Meditação de Maria

Talvez nunca ninguém teve os meios para fazer uma meditação da vida inteira de Nosso Senhor Jesus Cristo. Mas creio que sendo Nossa Senhora quem era, favorecida de todas as graças e dons num grau e numa abundância insondável, Ela não fez senão isto.

Assim, Ela meditava em todo o significado e alcance diante da Santíssima Trindade de cada gemido, cada dor, ao longo da Paixão, mas também de cada alegria por ocasião dos júbilos da Ressurreição, como durante o Nascimento, e enquanto Ele vivia em seu claustro virginal; tudo isso Ela conheceu e adorou, esteve continuamente presente em sua mente por causa dos conhecimentos próprios a Ela, e que Lhe eram comunicados por seu Divino Filho.

Essa contemplação deveria conferir à expressão do olhar de Maria Santíssima e à sua atitude recolhida uma força de meditação verdadeiramente extraordinária, ligada à sabedoria d’Ela: um conhecimento milagrosamente amplo e uma interpretação sapiencial de tudo quanto houve.

Isso constituiu uma arquitetura como a de um palácio: “vita Domini Nostri Iesu Christi”, desde o primeiro instante da Encarnação até a hora da Ascensão. Completada esta, quando Ele entrou no Céu e sentou-Se em seu trono, terminou a vida terrena d’Ele e um todo se fez. Esse todo Ela conheceu, admirou e amou de um modo extraordinário!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 10/7/1991)

Para alcançar a emenda de meus defeitos

Ó Senhora, Vós sois a Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, Mãe de todos os homens e, portanto, também a minha Mãe! Eu serei, talvez, o último dos filhos, mas Vós sois a mais alta e a mais excelsa de todas as mães. Se meus pecados são um abismo, a vossa compaixão é uma montanha muito maior do que esse abismo.

Sei que minhas preces, por si mesmas, não valem nada. Mas se o coração da mãe está sempre aberto a perdoar, amar e afagar, quanto mais o vosso, que sois a Mãe das mães! Assim, não desprezeis essas súplicas, mas atendei-as favoravelmente, pois Vos estou pedindo como filho. Alcançai-me a emenda de meus defeitos.

Sei, ó Mãe, que nunca deixareis de olhar com boa vontade para o filho que pede a vossa assistência. Por isso Vos imploro com insistência: tende pena de mim e arrancai-me de meus pecados. Assim seja.

Plinio Corrêa de Oliveira (Composta em 21/9/1991)

Misericórdia, a porta para a santidade

“A santidade de uma alma tem sua origem na misericórdia de Deus”. Partindo desta ideia, Dr. Plinio comenta a história de Nossa Senhora de Coromoto e salienta que, quando a Virgem Santíssima manifesta claramente sua bondade, é impossível opor-Lhe qualquer obstáculo.

 

A história de Nossa Senhora de Coromoto(1) é sumamente edificante e, para que se compreenda todo o seu alcance, farei algumas considerações preliminares.

Durante o Concílio, em 1962(2), os membros de nosso Movimento que estavam em Roma receberam de um bispo da Venezuela, da Diocese de Guanare, onde está o Santuário Nacional desse país, estampas representando Nossa Senhora de Coromoto.

A imagem chamou-me a atenção, porque — embora não tivesse grande valor artístico, no que diz respeito à execução material — seu porte e a expressão do olhar tinham uma elevação régia, uma majestade especial. E uma majestade com inteira consciência de sua grandeza, com muita dignidade; e ao mesmo tempo sem nada de apropriativo, de fruitivo, de como quem dissesse: “Aqui estou eu, sou extraordinária”. O olhar indica que seu pensamento está posto em seres de algum modo superiores a Ela, os anjos, no Céu ou no próprio Deus Nosso Senhor. É a imagem de uma Rainha, ao mesmo tempo contemplativa e mística de primeira categoria, e que considera todas as coisas da Terra através de altíssima luz. Por causa disso, pus a estampa em minha carteira, e dali nunca mais a retirei. Das imagens de Nossa Senhora por mim conhecidas, essa é talvez uma das que mais me falam à alma.

Embora eu já tivesse ouvido falar várias vezes de Nossa Senhora de Coromoto, nunca soube dos detalhes de sua história. Só recentemente vim a conhecê-los, e tocou-me enormemente imaginar uma imagem tão majestosa sendo o veículo para tanta misericórdia. Através dela se tem a verdadeira ideia de majestade unida à misericórdia. É uma Rainha com fisionomia extremamente elevada e nobre, com porte muito digno e olhar pairando nas mais altas paragens do espírito, e ao mesmo tempo cheia de uma misericórdia inefável. A misericórdia não é demagógica, vulgar, uma condescendência com o pecado, uma afabilidade criminosa em relação ao mal, mas um ato de bondade generoso, gratuito, de quem converte e vence o mal, que vem muito de cima, mas entra a fundo e é capaz de toda espécie de regenerações.

Há um sacrossanto contraste entre a majestade e a misericórdia. Não há verdadeira majestade sem misericórdia, nem verdadeira misericórdia sem majestade.

A santidade de uma alma é conseqüência da misericórdia de Deus para com ela

A história do índio Coromoto, ao qual apareceu a Santíssima Virgem, fez-me lembrar as aparições de Nossa Senhora a um índio em Guadalupe, no México. A Mãe de Deus tratou-o com uma ternura especial, uma bondade, como não se vê nas outras aparições — mesmo em Fátima, onde Ela se manifestou tão condescendente e bondosa. Esse índio sentia tanta liberdade para com Nossa Senhora que, em vez de chamá-la “minha Rainha”, tratava-A de “minha filhinha”. E a Santíssima Virgem tomou tão bem esse tratamento, que uma ampliação fotográfica recente da imagem de Guadalupe mostra que na pupila dos olhos de Nossa Senhora está a figura do índio, tornando-o imortalizado nos olhos d’Ela. Estar na menina dos olhos significa ser o centro da atenção, do cuidado, e isto realizou-se ao pé da letra.

Tudo isso levou-me também a pensar a respeito do que disse Santo Antônio Maria Claret, após assistir as últimas sessões do Concílio Vaticano I, há cem anos atrás. Vendo, já naquela época, os sinais da desagregação da Europa, afirmou querer morar na América, porque aqui floresceriam santos maiores do que os surgidos na Europa. Essa afirmação me pareceu extraordinária.

Há mais. Antes de ser confessor da Rainha da Espanha, Isabel II, Santo Antônio Maria Claret tinha sido Arcebispo de Santiago de Cuba, e saíra deste país por ser perseguido pelos inimigos da Igreja, apesar de seu apostolado com a população do lugar, em favor da qual ele praticara magníficos milagres. No navio que o conduzia, predisse o futuro próximo de Cuba, sua separação da Espanha e submissão aos Estados Unidos. E apresentava isso como uma série de apostasias e castigos. Naturalmente, uma apostasia causa outra, e por fim se chegou à atual e miserável situação de Cuba.

Parecia-me curioso que ele, tendo falado de Cuba com tal energia e precisão, previra tanta santidade na América Latina. Isso significava a presença de um grande perdão e uma imensa misericórdia, ao lado do abismo representado pelo anúncio dessa severidade.

E, afinal, como a santidade tem sua origem, sua causa primeira, numa misericórdia de Deus para conosco, eu achava muito razoável que houvesse esse nexo entre a profecia de Santo Antônio Maria Claret, de um lado, e de outro o fato de Maria Santíssima ter-Se manifestado tão carinhosa, condescendente, em relação a esse índio do México. Nossa Senhora de Guadalupe foi proclamada pela Santa Sé Patrona da América Latina e, evidentemente, esse índio representava, para o olhar d’Ela, a América Latina inteira, e todos nós somos simbolizados por esse índio. De certo modo, pode-se dizer que cada um de nós está na menina dos olhos da imagem de Nossa Senhora de Guadalupe.

Apesar da extrema maldade do índio, Maria Santíssima manifesta sua inesgotável misericórdia

Essas considerações estavam reunidas em meu espírito quando soube do fato ocorrido em Guanare, Venezuela, com o índio Coromoto, em seus detalhes. Através destes, se vê que é impossível a um homem levar mais longe a obstinação no mal, e inimaginável por nós que a Mãe de Deus chegasse a tal extremo sua “obstinação” em convertê-lo. Realmente é a última palavra em matéria de condescendência: depois de o índio ter querido flechar e golpear Nossa Senhora, Ela fez um milagre, deixando nas mãos dele um pergaminho com sua imagem, e depois o converteu! Não se pode excogitar misericórdia mais excelsa, mais excelente, do que essa.

Alguém poderia observar que o pecado dos que mataram Nosso Senhor Jesus Cristo foi um pecado maior do que o desse índio, tentando agredir a Santíssima Virgem. É certo. Tudo quanto toca à Pessoa Divina de Nosso Senhor Jesus Cristo ultrapassa qualquer dimensão e não pode ser comparado com absolutamente nada. Porém é preciso considerar que em sua Paixão Jesus estava na prostração, na humilhação própria à sua natureza humana. Nossa Senhora, em Guanare, Se apresentou em visão, de forma esplendorosa, mostrando-Se superior a tudo quanto o índio conhecia, e de uma maneira evidente, como Nosso Senhor não fez com seus verdugos. Apesar disso, a maldade dele foi tão grande que tentou agredi-La. Não afirmo ter ser isso mais grave do que o deicídio, mas, sob certo aspecto, revela uma dureza de alma ainda maior. Pois bem, para esse homem, a Mãe de Deus manifestou tanta bondade e misericórdia.

“À sua bondade soberana ninguém resiste”

Que ensinamentos retiramos desse fato? Antes de tudo, para Nossa Senhora a maldade humana não consegue opor obstáculos decisivos. De um jeito ou de outro, se a Santíssima Virgem quer mesmo, e até o fim, Ela acaba vencendo a maldade humana. Portanto, se em determinado momento da História da Humanidade Nossa Senhora quiser praticar um ato de generosidade excelso em relação a um homem, ou a uma série de homens, Ela poderá fazê-lo e vencerá, porque à sua bondade soberana ninguém resiste.

A Santíssima Virgem é soberana em tudo, inclusive em sua bondade. Querendo, Ela derruba todos os obstáculos, como Rainha cheia de suavidade, de tal maneira que uma pessoa, liberta dos grilhões do vício, dos apegos maus, realiza o verdadeiro livre arbítrio, o qual consiste em ser confiscado por Nossa Senhora. Trata-se de um verdadeiro confisco, porém a Mãe de Deus quando confisca, liberta. Ela não cobre o indivíduo de algemas, mas torna-se sua senhora, e ele torna-se senhor de suas más inclinações, de seus vícios, de seus pecados, de tudo quanto impede que sua alma voe para o bem. Essa é a própria substância da definição do livre arbítrio, segundo a Doutrina Católica.

A misericórdia de Nossa Senhora se estende aos povos e às instituições

Outra lição muito importante que decorre das aparições da Virgem Maria ao índio Coromoto é a seguinte: se Nossa Senhora fez isso com esse homem, não poderá realizá-lo com as pessoas de um continente, ou de uma parcela da Humanidade, especialmente suscitada para ser d’Ela, e para seu futuro reino? Maria Santíssima não tem o poder de provocar a conversão da América Latina? Pobre América Latina, tão endurecida, opaca e apagada na Fé que recebeu, na pureza e elevação dos costumes que já não possui; tão longe das esperanças dos santos e dos missionários que vieram cá, para fazer um novo reino de Deus, a fim de compensar, no balanço das coisas entre a Terra e o Céu, o que a Santa Igreja estava perdendo com a apostasia protestante! Essa conversão não ocorrerá de um momento para outro?

Por fim, voltamos nossos olhos para nosso Movimento.

Vendo as coisas bem de frente, tendo Nossa Senhora desígnios sobre nosso Movimento e sua atuação na América Latina, não é bem verdade que o episódio de Coromoto, a graça desse perdão, que dulcifica qualquer dureza e vence qualquer ingratidão, precisa começar dentro de casa? E que devemos pedí-lo para nós e para toda essa parte da Humanidade, aonde Nossa Senhora quis fazer esse milagre extraordinário? E não é verdade também que, apesar de todas as nossas fraquezas e infidelidades, temos razões especialíssimas para confiar, e nunca devemos consentir num pensamento de desespero, à vista de uma graça tão extraordinariamente grande?

Aqui está o ponto central da meditação a respeito de Nossa Senhora de Coromoto, que visa mais especialmente nosso Movimento — porque tem uma missão muito em ordem a isso — e, dentro dele, cada um de nós. Mas essa meditação deve também ter em vista a América Latina, como sendo especial protagonista do dia de amanhã, no Reino de Maria.

Coromoto e Fátima: íntima relação

Finalmente, podemos nos perguntar qual a relação de tudo isso com as profecias de Fátima. São os mistérios de Nossa Senhora… A realização das promessas da Virgem de Fátima purificará e preparará as almas para o “Grand Retour”(3). Quando ele vier, receberemos a graça da misericórdia, da conversão completa.

Com esta visualização, temos um grande enriquecimento para o conjunto de nossas concepções sobre o futuro da História, isto é, a ideia do “Grand Retour” fundada num milagre extraordinário como foi o de Guanare. É um fato concreto que nos dá uma esperança especial e nos explica em algo como vai ser o “Grand Retour”.

Poder-se-ia objetar que não foram apresentadas provas que demonstram a veracidade da história de Nossa Senhora de Coromoto. A prova é: em Guanare está o pergaminho contendo a imagem, com base na qual foi tirada essa estampa que estou comentando, colocada num belíssimo relicário de ouro. Todo o povo, desde quando ocorreu o milagre, vai venerá-lo, indicando assim que já naquele tempo se espalhou sua fama; foi, portanto, admitido por todos os que conheciam aquele índio e sua família, que os fatos relacionados à imagem e a eles eram reais. E essa versão e essa crença foram conservadas através das gerações.

Mas, para mim, isso que poderia ser uma prova histórica muito boa é de pouca importância. O importante é saber que Nossa Senhora é assim, conforme nos ensina a Doutrina Católica. Portanto, ainda que as aparições de Nossa Senhora de Coromoto não tivessem acontecido, elas são reais na sua substância: a misericórdia de Maria Santíssima pode chegar até lá. Se pedirmos, seremos atendidos.

E, para esse efeito, poderíamos fazer uso da seguinte jaculatória: “Nossa Senhora de Coromoto, cuja misericórdia a dureza de coração do índio pecador não conseguiu deter, tende pena de mim, entretanto tão pecador e tão endurecido”.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 16/7/72)

 

1) Sobre a história de Nossa Senhora de Coromoto, ver “Dr. Plinio”, nº 102, de Setembro de 2006, p. 27.

2) De outubro a dezembro de 1962, Dr. Plinio e alguns integrantes do Movimento por ele fundado, estiveram em Roma, onde instalaram um escritório a fim de acompanhar os trabalhos do Concílio Vaticano II, o qual iniciou-se em 11 de outubro de 1962.

3) Ver “Dr. Plinio”, nº 86, maio de 2005.

Verdadeiro vaso do Espírito Santo

Nosso Senhor cumulou a alma de São Lucas de graças muito especiais para ser o companheiro de São Paulo, redator de um dos Evangelhos e autor dos Atos dos Apóstolos.

Que qualidades morais precisa ter um homem para ser escolhido por São Paulo para seu companheiro de viagem! Alguém que, de um modo eminente, deve desdobrar as atividades apostólicas de São Paulo, figurar ao lado do Apóstolo das Gentes como o discípulo por excelência, aprovado pelo mestre e com quem este quer viajar.

Que dons deveria ter um homem para compreender tão bem a vida de Nosso Senhor, a ponto de coletar os dados necessários e escrevê-la como ele a redigiu no Evangelho!

E que dotes para merecer a glória e a honra de ser o único a escrever um livro inspirado e histórico a respeito do começo da vida da Igreja!

Podemos avaliar quão excelsos são esses dons, considerando que as qualidades do efeito estão na sua causa, e que o autor de um livro sempre vale mais do que sua obra.

Sendo o Divino Paráclito o autêntico Autor desses livros sagrados, isso supõe que São Lucas seja um verdadeiro vaso do Espírito Santo.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 18/10/1971)

Molduras que cantam

A arte de compor jardins com uma vegetação viçosa junto a edifícios antigos e veneráveis constitui um cântico à eternidade de Deus e à glória imperecível da Santíssima Virgem Maria.

 

Tenho visto muitas coisas bonitas, antigas, nas quais sempre me chamou a atenção um particular: a parte que diz respeito aos jardins.

O ajardinamento constitui uma moldura dentro da qual os acontecimentos se passam. E eu, embora não entenda nada de plantas, tenho alguma prática em fazer comentários a respeito de ambientes e costumes.

Debaixo desse ponto de vista, procurarei explicar o papel da vegetação para a ambientação, não somente de um prédio, mas também dos que nele moram. O que é a arte do ajardinamento?

“Fugindo” para os jardins de Versailles

Não posso me esquecer do verdadeiro encanto que senti quando, pela primeira vez, tive uma fotografia global do palácio de Versailles. Era uma espécie de fotografia aérea que dava uma vista panorâmica do jardim.

Lembro-me de que eu tinha um cartão representando essa cena, na minha carteira no Colégio São Luís. E nas longas horas em que estava obrigado a estudar coisas interessantes, mas também outras desinteressantes, um dos modos de “fugir” era suspender o tampo da minha escrivaninha e ficar olhando a fotografia dos jardins de Versailles, as alamedas, etc. Eu ficava encantadíssimo com o jardim!

Diversas formas de beleza em um jardim

Sempre me atraiu a atenção o fato de que quando há um palácio ou uma igreja, e em torno um jardim, existe um elemento inerte, que é o edifício, e um elemento mutável constituído pelo próprio jardim. Este vai sofrendo transformações ao longo das várias estações do ano, é alterável de acordo com o que nele se planta, enfim, muda enormemente.

Como todo prédio dura muito mais do que a vegetação que o circunda, as plantas tendem a envelhecer em torno do edifício, e por causa disso este tem a sua velhice própria agravada pelo envelhecimento da vegetação. Um prédio se cobre, então, de altas árvores cheias de sombras — às vezes estas árvores trazem no tronco a cicatriz de longas idades heroicamente atravessadas — e o tornam mais digno. Mas é uma dignidade que se soma a outra dignidade; uma velhice que se soma a outra velhice; uma penumbra que se acrescenta à moldura de outra.

O cântico da soma das idades

Ora, a teoria da soma das idades pediria que o prédio e o jardim apresentassem todas as idades e, ao lado de uma veneranda ancianidade, mostrassem o esplendor de uma juventude repleta de viço.

Compreende-se que haja um jardim só com elementos velhos, como determinados jardins de palácios italianos em que, por um inteligente descuido, as árvores até apodrecem e caem, as águas estagnam e surgem mosquitos… Isso tem uma grandeza do passado, uma coisa fenomenal!

Entretanto, causava-me certa má impressão ver sempre o passado circundado de coisas que falavam de morte. E me parecia necessário que algumas formas de vegetação cercassem os prédios magníficos e antigos de todo o viço da coisa nova.

Nesse sentido há determinadas plantas encantadoras que têm ar de coisa sempre jovem, cujas folhas parecem estar na sua primeira alegria, saudando os primeiros raios do Sol.

A visão desse contraste sugere-me a seguinte ideia: Como é bonito plantar, ao lado de monumentos veneráveis e antigos, vegetações novas e cheias de viço! Como é belo que as idades, as forças se somem e que todos juntos cantem a eternidade de Deus e a glória imperecível de Nossa Senhora!

Assim devem ser as coisas, pensava eu, e então concluí: Se algum dia me for dado dispor sobre a ordenação de algum grande jardim de palácio, igreja ou praça pública, farei com que haja, junto ao antigo — conservado na força convicta, desinibida e afirmativa de sua continuidade —, algo de novo que fale de uma vida que emerge com pujança no momento mesmo de seu nascimento.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 8/3/1980)

O verdadeiro conceito de liberdade

Para muitas pessoas, a liberdade consiste em fazer tudo quanto seja agradável. Porém, a verdadeira liberdade incide na faculdade de escolher entre a verdade e o erro, entre o bem e o mal.

 

Estando diante de um auditório com grande número de jovens, parece-me oportuno tratar de um tema que interessa a todos.

Por toda parte ouve-se falar de liberdade. A Revolução Francesa teve um lema intitulado: “liberdade, igualdade, fraternidade”. Os revolucionários entendiam que os três maiores bens na vida do homem eram: ser livre, liberdade; não ter ninguém acima nem abaixo de si, igualdade; e todos os homens conviverem entre si como irmãos, fraternidade. Então, liberdade, igualdade e fraternidade eram o supremo bem.

Segundo eles, a liberdade e a igualdade produziam a fraternidade. Desde que os homens fossem inteiramente livres de fazer tudo quanto quisessem, fossem totalmente iguais — não houvesse nenhum superior nem inferior —, eles se sentiriam completamente irmãos. Então, a fraternidade seria uma flor nascida dessa dupla semente da liberdade e da igualdade.

Tenho certeza de que desde o tempo da Revolução Francesa, portanto a partir de 1789, a humanidade mais ou menos viveu com essa ilusão de que a liberdade, a igualdade e a fraternidade eram três princípios que orientariam a vida humana e que dariam aos homens a felicidade nesta Terra. Assim se compreende que haja estátuas levantadas em honra da liberdade, por exemplo, a famosa situada na entrada de um rio em Nova York, que foi mandada de presente pela França para os Estados Unidos, a fim de celebrarem o fato de que ambos os países eram, ou pretendiam ser, construídos sobre a base do tríplice princípio da liberdade, igualdade, fraternidade.

“Hippismo” e o lema “liberdade, igualdade e fraternidade”

A afirmação mais moderna desses princípios encontra-se no “hippismo”.

Considerada a vida dos hippies naquilo em que ela se diferencia da existência de um rapaz que anda pela rua, tem um emprego e leva uma vida comum, a grande diferença é exatamente a liberdade.

O hippie perambula de um lado para outro e faz o que quer. Ele não tem residência nem obrigação fixa; não possui vínculo fixo com ninguém. Não se casa, também não se divorcia. Mesmo quando esteja casado, ele abandona a mulher quando quiser; muitas vezes, nem mesmo tem uma mulher fixa.

A fim de ter o mínimo para viver, o hippie exerce um trabalhinho qualquer; não tem o intuito de constituir um capital para adquirir uma casa boa, um automóvel e organizar a sua vida. Por quê? No fundo, ele tem a ideia de que essas coisas lhe tiram a liberdade; e ele quer perambular o dia inteiro de um lado para outro, fazer o que entende, viver solto numa cidade, mais ou menos como um índio vive na floresta.

O que pode distinguir, por exemplo, um índio que vive na floresta, de um aldeamento de gente civilizada dentro da floresta? É que os civilizados se estabelecem, logo dividem aquela área em residências; estas têm proprietários; normalmente eles se casam, constituem família, em relação à qual, quer dizer, àquela mulher, àqueles filhos, todos têm obrigações uns com os outros, se entreajudam e por causa disso têm condições de realizar uma vida normal, progredirem etc. Eles têm necessidade de um afeto, de uma amizade estável, enquanto os hippies não sentem necessidade de nada disso e vagueiam de um lado para outro como os animais.

Mesmo entre os animais podemos distinguir os gregários e os não gregários. Os primeiros formam grupos, vivem em bandos; os que não são gregários vivem sozinhos.

O hippie não aprecia o raciocínio. Para ele, o raciocinar é algo que tolhe um pouco a liberdade. Gosta de imaginar, de vagabundear pela imaginação como os passos materiais dele vagabundeiam pela cidade.

E, com aquele resíduo mínimo de lógica que existe na cabeça de todo homem, ele se sente livre e acha que os outros são comprometidos, amarrados, algemados.

De outro lado, os hippies se sentem iguais, porque não acumulam dinheiro e entre eles ninguém quer exercer o mando. Os aqui presentes nunca ouviram a frase: “Fulano é o chefe de tal grupo de hippies.” Eles não têm chefe. Pode haver um grupo de hippies, que vivem 24, 48, 72 horas juntos, mas se dispersam “por dá cá aquela palha”; não têm nenhuma continuidade.

E nós, como católicos, devemos compreender por que esse modo de conceber a vida é oposto à Lei de Deus. O que há de sábio na Lei de Deus é o contrário do que existe de errado no princípio do “hippismo”, que é a liberdade, a igualdade e a fraternidade, entendidas de um modo ultrarradical, levado até as suas últimas consequências.

O nosso tema está, portanto, enunciado; vou agora começar a tratar dele.

Proibir o mal significa garantir a liberdade

Imaginemos um menino travesso de dez, onze, doze anos, que tenha o hábito de, acompanhado por mais três, quatro, cinco meninos, seus amigos ou irmãos, brincar com espadinhas feitas de taquara. E a brincadeira consiste em fingir que vai furar o olho do outro menino.

Um pai ou uma mãe vê essa brincadeira e a proíbe; recolhe todas as espadinhas de bambu e as entrega para a cozinheira queimá-las; o menino que for apanhado querendo brincar de furar o olho do outro, é punido.

Pergunta-se: O pai ou a mãe, proibindo o menino de brincar assim, exerceu um ato de tirania ou, pelo contrário, protegeu a liberdade da criança?

A resposta é: Essa brincadeira pode cegar um ou até mais de um menino, causando-lhes um desastre para a vida inteira. As crianças que brincam assim, o fazem por falta de entendimento; elas são vítimas de uma debilidade que há nessa idade, por onde não têm o raciocínio exato. Fazem uma brincadeira que é contrária ao verdadeiro interesse delas. E contrária à natureza delas, porque a natureza do homem consiste em ter dois olhos que funcionem bem; e quando não funcionam é preciso operar, dar um jeito qualquer.

Portanto, os pais garantem a liberdade da criança defendendo o direito dela não ser cega, de viver de acordo com sua natureza, e proibindo-a de fazer o que quer.

Mas, no fundo, é uma proibição na aparência; de fato, é uma garantia da liberdade. Numa idade extremamente jovem, a criança faz coisas que não são racionais, ela é vítima da tirania da falta de maturidade. Para defendê-la contra essa tirania, os pais obrigam-na a fazer uma coisa ou outra.

Dormindo sobre o parapeito de um terraço

Quando eu era menino, tinha uns oito ou nove anos, na minha casa havia um terraço dando para o jardim; era um local batido por ventos, agradável, uma construção em estilo antigo com uma colunata sobre a qual existia um parapeito largo.

Eu estava estudando nesse terraço, e via os tico-ticos, muito abundantes no jardim, que pousavam naquele parapeito, corriam e saíam voando. Às vezes eles abriam as asas e tomavam vento; e eu tinha loucura por tomar vento. Em certo momento, saíam voando, e eu ficava devorado por um secreto desejo de voar também.

Certo dia pensei o seguinte: “Bem, vou parar esse estudo — primeira coisa que eu não devia fazer; mas, sobretudo quando eu tinha que estudar Matemática, o convite era ardente a fim de cessar o estudo imediatamente — e deitar-me em cima do parapeito deste terraço para dormir; meu sono não será muito profundo, mas terei a sensação de um passarinho quando está aqui…”

Deitei-me. Não sei quanto tempo fiquei dormindo lá.

Para tirar-me desse local, do modo mais amável do mundo e sorrindo, sem me causar nenhum susto, Mamãe bateu levemente em mim; acordei e olhei para ela. Eu toda a vida tive uma atração enorme por Mamãe, ainda mais estando ela sorrindo; então, virei-me para o lado de dentro do terraço a fim de acariciá-la. E pensei que ela fosse me acariciar também. Mas não.

Ela me falou com uma seriedade que me deixou pasmo, dizendo que eu precisava prometer-lhe que nunca mais deveria fazer isso. E de fato nunca mais dormi no parapeito do terraço.

Dona Lucilia, fazendo isto, diminuiu a minha liberdade? Ou, pelo contrário, ela garantiu a minha liberdade contra a imbecilidade de minha idade?

Todos assim compreendem que proibir uma pessoa de fazer uma coisa que é contra o bom senso, contra a razão, é uma defesa da liberdade.

Policiais que impedem pessoas tentadas de se atirarem do alto das pontes

A vida é um vale de lágrimas, nela tudo é assim. Quando nas grandes cidades há rios muito grandes, constroem-se sobre eles pontes em geral bonitas, às vezes são verdadeiras obras-primas.

Sobretudo quando são pontes edificadas até o começo do século XX. E quando a ponte é bonita, há muita gente que fica parada sobre a mesma, olhando a água passar, as lanchas, canoas e outras embarcações.

Mas acontece que alguns têm a tentação de se jogar para baixo e se matar. Em São Paulo, por exemplo, algum indivíduo de vez em quando se lança do Viaduto do Chá. Está muito aborrecido, para num daqueles parapeitos feios do viaduto e começa a olhar para baixo; em certo momento, pensa: “Homem, se eu me jogasse, acabaria com essa vida…” E se joga.

Por causa disso, em alguns lugares, a polícia manda vigiar o pessoal que para sobre as pontes. E quando um começa a dar provas de que vai se jogar, os policiais têm a incumbência de ir correndo e agarrá-lo. Quando um policial agarra uma pessoa que vai se suicidar, ele limita a liberdade dela? Não! Ele assegura à pessoa a liberdade de viver, que, num momento de crise, foi ameaçada pela incapacidade de enfrentar as dificuldades da vida. Quer dizer, defende a pessoa contra movimentos errados, por onde ela agiria contra a sua própria natureza.

Então, na aparência o policial que agarrou o suicida limitou a liberdade deste; de fato, ele garantiu o direito do suicida viver, contra uma debilidade que está na natureza humana, ou seja, a de querer acabar com a própria vida por causa de certas circunstâncias — o que não é razoável, não é direito, não é sério.

A boa ordem da natureza

Chegamos assim ao seguinte princípio: Tudo quanto é conforme à boa ordem geral da natureza, tudo quanto é razoável o homem, em princípio, deve ser livre de fazer. Mas quando uma coisa não é razoável, é contrária à boa ordem da natureza — contrária à boa ordem da natureza dele, ou da natureza ambiente —, ele deve ser proibido de realizar.

Isso é uma defesa da liberdade dele e dos outros. Porque nunca existe a liberdade de um homem agir contra o seu próprio interesse. A liberdade consiste em que o homem proceda de acordo com o seu interesse. E que significa “seu interesse”? Não é o interesse do gatuno, de apropriar-se dos bens dos outros. Mas o interesse da natureza humana que há nele, que o leva, por exemplo, a trabalhar para ganhar dinheiro a fim de viver honestamente; isto é a boa ordem da natureza, dentro da qual o homem é livre. Quando é uma coisa contrária à boa ordem da natureza, ele não é livre; a liberdade para ele é um mal. E agarrá-lo, privá-lo dessa liberdade, é um bem.

Há povos que, por terem um conceito errado de liberdade — e nem possuem essa noção de ordem natural que acabei de expor —, descem tão baixo que fazem coisas verdadeiramente absurdas; e às vezes são povos muito civilizados.

Viúvas eram queimadas vivas…

A Índia, por exemplo. Até o século XIX, quando os ingleses tomaram conta desse país, havia o seguinte hábito. Ao morrer um marajá, quer dizer, um príncipe, ou um brâmane, isto é, um sacerdote — os sacerdotes em todas as ­religiões podem casar-se, exceto na Religião Católica — ou qualquer pessoa de alta categoria, a viúva devia ser queimada viva.

Então, nos funerais de um marajá, por exemplo, iam animais sagrados para serem queimados, servidores que tocavam músicas fúnebres, e em certo momento do cortejo surgia um carrinho todo enfeitado com matéria preciosa, digamos, revestido de ouro, com tecidos finos, cortinas abaixadas, pessoas na frente e atrás, tocando flautas. Às vezes havia carpideiras, ou seja, mulheres que ganham para chorar.

Quando um grande sacerdote, um pontífice, um príncipe, etc., morria, julgava-se que era bom dar a impressão de que foi muito chorado. Mas às vezes nos funerais ninguém chora. Então contratavam essas choradeiras para irem chorando; elas recebiam um tanto e voltavam para casa. E há pessoas que têm uma facilidade de chorar extraordinária!

No interior do carrinho vinha a esposa do príncipe falecido e, ao final do cortejo, ela era amarrada e lhe ateavam fogo.

Quando a Inglaterra se sentiu firme para poder mandar na Índia, ela proibiu esse rito. Fazendo essa proibição, a Inglaterra tirou a liberdade aos hindus de serem assim, ou libertou-os do mau hábito? Ela libertou os hindus do mau hábito.

Termino com mais um exemplo.

Rodelas colocadas nos beiços

Lembro-me, ainda em tempo de menino, do susto que tive, folheando uma revista; de repente vi uma fotografia de uma pessoa com a cabeça caracteristicamente rapada e com uma rodela metida no beiço inferior e outra no beiço superior. De tal modo que, para falar, ela movimentava essa espécie de castanhola, não tocada pelos dedos, mas pelos beiços.

Fiquei horrorizado e fui imediatamente pedir explicações aos mais velhos. Causou-me espanto o fato de que os mais velhos não pareciam horrorizados; porque todos eles já sabiam do que se tratava.

Eu disse, creio que ao meu pai:

— Olhe aqui que coisa horrorosa!

Ele, com toda a placidez:

— Ah, isso é lá na África!

Perguntei:

— Mas como? Na África não se proíbe isso?

— Hoje parece que já está proibido.

Continuei:

— Mas eles passam a vida inteira assim?

— Habituam-se. Quando a gente se habitua não tem nada.

Posteriormente eu soube que os colonizadores, ao chegarem naquelas regiões, acabaram com esse hábito. Eles privaram aquelas pessoas de um hábito legítimo? Não! Eles impediram um mau hábito, que era contrário à natureza.

Imaginemos que uma pessoa tivesse uma doença por onde ficasse com os beiços assim; ela pagaria qualquer valor para fazer uma operação, a fim de ficar com os lábios normais. Pois seria uma vergonha medonha sair à rua e começar a mexer uma beiçorra com essa forma; simplesmente um horror.

A autoridade pode ser comparada ao corrimão de uma escada

Portanto, está bem claro o princípio: Quando uma nação, um povo, um particular se deixa arrastar a um hábito contrário à sua própria natureza, ele sofreu a debilidade, a tirania do seu lado mau, que o leva a querer fazer coisas contrárias à sua própria natureza. Logo, a liberdade consiste em defendê-lo, proibindo-o de fazer aquele ato mau.

Eu comparo a autoridade que proíbe o indivíduo de trabalhar contra a sua própria natureza, ao corrimão de uma escada.

Ninguém vai dizer que o corrimão limita a liberdade do indivíduo, porque este tem vontade de andar na beiradinha da escada e não pode fazê-lo…

Percebemos assim o erro do liberalismo, que afirma o princípio pelo qual o indivíduo deve fazer tudo quanto é gostoso. E proibir uma pessoa de fazer uma coisa gostosa é atentar contra a liberdade dela.

Pelo contrário, o princípio de autoridade é aquele que protege a razão, a natureza humana. Quer dizer, leva o homem a agir de acordo com a sua natureza; e a razão nos manda agir de acordo com a nossa natureza.

Os dez Mandamentos e a ordem natural

Assim sendo, examinemos as leis mais sábias que há no mundo: os dez Mandamentos da Lei de Deus.

A respeito dos dez Mandamentos da Lei de Deus, Santo Agostinho enuncia um princípio muito bonito. Diz ele: “Imagine um país onde todo o mundo cumprisse os Mandamentos — naquela época os países eram pequenos reinos. O rei, os ministros, os generais, todo homem do povo cumprem os dez Mandamentos. As leis feitas pelo rei são perfeitas, porque estão de acordo com os dez Mandamentos, e a obediência que os súditos prestam a essas leis fazem com que o Estado ande eximiamente”.

Suponhamos uma família onde pai, mãe e filhos cumpram os dez Mandamentos: é a família perfeita. Os dez Mandamentos mandam agir de acordo com a natureza; por isso tudo é tão exímio. Deus é Autor da natureza, e todos os Mandamentos contêm um princípio de acordo com a ordem natural posta pelo Criador; por causa disso o cumprimento dos dez Mandamentos leva à perfeição.

Então, um país onde se ama a Deus sobre todas as coisas; não se toma o seu santo Nome em vão; respeitam-se os dias santificados; não se mata; não se rouba; honra-se pai e mãe; não se peca contra a castidade; não se deseja a mulher do próximo; não se cobiçam os bens alheios; um país onde todo mundo seja assim é necessariamente perfeito.

“Rock and roll” e minueto

E o “hippismo” é a negação mais categórica da razão, do bom senso, da ordem natural. O hippie proclama-se independente de Deus, das regras que todas as coisas devem seguir. Se num país todo mundo se torna hippie, a geração seguinte começa a ficar selvagem.

Uma coisa que indica bem isso é o “rock and roll”, a dança do hippie.

Façamos uma comparação do rock com o minueto.

O minueto é uma dança que se praticou até mais ou menos cem anos antes de começar a Revolução Francesa. Foi a mais nobre, a mais delicada e a mais bela das danças que existiu durante o “Ancien Régime”(1). Músicas delicadas e homens e senhoras faziam cumprimentos uns para os outros etc., formando figuras geométricas na sala, uma espécie de desenho animado; ficava uma verdadeira maravilha. Era o raciocínio quase geométrico inspirando a dança. Esse era o minueto.

E no rock não se dança, pula-se. O indivíduo sente umas golfadas por onde ele tem vontade de dar saltos de um lado para outro e pula. O raciocínio já está banido. Quem dança rock é escravo; o homem livre é capaz de compreender e dançar o minueto.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/1/1987)

 

 

1) Período da História da França que precede a Revolução Francesa.

 

Santa Gemma Galgani

Com traços harmônicos e ar de profunda reflexão, a fisionomia de Santa Gemma Galgani expressa algo de extraterreno. Ela possui uma espécie de altivez e pureza angélicas; sua cútis, impalpavelmente resplandecente e luminosa, exprime a pureza virginal que há nesta santa.

O olhar é de quem tem cogitações que não são desta Terra. E não é tanto o olhar de um pensador, mas é o olhar da mística que está embebida do que vê.

Percebe-se nela a virtude da fortaleza muito saliente: o que ela quer, quer mesmo. Mas, o que ela quer? Servir a Deus e a Nossa Senhora. E esse rumo, sejam quais forem os obstáculos, ela o seguirá!

Eu diria que Santa Gemma é uma representação física, corpórea, da mulher forte do Evangelho: uma pérola rara, de preço incomparável, que compensa ir até os confins do universo para encontrar.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/1/1986)

Santa do glorioso castigo

Depois de oferecer a vida por sua superiora, Santa Gibitrudes foi levada ao Juízo, mas Deus mandou-a voltar à Terra devido a faltas veniais que cometera e não expiara. Ele é tão sublimemente intransigente que não quis suportá-la na sua presença enquanto tivesse aqueles defeitos.

 

A biografia que temos para comentar é de uma Santa da qual nunca ouvira falar. Trata-se de uma monja beneditina do século VII, Santa Gibitrudes. A ficha é tirada do livro Vidas dos Santos, do Padre Rohrbacher(1).

Constância ante os primeiros obstáculos

Sobre Santa Gibitrudes, um monge, chamado Jonas, escreveu:

Uma virgem, chamada Gibitrudes, nobre pelo nascimento e pela Religião, converteu-se e deixou o século para ganhar a comunidade (de Eboriacum), e a mãe do mosteiro, Burgondofara, recebeu-a com alegria, como a um gracioso presente, porque ela era sua parenta. Queimava-a um tal ardor, que sempre a graça do Espírito Santo parecia inflamá-la.

Estava ela ainda na casa paterna quando, a conselho do Espírito Santo, decidiu votar-se ao culto da Religião, e rogou ao pai e à mãe que lhe erigissem um oratório onde pudesse ser a serva de seu Criador.

Os pais julgaram-na erradamente: os dois eram nobres da raça franca e não se importavam ainda com a vida que leva ao Reino dos Céus. Pelo contrário, desejavam fruir das honras do século, e por isso queriam da filha uma posteridade, antes que dar penhor do Céu. Todavia, nada conseguiram fazer para demover a jovem do que trazia no espírito: cederam ao seu desejo e lhe construíram uma pequenina capela.

Como a jovem ali ia dia e noite, a astúcia do hábil inimigo propôs-se tomá-la como alvo. E começou, por meio de sua ama, a causar-lhe obstáculos, a impedir que ela fosse ao oratório. A moça, vendo-se atormentada, principiou a procurar a clemência do Criador, a fim de que aquela que lhe impedia de orar e queria roubar-lhe a luz da alma fosse privada da luz exterior.

A bondade divina não se fez esperar! Bem cedo a mulher, atacada de um mal dos olhos, viu-se despojada da luz necessária e o Árbitro clemente redobrou o temor dos pais castigando o pai com febres. Se bem que inflado pela nobreza, pelo exemplo da filha ele aspirava já ao temor divino; pediu à filha que rogasse ao Senhor por si e, se recuperasse a saúde por sua intercessão, seguir-lhe-ia a vontade.

A este pedido da fé, respondeu a saúde por longo tempo diferida; o fogo da febre deixou-o e o pai recuperou a saúde de outrora. A jovem, então, pediu licença para ir à comunidade de Eboriacum.

Ali levou ela a vida religiosa por muitos anos, quando, um dia, Burgondofara foi tomada de febres, levando a crer que os liames da presente vida dela se desligariam.

“Põe em ordem os teus sentimentos!”

Gibitrudes, vendo a mãe do mosteiro perto da última hora, entrou, angustiada, na basílica e pediu ao Senhor, com lágrimas, que se lembrasse da antiga misericórdia, a fim de que não deixasse morrer a mãe, mas que, a ela mesma, recebesse no Céu com as companheiras, e ali não chamasse a mãe senão para as seguir.

Depois das lágrimas, ouviu uma voz vinda do alto que lhe disse:

– Vai, serva de Cristo, o que pediste obtiveste. Ela, de boa saúde, pode ser unida aos bem-aventurados doutra vez, mas tu serás primeiramente desligada dos entraves da carne.

No mesmo instante, foi tomada pela febre e rendeu a alma pouco depois. Já os Anjos a haviam tomado e levavam além do éter; deposta diante do tribunal do eterno Juiz, via bandos de vestes brancas – foi ela mesma que o referiu depois – toda a milícia do Céu de pé diante da glória do eterno Juiz.

Ouviu uma voz partindo do trono que dizia:

– Volta, porque não estás inteiramente desapegada do século. Está escrito: “Dá e te será dado”, e, ademais, vê-se na oração: “Perdoai as nossas dívidas, assim como nós perdoamos os nossos devedores”. Tu te lembras dos sentimentos de rancor para com três de tuas irmãs? Não curaste a ferida com o remédio da indulgência. Corrige, pois, as tuas fraquezas, põe em ordem os teus sentimentos, que manchaste com o tédio e com a negligência!

Ó maravilha! Voltando e tomando a vida anterior, ela revelou com tristes gemidos a sentença que recebeu, e confessou as faltas. Chamou as companheiras, pelas quais votara sentimentos de cólera, e pediu perdão para que não incorresse na danação eterna por causa de uma dissimulação.

Novamente saudável, viveu mais seis meses no século; depois, presa da febre, predisse o dia da morte e anunciou a hora em que deixaria o mundo.

A morte foi tão feliz que, na cela, onde o corpo jazia inanimado, acreditava-se sentir exalações de bálsamo. Para nós, que lá estávamos no momento, pareceu-nos um grande milagre.

No trigésimo dia, quando lhe celebrávamos uma Missa, segundo o costume da Igreja, um tal perfume encheu a nave que se diria haver ali todos os eflúvios das essências e dos aromas. A justo título, o Criador fazia brilhar, por seus dons, as almas que lhe foram dedicadas aqui, as que, por seu amor, nada do século quiseram amar”.

O milagre é um prêmio da fé…

A ficha pode parecer tão extraordinária, pelos milagres por ela narrados, que talvez desperte em alguém um sentimento de desconfiança. Não se tratará de uma lenda que teria sido incorporada à História? Será que realmente fatos tão extraordinários se passaram? Tanto mais quanto, se nós acompanharmos a vida dos Santos mais recentes, não notamos milagres dessa ordem. E se não os há, por que os haveria naquele tempo? E neste caso, não estaríamos no nosso direito de duvidar de acontecimentos dessa natureza?

A meu ver, essa seria uma dúvida sem propósito, porque dois dados são indiscutíveis e devem chamar nossa atenção.

O primeiro é: nas épocas de muita fé, Deus Nosso Senhor realiza milagres mais estrondosos do que nos tempos de pouca fé. Dir-se-ia que isso é um paradoxo, pois onde há pouca fé Ele deveria fazer milagres portentosos, e onde já existe muita fé, não haveria necessidade de tais milagres.

Mas o contrário é verdade. O milagre é um prêmio da fé. E quem pede com muita fé pode obter favores tão contrários à ordem normal, que constituam milagres. Exatamente por causa disso, nas épocas de muita fé os milagres excepcionais são mais numerosos.

Na época em que o espírito de dúvida penetra nas almas, e elas começam, a priori, a negar a possibilidade do milagre ou exigir provas muito mais amplas e meticulosas do que seria necessário para reconhecer a existência do milagre; quando as almas não têm apetência do extraterreno, do sobrenatural, do divino e, a “fortiori”, do metafísico e do sublime, a graça se retrai e a ação de Deus vai se tornado mais escassa, rara e difícil de obter. É um castigo para aqueles que não quiseram crer.

Ora, no século VII nós estávamos numa época de fé, a Igreja vivia os primeiros séculos de reconstrução da sociedade medieval que daria na Cristandade. Nesse tempo era natural que os milagres fossem estupendos. Aquelas pessoas pediam e obtinham coisas que realmente as maravilhavam, mas nem tanto as robusteciam na fé, pois já possuíam a fé vigorosa que fora a causa daquele pedido.

No Santuário de Aparecida do Norte, há um recinto chamado “sala dos milagres”, onde as pessoas depositam objetos em gratidão ou cumprimento de promessas, por graças recebidas, em muitas das quais, se devidamente estudadas, poder-se-ia reconhecer o caráter de milagre. Vendo a fé com que aquele povo vai rezar lá, compreende-se que suas orações sejam atendidas. Suponhamos que aquela fé decaísse muito. O número de graças de que a sala guarda recordação não diminuiria também? Sem dúvida. Porque a oração feita com pouca fé é pouco atendida.

…fruto da pregação da Santa Igreja Católica

Alguém dirá: “Mas então não há saída para um povo que cai no despenhadeiro da falta de fé. É um círculo vicioso: ele se emendaria se soubesse de milagres; por outro lado, ele não conhece os milagres porque estes não vêm ao povo fraco na fé. Então ele está perdido, amarrado na sua própria incredulidade e condenado”.

Isso não é verdade. A causa ordinária e comum da fé não é o milagre, mas a pregação da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. É a própria existência da Igreja, a apetência que o espírito humano, tocado pela graça, tem de conhecer as verdades que a Esposa de Cristo ensina e de amá-las como elas são. Eis a causa determinante da fé. O milagre é uma causa excepcional da fé. O grande favor de Deus não é de alguém ter crido por causa de um milagre, mas o de acreditar mesmo sem vê-los.

Atesta-o o famoso episódio de São Tomé que, ao lhe ser anunciada a Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, teve dúvida. Quando lhe apareceu o Ressuscitado, ele acreditou. Então, o Divino Mestre exigiu que ele pusesse a mão em seu sagrado flanco para, tocando, constatar ser mesmo Ele. E depois fez este comentário: “Tomé, creste porque Me viste? Bem-aventurados os que não viram e creram” (Jo 20, 29).

Poder-se-ia objetar: “Mas, Dr. Plinio, então o senhor reduz muito o papel do milagre, o qual deixa de ser uma tão grande graça”.

Não. Em relação aos fracos na fé, o milagre é uma graça por onde Deus arromba, por assim dizer, a alma de alguns especialmente favorecidos e que não quiseram crer. Para estes, o milagre é um grande bem, uma extraordinária dádiva, porém mais felizes eles teriam sido se tivessem crido sem o milagre.

Para os que têm fé, o milagre é de muito valor como uma prova do amor de Nosso Senhor, que rompe seu próprio procedimento normal para atender à súplica de alguém consagrado a Ele, como essa freira, e que Lhe pede um favor.

Assim, vemos como Santa Gibitrudes, sendo consagrada a Nosso Senhor, pediu e obteve graças esplêndidas, entre as quais, a de ficar cega aquela mulher que a atrapalhava na sua vocação.

Existem situações em que se pode pedir a desgraça dos outros

Alguns, talvez, poderão ficar surpresos: “Como é possível alguém pedir que outrem fique cego?! Compreende-se que se implore para uma pessoa recuperar a vista; mas que fique cega… ”

Há casos em que tal oração é perfeitamente legítima, justa. A Santa teve, provavelmente por imponderáveis, conhecimento de uma determinada situação moral, ou recebeu uma comunicação interior, por onde ela ficou vendo que aquela mulher seria absolutamente refratária a qualquer graça. Absolutamente falando, Deus poderia lhe dar graças tão grandes que ela se convertesse. Quiçá aquela mulher tivesse uma alma tão endurecida e merecesse tais castigos que Ele não quisesse conceder-lhe tais graças.

Assim, para a moça restava apenas a seguinte alternativa: ficar gravemente ameaçada de perder a sua vocação ou pedir que a outra se tornasse cega. Ademais, para sua perseguidora era muito melhor ficar cega nesta Terra, mas não causar a perdição de uma alma, do que conservar a vista e comprometer uma vocação. Mas, sobretudo, era muito melhor para a glória de Deus que aquela moça se tornasse uma Santa e que a cega aguentasse depois, com virtude, a sua cegueira.

Há situações, portanto, nas quais se pode pedir o mal dos outros, mas não em qualquer conjuntura. Então, basta uma pessoa estar me atrapalhando, me amolando, prejudicando minha salvação, para eu rogar que ela fique cega? Não é assim. Há todo um conjunto de circunstâncias a serem consideradas. Contudo, existem casos em que se pode pedir a morte, a doença, a desgraça dos outros para que eles não prejudiquem a execução de um desígnio da Providência. Se nos secretos desígnios de Deus não houver outro meio para afastar aquele obstáculo senão a punição daquela pessoa, pedir que ela seja castigada é uma coisa que se pode perfeitamente fazer, com critério.

Para que esse pedido seja bem feito são necessárias duas condições: quem peça faça-o sem nenhum apego pessoal. Logo, não é por raiva, birra, agastamento ou comodismo, mas apenas pelo zelo por sua própria santificação. Em segundo lugar, que por via das dúvidas, na hora de pedir, acentue muito: se esta for a vontade de Deus. Se não houver outro meio de remover do caminho este obstáculo à minha santificação, então rogo que isso se realize. Nessas condições é perfeitamente legítimo pedir.

Severidade e misericórdia não se excluem, mas se completam

Vemos a prova disso no lance final da vida de Santa Gibitrudes. Ela ofereceu sua vida pela superiora e, ao morrer, teve até uma visão esplêndida na qual contemplava a revoada dos Anjos com seus hábitos. Naturalmente, é um símbolo, pois sendo puros espíritos os Anjos não usam hábitos. Levada ao juízo divino, recebeu a comunicação de que havia três freiras de quem ela guardava birra, e ela não podia estar na presença de Deus mantendo com esse defeito.

Vemos nisso um misto da sublime bondade e condescendência do Criador, e sua sublime intransigência. Deus é tão sublimemente intransigente que uma freira para quem Ele fizera milagre tão excelso, não queria, entretanto, suportá-la na sua presença, enquanto ela tivesse aqueles defeitos.

Mas Ele é tão sublimemente misericordioso que praticou este milagre: levou a freira à sua presença e denunciou o pecado que ela, certamente por própria culpa, não via. Mandou-a de volta à Terra para pedir perdão pelo pecado e expiar. Tendo ela expiado e implorado perdão, então levou-a para o Céu. Notem a misericórdia extraordinária d’Ele com ela, ao lado da severidade. E como a severidade e a misericórdia, longe de se excluírem, se completam.

Nós vemos isso na própria alma da Santa. Para Nosso Senhor fazer por ela tudo quanto realizou, é óbvio que é uma grande Santa. Entretanto, tais são as contradições que cabem na pobre alma de uma criatura humana, que esta pode ser elevada em virtudes debaixo de muitos pontos de vista e, portanto, atrair de fato o amor de Deus, mas ter alguns defeitos dos quais ela precisa ser purificada e que a Providência não tolera.

E é neste modo contraditório de ser das criaturas que brilha de uma maneira especial a justaposição da justiça e da misericórdia de Deus. Justo para com um defeito, misericordioso para com o próprio defeito em atenção às altas qualidades, e escolhendo um modo magnífico para curar a freira, no fundo, de uma falta que não era um pecado mortal, pois se o fosse o Criador não faria isso. Não levaria essa alma em estado de pecado mortal para a própria presença d’Ele, para ver os Anjos. Evidentemente eram faltas veniais. Entretanto, naquela alma, sobretudo, Deus não queria tolerar essas faltas. Ele poderia dar graças comuns para ela se arrepender e ir ao Céu sem esse milagre. Mas quis fazê-lo para provar, por essa narração, quanto Ele ama excepcionalmente as almas que O amam excelentemente. E não poderia haver para ela um castigo mais glorioso do que a punição que ela recebeu. Ela poderia chamar-se “a Santa do glorioso castigo”.

Que glória nessa punição!  Que estupendo ser amada de tal maneira que, para receber esse castigo, ela é tirada desta vida, colocada na presença de Deus, sua alma é novamente reintegrada a seu corpo, e lhe é restituída a vida, tendo recebido do próprio Deus a lição que precisava receber. Ele poderia mandar um Anjo fazer isso, mas Ele mesmo o realizou. Pode haver maior glória e maior prova de amor? Era castigo, entretanto.

Olhar luminoso para perceber nossos próprios defeitos

Alguém poderia perguntar: “Mas por que Deus fez isso assim? Foi só por essa Santa?”

Se fosse só por ela já estaria perfeitamente bem feito. Isso se deu no século VII. Nós estamos no século XX, que já vai caminhando para seu fim. Quantos séculos depois, em terras que ninguém imaginava, naquele tempo, que existissem, está-se comentando essa ficha e a sucessão desses fatos! E nós ainda estamos nos extasiando com a maravilha operada por Deus, com esse jogo complexo e de variados aspectos de que estou dando notícia.

Quer dizer, isso foi feito para ficar brilhando na História da Igreja até o fim dos tempos. Quando acabar o mundo e chegar o dia do Juízo Final, é possível que algum daqueles sobre os quais meus olhos estão caindo neste momento, encontre uma Santa que lhe esteja sorrindo de modo particular. E a Santa use como insígnia uma chibata luminosa mais do que muitos sóis, e feita de uma matéria mais preciosa do que o ouro. E a Santa se aproxima de um de nós e diz: “Sabes quem sou? Eu sou Gibitrudes, a Santa do glorioso castigo. Rezei por ti naquela noite em que soubeste do meu castigo e de minha glória. E agora te encontras perto de mim e estamos todos salvos. Olhemos para Nossa Senhora e glorifiquemo-La e, por meio d’Ela, Nosso Senhor Jesus Cristo”.

E nós, então extasiados com a glória de Santa Gibitrudes, nos lembraremos desta pobre conferência, e daremos glória a ela. E nos sentiremos associados à santa alma dela.

Como é bom, então, encerrarmos esta reunião dizendo: “Santa Gibitrudes, rogai por nós. Dai-nos a graça de não nos acontecer o que ia vos sucedendo, ou seja, ter alguns defeitos que por culpa nossa não vejamos. Se não merecemos um castigo tão glorioso quanto o vosso, é verdade também que nós tivemos, pelo menos, uma ajuda luminosa que foi a vossa. Tínhamos defeitos ocultos, mas o vosso exemplo, séculos depois, nos trouxe à presença de vossa biografia. E foi um convite para, na noite de 26 de outubro de 1976, nós vos pedirmos: Santa Gibitrudes, tornai luminoso nosso olhar no exame de consciência, de maneira a percebermos tudo o que está oculto, e nossas almas compareçam diante de Nossa Senhora límpidas como foi a vossa, na segunda vez em que diante de Deus aparecestes. Santa Gibitrudes, rogai por nós!”

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 26/10/1976)

 

1) ROHRBACHER, René François. Vidas dos Santos. São Paulo: Editora das Américas, 1959. Vol. XIX, p. 42-45.

 

Esses cânticos de pedra…

Elas povoaram a Europa medieval, ocupando vales e altos de montanhas. Estabeleciam seus muros vigorosos com a mesma solidez do ideal religioso que as idealizara. Erguiam seus tetos e torres  para o céu, como impulsionados pelo mesmo “élan” com que desejavam o Paraíso eterno aquelas almas a viverem entre suas longas colunatas de pedra, seus claustros acolhedores, suas imponentes abóbodas, seus esplendores impregnados de paz e contemplação.

Delas evolavam-se cânticos e preces, ou a misteriosa voz do silêncio, ele também transformado em contínua oração a subir até os tronos de Jesus e de Maria. Em torno ou ao pé delas, como filhos protegidos pela mãe, aglutinaram-se vilas e cidades, que assim cresceram à luz e à sombra dos grandes edifícios consagrados ao serviço de Deus. Sim, o monacato sincero, vivido com profundidade, fez das abadias verdadeiras obras-primas, não apenas geradoras de toda espécie de manifestação de arte, mas, sobretudo, difusoras daquele espírito que levaria a civilização cristã aos seus mais rutilantes dias de glória.

Abadias-fortaleza, abadias-castelo, abadias-sacrário, abadias heroicas, por cima das quais os Anjos pairam e a Virgem Santíssima aparece. Abadias magníficas, cercadas de um cerimonial faustoso, onde, sob as coruscações de lindos vitrais, reluzem os objetos mais preciosos e o culto divino se desenrola com toda a pompa que lhe é devida.

E quando alguns monges, julgando excessiva a riqueza de seus adornos, resolveram emprestar-lhes feições  mais austeras, ainda assim — como todos os frutos engendrados pela Santa Igreja — as abadias se revestiram de particular beleza. Se já não havia a opulência do ouro e da prata, nem a exuberante policromia dos vitrais, tinha-se a singeleza que desprende as almas da Terra para as elevar às pulcritudes da bem-aventurança eterna; concebera-se a simplicidade opalina dos vidros que vieram se aconchegar, humildes e alegres, nos vazios das janelas românicas, das ogivas e das rosáceas.

E tudo isso, aos olhos do espírito católico, é igualmente digno de enlevo e admiração. De muitas, restam apenas gloriosos vestígios que se obstinam contra as voragens do tempo e a indiferença dos homens. Muitas outras ainda sobrevivem, perpetuando neste mundo a afirmação do que pôde o “élan” de almas  santas, amorosas do sublime, e a ousadia de corações que suspiravam pelas  maravilhas do Céu. Seja como for, conservam um papel perene na vida da Igreja, irradiando um perfume do qual, por desígnio divino, nunca se deve privar a Esposa Mística de Cristo.

Plinio Corrêa de Oliveira

Alma de fogo, de sofrimento e de luta

São Bernardo de Claraval era um monge da Ordem religiosa cisterciense, uma rama dos beneditinos, reformada por ele e destinada a praticar uma austeridade maior do que a imposta pelas regras monásticas mais duras de seu tempo. Ele tinha a convicção de que, por meio do sofrimento, o homem expia os próprios pecados e os dos outros.

Foi uma alma de fogo, que queria de todos os modos evitar o paganismo o qual ia ressuscitando ignobilmente de dentro de sua própria sepultura, para dar no neopaganismo moderno: era a Revolução nascente.

São Bernardo resolveu ser um homem de sofrimento e de luta, e recolheu-se no claustro, para onde chamou muitas almas generosas.

A Europa encheu-se de conventos cistercienses, cujos monges começaram a praticar uma regra que até hoje é o espanto e a admiração dos homens.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 24/9/1989)