani, em cuja casa foi pela primeira vez tratada com bondade e carinho.
 
Quando o cônsul retornou à Itália, a jovem escrava pediu que fosse levada junto com a família. Lá chegando, Legnani acedeu aos insistentes pedidos da esposa de um seu amigo, Augusto Michieli, e permitiu que a jovem fosse residir com eles. Dedicada e afável, em pouco tempo ela conquistou a simpatia e confiança dos novos patrões, tornando-se babá da filha recém-nascida.
 
Pouco depois, o casal Michieli mudou-se para o norte da África, deixando a filha e sua fiel guardiã sob os cuidados das Irmãs Canossianas, de Veneza.
 
Nesse Instituto religioso, Bakhita começou a ouvir falar de um Deus que ela já sentia em seu coração sem saber quem era Ele.. Após alguns meses de catecumenato, foi batizada, em 9 de janeiro de 1890, com o nome de Josefina.
 
Quando o casal Michieli quis levá-la para a África, ela manifestou com firmeza sua decisão de permanecer com as Irmãs Canossianas, a serviço daquele Deus que lhe havia dado tantas provas de seu amor.
 
Em 8 de dezembro de 1896, fez os votos perpétuos no Instituto de Santa Madalena de Canossa. Viveu nessa comunidade mais de 50 anos, exercendo diversas funções. Como irmã porteira, atraía as simpatias de todos, especialmente das crianças, que ouviam com encanto sua agradável e cadenciada voz. Chamavam-na de “Madre Morena”.
 
Suportou com grande paciência os sofrimentos de uma longa e dolorosa enfermidade que a levou à morte no dia 8 de fevereiro de 1947. Logo se espalhou a fama de sua santidade. Foi canonizada em 1º de outubro de 2000.

Consagração, liberdade suprema

Interior da igreja onde repousam as relíquias de São Frei Galvão, Convento da Luz, na capital paulista

Escreve-me um leitor:

“Entre outros títulos de glória, o Sr. atribuiu a Frei Galvão, em seu último artigo, o de “escravo de Maria”. O fato me choca. Este título não traz glória nem para Frei Galvão nem para Maria. A escravidão é a sujeição de um ente a outro, pela força. Ela resulta de que o mais forte tenha roubado ao mais fraco (pela superioridade física ou pela pressão econômica, pouco importa) o atributo essencial da dignidade pessoal, isto é, o direito de cada um a dispor de si segundo seu exclusivo entendimento e interesse. A palavra “escravidão” lembra o chicote, o açoite, as algemas, a subnutrição e as perseguições policiais. Como pode ter escravos Maria, a quem os católicos cultuam como Rainha da bondade? E como pode alguém ter por honra ser escravo, ainda que seja de Maria? Convenhamos, tudo isto é absurdo”.

Tal estilo de relacionamento entre Maria e um seu devoto seria efetivamente absurdo. Ora, sempre que uma pessoa sensata faz algo que parece absurdo, deve-se logicamente procurar para seu ato uma interpretação que o faça ver em seu verdadeiro aspecto, explicável e sensato. Se o grande Frei Galvão, tão obviamente sensato e virtuoso, julgou honrar seu burel de franciscano e seu sacerdócio fazendo-se escravo de Maria, ao missivista tocaria o dever de presumir que há para isto uma explicação razoável e elevada. Tal explicação pode ser encontrada facilmente na sua melhor fonte, o “Traité de la vraie dévotion à la Sainte Vierge” de São Luís Maria Grignion de Montfort, livro aprovado pela Igreja Católica e tido geralmente como uma das obras mais eminentes da Mariologia.

Tentarei explicar aqui, com vistas ao leitor, o que é essa escravidão marial, à qual São Luís Maria chama esclavage d’amour [escravidão de amor] e – note-se – não da força bruta, da coerção.

*  *  *

Ainda não há muitos anos, um dos mais belos elogios que se poderia fazer de alguém – Chefe de Estado, pai de família, sacerdote, magistrado ou militar – era qualificá-lo de “escravo do dever”. Afirmava-se, assim, que ele era capaz de arcar com quaisquer riscos ou prejuízos para não transgredir os deveres inerentes a seu cargo. Ou, até, para fazer tudo quanto fosse simplesmente aconselhável no sentido do mais esmerado cumprimento de sua missão.

Análogo significado tinha a afirmação de que um chefe de Estado ou de família, um magistrado ou militar fazia de sua missão “um verdadeiro sacerdócio”.

A palavra “escravo” tinha pois, aí, um sentido absolutamente distinto do mencionado pelo leitor. Qualificava alguém que, livremente persuadido da nobreza e elevação de seus deveres e de sua missão, resolvera, também livremente, imolar, a bem dela, se fosse o caso, até mesmo seus legítimos direitos e seus mais caros interesses.

Nessa “escravidão” cheia de amor ao dever, ao ideal, à missão, o homem nem de longe é escravo à maneira dos prisioneiros de guerra romanos ou dos negros embarcados à força para o Brasil. Pelo contrário, ele exerce racionalmente, e no mais alto grau, a sua liberdade, e faz um uso absolutamente lúcido e nobilitante, de si e de tudo quanto é seu.

Assim é o sentido que São Luís Grignion de Montfort dá à consagração de alguém como “escravo de Maria”.

É escravo de amor de Maria Santíssima, quem, persuadido sem qualquer coação, das prerrogativas excelsas que a Ela tocam como Mãe de Deus, e das perfeições morais de que Ela é modelo, a Ela consagra livremente e por amor “seu corpo e sua alma, seus bens interiores e exteriores, e até o valor de suas obras boas passadas, presentes e futuras, deixando a Ela o direito pleno e inteiro de dispor de si e de tudo o que lhe pertence, sem exceção, segundo o gosto dEla, para a maior glória de Deus, no tempo e na eternidade”; as palavras são do Santo. E em troca dessa lúcida e libérrima consagração, Maria, Mãe de misericórdia, não trata seu escravo nem de longe com o egoísmo baixo e violento do romano ou do negreiro, mas com o amor materno, cheio de afeto e consideração, da mais generosa, afável e indulgente das mães.

E passo aqui a outra analogia elucidativa. Essa posição do “esclave d’amour” de Nossa Senhora – considerada enquanto abnegada imolação dos direitos e interesses de alguém, em benefício de um ideal sacrossanto, como é o serviço da Virgem-Mãe tem muito de comum com o ato pelo qual um frade ou uma freira se integra em uma Ordem religiosa, renunciando, num gesto supremamente lúcido e livre, à disposição de si e ao próprio patrimônio, pelos votos de obediência, pobreza e castidade.

Só que quem se consagra como escravo de Maria, sob certo aspecto ainda é mais livre, pois ao contrário do frade ou da freira, não faz votos, e assim conserva a faculdade de desligar-se, a qualquer momento, dessa sublime consagração.

Em todos os países da terra, a faculdade de agir assim se considera liberdade. Exceto, é claro, nos países comunistas. – Mas nestes, o que é ser livre? – É ser escravo, ao pé da letra.

E por sinal: o autor da carta é anticomunista?

Plinio Corrêa de Oliveira