Imaculado Coração de Maria: lições de santidade

Refletindo a respeito de uma piedosa invocação da Ladainha do Imaculado Coração de Maria, Dr. Plinio não se prende aos esquemas devotos tradicionais, mas tira conclusões inesperadas a  respeito do materialismo que pode nos escravizar…

Como em geral acontece com as ladainhas compostas ao longo dos tempos pela piedade católica, as jaculatórias da Ladainha do Imaculado Coração de Maria sugerem, cada uma, desdobramentos  e considerações que muito enriquecem nossa vida espiritual e nossa devoção à Santíssima Virgem.

Procuremos analisar, por exemplo, a invocação “Cor Mariae, in quo Jesus sibi bene complacuit”, que em português poderíamos traduzir assim: Coração de Maria, no qual o Coração de Jesus bem se compraz.

Plenitude de satisfação

Devemos começar por observar que este “bem” salienta a ideia do inteiro e perfeito comprazimento de que nos fala a jaculatória. Ou seja, o Coração de Maria possui uma tal excelência que, tanto quanto é possível à natureza criada, nada lhe falta, e por isso nele Nosso Senhor encontra uma satisfação completa, que não conhece névoa, que não tem limites nem máculas. Excetuando o fato de que o contentamento infinito de Jesus é e só pode ser com o próprio Deus, em tudo o mais Ele acha total alegria no coração e na pessoa de sua Mãe Santíssima.

Quer dizer, Nosso Senhor fita a Santíssima Virgem, olha-A, e ao vê-La, ao contemplá-La, ao analisá-La, experimenta o maior dos prazeres, um deleite indizível, que sobrepuja todas as outras delícias que Lhe proporciona a consideração de suas demais criaturas. Não poderia ser diferente, em se tratando d’Aquela que foi escolhida, desde toda a eternidade, para engendrar em suas  entranhas virginais o Filho de Deus; d’Aquela, portanto, em que tudo haveria de ser absolutamente puro e perfeitamente magnífico.

Em todos os momentos de sua vida terrena, Ela não deixou de crescer em santidade, de um modo inimaginável. Cada graça que Deus lhe concedeu para se adiantar na virtude era correspondida com tal excelência que todo o progresso feito  por Ela é insondável para a mente humana.

Assim, em todos os instantes da existência de Nossa Senhora neste mundo, Jesus teve com Ela um contentamento completo.

Mesmo nas ocasiões mais difíceis como, por exemplo, quando Ela se viu chamada a consentir na morte de seu Divino Filho, e através de uma anuência inteira, heroica, da qual não sobrasse nenhum resíduo, mesmo em situações como essa o procedimento de Maria foi perfeito, no sentido mais exato da palavra. Porque Ela era, enquanto mera criatura, absolutamente exímia. E, como  reza a Ladainha, Nosso Senhor encontrou n’Ela a sua complacência.

Uma lição da sabedoria divina

Do fato desse comprazimento podemos tirar uma bela lição que Deus dá aos homens. Com efeito, criou Ele magnificências materiais extraordinárias. Quantos mistérios haverá por todas as  galáxias do universo? E quando nos detemos na análise dos micro organismos, dos seres pequenos, quantas novidades imensas se descobrem ao nosso maravilhamento! Todo esse fabuloso  conjunto, incluindo os homens e os Anjos, constitui para Deus o objeto de uma eterna contemplação.

Ora, tendo Ele tanto a apreciar, todavia coloca acima de tudo, como fonte do supremo gáudio que pode tirar de suas criaturas, a consideração de Nossa Senhora. Ela que, enquanto ser criado, não  é o mais alto — pois na ordem da natureza o homem vem abaixo do espírito angélico —, porém, do ponto de vista graça, virtude e santidade, não só está acima de todos os Anjos, como é deles Rainha. 

É essa incomparável santidade, portanto, que Deus se compraz em considerar, e em auferir dela uma especial e completa felicidade. Qual a lição que daí devemos colher?

É um ensinamento que combate o nosso fundamental materialismo. Infelizmente, a grande maioria dos homens está imbuída da ideia de que o verdadeiro prazer nesta vida consiste na posse de  bens materiais, de qualquer natureza que seja: dinheiro, saúde e uma série de outras coisas que estão fora das vias da verdadeira felicidade do homem nesta terra. Com efeito, sem engano  podemos dizer que, nesta vida, encontra a felicidade autêntica quem é capaz de seguir o exemplo de Deus e fazer a sua alegria da consideração das outras almas e da virtude que nelas exista.

O   homem que passa pelo mundo procurando a virtude e a santidade para admirá-las, amá-las e servi-las, onde ele as encontra, aí se detém e põe seu prazer e seu júbilo. De maneira tal que ele tenha mais satisfação em estar numa choupana ou num leprosário conversando com um verdadeiro santo, do que no local mais magnífico em meio a pecadores.

Por quê? Porque o santo representa um particular reflexo, uma transparente manifestação de Deus. A alma de um santo possui uma perfeição que nenhuma beleza criada tem, e, por causa disso,  aquele que sabe procurar os verdadeiros valores da vida, vai atrás da santidade, da perfeição moral dos seus semelhantes.

E quando a encontra, ele dá graças a Deus, eleva sua alma a Nossa Senhora e agradece também a Ela, porque é pelo seu maternal auxílio e intercessão que aquela santidade existe numa alma, e foi por meio d’Ela que ele, homem humilde e admirativo, teve a alegria e a honra de encontrar essa alma virtuosa. Ele teve a glória de experimentar um antegozo do céu, que é o conhecer, nesta vida, um verdadeiro santo.

Sigamos o exemplo de Nosso Senhor

Tratemos, então, de imitar a Deus, que se compraz na alma perfeitíssima de Maria. Devemos procurar, em nossa existência terrena, as almas honestas, conhecê-las, amá- las e saber discernir nelas o esplendor do bem. Devemos nos alegrar com essa bondade, até mesmo comparando-a e contrastando-a com o que há de mal em torno dela. Devemos ter genuíno comprazimento ao ver que  Nosso Senhor recompensa a virtude dessas almas que Lhe são tão diletas, assim como importa que compreendamos e aceitemos a reprovação que Ele, em sua infinita justiça, reserva à maldade  impenitente. É o Deus três vezes santo, absolutamente puro e superior, que condena o que é errado, porque não é conforme a Ele.

Quantos ensinamentos a se tirar de apenas uma das mencionadas invocações! Essa é a beleza inexcedível de tudo o que é de Deus, é a insondável formosura de Nossa Senhora, é o maravilhoso  tesouro dos princípios da doutrina católica!

Embora muito houvesse ainda por se aprender com as preciosas verdades contidas nessa jaculatória, creio não poder deixar de ressaltar o seguinte e importante aspecto: o enlevo de Jesus em  relação à sua Mãe Santíssima, infinitamente inferior a Ele e por Ele amada com amor inexprimível, mostra-nos bem como devemos procurar ver a santidade até naqueles que são inferiores a nós.

Amar essa perfeição, enlevar-se com ela, é, mais uma vez, imitar o exemplo de Deus olhando para Nossa Senhora. E no fim dessas breves considerações, só nos resta elevarmos uma prece filial e  confiante ao objeto da inteira complacência de Jesus: “Ó Coração Imaculado de Maria, fazei o meu coração sem mancha, cheio de fé, de força, de heroísmo e santidade, como o vosso!”

Plinio Corrêa de Oliveira

São Miguel Arcanjo

Ao lançar pelas vastidões celestiais o seu brado magnífico de “Quem como Deus?”, São Miguel Arcanjo afirmou a primazia da admiração, da qual nasce o amor, sobre a inveja, da qual nasce o ódio. 

Porque muito admirava o seu Criador, muito O amou. E assim, na hora da grande prova da raça angélica, mereceu capitanear as legiões dos Anjos fiéis contra Lúcifer e seus revoltosos seguidores.

Ele é o Príncipe da Milícia Celeste, o Paladino daquele que é infinitamente superior a tudo e a todos, Deus Nosso Senhor.

Plinio Corrêa de Oliveira

São Miguel, São Gabriel e São Rafael Arcanjos

A Igreja Católica, no seu conjunto, é a sociedade de Deus com os anjos e os homens fiéis. Durante toda a eternidade ela subsistia em Deus, ou melhor, era o próprio Deus: sociedade inefável de três pessoas numa mesma essência. Agora, ela transpõe os séculos, passa sobre a terra para associar-nos à sagrada unidade universal e perpétua, e retornar conosco à eternidade de que proveio.

Os primeiros chamados a essa união divina foram os anjos. Tendo sido criados bons, porém livres, Deus os põe à prova, tal como fez conosco. Desde então houve cisma e heresia. Em lugar de tomarem como única regra a si próprios. Foram excluídos da comunhão de Deus, mas não da sua providência.

Divididos em nove coros subordinados um ao outro, os anjos que se conservaram fiéis foram um exército invencível. Seu número é incalculável.

Quando o altíssimo está sentado no seu trono, mil anjos o servem, e dez mil vezes cem mil compõe a sua corte. Ele denomina a si próprio o Deus dos deuses. Há anjos encarregados de governar os astros, os elementos, os reinos, as províncias; outros, o comportamento dos indivíduos.

Como filhos da Igreja, constituímos com eles uma única sociedade. Pois, diz São Paulo, aos cristãos da raça de Jacó: “não vos aproximastes como aqueles que receberam a antiga lei de uma montanha sensível e terrestre, de um fogo ardente e de uma nuvem escura e tenebrosa, de tempestades e raios, do som de uma trombeta, e do clamor de uma voz formidável. Mas vos aproximastes da montanha de Sião, da cidade de Deus vivo, da Jerusalém celeste, de inumeráveis miríades de anjos, da assembléia e da Igreja dos primogênitos que estão inscritos no céu, de Deus que é o juiz de todos, dos espíritos dos justos que estão na glória, de Jesus que é o mediador da nova aliança, e daquele sangue por nós derramado e que fala mais proveitosamente do que o de Abel.

Desde o início existiu o ministério dos santos anjos. Depois de ter lançado a sua sentença sobre nossos dois primeiros antepassados, Deus colocou os querubins às portas do paraíso terrestre com uma espada flamejante, incumbidos de guardar-lhe a entrada. Eram provavelmente os quatro querubins citados várias vezes nas profecias de Ezequiel, e no Apocalipse de São João, e que apareciam como as quatro principais potências pelas quais Deus governa o universo material, o gênero humano, e a Igreja cristã. Seu conjunto forma uma espécie de carro sobre o qual o Altíssimo avança através dos mundos e dos séculos; um trono onde está sentado, e do qual ele lança suas sentenças sobre os reis e as nações. Do centro do trono partem os trovões e os raios que executam as sentenças. Será essa, talvez, a significação da espada de fogo brandida à entrada do paraíso. Deus que a princípio tratara o homem com a familiaridade  de um pai, quer fazer-lhe suceder, segundo parece, o formidável aparato de um senhor e soberano juiz.

Com Abraão, inicia-se uma era de misericórida. Três anjos ou personagens, nos quais os Padres da Igreja reconheceram as três pessoas divinas, lhe aparecem sob o carvalho de Mambré, e lhe anunciam um filho em que serão abençoados todas as nações da terra. Dois anjos salvam Lot e sua família, antes de começarem a destruição de Sodoma e Gomorra. Vê-se a providência ministerial do anjo em relação a Agar e Ismael, pai dos árabes: o anjo de Deus no episódio do sacrifício de Isaías na montanha de Moriah, mais tarde do Calvário: os anjos de Deus subindo e descendo a escada de Jacó, em Bethel: a luta de Jacó contra um anjo que o abençoa e lhe dá o nome de Israel: os anjos perante Deus, e satã entre eles, na história de Jó: o anjo do Eterno na sarça ardente, confiando uma missão a Moisés: o anjo de Deus que guiou o povo de Israel: o anjo aparecendo a Balaam: o anjo de Deus dando ordens a Josué, a fim de introduzir o povo na terra prometida: o anjo aparecendo a Gedeão e designando-o para salvar o seu povo: o anjo anunciando o nascimento de Sansão, que libertaria o povo do jugo dos filisteus. Depois de ter pregado a penitência no reino de Israel, o profeta Elias diante do trono de Deus e recebe uma missão. Os querubins são avistados pelo profeta Ezequiel.

Só há três anjos cujos nomes próprios as Escrituras Sagradas nos dão a conhecer.

Miguel é o grande capitão do exército celeste. Seu nome Mi-cha-el significa, quem é igual a Deus?

Quando Lúcifer, cego pelo orgulho, quis igualar-se ao Altíssimo, Miguel exclamou com voz trovejante: “Quem é igual a Deus?” E acompanhado pelos anjos fiéis, precipitou do alto dos céus a tropa rebelde dos apóstatas. Assim se tornou o generalíssimo do incontável exército dos santos anjos. Vê-se, nos profetas, que era o protetor do povo de Israel; agora o é da Igreja. Rejubilemo-nos por estarmos sob o comando de tão destemido chefe; mas também imitemos a sua fidelidade.

A grande batalha iniciada no céu prossegue sobre a terra, Batalha cujo objeto somos nós. Satanás e seus demônios h=gostariam de arrastar-nos com ele para o inferno; Miguel e seus anjos gostariam de levar-nos com eles para o céu. Com quem permaneceremos eternamente? Com quem estamos agora? Necessariamente devemos estar com um ou com outro: não é possível nos conservarmos neutros. Ao lado de quem combateremos? De quem seguiremos as inspirações? Do anjo de Deus ou do anjo de Satã? Se morrermos no estado em que nos encontramos, seria um anjo ou um demônio, que nos apresentaria ao tribunal de Deus? Com efeito, será que, ao morrermos, nos reconhecerá São Miguel como fiéis companheiros de armas?

Se me deixar derrotar pelo demônio nessa batalha, a culpa será unicamente minha. Deu-me Deus um defensor para o corpo e para a alma, meu anjo bom. Ser-me-á bastante escutá-lo: combaterá comigo e por mim. No fundo, só há um inimigo a temer: eu mesmo.

Gabriel, cujo nome significa Força de Deus, anuncia ao profeta Daniel a época da grande obra de Deus, a época do Filho de Deus feito homem, Cristo condenado à morte, a remissão dos pecados, o Evangelho pregado a todas as nações, a ruína de Jerusalém e de seu templo, a condenação final do povo judeu. É o mesmo anjo Gabriel que prediz ao sacerdote Zacarias,  no templo, no santuário, junto ao altar dos perfumes, o nascimento de um homem que será chamado João, ou cheio de graça, e que não mais anunciará a vinda do Salvador, mas que o apontará: “Eis o Cordeiro de Deus! Eis quem tira os pecados do mundo!” É o mesmo arcanjo, sempre enviado para anunciar grandes coisas, que irá à humilde casa de Nazaré anunciar à Virgem Maria a maior de todas as coisas; comunicar que, sem deixar de ser virgem, ela daria à luz ao Filho do Altíssimo, que seria chamado Jesus ou Salvador, porque seria o Salvador do mundo. É esse glorioso arcanjo que nos ensina a dizer tal como ele: “Ave-Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres!”

Rafael, cujo nome significa Médico ou cura de Deus, dá-se a conhecer a Tobias: “Quando oráveis, vós e Saram vossa nora,  ou apresentava o memorial de vossas orações diante do santo; e quando sepultáveis os mortos, estava presente junto de vós. Quando não vos recusáveis a levantar-vos da mesa e deixar vosso jantar para amortalhardes um morto, o bem que praticáveis não permanecia oculto; pois eu estava convosco. E por que éreis agradáveis a Deus, foi necessário que fosseis provados. Agora, porém, Deus enviou-me para curar-vos, a vós e a Sara, esposa de vosso Filho. Sou Rafael, um dos sete anjos que apresentam as orações dos santos, e que podem defrontar a majestade do Santíssimo!

Feliz Tobias! Diremos nós. Teve um anjo como companheiro de viagem! Mas cada um de nós não tem um  anjo de Deus que o acompanha por toda a parte? … Pensamos nisso com a necessária freqüência?

(Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume XVII, p. 126 à 132)

São Cosme e São Damião

A origem do culto de São Cosme e São Damião localiza-se em Ciro, cidade da Síria do Norte. Teodoreto, que foi bispo daquela cidade, no século V, fala de São Cosme e da basílica dos dois santos irmãos.

São Gregório de Tours assim se refere aos dois (In gloria mart., XCVIII): “Dois gêmeos, Cosme e Damião, médicos, tornaram-se cristãos, e pelo mérito das virtudes e intervenção das orações, expulsavam as enfermidades dos doentes. Depois de diversos suplícios, reuniram-se no céu e fazem milagres pelos compatriotas. Se um doente for à tumba dos dois santos e alo orar com fé, imediatamente obterá remédio para os males que o afligem. Diz-se que eles apareciam em sonho aos enfermos e que lhes indicavam o que fazer. Uma vez despertos e executadas as ordens, curavam-se prontamente”.

Procópio assevera-nos que Justiniano, no século VI, construira em Ciro um grande templo, que dedicou aos dois santos. Teodósio, o peregrino, em 530, observa que, in Quiro São Cosme e São Damião foram supliciados.

O resumo do martirológio diz:

Em Egéia, a morte dos santos mártires Cosme e Damião, irmãos: durante a perseguição de Diocleciano, depois de terem sido carregados de ferros e encarcerados numa estreita prisão, foram atirados ao mar, depois do fogo, em seguida pregados na cruz, lapidados e trespassados de flechas, Tendo a tudo suplantando, foram, afinal, decapitados. Contam que com os dois também sofreram e morreram seus três irmãos, Ântimo, Leôncio e Euprébio.

No Oriente, ambos os irmãos são comemorados a 1 de Novembro, 1 de Julho e a 17 de Outubro. Uma Paixão grega situa-lhes a morte a 25 de Novembro. Os nomes de Cosme e Damião aparecem no cânon da missa romana.

Adon e os martirólogos subseqüentes juntam Ântimo, Leôncio e Euprébio aos dois santos mártires.

(Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume XVII, p. 101-102)

O Doce nome de Maria sempre em seus lábios

A Igreja venera na sua liturgia do dia 12 de setembro o Doce Nome de Maria. Dr. Plinio costumava lembrar com saudade e emoção as estrofes do hino que entoava com os Congregados Marianos, ao final dos Salmos do Nome de Maria:

“Si quaeris caelum, anima Mariae nomen invoca Mariam invocantibus Caelestis patet ianua”.

Se procuras o Céu, ó alma, invoca o nome de Maria; para os que invocam Maria, abre-se a porta do Céu.

Na verdade, o doce nome da Rainha jamais abandonou seus lábios. “Jesus” e “Maria” foram as duas primeiras palavras que aprendeu de Da. Lucília, antes mesmo de saber falar “Papai” e “Mamãe”. Maria…. Ele pronunciava esse nome incontáveis vezes por dia: nos mistérios do Rosário, nos já mencionados salmos que começam com as letras desse celestial Nome, no Lembrai-vos, nas jaculatórias… Quantas e quantas vezes o utilizava para ensinar a seus filhos espirituais a via de ouro que conduz ao Coração de Jesus, que é a devoção a Maria!

Na conclusão de sua momentosa Encíclica sobre o Rosário, João Paulo II cita o belo trecho do Bem aventurado Bartolo Longo: “E a última palavra dos nossos lábios há-de ser o vosso nome suave, ó  Rainha do Rosário de Pompéia, ó nossa Mãe querida, ó Refúgio dos pecadores, ó Soberana consoladora dos tristes. Sede bendita em todo o lado, hoje e sempre, na terra e no céu” (“Rosarium  Virginis Mariae”, n. 43).

Quatro dias antes de enaltecer o Nome de Maria, a Igreja celebra a Natividade da Santíssima Virgem. Que misericórdia para o mundo, seu nascimento! A esse respeito comentava Dr. Plinio: Nossa Senhora trazia consigo todas as riquezas naturais que dentro de uma mulher possam caber. Nosso Senhor deu a Ela, segundo a ordem da natureza, uma personalidade riquíssima, preciosíssima, valiosíssima. E a esse título, a presença d’Ela entre os homens representava um tesouro verdadeiramente incalculável!

A denúncia profética, publicada neste número, reproduz uma conferência de Dr. Plinio por ocasião de uma celebração da festa da Exaltação da Santa Cruz (14 de setembro). A Cruz, que marcou  profundamente a vida de Nosso Senhor é o símbolo que distingue o cristão, é sua condecoração, seu prêmio e sua glória, e não algo do qual ele se envergonha ou do qual deva fugir…

No dia seguinte à festa da Exaltação da Santa Cruz, o calendário celebra Nossa Senhora das Dores. Os comentários de Dr. Plinio sobre essa data concluem o itinerário litúrgico de setembro que nos  propusemos nesta edição. A liturgia é o alimento dos fiéis, e nosso intuito é de fomentar, como de costume com textos plinianos, a atitude tão louvada pelos Papas, de viver as datas da Igreja como parte integrante de nossa vida.

Continuamos neste número a série de narrações auto-biográficas de Dr. Plinio relativas a sua infância e primeira juventude. No número de agosto, nos despedíramos dele numa praia de Santos, olhando o mar e pensando…

Sentado no extremo da amurada de pedras que penetrava mar adentro, em meio ao murmúrio incessante das ondas que a investiam e eram rechaçadas, o menino Plinio contemplava e meditava sobre as belezas da Criação e de seu autor, contrapondo-as aos erros e horrores de sua época. Encantava-se com a Igreja… e esse amor à esposa de Cristo lhe infundia luzes e critério para julgar todas as coisas com sabedoria. Ela era a sua bússola no mar tempestuoso do século XX.

Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 66 (Setembro de 2003)

Natividade de Nossa Senhora

Se o nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo já representava a aurora da salvação do gênero humano, o mesmo se pode afirmar, de certo modo, da natividade de Nossa Senhora. Com efeito, tudo quanto Jesus trouxe ao mundo, começou a nos chegar com o nascimento d’Aquela que seria sua Mãe Santíssima.

Compreende-se, pois, todas as esperanças de salvação, de indulgência, de reconciliação, de redenção e de misericórdia que se abriram, afinal, para os homens, naquele bendito dia em que Maria surgiu nesta terra de exílio. Feliz e magnífico dia, marco inicial de uma existência insondavelmente perfeita, pura, fiel, e que seria a maior glória da humanidade em todos os tempos, abaixo daquela que devemos à Encarnação do Verbo.

Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 66 (setembro de 2003)

Deus ama a oração importuna

No número de agosto publicamos excertos da série de conferências que Dr. Plinio pronunciou em 1957 sobre o livro de Santo Afonso Maria de Ligório — “A oração, o grande meio da salvação”. Continuamos com alguns outros trechos da mesma, dada a grande importância que o tema representa para a vida espiritual de todo católico.

 

Para obter que Nosso Senhor nos abra a porta, basta ser importuno. Isso está dito textualmente e comentado por um Doutor da Igreja do porte de Santo Afonso de Ligório. Devemos considerar, de uma vez por todas que, na oração, não são nossas misérias que entram em linha de conta.

A oração não é um cheque bancário contra Deus

A oração tampouco é um cheque que eu saco do fundo dos meus créditos e compro de Deus um favor. É preciso desfazer tal ideia, pois é um obstáculo para o desenvolvimento da nossa vida espiritual.

Oração é algo diferente. Ainda que eu não tenha nenhuma razão para ser atendido, sê-lo-ei pela minha importunidade. A importunidade do pecador abre as portas do Céu e obtém, afinal, tudo quanto possa desejar. É frisante, nesse sentido, a palavra de Nosso Senhor.

S. João Crisóstomo, grande Doutor da Igreja, comenta no mesmo sentido: A oração vale mais junto de Deus do que a amizade(1).

É uma afirmação que eu não teria coragem de fazer: estabelecer uma distinção entre a oração e a amizade com Deus, para concluir que a primeira vale mais que a segunda. Ora, isso foi dito por São João Crisóstomo, que Santo Afonso por sua vez cita.

A oração vale mais diante de Deus do que a amizade. Entre uma pessoa em estado de graça, mas que não reza, e outra que reza mas não está em estado de graça, quem reza alcança mais favor diante de Deus. Outro argumento interessante, invocado por Santo Afonso para justificar a tese de ser a oração do pecador eficaz e grata diante de Deus, é a passagem evangélica em que Nosso Senhor elogia a oração do publicano: “Assim é que se deve rezar!”

Qual é o título que o publicano apresenta diante de Deus para ser atendido? Não é o “cheque” que os fariseus apresentam: “Agora tu, Deus, que me põe uma barreira, tu tens que me dar um prêmio, porque eu fiz algo. Aqui está o que eu fiz!”

Na sua oração, pelo contrário, o publicano invoca o título de pecador: “Deus, sede-me propício, a mim que sou pecador”.

Ora, tendo alegado esse título de pecador, o Evangelho acrescenta: … este (o publicano) voltou justificado para a sua casa (Lc 18,14).

Quando nós alegamos o título de pecador, somos atendidos. É engano achar que devemos estar num alto grau de virtude para que nossas orações sejam atendidas por Nosso Senhor. É preciso abandonar essa ideia heterodoxa, se quisermos ter verdadeiro espírito católico. Outra frase, também muito interessante, é tirada de uma oração do Profeta Daniel: Inclinai, meu Deus, o vosso ouvido, e ouvi-me (…) porque nós, prostrando-nos por terra diante da vossa face, não fazemos essas deprecações fundadas em alguns merecimentos de nossa justiça, mas sim, na multidão das vossas misericórdias (Dan 9, 18).

Essas palavras, ditas pelo Profeta, não constituem figura de retórica, como quem dissesse: “Vê tudo isto! eu ainda vou pôr mais um enfeite, vou dizer que não tenho nada. Mas, é para mostrar que eu sou humilde e, portanto, não digas que há contrabando na minha mercadoria. Dá-me agora aquilo que tu me prometeste!”

Não se trata disso. A humildade está presente na verdade, e na oração não pode haver mentiras. O Profeta Daniel, realmente, se dirige a Deus em nome do povo judeu, carregado de pecados e prostrado por terra.

Esse povo judeu, prostrado pelo pecado, na condição de pecador, faz uma oração. Ele alega essa condição ao se apresentar ante Deus e é atendido.

É uma oração tirada da Bíblia, inspirada pelo Espírito Santo. Assim, compreendemos quanta confiança também nós devemos ter.

O pior do pecado é o desespero

Há outro trecho, dessa vez tirado  de São Mateus: Vinde a mim todos que andais em trabalho e vos achais carregados que eu vos aliviarei (Mt 11, 28). Segundo São Jerônimo, Santo Agostinho e outros, qual é essa categoria de gente que está em trabalhos? São os pecadores que têm algum pesar de ter cometido pecado.

Esse é o sentido da palavra trabalho, neste contexto. É para esses pecadores que Nosso Senhor disse: “Vinde a mim que Eu vos aliviarei”. Quanta cordura e quanto amor ao pecador! Quanto desejo de atraí-lo! Que absurdo, que aberração comete o pecador se ele se desespera! O pior do pecado dele não é a falta, é o desespero.

Enquanto ele conservar a confiança ele pode voltar, e há torrentes de razão para confiar. Outra citação, também muito interessante: “Não desejas — diz São João Crisóstomo dirigindo-se ao pecador — tanto a remissão de teus pecados quanto Deus deseja perdoar-te”.

São João Crisóstomo, ao ver um pecador querendo sair do seu pecado lhe diz: “Deus deseja mais que tu te convertas, do que tu mesmo o desejas”.

Compreende-se, portanto, quanta confiança deve ter um pecador quando ele pede sua conversão a Deus. Ele pede uma graça que o próprio Deus deseja mais do que ele. Como não ter toda a confiança?

Importunidade, o principal requisito da oração

Ainda São João Crisóstomo, ao comentar São Mateus, diz: “Não há o que não obtenhas pela oração, ainda que estejas carregado de mil pecados, contanto que a oração seja instante e contínua”
(Hom. 23 in Matth.).

Note-se bem que São João Crisóstomo é um dos grandes Doutores da Igreja.

Sua frase condensa o que acima afirmávamos. “Não há o que não obtenhas pela oração”, diz ele. Ou seja, ele inclui tudo. “Ainda que estejas carregado de mil pecados…”, não de um só pecado. Para se obter o que se pede, a condição será ter firme propósito ou qualquer outra coisa? Não, não é. “Contanto que a oração seja instante e contínua”, não é necessário mais nada.

É preciso ser importuno. A oração obtém tudo na medida em que é insistente, caso contrário não é boa oração. Mais claro não podia ser. Ou as palavras humanas não têm sentido, ou o sentido é esse.

Mais adiante é citado um trecho de uma epístola de São Tiago: Se algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá com abundância e não impropera (Tg 1, 5). Sabedoria é juízo, sabedoria é critério, sabedoria é conduzir-se bem, é não ter algum dos defeitos que levam ao pecado. Se alguém precisa disso, peça. Deus dá com abundância a qualquer um que pede.

Como Deus é generoso! Como Ele é misericordioso! E como é taxativo!  “Se alguém precisar, peça, Eu darei”. Ou Deus não existe, ou Ele é mentiroso, ou isso é verdade. Não há outra alternativa. Santo Afonso se pergunta o que querem dizer estas palavras: “Deus dá com abundância e não impropera”.

Citando mais uma vez São João Crisóstomo em abono de suas teses, ele explica que os poderosos da Terra, quando se lhes pede algo, não dão com abundância e ainda por cima improperam. É bem verdade. Quando dão, dão pouco e de má vontade. Com Deus é diferente. Deus não impropera quando se Lhe pede. Santo Afonso demonstra que Deus impropera quando não se lhe pede. O que O ofende — contrariamente ao que se dá com os homens — é não ser importuno com Ele. Sendo importunos não O ofendemos, mas Lhe somos agradá-
veis. Esta é a realidade.

Deus nunca nos acha “”cacetes””

Meu avô costumava dizer o seguinte à minha mãe, que rezava muito: — Deus deve te achar muito cacete, embora você seja uma boa menina. Porque até eu, que te quero tanto bem, se você falasse tanto comigo como fala com Deus, acabava te mandando embora e te achando cacete. E assim eu também acho que você deveria rezar menos. É o contrário! Deus nunca nos julga cacetes. Se há lugar no mundo onde nós podemos ir, certos de não estarmos sobrando, é aos pés do Santíssimo Sacramento. E onde haja uma imagem de Nossa Senhora, ali somos sempre bem recebidos, ainda que nos consideremos os piores mulambos da Terra. Em todos os outros lugares, não devemos ter dúvida nenhuma, sempre há uma determinada situação na qual nós podemos ser cacetes aos olhos de alguém.

E o melhor argumento nessa linha, talvez sejam estas palavras do Evangelho de São Lucas: “Se vós, sendo maus, sabeis dar boas dádivas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai celestial dará espírito bom aos que lho pedem” (Lc 11, 13).

Se um homem qualquer sabe dar um bom presente quando o filho pede, podemos acaso conceber que Deus, quando Lhe pedimos o bom espírito, não nos atenda? Certamente atenderá! É questão de pedirmos.

Nos períodos melhores, pedir graças para suportar os piores

Há um ponto que eu tenho muito empenho em desenvolver: é o problema da oração de quem está em estado de graça para não cair em pecado. Santo Afonso mostra o seguinte: quem está nas alturas, animado, deve rezar pedindo graças para quando estiver na provação e no desânimo. Porque é quando este sobrevém que se corre o risco de rezar menos. O desânimo é um estado de alma que congela toda a vida espiritual de uma pessoa, e no qual a coragem e a resolução de rezar minguam.

Deve-se fazer provisão de orações para quando vier o desânimo. Isso de dizer “eu rezo quando estiver tentado”, é mais ou menos como quem acha que vai converter-se quando estiver para morrer. No momento da agonia a pessoa estará pensando no pé que está doendo, no coração que está parando, na vista que já não está enxergando a não ser à curta distância. Ela estará vendo a morte se aproximar e estará pensando no próprio corpo.

Não estará pensando na alma, ou terá muita dificuldade em pensar nela, e por isso quando se está saudável deve-se rezar pela hora da morte. O mesmo se dá conosco, quando estamos bem na vida espiritual. Devemos nessa hora rezar pedindo proteção para o momento em que vierem as tentações, pois não há homens invulneráveis em matéria de vida espiritual.

E eu tenho visto diminuir o brilho das estrelas no céu!… Não quero dizer apagar-se, mas passar por temporárias eclipses. Ou porque, de repente, a pessoa é afligida por um vendaval tremendo e reage estupidamente, com uma brutalidade idiota; ou então é uma dúvida que começa a surgir, e ela pensa: se houver isto haverá aquilo, se houver aquilo haverá mais aquilo, e eu farei não sei o quê, e de repente se apega a algo a que não deveria apegar-se, e quando se vai tentar ajudar, já é tarde.

Nesta hora, chegar junto de alguém e dizer: “Agora reze!”… É necessário! Mas não seria muito melhor se a pessoa tivesse aproveitado a hora do fervor para rezar?

É muito ruim ser olímpico na hora em que se está num auge de vida espiritual. Devemos, isso sim, nessas horas, armazenar cargas de oração.

Santo Afonso menciona um texto do Concílio de Trento (seção 6ª cap.  XIII): “Não se pode obter essa graça senão d’Aquele que tem poder de conservar a quem está de pé, de sorte que persevere com fé” (Seção 6ª cap. XIII).

Quem está de pé deve pedir perseverança

Àquele que o conserva neste estado. O que é mais importante: rezar para nos levantarmos quando já tivermos caído, ou rezar para não cair quando estamos de pé? Evidentemente, o segundo tipo de oração é o mais importante: rezar para não cairmos.

Ele menciona também outro trecho do Concílio de Trento, no qual é citado Santo Agostinho: “Esse dom de Deus, a perseverança, pode merecer-se suplicando, isto é, se pode conseguir pela oração” (De don. persev., c. 6.).

Se nós queremos perseverar, por mais firmes que nos sintamos, peçamos essa graça da perseverança. Recorrendo à autoridade de São Tomás, Santo Afonso cita a seguinte afirmação do Doutor Angélico. “Depois do batismo, é necessário ao homem a oração contínua para ele poder entrar no céu”.

Depois do batismo, quando todos os pecados do homem foram apagados por virtude desse sacramento, o que é preciso? Oração contínua! Não há o que justifique o não rezar. Outra citação interessante: “Vigiai, pois, e orai em todo o tempo a fim de que vos torneis dignos de evitar todos esses males que têm de suceder — quer dizer, as tentações — e de vos apresentardes com confiança diante do Filho do Homem” (Lc 21, 36).

Portanto, não é sempre no tempo mau, mas em todo o tempo. O mesmo diz o Eclesiastes: “Nenhuma coisa te impeça de orar sempre” (Ecl 18, 22). Não há razão para não estarmos rezando sempre. Outra frase, dessa vez de Tobias: “Bendize a Deus todo o tempo e pede-lhe que dirija os teus caminhos” (Tob 4, 20).

Todo o tempo, quer dizer, no tempo bom também. Ainda, numa epístola de São Paulo: “Orai sem intermissão” (1 Tes 5, 17). Não é, portanto, com as intermissões do tempo de virtude. Outra é da  Epístola de São Paulo aos Colossenses: “Perseverai na oração, velando nela com ação de graças” (Col 4, 12).

Perseverai sempre na oração. Não é só quando se está em pecado, ou se está sem pecado, mas é sempre. Também na Epístola a Timóteo: “Quero pois que os homens orem em todo o lugar” (1 Tim 2,  ). E o próprio Santo Afonso de Ligório comenta: Muitos pecadores com o auxílio da graça chegam a converter-se a Deus e a receber o perdão; mas, porque deixam depois de pedir a perseverança, tornam a cair e perdem tudo.

Ou seja, a pessoa chegou, com a graça, a emendar-se, mas depois não pediu a sua própria perseverança. Não pediu, logo perdeu. Então, quando se está em dificuldade é preciso lembrar-se disso, e rezar para conseguir a perseverança. E quando se vai bem na vida espiritual, é de uma importância capital ter essa humildade, esse medo de cair e implorar a graça da perseverança.

No Padre Nosso, Deus nos ensina a pedir a perseverança

E, por fim, temos a petição do Padre-Nosso: “Não nos deixeis cair em tentação”. É súplica para, na hora da tentação, eu ter o suprimento necessário do que eu pedi quando não estava tentado. Nosso Senhor ao formular a oração perfeita estabeleceu, exatamente, esse pedido de não sermos abandonados no momento da tentação.

Este momento é tremendo. É como um turbilhão pavoroso, ou como uma ideia das mais sedutoras. Nessa hora a pessoa já está, às vezes, quase impossibilitada de rezar. Dois conselhos valiosos Por isso recomendo duas coisas: Primeiro, incluir na nossa rotina uma oração para que Deus nos conserve numa perseverança perfeita.

Em segundo lugar, assegurarmo-nos de uma outra forma, ou seja, pedindo que se celebrem missas e que se façam orações em conventos, por nós.

Deus já estabeleceu que haja freiras, religiosos contemplativos, para recitarem as orações que nós não podemos fazer. Por que não nos munirmos desses recursos incomparáveis? Se desconfiamos que não somos capazes de rezar bastante, por que não recorrer às orações de outrem? Mas, estas práticas devem constituir uma rotina, sobretudo quando se está em perigo, em situações difíceis, mas também quando se está em situações boas. Não há recurso melhor do que recorrer às orações de uma religiosa, para ter uma alma que carregue a cruz conosco, e nos ajude a levar aquilo que pesa demais para nós.

Mas a melhor pessoa para rezar por nós, já sabemos, é Nossa Senhora. Devemos pedir muito à Santíssima Virgem. O alfa e o ômega de tudo isso é a oração d’Ela e a oração a Ela. Nossa Senhora nos concederá tudo de que temos necessidade.

 

Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 66 (Setembro de 2003)

(1) Santo Afonso Maria de Ligório, A Oração, o Grande Meio da Salvação, Editora Vozes Ltda, Petrópolis, 1956, 3ª edição, pgs. 90 e 91.

 

Senso do maravilhoso: padrão para o conhecimento da verdade – II

O desenvolvimento do senso do maravilhoso faz crescer o nível intelectual das pessoas, e até mesmo o moral. Comprimir esse senso, sob a alegação de que é fantasia, torna os espíritos achatados, baixos e sem valor.,

 

Ao considerarmos as grandes civilizações, notamos que todas elas tendem a uma forma de maravilhoso que chegaram a tocar, por assim dizer, com a ponta do dedo, entretanto imaginaram muito mais do que de fato realizaram.

Algumas construções maravilhosas

Tomemos, por exemplo, o famoso Taj Mahal, na Ásia. É perfeito! Olha-se e, no primeiro momento, contenta-se inteiramente. Logo depois, não surgem censuras, porque aquilo é muito bonito, mas a alma pergunta: “Está bem! Mas não haverá mais?” E é imaginando vagamente o mais, que acabamos de entender bem o Taj Mahal.

Outra coisa que eu acho muito bonita é o minarete. Aquelas torrezinhas finas, com terracinho, onde fica um homem sentado e cantando, é de uma elegância, de uma beleza… Imaginar um minarete no Bósforo é uma coisa simplesmente fantástica!

Por exemplo, aquele minarete na Igreja de Santa Sofia não tende para alguma coisa de maravilhoso, de irreal? Como eu gostaria que essa igreja fosse católica! Ela é arredondada, e dentro é lindíssima! Fora, a beleza dela está no contraste daquele arredondado com um minarete esguio que sobe para o céu. Uma verdadeira maravilha!

O pagode chinês é lindo! Mas meu gosto do maravilhoso não se contenta com isso. Por fervor religioso e gosto artístico, eu gostaria de imaginar bem no alto do pagode uma imagem da Imaculada Conceição, com uma lua, verdadeiramente elaborada com prata, aos pés, e esmagando a cabeça de uma serpente feita de jade.

Existe na França uma escola de equitação pertencente ao Exército, que é uma antiga fortaleza medieval, na cidade de Saumur, onde se fazem os exercícios militares.

Eu vi, numa iluminura medieval, uma pintura do Castelo de Saumur, completamente diferente do que é hoje. Tinha uma grande quantidade de torres, e no alto de cada uma figurava uma flor de lis, formando uma espécie de jogo de campanários imaginários, que é uma das coisas mais belas que eu tenha visto na minha vida!

O mais bonito está no seguinte: parece que o Castelo de Saumur nunca foi como esse artista o pintou. O pintor viu o Castelo e imaginou um outro que não existia, mas que correspondia ao maravilhoso que desprendia de seu espírito, a partir daquilo que ele tinha visto!

Se tomássemos essa tendência para o maravilhoso — que a educação moderna comprime o quanto pode, sob a alegação de que não é prático, é fantasia, etc. — e a desenvolvêssemos, cresceria muito em nós o nível intelectual e até mesmo o moral.

O maravilhoso irreal é a ponta da realidade

A meu ver, foi esse desejo do maravilhoso que criou os vitrais. Porque os vitrais apresentam, o tempo inteiro, as coisas com as cores que elas não têm. E isto faz propriamente a beleza do vitral. O artista imaginou um maravilhoso irreal que não é uma mentira, mas a ponta da realidade, e por causa disso os vitrais são maravilhosos; ele imaginou cores de vidros, reflexos, lampejos e, afinal de contas, chegou a um verde, a um vermelho ideal, que nos deixa encantados. Isso porque ele possuía uma alma fecunda em maravilhoso.

Estamos acostumados a ouvir uma comparação exata, mas que a repetição tornou banal: quem entra numa igreja e vê o sol incidindo no vitral, projetando suas mais variadas cores no chão, é levado a dizer que o pavimento encheu-se de pedras preciosas. Realmente, aquelas cores são como que pedras preciosas que ficam pelo chão. Portanto, quem elaborou o vitral pintou a cena com uma atmosfera de pedra preciosa que a realidade não tem.

Ora, o critério hoje em dia é o seguinte: “Se você quer conhecer algo, faça um inquérito, analise sua substância química, a quantidade, a qualidade, e só então o conhecerá.”

Minha resposta seria: “É verdade. Mas enquanto você não vislumbrou o que a coisa poderia ser e não é, você não a conheceu inteiramente.” Essa análise científica é necessária, e deve-se reconhecer sua importância. Entretanto a incapacidade de imaginar alguma coisa acima daquilo é o desastre, pois torna os espíritos chatos, baixos e sem valor.

Uma coisa que toda a vida eu quis conhecer foi a aurora boreal. Porque, pelas descrições que me têm sido feitas, ela representa um céu irreal na aparência, uma fantasmagoria feita por Deus para o homem, como quem diz: “Meu filho, Eu fiz um céu muito bonito para você imaginar um ainda mais belo. Não é para você ficar sentado como um idiota, olhando para aquele firmamento. Imagine outro! E, sendo incapaz de imaginar, para ter ideia de como é isso veja fotografias de auroras boreais. Aí você tem algo mais alto; levante sua alma!”

Equilíbrio entre bom senso e desejo do maravilhoso

Olhando para o Santo Sudário — a respeito do qual não existe no meu espírito a menor dúvida de que é verdadeiro —, percebe-se que Nosso Senhor Jesus Cristo, nas suas condições normais, era um Homem-Deus maravilhoso, como nunca se poderia imaginar. E qualquer rei seria uma ninharia, em comparação com Ele se apresentando e falando.

Mesmo assim, Nosso Senhor, por assim dizer, treinou os Apóstolos para algo mais. Na Transfiguração, no alto do Tabor, Ele não se adornou com elementos externos. O Redentor fez aparecer uma beleza maior, que havia no fundo d’Ele pela natureza divina. E ali apareceu multiplicado por Ele mesmo, produzindo nos Apóstolos o efeito que conhecemos. Quer dizer, mesmo na maravilha das maravilhas, que é Nosso Senhor Jesus Cristo, a graça filtrando faz aparecer uma maravilha ainda maior, inerente a Ele, mas que era sua Transfiguração, a figura multiplicada pela figura, ficando maravilhosa como ficou.

Esse é o sinal de que em todas as coisas devemos procurar seu “trans-aspecto”, com o qual verdadeiramente a nossa alma se forma, desde que tenha um bom senso robusto, porque do contrário isso conduz para o rodopio. Deve haver um equilíbrio entre o bom senso e o desejo da maravilha, que forma propriamente a força da alma humana. v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 9/8/1988)

 

Reflexo da sabedoria cristã

As primeiras impressões sobre a Idade Média que tocaram minha alma — as quais encontrariam mais tarde na palavra “Cristandade” a sua expressão adequada — vieram através de livros para crianças folheados por mim, um ou outro cartão postal que me caía sob os olhos, assim como fotografias e gravuras retratando paisagens e monumentos da antiga Europa, e que produziam no meu espírito verdadeiros frêmitos de entusiasmo na consideração das coisas medievais.

Encantavam-me as catedrais góticas, as ruínas de castelos ou as velhas construções conservadas intactas, admirava o mundo da heráldica que começou a luzir à minha vista como um conjunto de vitrais sem vidro, escudos medievais parecendo rosáceas impressas num papel resplandecente, tudo me falando da mesma época em que floresceu a música sacra, uma época em que a fé católica espargia grande influência sobre a mentalidade e a sensibilidade humanas, dando origem a uma ordem temporal de esplendor incomparável.

Ogivas, torres, campanários, vitrais, armaduras… Detenho-me na contemplação destas últimas.

Poucas vezes o homem se tem revestido, no sentido material da palavra, de tal manifestação de força como quando se cobre de ferro, com pequenas aberturas no elmo que o permitam ver e respirar. De resto, está todo envolto pelo ferro, manifestando um misto de prudência e de coragem que traduz o equilíbrio da sabedoria cristã. Coragem e prudência que indicam, ao mesmo tempo, um amor à vida, uma consciência plena do inestimável preço da existência humana para protegê-la de tal maneira, e uma inteira disposição para sacrificá-la, se preciso for, a serviço de Deus e da Igreja.

O homem se veste inteiro de metal, para se defender e para se lançar no centro do perigo, revelando a magnífica estatura do combatente que soube compreender e amar verdades eternas, preceitos morais, tesouros de fé cristã pelos quais vale a pena não só lutar, mas morrer. É praticar essa mesma fé cristã até as suas últimas e gloriosas conseqüências.

Assim, toda a sua personalidade se acha tão imbuída do espírito católico que ele se apresenta revestido de ferro, afirmando a serena convicção de seu direito e da santidade de sua causa. Na véspera de partir para uma batalha em que lutará pelos interesses da Igreja, ele se entregou à vigília das armas: rezou, implorou o socorro do Céu, pesou e mediu os sacrifícios, as dores e, quiçá, o holocausto supremo que se aproximavam. E ele a tudo aceitou de antemão. Os penachos de seu elmo deixaram de ser meros enfeites, e sua armadura uma simples afirmação de riqueza ou categoria.

Simbolizam, agora, a intrepidez de uma alma heroica. São reflexos da sabedoria cristã. Representam a força a serviço da sublimidade.

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 102 (Setembro de 2006)

 

Secos e molhados…

Desde os meus tempos de menino, percorrendo algumas regiões da capital paulistana, comprouve-me observar o exercício de uma profissão pouco renomada: a de vendeiro. Hoje quase não existem mais aquelas quitandas —  em geral de proprietários lusitanos — como as conheci, substituídas por lojas, bares e outros  estabelecimentos adaptados às conveniências da vida moderna.

Porém, aqui e ali, sobretudo em nosso Portugal avoengo, pode-se encontrar algo dos antigos comércios de “secos e molhados”, com vestígios do sabor e do pitoresco que tanto atraíam minha curiosidade infantil.

A própria expressão “secos e molhados” já nos sorri, gotejando realidade, cheirando a bacalhau defumado e a tragos de vinho para acompanhar os aperitivos, consumidos em animadas rodas de amigos. Pois a venda era também um lugar com mesas ao ar livre, na calçada, para os fregueses se sentarem e colocar em dia a conversa. Portanto, uma espécie de clube da rua, na rua, para os homens de rua, de categoria social menos favorecida.

Ela tinha, inclusive, algo de instituição bancária. As pessoas de trato, clientes do armazém, se não podiam ou não queriam se dar o trabalho de ir ao banco retirar dinheiro, chamavam a criada e lhe davam a incumbência: “Diga lá ao seu Manuel da venda que vou descontar este cheque com ele”. O “seu” Manuel, bonachão, solícito e seguro de suas economias, satisfazia o freguês. No dia seguinte ele mesmo ia descontar o cheque, e embolsava a quantia dispensada na véspera.  Ele havia feito mais uma gentileza ao fazendeiro afidalgado e indolente que morava perto…

A venda não pode ter luxo, mas uma exuberância de produtos, inclusive pendurados no teto, como garrafas de vinhos, queijos, presuntos, linguiças, pernis, etc. Mal iluminada, sem ornatos nem decorações de estilo. Seu grande adorno é a figura do vendeiro, presidindo a vida que ali dentro se desenrola, sob seu olhar acolhedor e vigilante.

A sua família reside nos fundos da loja, numa casa comprida em forma de flauta, um corredor extenso, para o qual se abrem todos os quartos.  E ele, embora estando no balcão, tem um sexto sentido voltado para o que se passa no lar. De maneira que, verificando-se ali qualquer coisa de anormal, ele sabe e toma providências. É o rei de dois reinos — um “reino unido”, como eram Brasil e Portugal: a casa do vendeiro e a venda.

A antiga caixa registradora, atrás da qual ele se instala, eleva-se sobre o balcão, e o seu Manuel a opera com visível satisfação, contente de ouvir os sons daqueles mecanismos repercutirem pela venda inteira. A manivela roda, a gaveta se abre com ruídos de campainha, as notas roçam umas nas outras, as moedas tilintam, e a conjugação desses ruídos constituem a harmonia do progresso dele. Uma prosperidade plebeia no que o plebeu tem de maior suco de vida, de realidade. É pão, pão, queijo, queijo, mas fecundo.

Com seus bigodes “a la Rei Dom Carlos”, ele supervisiona tudo, conversa pouco, mas sabe da existência de todos, porque não perde um detalhe das conversas à sua volta. Seus diálogos são com a gaveta da registradora: o que entrou, o que vai depositar, o que vai ou não recolher, os investimentos com a quantia acumulada, a outra venda que ele pretende abrir, e já pensando em encaminhar o filho mais velho para assumir e continuar os negócios.

Sim, pois ele não tem ambições de que o seu primogênito se torne um médico, advogado ou engenheiro, como aqueles que andam sempre devendo à quitanda. Não. Basta-lhe o seu status, eminentemente abdominal e saudável a ponto de as bochechas serem pontudas, a bigodeira abundante, a voz estentórica, mãos nas quais se nota o proletariado, mas em cujo dedo anular refulge um anel de brilhante usado por ele no dia do casamento da filha.  É tudo o que deseja para si e seu sucessor.

A um canto da loja se vê a imagem da devoção dele, iluminada constantemente por uma pequena luz dourada. Será do seu Santo padroeiro ou de Nossa Senhora, sob alguma invocação venerada na sua aldeia natal. A imagem está lá, intocável como uma preciosa tradição, recebendo de quando em vez um olhar piedoso da velha freguesa, uma súplica dele próprio, quando as preocupações o atormentam.

Em suma, a figura do vendeiro se torna simpática para quem a sabe compreender e admirar no seu peculiar contexto. Foi, aliás, o meu caso. Comecei a frequentar a venda do “seu Manuel” com certa reticência. Em determinado momento, percebi o papel que desempenhavam numa sociedade organicamente estabelecida. E pensei: “Não, mas essa gente é interessante, tem vitalidade, disposições, pitorescos, funcionalidades que desempenham sua missão benéfica e enriquecedora no ambiente social onde se insere.”

E aí passei a compreender melhor o “meu” Portugal…

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 78 (Setembro de 2010)