Lindo exemplo para os governantes eclesiásticos

O Rei Santo Edmundo foi martirizado porque não aceitou fazer negociações de paz com os pagãos, pois isto significava a apostasia de seus súditos. Seu sangue fez com que toda a Inglaterra se cristianizasse e, até a época do protestantismo, ela foi uma nação católica que durante algum tempo se chamou Ilha dos Santos.

Comentaremos uma síntese biográfica sobre Santo Edmundo, extraída do livro Os Santos Militares, do General Silveira de Mello. (Não dispomos dos dados bibliográficos desta obra.)

Enfrentando o inimigo por excelência

Edmundo, que fora muito bem educado na Religião Católica, tornou-se modelo de cristão para seu povo. Justo e bom, era homem de invulgar energia. Percebeu cedo o perigo que representavam os escandinavos para seu país e preparou-se militarmente, assim como dispôs seu povo para uma possível guerra.

Os escandinavos eram, naquele tempo, o grande perigo dos povos civilizados. Hoje tão pacíficos, entretanto foram no passado os tiranos dos mares. Eles ocupavam a Escandinávia e deitavam aquelas migrações pelos mares, que iam descendo pelos vários lugares da Europa e que representavam, digamos, a última leva das invasões bárbaras no continente europeu. Para se ter uma certa ideia de qual era o espírito deles, alguns usavam o título de reis do mar, porque eram monarcas de povos que viviam em barcos – juntamente com as mulheres, os filhos e tudo o mais – fazendo pirataria de um lado e de outro. Aliás, eram barcos com umas proas lindas, de uma audácia e arrogância de que a Suécia e Dinamarca perderam completamente o segredo. Com a queda das proas caiu tudo. Fala-se de figuras de proa; poder-se-ia dizer que cada povo tem a proa que merece. De maneira que preparar o seu povo contra a invasão desses inimigos significava enfrentar o inimigo por excelência.

Não se enganou em suas previsões. De fato, os dinamarqueses atacaram o reino inglês. No primeiro combate foram duramente rechaçados, mas, unindo esforços num grande número, venceram a Santo Edmundo e o aprisionaram em Hoxne. Ele venceu uma primeira leva de inimigos que atacou o seu reino. Mas eles concentraram-se e naturalmente o esmagaram, pelo grande número que tinham desembarcado em vários pontos da Inglaterra.

Nexo entre os assuntos políticos e os religiosos

O chefe dos adversários fez várias propostas de paz ao santo rei, que as recusou por serem contra a Religião Católica e os direitos de seus súditos. Foi duramente supliciado e, por fim, decapitado.

Foi martirizado a 20 de novembro de 870. Um Concílio nacional reunido em Oxford, em 1122, tornou obrigatória a festa do mártir. Suas relíquias, inclusive um saltério que usava diariamente, foram veneradas na Abadia de Cluny até o surto da heresia protestante. Preso e levado para Hoxne, Santo Edmundo foi intimado a fazer negociações de paz pelas quais ele cedia seu reino aos vencedores. Ora, ele não queria fazer isso porque seria entregar seu povo aos pagãos e favorecer o restabelecimento da religião pagã naquele local. Ele resistiu e, então, foi morto. Vemos a alta consciência que tinha esse homem do papel de rei, de suas obrigações e das relações entre os assuntos políticos e os religiosos.

Ele tinha noção de que a queda dele e a implantação de uma dinastia de reis pagãos traria a paganização do Estado e dos indivíduos. Causaria, portanto, a apostasia daqueles povos, a perdição das almas. Ele compreendia muito bem o nexo entre a vida política, a forma do Estado e a forma religiosa, e por isso se manteve fiel até o fim, sendo martirizado. Por que razão queriam que ele renunciasse? Naturalmente porque Santo Edmundo continuava a ter prestígio, senão a sua renúncia não adiantava de nada. É porque era difícil consolidar a conquista, enquanto não houvesse uma prova de que ele tinha renunciado. Talvez os inimigos quisessem até levá-lo a seu próprio reino para declarar aos seus súditos que ele tinha renunciado. Santo Edmundo entendeu isso e não quis renunciar, provavelmente na esperança de que seus súditos organizassem uma espécie de revolução, de guerrilha contra o ocupante para salvar a Fé. E ele regou com seu sangue essa esperança de uma restauração católica.

Devemos ser fiéis até a morte à nossa vocação

Que lindo exemplo para os governantes eclesiásticos! Sem dúvida, o sangue desse rei valeu porque, de fato, a Inglaterra acabou se cristianizando inteira e, até a época do protestantismo, ela foi uma nação católica que durante algum tempo se chamou Ilha dos Santos, tal foi o número de bem-aventurados que nesse país floresceram. Devemos pedir a Nossa Senhora que nos dê muitos homens de Estado e muitos homens de Igreja que tenham esse espírito. Porque enquanto os povos católicos, no campo temporal e, sobretudo, no espiritual, não são governados por homens dispostos a derramar seu sangue pela Santa Igreja, eles não são dirigidos por quem preste. Só governa bem quem está disposto a levar a fidelidade a seus princípios e a seu cargo até o martírio; do contrário não vale de nada. Assim como um militar que não está disposto a morrer é igual a zero, um bispo, um príncipe, um rei, um alto governante que não esteja decidido a morrer para o cumprimento de seu dever é igual a absolutamente zero. Os altos cargos exigem a alta coragem. São os cargos pequenos que podem se acomodar com o valor moral normal. Os grandes cargos requerem o grande espírito de dedicação, o grande sacrifício. Entretanto, será um cargo o que Deus concede de mais alto a um homem? O que vale mais: um cargo ou uma vocação? Não há situações em que uma vocação vale mais do que um cargo? Nós temos mais do que um alto cargo, possuímos uma alta vocação. Pensemos no exemplo desse rei para termos sempre a deliberação de sermos fiéis até a morte à nossa vocação.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/11/1970)

Grandeza régia de Nosso Senhor Jesus Cristo

A grandeza régia de Nosso Senhor Jesus Cristo reluziu em mais de um episódio de sua vida, e de um modo muito especial na Transfiguração no Monte Tabor, onde apareceu simultaneamente toda a sua majestade como Rei e, sobretudo, como Deus. O ódio despertado por Ele comprova sua grandeza, porque os medíocres não suscitam ódio. Mesmo depois de morto Cristo foi odiado, o que indica ser Ele incomparavelmente grande.

Rei dos judeus

Contudo, o fato de ser apenas muito secundariamente Rei da Casa Real de Davi, não quer dizer que isso seja indiferente, nem que se deva excluir ou olhar com pouco caso essa circunstância. Porque tudo quanto diz respeito a Ele não é indiferente, tem um grande alcance, um grande valor.

E, portanto, ainda que não seja o valor máximo, supremo, merece ser examinado a fundo. Tudo quanto sucede se insere ou na providência geral ou na especial com que Deus rege todo o universo. Mas o que diz respeito a Nosso Senhor Jesus Cristo tudo está regulado por uma providência especialíssima. Por causa disso merece toda a atenção, toda a análise a circunstância de Ele ser membro da Casa Real de Davi.

O alcance dessa circunstância, se precisasse ainda ser demonstrado, além de ter por base as razões que acabo de alegar, possui também outro motivo: o fato de a Providência ter querido que no letreiro que encimava a Santa Cruz estivesse escrito “Jesus Nazareno, Rei dos judeus”; e isso molestou os judeus, a ponto de pedirem a Pilatos que tirasse a inscrição, tendo ele respondido: “O que eu escrevi, escrevi” (Jo 19, 22). É o senso dominador dos romanos muito bem aplicado no caso concreto: “O que eu escrevi, escrevi, não tiro mais. E se vocês não gostam, engulam com farinha”.

Sempre interpretei essa resposta de Pilatos – tão bonacheirão, tão moleirão, tão indecente no que diz respeito ao seu dever de proclamar a inocência de Nosso Senhor – como um agastamento dele. Tinham-no obrigado, sob pena de ser denunciado como inimigo de César, a lavrar uma sentença que julgava injusta. E quando vieram pedir-lhe para tirar esse letreiro, ele estava agastado e, então, disse: “Não, o que eu fiz, fiz, está acabado! Pelo menos agora me deixem ser homem”. Seja como for, ficou o letreiro para sempre imortal na Cruz imortal: Nosso Senhor Jesus Cristo é o Rei dos judeus. E isso supõe, então, uma certa análise desse atributo terreno: Rei dos judeus.

Posse de um presidente dos Estados Unidos e coroação da Rainha da Inglaterra

Toda realeza existente na Terra provém, em última análise, de Deus. Porque tudo quanto existe no universo é criado por Ele.

Dante, na Divina Comédia, diz muito bem que certas criaturas são filhas de Deus, pois Ele as cria diretamente. Outras, porém, são suas netas, por serem filhas dos filhos d’Ele, mas produzidas segundo seus divinos desígnios. Assim, Deus está na origem desses seres, entre os quais se encontram as formas de governo.

Por outro lado, convém àqueles que possuem o primado na Terra e na ordem temporal representar de modo mais excelente a majestade de Deus. Por isso, em todos os lugares onde o poder monárquico tenha existido, os povos têm se aplicado em representar de modo mais excelente a grandeza do rei. Por exemplo, em nossos dias os Estados Unidos constituem a maior potência temporal da Terra; e seu presidente tem, sem dúvida, um poder sobre os acontecimentos deste mundo muito maior do que o do governo inglês e, portanto, também da Rainha da Inglaterra, que é a figura simbólica e ornamental colocada no alto dessa estrutura venerável chamada governo inglês. Mas a simbologia adotada pelo povo norte-americano para exprimir o poder do seu chefe, não se reflete nas manifestações de esplendor que cercam o chefe de Estado.

O presidente norte-americano deve parecer poderoso, grande, excelso, superior a todas as criaturas? Não. Por não se tratar de um poder hereditário e vitalício, que não está simbolicamente acima de todos os poderes, como o poder real, não se vê nele um reflexo tão direto e límpido da majestade divina, quanto na forma de governo monárquica. Esta é a razão pela qual a posse de um presidente norte-americano é um espetáculo jovial, acompanhado de manifestações de regozijo características de um magnata bem-sucedido nos seus negócios. Não próprias a um homem que está inteiramente consciente da representação divina, que de fato todo chefe de Estado possui.

Notamos muito essa diferença ao compararmos a tomada de posse de um presidente da América do Norte com a coroação da Rainha da Inglaterra. Esta se dá dentro de uma cerimônia majestosa, esplendorosa.

Formas de grandeza próprias aos reis da Terra

Em Nosso Senhor Jesus Cristo, enquanto Rei, deveria refulgir, portanto, uma majestade temporal, com todas as formas de grandeza próprias aos reis da Terra. Antes de tudo, uma grandeza de alma, de descortínio de horizontes, de pontos de vista, por onde quem está posto no píncaro da ordem temporal desvenda coisas muito mais amplas e matizadas do que aquele que está colocado em posições inferiores. A ordem temporal constitui uma hierarquia riquíssima.

No caso da monarquia, um simples trabalhador manual não é obrigado a ter, e habitualmente não possui, o descortínio e o horizonte do rei, a quem as informações mais graves, os anelos mais ardentes das várias populações chegam como os ventos no alto das montanhas. Estes não sopram nos vales com a pureza e largueza com que sopram no píncaro das montanhas. Essa largura de horizontes traz como corolário necessário a obrigação de uma virtude especial. Porque aqueles a quem a Providência deu muito, deles se exige uma retribuição especial. E, portanto, uma obrigação de ter em relação a Deus um amor, um nexo e uma humildade especiais.

Nessa humildade perante Ele, poder-se-ia dizer que a glória de Deus baixa sobre eles e neles refulge. Uma das manifestações mais tocantes disso é o fato que encerrava as festas da coroação de um Rei da França, no “Ancien Régime”. Na famosa e histórica Catedral de Reims, terminada a cerimônia, do lado de fora alinhava-se uma série interminável de doentes que padeciam de escrófula. Segundo uma tradição, o monarca recém-coroado tinha o poder, dado por Deus, de curar os escrofulosos.

Então, quando havia a coroação de um rei, os escrofulosos da França inteira – e quero crer que também de outros países da Europa – acorriam para serem curados. O monarca, em traje de coroação, saía para a praça pública onde estava essa gente colocada em leitos, em cadeiras, enfim, como era possível, e tocando um a um – na coroação de Luís XVI, se não me engano, chegaram a mil e quinhentos – dizia: “Le roi te touche, Dieu te guérisse” – O rei toca em ti, que Deus te cure.

Segundo uma antiga praxe, inabalável ao longo dos séculos, muitos saravam. Era, portanto, o poder divino que baixava através de um rei ungido por Deus e cognominado, na terminologia da Cristandade, “Rex Christianissimus” – o Rei Cristianíssimo – que era o Rei da França, intitulado “Sua Majestade Cristianíssima”, assim como o Rei da Espanha era “Sua Majestade Católica”, e o de Portugal “Sua Majestade Fidelíssima”; o Rei da Inglaterra, antes da heresia abjeta de Henrique VIII, intitulava-se “Defensor Fidei” – “Defensor da Fé”. A unção recebida na coroação era verdadeiramente um sacramental, segundo a Teologia, e o ungido do Senhor tocava e sarava, manifestando o nexo entre Deus e ele. Essas são as qualidades espirituais às quais, normalmente, deveria corresponder uma aparência física. O rei não tem obrigação de ser bonito.

Ninguém escolhe o próprio rosto. Mas, de qualquer forma, convinha que o rei tivesse, em grau eminente, a pulcritude. Por causa da sua condição, convém ao monarca uma indumentária, trajes à altura daquilo que ele deve refletir. Isso enquanto à sua pessoa. Também seu modo de reinar deve ser esplêndido como tudo quanto nele há. Eis o que caracteriza um grande rei.

Transfiguração no Tabor e Domingo de Ramos

Como ver todas essas qualidades em Nosso Senhor Jesus Cristo, que não andou pela Terra como Rei? Mesmo no Domingo de Ramos, quando Ele foi objeto de uma grande homenagem da parte do povo de Jerusalém, era aclamado como Filho de Davi, mas não houve nenhum atentado para tirar Herodes do cargo, nem algo semelhante. Ele foi aclamado como homem que tinha, entre suas glórias, a de descender de Davi. Um homem eminente, um santo, mas não era por isso que estavam restaurando-O politicamente na realeza.

Pelo contrário, era filho de um príncipe pobre como São José, que exercia a profissão de carpinteiro. Como entrar em Nosso Senhor essa grandeza e todos esses requisitos de Rei? Em alguma coisa deveria ter aparecido porque, se Ele possuía, havia de aparecer em certo momento, pois Ele veio para Se manifestar por inteiro a todos os homens.

Em mais de um episódio da vida d’Ele, essa grandeza real reluziu. Mas de um modo muito especial, intencional, na Transfiguração no Monte Tabor, onde apareceu simultaneamente toda a sua majestade como Rei e, sobretudo, como Deus. Eu falei dos trajes reais.

Quando Jesus Se transfigurou, sua veste era alva como a neve (cf. Mt 17, 2). A respeito dos lírios do campo, Ele disse que ninguém era capaz de se vestir como um deles (cf. Mt 6, 28-29). Ora, a túnica em que Ele estava envolto deveria ter sido elaborada por Nossa Senhora; nunca houve tecido igual. Imaginem como estava ela, refulgindo como a neve! Ele estava tão esplendoroso, mostrando-Se na sua verdadeira glória e deixando-a transparecer aos Apóstolos por Ele convocados para o alto do monte, que eles ficaram não só maravilhados, mas não queriam ir embora. São Pedro propõe ficar ali em cima, arranjarem tendas e não sair mais (cf. Mt 17, 4).

Em toda a História não se viu um rei que fosse objeto dessa aclamação: “Vamos ficar aqui juntos de vós, não precisamos mais do resto do mundo, ficaremos olhando para vós!” Pelo contrário, o rei é muito admirável, mas as pessoas gostariam de lhe dizer: “Senhor, dai-me cargo, dinheiro, honra… Desejo vos servir, mas quero que também vós me sirvais. Nada de ficar aqui parado só para vos olhar. Quero ser fiel, sede fiel vós também. Aliás, antes mesmo de vos ter prestado serviço, já tenho a lista dos benefícios que quero de vós.

E quando os receber, mostrarei ao povo, nas ruas da capital, para ser apreciado e admirado eu também. Isso de viver só para vos admirar não basta…” Esta é a história de todas as monarquias terrenas. Com Nosso Senhor não. Ele apareceu em sua majestade.

Reação: “Fiquemos aqui, não precisamos de mais nada!” Além da esplendorosa manifestação de sua realeza no Tabor, Ele teve também a do Domingo de Ramos à qual aludi há pouco. Embora não tenha sido saudado como Rei, é evidente que aquele povo aclamava n’Ele uma majestade pessoal, presente n’Ele, que se exprime na Ladainha do Sagrado Coração de Jesus com esta invocação magnífica: “Cor Iesu, maiestatis infinitae, miserere nobis” – Coração de Jesus, de majestade infinita, tende compaixão de nós.

Majestade de Nosso Senhor na morte, na Ressurreição…

O que quer dizer coração aqui? O culto incide sobre o Coração de carne d’Ele, símbolo da alma, do espírito, da mentalidade, dos desejos, dos propósitos, os quais eram de uma majestade infinita.

O que isso significa? Tudo quanto Nosso Senhor Jesus Cristo queria era de uma grandeza ilimitada; o que Ele inteligia possuía um descortínio sem fim; nos desígnios d’Ele, a bondade era de uma majestade infinita, como também sua justiça.

Ele deixou claro que a manifestação dessa justiça, de uma majestade infinita, estaria reservada para depois. E foi guardada para sua morte e o dia em que vier julgar os vivos e os mortos no fim do mundo, quando Ele virá na majestade de Rei e de Deus, acumuladas. A majestade da morte do Divino Redentor! Ele morreu sob o desprezo geral, compensado pela adoração indizivelmente preciosa de Nossa Senhora e, num grau respeitável, mas enormemente menor – porque tudo quanto existe, exceto Nosso Senhor, é incomparavelmente menor do que Maria Santíssima – pela adoração de São João, das santas mulheres, do bom ladrão. Iniciam-se, então, o que Bossuet – o grande Bispo de Meaux, na França, e pregador sacro dos mais eminentes – chama de “os funerais do Filho de Deus”.

Que rei teve ou terá semelhantes funerais? A terra treme, o Sol se obscurece, o véu do Templo se rasga. Com o tremor da terra, as sepulturas dos justos do Antigo Testamento se abrem e eles saem pelas ruas (cf. Mt 27, 52), exprobrando a todos os homens maus o pecado de deicídio que tinham cometido, pois era o pecado da nação inteira. Quando o povo disse: “Que o sangue d’Ele caia sobre nós e sobre nossos filhos” (Mt 27, 25), o pecado da nação foi cometido.

Então, a acusação desses pecadores se faz com essa majestade suprema. Porém, a majestade de Jesus, Nosso Senhor, se mostra também quando Ele, ressurreto, aparece a Maria Santíssima. Tenho como certo, embora não esteja dito na Sagrada Escritura, que ao ressuscitar, antes de Se manifestar a qualquer outra criatura, Ele apareceu a Ela.

Nosso Senhor rompeu a sepultura, os Anjos atiraram ao chão a pedra funerária e Ele saiu (cf. Mt 28, 1-3), e todas as cicatrizes da Paixão refulgiam como sóis! Depois, todas as aparições d’Ele se revestiram dessa nota de majestade. Por exemplo, Ele entra no local em que se encontravam reunidos os discípulos, ninguém sabe por onde (cf. Jo 20, 19). Estava com seu Corpo glorioso, as portas e janelas fechadas não adiantavam de nada, Ele as atravessava.

Que majestade entrar através de um muro que ninguém derrubou! Muitos reis na História derrubaram muralhas… Transpô-las sem as ter derrubado, só o Rei Jesus Cristo! Ele aparece tão bondoso, tão amoroso, mas incute tanto medo que as palavras d’Ele às santas mulheres são: “Não temais!” (Mt 28, 10)

…e na Ascensão

É indescritível o que deve ter aparecido de grandeza d’Ele na Ascensão! Enquanto falava, ia Se elevando lentamente.

À medida que Se aproximava do céu, não levado por Anjos, mas por sua própria força, ia ficando mais reluzente, mais majestoso! Em certo momento, desaparece. Pode-se imaginar a alegria de Maria Santíssima por ver glorificado o Filho que Ela vira tão humilhado! Mas, de outro lado, o que estava se passando n’Ela, de tristeza por causa da separação… Havia, entretanto, uma consolação. Tenho a impressão muito forte e vincada de que Deus não recusou a Nossa Senhora a graça concedida por Ele a numerosos Santos: amaram tanto o Santíssimo Sacramento que, a partir de determinado momento de suas vidas, nunca mais a Sagrada Eucaristia deixou de estar presente neles.

Comungavam, e as Sagradas Espécies ficavam no Santo até que ele comungasse novamente. Foi o caso, por exemplo, de Santo Antônio Maria Claret, fundador dos padres do Coração de Maria, no século XIX. Ele veio a ser, assim, um tabernáculo vivo de Nosso Senhor.

Tendo Nossa Senhora sido, no período de gestação, o Tabernáculo vivo do Salvador, será que Ele indo para o Céu não manteve n’Ela esta condição? Pelo menos a partir da primeira Missa, creio que jamais Nosso Senhor deixou de estar presente em sua Mãe virginal. Após a Ascensão, certamente Ela pensava: “Ele está no Céu, mas também aqui!” Os Apóstolos, por sua vez, com certeza cogitavam em celebrar já no dia seguinte e recebê-Lo, por tempo maior ou menor, em seus corações.

A presença eucarística começava, assim, a consolar a Igreja dessa longa separação de muitos mil anos, que cessará quando Ele vier no dia do Juízo Final.

Grandeza até nas piores humilhações

Pode-se imaginar grandeza régia comparável a essa? Pois bem, há mais. Que Nosso Senhor fosse adorado no seu esplendor, está explicado. Mas não é só isso. Os inimigos d’Ele, querendo achincalhá-Lo, sujeitaram-No às humilhações da Paixão. De ponta a ponta, Ele bebeu inteira a taça de todas as dores e vexações possíveis.

Os algozes não supunham que ao longo dos séculos começaria uma adoração de cada humilhação sofrida por Ele, e que diante de imagens representando-O sentado com a coroa de espinhos, o manto de irrisão e a vara de cretino na mão, os maiores sábios se ajoelhariam e chorariam de emoção.

Os reis mais poderosos tomariam por elogio exagerado serem comparados, de longe, a esse Rei sentado naquele trono dos bobos. Aquele Homem dignificaria de tal maneira a Cruz na qual fora cravado que, no alto de todas as coroas das nações católicas, a cruz seria o sinal da glória. Quer dizer, ninguém foi, nem de longe, tão grande quanto Ele, considerado não só nas horas de glória, mas nas de pior humilhação. Aliás, mesmo nessas horas, Ele deu sinais de poder incríveis como, por exemplo, ao bom ladrão, a quem o Divino Crucificado canonizou no alto do Calvário, com esta promessa pronunciada por quem é Rei do Céu e da Terra: “Hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23, 43).

Notem! A promessa não é a seguinte: “Hoje estarás no Paraíso”. Jesus sabia que se não dissesse que estaria com Ele a promessa não seria completa, pois um Paraíso onde não estivesse Ele não seria Paraíso. Que realeza!

O maior ódio da História até o fim dos séculos

Certa ocasião, um historiador francês cético fez esse comentário: Os historiadores costumam passar por cima da figura de Nosso Senhor Jesus Cristo. Eu lhes pergunto quem é o homem que tenha, ao longo da História, conseguido que tantos outros se pusessem de joelhos com tanta humildade, e se considerado honrados por terem se ajoelhado diante de sua figura? Se depois disso ele não é digno de entrar na História, o que faz a História? Esses compêndios de História usados nos colégios, mesmo em universidades, tratam de toda espécie de coisas, d’Ele não falam.

Ora, Nosso Senhor é o centro da História. E se Ele não foi grande, quem o foi? Alguém poderia objetar: “Dr. Plinio, levado pelo seu entusiasmo, o senhor está ladeando o problema. Está provado que César, Carlos Magno, Napoleão existiram, mas quem provou que Jesus existiu?” Ora, é a existência histórica mais certa que há! Porque todas as razões pelas quais nós acreditamos que César existiu, nos levam a crer que Jesus Cristo existiu.

Um cretino, certa vez, me perguntou: “Onde estão os originais dos Evangelhos?” A resposta possível era: A Causa Católica estaria muito mal servida se o fosse por você! Porque se houvesse em algum lugar uma pilha de pergaminhos com os originais dos quatro Evangelhos, quem nos garantiria serem, de fato, os originais? Não provariam nada! Poderiam ser um muito bom objeto de culto, de investigação histórica, um documento antigo; prova, não. Seria preciso provar que aquelas provas eram provas. Agora, eu pergunto: onde estão os originais das Catilinárias de Cícero? Não obstante, quem põe em dúvida que Cícero existiu e que é o autor daquelas Catilinárias? Ninguém, por uma série de razões históricas.

Estas existem no caso de Nosso Senhor com superabundância. Pode ser razão de grandeza o ódio que alguém despertou? Sim, porque os medíocres não despertam ódio.

Para ser odiado como Nosso Senhor o foi, até depois de morto, há uma forma de grandeza régia. Até nisso Ele foi e é incomparavelmente grande. Ele será odiado com o maior ódio da História até o fim dos séculos. Quando o Anticristo vier, será uma espécie de personificação do ódio contra Ele. Também a vitória d’Ele sobre o Anticristo será alcançada de um modo que nunca nenhum rei teve: com o sopro da boca Ele o liquida (cf. 2Ts 2, 8). Não é nem sequer o tato de um peteleco, é um sopro da boca! Reduzido a pó, acabou a História, começa o julgamento!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 3/9/1986)

Nossa Senhora no templo de Jerusalém

No dia 21 de novembro a Igreja celebra um dos mais significativos momentos da vida de Nossa Senhora: sua Apresentação no Templo, quando Ela contava apenas três anos de idade. Segundo a tradição, ali a menina permaneceria num contínuo exercício de união com Deus, até a hora de sair para cumprir a augusta missão a que fora predestinada: conceber e trazer ao mundo o Divino Redentor.

Na conferência a seguir transcrita, tece Dr. Plinio piedosas considerações acerca de tão importante data mariana.

Nesta festa da Apresentação de Nossa Senhora, gostaria de comentar algumas reflexões de São Francisco de Sales a tal respeito, publicadas no livro “Os mais belos textos sobre a Virgem”. Assim se exprime o Doutor Suavíssimo:

“É ato de admirável simplicidade o desta gloriosa criança que, presa ao regaço de sua mãe, agia como as outras crianças de sua idade, embora falasse já com sabedoria. Ela ficou como um suave cordeiro junto a Santa Ana pelo espaço de três anos, após os quais foi conduzida ao Templo, para ali ser ofertada como Samuel, que também foi conduzido ao Templo por sua mãe e dedicado ao Senhor na mesma idade.”

“Ó meu Deus, como desejaria poder representar vivamente a consolação e suavidade dessa viagem, desde a casa de Joaquim até o Templo de Jerusalém! Que contentamento demonstrava essa criança vendo chegar a hora que tanto desejara!”

“Os que iam ao Templo, para adorar e oferecer presentes à Divina Majestade, cantavam ao longo da viagem. E, para essas ocasiões, o real profeta David compusera expressamente um salmo, que a Santa Igreja nos faz repetir todos os dias no Ofício Divino. Ele começa pelas palavras: ‘Beati inmaculati in via’. Bem-aventurados são aqueles, Senhor, que na tua via (ou seja, na observância dos Mandamentos) caminham sem mácula, sem mancha de pecado.”

“Os bem-aventurados São Joaquim e Santa Ana cantavam então esse cântico ao longo do caminho, e com eles, nossa gloriosa Senhora e Rainha.”

“Oh Deus, que melodia! Como Ela a entoava mil vezes mais graciosamente que os Anjos! Por isso ficaram estes de tal forma admirados que, aos grupos, vinham escutar essa celeste harmonia. E os Céus, abertos, inclinavam-se nos alpendres da Jerusalém celeste para olhar e admirar essa amabilíssima criança.”

“Eu quis vos dizer isso, embora rapidamente, para que tenhais com que vos entreter o resto desse dia considerando a suavidade dessa Virgem. Também para que fiqueis comovidos escutando esse cântico divino que nossa gloriosa Princesa entoa tão melodicamente. E isso com os ouvidos de nossa devoção, porque o muito feliz São Bernardo diz que a devoção é o ouvido da alma.”

Admiráveis contrastes numa criança imaculada

O fundamento teológico desse trecho de São Francisco de Sales — em que, aliás, transparece toda a doçura e todo o suco dos escritos dele — é a Imaculada Conceição de Nossa Senhora.

Ela, concebida sem pecado original, desde o primeiro instante de seu ser foi isenta de todas as limitações decorrentes da mancha que herdamos de Adão. Entre essas carências está o fato de o homem nascer sem o uso da sua inteligência, o que só ocorre mais tarde, à medida que ele cresce e se desenvolve. Em Nossa Senhora, porém, essa regra não se verificou. É sentença corrente na Teologia que Ela, tão logo foi concebida, teve imediato uso da sua inteligência, naturalmente altíssima.

Esse singular privilégio fazia com que, uma vez vinda ao mundo, se reunissem na excelsa menina aspectos admiráveis e aparentemente contraditórios. De um lado, possuía Ela, já naqueles primeiros passos de sua existência, uma capacidade de contemplação que sobrepujava a dos maiores Santos da Igreja. Mas, de outro, Ela mantinha uma postura de criança, não exteriorizando a perfeição de sua alma. Desejava assim, por humildade, viver como uma menina comum, de maneira tal que, quem tratasse com a pequena Maria, teria a impressão de estar em contato com uma criança igual a todas — exceto por alguma expressão de olhar ou palavra d’Ela.

Tal o Filho, tal a Mãe

O mesmo se deu com Nosso Senhor Jesus Cristo, que queria ser nutrido, protegido e custodiado como uma criança comum, embora Ele fosse Deus, soberano Senhor e Rei do Céu e da Terra.

Quem poderá imaginar, então, na vida quotidiana de Nossa Senhora e São José, o momento em que era preciso aleitar o Menino-Deus? Ou em que era necessário trocar suas roupinhas, e um dos dois O toma nos braços, reclina-O com todo o carinho sobre uma mesa e começa a vesti-Lo? Sabendo que, unida à natureza humana daquela criancinha que Lhe sorri, daquele menino que tudo entende, mas parece nada entender, está a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, constantemente imersa nas alegrias, nas grandezas, na majestade e nos esplendores divinos!

Quem poderá imaginar a admiração e o aturdimento que tais contrastes despertavam em São José e em Nossa Senhora!?

Pois bem, algo disso se dava igualmente com São Joaquim e Santa Ana, em relação à sua filha imaculada. Ainda que não tivessem conhecimento de que Ela estava predestinada a ser a Mãe do Deus Humanado, certamente compreendiam ser uma menina destinada a altíssima vocação em vista do Messias. Menina que, por vontade própria, levava a vida de uma criancinha como as outras. Simples, cheia de bondade e acessibilidade, deixando que os parentes a tomassem no colo, ou, assim que o foi capaz de fazer, servindo às visitas e dispensando pequenas atenções a todos. Ela, Rainha incomparável, Soberana do Universo!

Cantando, a caminho do Templo

Nessas condições, aos três anos de idade foi Nossa Senhora levada ao Templo por seus pais. E, como já afirmamos, no caminho iam entoando cânticos e salmos compostos pelo Rei David, obedecendo ao lindo costume dos judeus daquela época.

Como se sabe, embora houvesse espalhadas pela Judeia inúmeras sinagogas onde eles se reuniam para rezar e promover certos cultos, o Templo era um só, o de Jerusalém. E os fiéis de todo o território judaico, e também os da Diáspora, dispersos pelo mundo, iam periodicamente a Jerusalém para participar do sacrifício do Templo. E para externar a alegria de se dirigir até o lugar onde se manifestavam a glória e as consolações de Deus, ao lugar que representava o vínculo entre o Céu e a terra, era bonito que eles fossem cantando. Como, aliás, tantas vezes acontece em romarias católicas, nas quais o povo intercala seguidamente preces e hinos religiosos.

Compraz-nos imaginar os caminhos que conduziam à Cidade da Paz, nas épocas de visita ao Templo, repletos de judeus chegados de todos os lados, enchendo com seus cânticos os ares da terra judaica. Numa dessas ocasiões encontravam-se entre eles São Joaquim, Santa Ana e a pequena Maria. Sem dúvida, haveria de ser belo o cântico da menina, entoado com uma voz inefável, repetindo o salmo que David, por inspiração do Espírito Santo, compusera para tais circunstâncias:

“Bem-aventurados os que se conservam sem mácula no caminho, os que andam na lei do Senhor. / Bem-aventurados os que estudam os seus testemunhos, os que de todo o coração O buscam.”(Salmo 108)

É interessante notar que, com extraordinária finura de tato, São Francisco de Sales não comenta a impressão que o canto de Nossa Senhora produziria nas pessoas ao redor d’Ela. E isto porque, como a Santíssima Virgem não deixava transparecer sua grandeza, era possível que Ela não cantasse com toda a perfeição que estava a seu alcance. Na realidade, uma música cantada por Nossa Senhora, sem as limitações intencionais impostas por Ela, teria de ser o cântico!Antes e depois de Maria Virgem, excetuando Nosso Senhor Jesus Cristo, ninguém cantou nem igual a Ela.

Mas, se não era dado aos homens compreender a excelência das melodias entoadas por Nossa Senhora, diz São Francisco de Sales que os Anjos a conheciam, e por isso se punham a ouvir, extasiados, as harmonias de alma com que Ela cantava. E São Francisco vai mais longe: compara o Céu a uma cidade, a Jerusalém celeste, em cujos alpendres e terraços os Anjos se debruçavam para contemplar Maria Santíssima cantando pelos caminhos da Judeia. E essa visão os enchia de um gáudio inexprimível.

Já nos primeiros passos de sua existência, Maria possuía uma capacidade de contemplação superior à dos maiores Santos da Igreja (Nossa Senhora menina, por Zurbarán)

Ápice da história do Templo

A meu ver, pensamento mais apropriado e mais bonito do que esse, só mesmo o que nos sugere a entrada de Nossa Senhora no Templo de Jerusalém, o lugar mais abençoado da terra, envolto em grandeza e majestade sacrais, e ainda habitado pela glória do Pai Eterno.

Podemos imaginar o estremecimento de alegria de todos os Anjos que pairavam no Templo, ao verem Nossa Senhora entrando pela primeira vez na Casa do Altíssimo, como uma Rainha entra naquilo que lhe é próprio; como uma joia posta no escrínio onde deve ser guardada!

Os espíritos celestiais deviam saber, por revelação de Deus, ser aquele o momento em que a grande história e, ao mesmo tempo, a grande tragédia do Templo iam se iniciar. A história: em breve, o próprio Filho de Deus, nascido de Maria Imaculada, entraria por aquelas sagradas paredes. A tragédia: o Templo ia recusar o Messias. E o fim dessa história e dessa tragédia seriam — no magnífico dizer de um autor eclesiástico (Bossuet) — as pompas fúnebres de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ou seja, assim que Ele expirou, o Pai Eterno começou a preparar suas exéquias: o céu se obscureceu, o sol se toldou, a terra e o Templo tremeram!

No caso deste último, tenho a impressão de que os Anjos receberam ordem divina de abandoná-lo ao poder dos demônios, e que estes fizeram ali uma espécie de festa sacrílega, à maneira de cem mil gatos selvagens soltos naquele local, praticando abominações de toda ordem e fazendo estremecerem as colunas do outrora edifício sagrado.

Mas, apesar de tudo, o Templo conheceu sua plenitude quando Maria atravessou uma vez mais aqueles pórticos — que abandonara para se unir a São José — trazendo em seus braços o Menino Jesus, o Esperado das nações. Mãe e Filho foram recebidos por Ana e Simeão, representantes da fidelidade, os quais reconheceram Jesus como o enviado por Deus. Estava fechado o elo entre os justos da Antiga Lei e a promessa que se cumpria. Era o ápice da história do Templo de Jerusalém.

Ora, o primeiro passo para esse auge foi realizado naquele momento em que Nossa Senhora, menina de três anos, apresentou-se no Templo com seus pais. Quem poderá descrever o que devem ter sentido nessa hora os Simeões e as Anas ali presentes? E as graças, as fulgurações do Espírito Santo que se espargiram pelo Templo nessa ocasião?

Sigamos, porém, o conselho do suavíssimo São Francisco de Sales: conservemos todas essas cogitações em nossa alma, e, tanto quanto possível, pensemos nelas serena e alegremente. Máxime nestes tempos agitados em que vivemos. Nada mais recomendável do que, ao cabo de um dia de faina, nos distendermos na consideração desses fatos: Nossa Senhora, São Joaquim e Santa Ana a caminho do Templo, cantando pelas estradas da Judeia, enquanto nos alpendres da Jerusalém Celeste os mais altos Anjos se debruçam, embevecidos com a alma daquela menina.

Plinio Corrêa de Oliveira

A arte de subir e descer escadas

Sem exagero poder-se-ia dizer que em Dr. Plinio a observação do mais profundo, expresso na realidade dos edifícios, ambientes e atitudes humanas, enquanto reflexo de qualidades ou carências da alma, era uma segunda natureza. Assim, numa exposição verbal, discorreu ele sobre o papel das escadas e das formas pelas quais, ao subir e descê-las, o homem manifesta sua dignidade de filho de Deus.

 

Em ocasião anterior consideramos como o subir e também o descer escadas constitui, no seu gênero, uma arte. De fato, tanto quanto as circunstâncias permitirem, o homem deve ter o pudor de suas próprias misérias, velá-las, por respeito a si mesmo e aos outros.

Demonstração de apreço pela virtude

Emprego a palavra “pudor”, não no sentido da castidade preceituada pelos sexto e nono Mandamentos, e sim no de frisar que tais misérias são castigo de um pecado cometido por nossos ancestrais no Paraíso terrestre e todos nós carregamos o ferrete daquela queda. As debilidades são, portanto, reflexos da mancha original à qual o homem acrescentou suas próprias faltas.

Assim, o homem procura disfarçar suas lacunas como homenagem prestada à virtude. E o “maintien”(1), exigindo um esforço dele sobre si, é um preito de seus lados fracos àquilo que ele teria sido se não fosse o pecado. De sua parte, essa é uma atitude bela e nobre.

Cenário para o exercício de uma arte

Então, a escada precisa ser construída de maneira a servir de cenário digno, distinto, mesmo numa habitação modesta, para que o homem possa exercer a arte de subir ou descer. Se falarmos não de uma casa comum, mas de um palácio, neste deve haver uma glorificação dessa arte, pois muito mais do que a moradia do conforto, ele é a residência do esplendor, cuja definição adequada é esta: habitação proporcionada com a glória. Assim, com sua escadaria, o palácio deve dar às pessoas a possibilidade de descê-la e subi-la brilhantemente.

E aqui caberia perguntar o que é mais glorioso: subir ou descer?

Em tese, é o subir. Por exemplo, à medida que se eleva até o zênite, o sol patenteia de modo crescente a sua glória. Pelo contrário, passa a velá-la, conforme se põe e se deixa envolver paulatinamente nos crepes da noite.

Porém, nossas operações são feitas na presença de Deus e dos homens. Diante do Criador, o mais glorioso, de si, é subir uma escada. Entretanto, aos olhos dos homens, é o descer.

Explico. A pessoa que sobe é vista de cima para baixo por quem está no andar superior; e aquele que desce é observado de baixo para cima por quem se encontra no plano inferior. E, portanto, mostra-se melhor a própria glória a quem está embaixo do que àquele situado no alto.

Diversos modos de se descer uma escada

Como se deve descer com honra uma escada?

Antes de tudo, não se pode ser “mega”(2). Quer dizer, a pessoa precisa descê-la com glória, quando a esta tem direito; com distinção, quando se encontra numa situação ou é pessoa distinta; com correção, pelo simples fato de ser uma criatura humana, porque todo homem tem obrigação de ser correto.

Sumamente incorreto é dar a impressão de que perdeu o auto-controle e cairá. Portanto, se alguém tiver agilidade de descer uma escada depressa, saltando de dois em dois degraus, não deve fazê-lo, pois dará impressão de uma avalanche desmoronando.

Como a lei da gravidade nos atrai para baixo, o homem precipitando-se desenfreadamente nessa direção transmite a ideia de alguém vencido por aquela lei, entregue, derrotado, como um destroço que rola. Por isso, se houver necessidade de ele descer uma escada com rapidez, deve procurar manter a correção, portando-se de maneira a demonstrar claramente que, apesar da pressa, conserva inteiro domínio de si. Portanto, sua cabeça e seu tronco têm de estar tesos e eretos. Se não observar essa postura, descerá de modo vil.

Ora, nenhum homem tem o direito de fazer uma coisa de forma desprezível. Pelo fato de ser criatura racional, está obrigado a agir com correção, é uma exigência da dignidade humana.

Quando uma pessoa se acha numa situação de distinção, pela sua idade, pelo seu cargo ou outras circunstâncias, deve descer a escada, não muito devagar, mas compassadamente, a fim de permitir aos que estão embaixo perceberem todas as fases da operação: o avançar dos pés, a posição do tronco, da cabeça, etc. Além disso, precisa fazê-lo de modo desembaraçado, dando a ideia de estar posto em cogitações elevadas, sem prestar atenção nos degraus como se receasse cair.

Um acontecimento…

Assumindo essa postura, à medida que vai descendo, a pessoa faz sentir cada vez mais sua ação de presença. Esta se torna plena quando ela atinge os últimos degraus, e se percebe que não chegou apenas um corpo — como um pacote de carne e ossos — mas também uma alma.

Os antigos, tendo melhor noção desses aspectos da vida, faziam com que os grandes personagens, conforme a indumentária própria ao homem ou à mulher, usassem cauda. Por exemplo, os bispos e altos dignitários de Estado (como reis e príncipes) tinham capa magna, a qual era levada por pessoas distintas ou simples pajens, de acordo com a situação.

Ao descer uma escada, a cauda formava-lhe um fundo de quadro, e à medida que baixava, o tecido ia se desdobrando; ao tocar o solo, estava todo estendido. Aquela descida de escada tinha sido um acontecimento…

No subir, afabilidade e deferência

Por seu lado, o subir uma escada de maneira correta requer igualmente determinadas disposições de corpo e espírito.

Assim, o que sobe precisa fitar quem se acha em cima, de um modo afável, atencioso, conforme o caso respeitoso, como se já estivesse perto dele. De certa forma, sua alma tem de anteceder seu corpo, impressão esta que ele transmitirá se, ao pisar o primeiro degrau, depositar desde logo o olhar naquele que o aguarda no alto.

Em seguida, empreender a ascensão sem precipitações, evitando qualquer manifestação de cansaço, de peso, às vezes esboçando um sorriso. Ao atingir os últimos degraus e se aproximar de quem o espera, deve dirigir-lhe a palavra, de tal maneira que o outro não perceba a distância entre os dois, e em todo momento se sinta igualado ou até mesmo superado.

São estas algumas atitudes e posturas pelas quais o homem, observando-as no ato de subir e descer escadas, é capaz de conservar sua dignidade de ente racional, criado à imagem e semelhança de Deus.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

1) Postura correta

2) A partir do termo “megalomania” Dr. Plinio criou a palavra “megalice”, a fim de designar o vício de quem atribui a si mesmo qualidades que não possui ou então as exagera. E empregava o vocábulo “mega” para significar o indivíduo que se deixa arrastar por esse defeito.

Encontro da esperança com a realidade

A festa da Apresentação de Nossa Senhora tem uma beleza especial. Maria Santíssima, a raiz de Jessé da qual haveria de nascer o Messias, é apresentada no Templo, a instituição incumbida de guardar a Promessa. Recebendo Aquela que representa o primeiro passo rumo à realização da Promessa, houve no Templo o encontro da esperança com a realidade.

Nossa Senhora consagra ao serviço de Deus sua alma insondavelmente santa, fazendo penetrar no Templo a luz incomparável de sua santidade. Começa, então, a preparação d’Aquela que viria a ser a Mãe do Salvador.

Nesta comemoração, devemos apresentar nossas pessoas à Santíssima Virgem para que Ela se digne aceitar e assumir a tarefa da nossa santificação, como foi feito pelo Espírito Santo com Ela, no Templo de Jerusalém.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/11/1965)

Cantando pelos caminhos da Judeia

Caminhando em direção ao Templo, Nossa Senhora cantava hinos de louvor a Deus. Dos terraços da Jerusalém celeste, os Anjos se debruçavam para vê-La e ouvir seus cânticos. Tudo isso é muito bonito. Contudo, mais belo ainda deve ter sido o momento em que Maria Santíssima entrou no Templo.

Em 21 de novembro se comemora a festa da Apresentação de Nossa Senhora. No livro do Padre Régamey, “Les plus beaux textes sur la Vierge Marie”, encontramos as seguintes reflexões de São Francisco de Sales:

Nossa Senhora cantava mil vezes mais graciosamente que os Anjos

É um ato de admirável simplicidade o desta gloriosa criança que, presa ao regaço de sua mãe, não deixa, entretanto, de se relacionar com a Divina Majestade. Ela se absteve de falar até o momento apropriado e, mesmo assim, não o fazia senão como as outras crianças de sua idade, embora falasse sempre com sabedoria.

Ela permaneceu como um suave cordeiro junto a Santa Ana pelo espaço de três anos, após os quais foi conduzida ao Templo para aí ser ofertada como Samuel, que também foi levado ao Templo por sua mãe e dedicado ao Senhor na mesma idade.

Ó meu Deus, como desejaria poder representar vivamente a consolação e suavidade dessa viagem, desde a casa de Joaquim até o Templo de Jerusalém! Que contentamento demonstrava essa criança, vendo chegar a hora que Ela tanto desejara!

Os que iam ao Templo para adorar e oferecer seus presentes à Divina Majestade cantavam ao longo da viagem. E para isso o real profeta Davi compusera expressamente um salmo, que a Santa Igreja nos faz repetir todos os dias no Ofício Divino. Ele começa pelas palavras: “Beati immaculati in via” – “Bem-aventurados são aqueles, Senhor, que caminham na tua via sem mácula” (Sl 118, 1), sem mancha de pecado, “in via”, ou seja, na observância dos teus Mandamentos.

Os bem-aventurados São Joaquim e Santa Ana entoavam então esse cântico ao logo do caminho, e nossa gloriosa Senhora e Rainha com eles.

Ó Deus, que melodia! Como Ela entoava mil vezes mais graciosamente que os Anjos! Por isso ficaram eles de tal forma admirados que, aos grupos, vinham escutar essa celeste harmonia e, os Céus abertos, inclinavam-se nos alpendres da Jerusalém celeste para olhar e admirar essa amabilíssima menina.

Eu quis vos dizer isso, embora rapidamente, para que tenhais com que vos entreter o resto desse dia considerando a suavidade dessa viagem. Também para que fiqueis comovidos ao ouvir esse cântico divino que nossa gloriosa Princesa entoa tão melodicamente. E isso com os ouvidos de vossa devoção, porque o muito feliz São Bernardo diz que a devoção é o ouvido da alma.

Por humildade, Ela vivia como uma criança comum

O fundamento teológico de tudo quanto está dito aqui é a Imaculada Conceição de Nossa Senhora.

Como a Santíssima Virgem, desde o primeiro instante de seu ser, foi imaculada, Ela não tinha as limitações inerentes ao pecado original. E entre essas limitações está o fato de a pessoa nascer sem uso da sua inteligência. A pessoa nasce inteligente, mas sem o uso da sua inteligência. Esse uso só vem mais tarde com o desenvolvimento do corpo. Com Nossa Senhora não. Ela teve, desde o seu primeiro instante, o uso da sua inteligência que era, naturalmente, altíssima.

De maneira que n’Ela se reuniam, num contraste admirável, o que em Nosso Senhor toma uma sublimidade que chega a ser sublimemente desconcertante. Reuniam-se na infância d’Ela, como na de Nosso Senhor, aspectos aparentemente contraditórios. De um lado, Maria Santíssima possuía uma contemplação superior à dos maiores Santos da Igreja, quando estava ainda nos primeiros passos de sua vida. Mas, de outro lado, Ela mantinha toda a atitude de uma criança. E não fazia uso externo disso, querendo, por humildade, viver como uma criança qualquer.

De maneira tal que quem tratasse com Ela, a não ser por alguma expressão de olhar ou algo assim, teria a sensação de estar tratando com uma verdadeira criança comum, igual às outras. É como Nosso Senhor Jesus Cristo, em Menino, que queria ser nutrido, guardado, pajeado como uma criança. Embora fosse Deus, soberano Senhor e Rei do Céu e da Terra, em todas as suas manifestações externas era como uma criança.

Já imaginaram como seria, na vida quotidiana de São José e de Nossa Senhora, a hora em que era preciso dar leite ou trocar de roupas a Deus? Pegá-Lo, colocá-Lo sobre uma mesa e vesti-Lo com uma roupinha, sabendo, como sabiam, que ali estava a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, com a natureza divina hipostaticamente unida à natureza humana? Portanto, naquela criancinha que sorria estavam reunidos todos os esplendores das alegrias, da majestade e da grandeza da divindade! Quer dizer, o que isso representava era de aturdir!

A meu ver, algo disso se dava também com São Joaquim e Santa Ana. Não sei se eles sabiam que Nossa Senhora seria a Mãe do Verbo Encarnado. Mas certamente pressentiam que era uma menina designada a altíssimas coisas com ordem ao Messias. Então essa Menina ali presente, levava toda a vida de uma criancinha, mas tendo em si a contemplação magnífica de um grande Doutor da Igreja.

Então, nós compreendemos como se ajustam esses aspectos da benignidade extrema, afabilidade, acessibilidade de Nossa Senhora, com uma grandeza da qual os maiores homens da Terra não são senão uma minúscula figura.

Local onde se manifestavam a glória e as consolações de Deus

Por que isso? Porque Maria Santíssima quis que as coisas fossem assim: Rainha incomparável, era Ela, ao mesmo tempo, Menina simplicíssima; tão simples que a sua vida externa era a de qualquer criança. O que, aliás, Santa Teresinha, num trecho a respeito do modo de fazer sermões sobre Nossa Senhora, comenta muito bem dizendo que ela gostaria de realizar uma pregação à maneira dela, e mostrar na Santíssima Virgem todo esse lado de bondade, de simplicidade, de acessibilidade, a ponto de ser uma criancinha que os parentes punham no colo. Possivelmente, logo que foi capaz de servir um pouco as pessoas, Ela as servia. Trazia água, fazia uma pequena atenção, etc., e era a Rainha do Céu e da Terra.

Esses contrastes harmônicos têm uma tal beleza em si mesmos, que até corremos o risco de desdourá-los tratando deles por demais longamente. Há neles qualquer coisa de insondável, diante do que é melhor manter silêncio.

Ora, nessas condições e, segundo uma tradição muito generalizada, aos três anos de idade, Nossa Senhora foi levada ao Templo. E no caminho para Jerusalém, como os judeus costumavam fazer, Ela ia cantando. É lindíssimo!

Como sabemos, o único Templo ficava em Jerusalém, na Judeia. Havia sinagogas onde o povo se reunia para rezar determinadas orações, ouvir as leituras e comentários das Sagradas Escrituras, mas o Templo onde se realizavam os sacrifícios era só aquele. E os judeus de todo o território de Israel, como também os dispersos pelo mundo inteiro, vinham periodicamente a Jerusalém para participar dos sacrifícios do Templo.

Era uma alegria ir aonde se manifestavam a glória e as consolações de Deus, o vínculo entre o Céu e a Terra. Então, era bonito que eles fossem cantando. Aliás, como tantas vezes acontece em romarias, ao menos como se realizavam antigamente.

É preciso dizer também que os métodos de locomoção modernos conspiram contra o canto. Não se pode imaginar, num subúrbio da Central do Brasil, um trem partindo para Aparecida a todo “galope” e as pessoas cantando dentro dele. Como é mais bonito ir a pé, pousando de quando em quando, parando, cantando, tocando para a frente! Isso tem outra plenitude humana, outra harmonia natural!

Podemos imaginar que beleza, quando chegava o mês da visita ao Templo de Jerusalém, os judeus irem cantando e a nação judaica se encher, nos seus caminhos, de cânticos de todos os lados! Então, São Francisco de Sales conjetura a Santíssima Menina Maria cantando com uma voz inefável, com São Joaquim e Santa Ana, o cântico que Davi, por inspiração do Espírito Santo, compôs para essa circunstância.

Alegria dos Anjos quando a Santíssima Virgem entrou no Templo pela primeira vez

Notem como São Francisco de Sales, com uma finura de tato extraordinária, não se refere à impressão que esse canto produziria nas pessoas. Porque, precisamente como Nossa Senhora não manifestava a sua grandeza, era possível que Ela não entoasse com toda a perfeição com que sabia cantar. Ora, o cântico da Santíssima Virgem deveria ser o cântico por excelência! Nunca, nem antes nem depois, ninguém cantou como Ela, exceção feita de Nosso Senhor Jesus Cristo. O Redentor também cantou, e depois disso, nenhum cântico foi cântico.

É bonito imaginar também outra coisa: Nossa Senhora cantando e os Anjos ouvindo as harmonias de alma com que Ela cantava. E essas harmonias os extasiavam.

Como se costuma comparar o Céu à cidade de Jerusalém, São Francisco de Sales diz que dos alpendres ou dos terraços da Jerusalém celeste os Anjos se debruçavam para ver Nossa Senhora cantando pelos caminhos da Judeia, o que para eles era um gáudio inexprimível, embora os homens ignorassem aquelas harmonias de alma.

Confesso que não conheço pensamento mais bonito nem mais apropriado para essa circunstância do que esse. Contudo, mais belo ainda deve ter sido o momento em que Maria Santíssima entrou no Templo.

O Templo de Jerusalém na sua grandeza, na sua majestade sacral, ainda habitado pela glória do Padre Eterno, onde se realizavam os sacrifícios, o lugar mais sagrado da Terra! Imaginem o estremecimento de alegria de todos os Anjos que pairavam no Templo, no momento em que Nossa Senhora ali entrava pela primeira vez, como uma Rainha naquilo que lhe é próprio, como a joia entra no escrínio onde deve ser guardada!

Tanto mais se aos Anjos foi dado a conhecer que a grande glória e a imensa tragédia do Templo estavam por se realizar. Qual era a glória? O Messias iria entrar no Templo. Qual a tragédia? O Templo iria recusar o Messias. Tragédia cujo final seria aquilo que Bossuet chama magnificamente de “as pompas fúnebres do Filho de Deus”, quando ele diz que, logo após Nosso Senhor Jesus Cristo expirar, o Padre Eterno começou a preparar os funerais d’Ele: o céu se obscureceu, o Sol se toldou, a terra tremeu, o véu do Templo se rasgou. O recinto outrora sagrado ficou entregue aos demônios que fizeram ali uma espécie de sabá, à maneira de cem mil gatos selvagens soltos ali dentro.

Não obstante, o Templo conheceu sua plenitude na célebre vinda de Nossa Senhora e São José, quando trouxeram o Menino Jesus, e Ana e Simeão, que representavam a fidelidade, receberam a Sagrada Família. Então os fiéis reconheceram o Enviado e se fechou o elo entre os justos da Antiga Lei e a promessa que se cumpria.

Pois bem, a Santíssima Virgem, entrando no Templo de Jerusalém no momento de sua Apresentação, realizava o primeiro passo nessa plenitude da história desse lugar sagrado.

O que os “Simeãos” e as “Anas” lá existentes devem ter sentido nessa hora, que graças, que fulgurações do Espírito Santo devem ter havido no Templo nessa ocasião, ninguém poderá dizê-lo, a não ser no fim do mundo. Mas sigamos o conselho do suavíssimo São Francisco de Sales e fiquemos com todas essas recordações em nossas almas, pensemos nelas, suave e alegremente, tanto quanto possível: Nossa Senhora cantando pelos caminhos, entrando no Templo de Jerusalém e, dos alpendres da Jerusalém celeste, os mais altos Anjos embevecidos com a alma dessa Menina. É uma meditação muito adequada para o dia da Apresentação de Nossa Senhora.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 21/11/1965)

Santo Odon, a formação de elites e o amor aos pobres

A Idade Média, com suas catedrais, castelos, universidades e outras instituições, causa admiração até entre os não católicos. O espírito dessa época histórica nasceu de Cluny, uma pujante Abadia que teve Santo Odon como primeiro abade. Graças à sabedoria deste grande santo, Cluny pôde influenciar toda a Europa.

No dia 18 de novembro comemora-se a festa de Santo Odon. Na “Vida dos Santos”, de Omer Englebert, encontramos a seguinte síntese biográfica deste santo abade de Cluny:

Graças a Santo Odon, a influência de Cluny espargiu-se por toda a Cristandade

Odon era filho de fidalgos que viviam na Alsácia, os quais atribuíam seu nascimento à intercessão milagrosa de São Martinho. Foi mandado ainda criança para a corte de Fulk, o Bom, Conde de Anjou, e mais tarde passou para a de Guilherme, Duque de Aquitânia. Aos 16 anos foi acometido de dores de cabeça, que só foram curadas quando o jovem ingressou no cabido de São Martinho, em Tours. Dedicou-se durante vários anos ao estudo dos clássicos e dos Santos Padres, seguindo em Paris, em 901, os cursos de Filosofia de Remígio de Auxèrre. Aplicou-se também profundamente ao estudo da Poesia e da Música, as quais cultivou durante toda a vida. Após ter sido cantor do cabido e de ter escrito várias obras, Odon ingressou no mosteiro beneditino de Baume-les-Messieurs, na Borgonha, mudando depois para Cluny, quando da fundação desse mosteiro, onde foi nomeado abade. As escolas que ele criou em Cluny atraíram em breve tudo quanto havia de mais nobre no Ocidente. Era costume dizer-se que um príncipe, no palácio de seu pai, não recebia educação mais apurada que os alunos de Cluny. Graças ao santo abade, a influência da abadia espalhou-se por toda a Cristandade. Os Papas a ele recorriam em suas dificuldades, e os príncipes chamavam-no para reformar os mosteiros em seus estados.

Nas cortes de Fulk, o Bom, e de Guilherme da Aquitânia

Tudo nessa biografia é digno de nota. É muito bonito observarmos, primeiramente, a nomenclatura dos personagens e lugares envolvidos nessa narração.

Por exemplo, os nobres a quem ele foi mandado para servir, quando ainda menino. Conde Fulk, o Bom: representa de tal maneira o conde medieval, em seu castelo, bom homem, ao mesmo tempo amável, gentil, mas valente no combate, que realmente chama a atenção. Dá-nos a impressão de uma figura de vitral.

Aliás, é preciso dizer que a palavra “bom” não tinha apenas o sentido que se costuma dar-lhe hoje. Não se tratava, portanto, apenas de uma pessoa caridosa, amável, mas de alguém capaz de cumprir eximiamente suas obrigações. Então, Fulk, o Bom, é o conde capaz de levar a cabo aquilo que tem de fazer.

Depois, Santo Odon passa para a corte de Guilherme, Duque da Aquitânia. Vem-nos à mente tudo quanto representa o ducado da Aquitânia, um grande feudo francês, um verdadeiro principado, uma miniatura de reino, na parte talvez mais poética da França, que é a França dos jograis, dos trovadores. E, apesar das heresias e erros morais ali surgidos, representava a França com um dos aspectos da Idade Média que era, precisamente, o aspecto poético.

Podemos imaginar, então, o Duque Guilherme da Aquitânia sentado num trono de carvalho trabalhado, recebendo homenagens de seus súditos à tardinha, no alto de uma escadaria do castelo, que dava para o pátio onde se adestravam os pajens. De repente, toca o Ângelus, todos interrompem suas atividades e rezam. Nesse ambiente é que Santo Odon formou sua mentalidade.

Música filosofada e Filosofia musicalizada

Após ter conhecido personagens tão interessantes, o jovem Odon foi estudar Filosofia, Poesia e Música na Universidade de Paris. Imaginemos um estudante daquele tempo, vestido com uma espécie de batina que vai até os pés, de cores variegadas, com um chapéu encimado por uma pluma, e que anda por Paris com alaúde ou algum outro instrumento; ele para à beira do Sena, toca um pouquinho e sai andando novamente… Eis a atmosfera inteiramente poética em que essa vida se passava.

Que riqueza uma pessoa estudar Filosofia e Música ao mesmo tempo! É aquela síntese da cultura medieval, por onde tudo é Filosofia e Música conjuntamente, e há uma Música filosofada e uma Filosofia musicalizada. Como isso é superior!

É uma tal visão das coisas, que se tem a impressão de serem figuras de vitrais, panoramas de iluminuras, e que toda a luz da Idade Média se irradia. É um prenúncio da luz do Reino de Maria.

Santo Odon cultivou essas duas coisas durante a vida inteira. Pode haver algo mais bonito do que imaginar um abade imponente, majestoso, que, numa hora de silêncio na abadia, entra sozinho na igreja e vai fazer seus exercícios de Música no coro, como grande conhecedor? Esse abade é um santo e sente-se algo da santidade dele modulando o próprio som do instrumento por ele tocado

São Gregório VII foi monge de Cluny

Odon ingressou no mosteiro beneditino de Baume-les-Messieurs, na Borgonha…

Tem-se a impressão de que Baume-les-Messieurs é uma cidade pequena, cultivada, distinta, em cuja praça pública há continuamente “messieurs” conversando de um modo agradável e delicado. É um encanto, uma pedra preciosa engastada numa joia chamada Borgonha, uma das mais fabulosas regiões da França.

…mudando depois para Cluny, quando da fundação desse mosteiro, onde foi nomeado abade.

Cluny foi a grande abadia beneditina, que chegou a ter sob sua regência mais de mil abadias espalhadas pela Europa inteira, e que deu o espírito da Idade Média. Para não dizer mais nada, São Gregório VII era monge de Cluny. Então esse homem, depois de ter estudado Poesia, Filosofia, Música, vai ser abade de Cluny.

Quem forma elites demonstra compaixão pelos pobres

As escolas que ele criou em Cluny atraíram em breve tudo quanto havia de mais nobre no Ocidente.

Mostraram-me um documento com as conclusões de um congresso no qual se criticava a Igreja e instituições eclesiásticas por se dedicarem demasiadamente à formação das elites.

Isso significa não compreender as coisas, porque se queremos favorecer a muitos ao mesmo tempo, devemos fazer bem àqueles que depois poderão ajudar os outros. É evidente. Seria um pouco como dizer: “Fulano não tem pena dos pobres porque fundou em tal lugar uma escola de Medicina”. Ora, assim formam-se os médicos que vão cuidar dos pobres. Portanto, quem fez isso demonstrou a máxima compaixão para com os pobres. Quem tem verdadeiro amor ao povo, forma elites capazes de fazer bem ao povo.

Assim, numa época de muito analfabetismo, a primeira coisa que Santo Odon faz é fundar escolas para a elite, atraindo toda a nobreza da Europa. Vem, então, aquele comentário transcrito na ficha: o menino educado em casa não poderia ter, nem de longe, a mesma finura e educação que se fosse educado em Cluny. Eis, exatamente, o empuxe de partida que Cluny deu a toda a Europa por sua influência sobre a nobreza europeia, como também sobre os clérigos.

Saudades de nossa casa paterna: a sacrossanta Idade Média

Como sempre acontecia na Idade Média, os grandes santos eram convidados para serem conselheiros dos Papas e dos reis. Esse homem foi um pilar da Europa também enquanto conselheiro de Pontífices e de monarcas.

Temos, assim, uma vida que mereceria toda ela ser representada em vitrais como os da Sainte-Chapelle, ocupando um lado e outro de uma catedral, começando com o nascimento dele, depois naturalmente os milagres, aparições; ele deve ter tido lutas, episódios como, por exemplo, encontros com o imperador que ia consultá-lo, etc.; até a narração de sua santa morte: ele esticadinho, à maneira medieval, numa cama feita de uns panos caídos por todos os lados, e uma pombinha saindo de sua boca, simbolizando sua alma que voava para Deus.

Como isso serve para matarmos as saudades daquilo que não conhecemos!

Pensa-se que as maiores saudades vêm daquilo que tivemos conhecimento. É muito maior a saudade daquilo que não conhecemos, que sabemos ter sido nossa casa paterna, roubada e destruída séculos antes de nós nascermos, e que é a nossa sacrossanta Idade Média.

Narrações como essa servem para alimentarmos nosso desejo do Reino de Maria.

Que Santo Odon acenda em nós esse desejo e a vontade de rezar para que Nossa Senhora apresse a vinda do Reino d’Ela, porque realmente estamos num ponto em que é preciso empenhar todas as forças da alma e fazer todos os sacrifícios para acelerar esse dia. Devemos ser chamas ardentes a pedir que se apresse a conversão ou a punição dos maus, e a implantação do Reino de Maria.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/11/1966)

O sacerdócio, uma honra sublime

Imbuída de laivos de anti-clericalismo do século XIX, a alta sociedade dos anos 30, embora não faltassem nela vocações, afastava seus filhos do caminho do sacerdócio, procurando para eles um futuro mais rendoso e mais valorizado pelos conceitos mundanos. Porém, como nos mostra Dr. Plinio no presente artigo, a elevada missão sacerdotal deve ser abraçada por membros de todas as camadas sociais, e sempre será motivo de honra para uma família.

 

Na admirável e promissora multiplicidade das obras de apostolado que florescem na Arquidiocese de São Paulo, é muito possível que se oblitere a noção indispensável, de que a obra fundamental, o eixo necessário, o centro único de gravidade de todo o trabalho que atualmente se realiza, é a Obra das Vocações.

Fonte dos mais alvissareiros frutos para a sociedade

O assunto tem sido objeto de tantas e tão autorizadas dissertações, que seria temerário ou até impossível pretender dizer‑se qualquer coisa de novo a este respeito. Entretanto, a função da imprensa comporta uma larga tarefa vulgarizadora. Por isto, e porque me parece que nosso público nunca estará suficientemente cônscio da grandeza da Obra das Vocações, aproveito as solenes comemorações que se desenrolaram nesta Capital na semana passada, para dizer algo a este respeito.

Jornal feito por enquanto exclusivamente para católicos — por enquanto, note‑se — o Legionário não tem necessidades de demonstrar que o Clero, sendo indispensável para toda a vida religiosa do País, deve ser numeroso, para que sua função primordial, que é o de promover a salvação das almas, seja convenientemente exercida; tanto mais que o exercício dessa função espiritual e sobrenatural tem como conseqüência, na ordem material e concreta, os frutos mais promissores e substanciais.

Florão do patrimônio moral de qualquer linhagem

O que sobretudo quero provar, é que todas as classes sociais têm obrigação de concorrer com um contingente apreciável, para o recrutamento das fileiras sacerdotais, e que o sacerdócio, em lugar de ser um encargo oneroso do qual fogem as famílias, deve ser considerado uma honra sublime, um florão do patrimônio moral da família, sem o qual não estarão completas as glórias de qualquer linhagem, por mais antiga e ilustre que seja.

Esta observação tem sua importância. O Revmo. Pe. Garrigou-Lagrange lhe deu um forte relevo, na conferência que pronunciou em nossa Cúria Metropolitana, a propósito das vocações ao sacerdócio. Realmente, não é justo que se esquivem as famílias mais abastadas e mais ilustres, a dar seus filhos à Santa Igreja, entregando‑os à vida religiosa ou sacerdotal. Não se compreende que, entre nós, este estado de coisas perdure por mais tempo. Ele gera inconvenientes graves para a própria tarefa apostólica e constitui um sintoma irrefutável de uma crise moral séria.

Os inconvenientes decorrentes do fato de quase não se recrutarem sacerdotes em certas camadas sociais são evidentes. A Santa Sé, hoje mais do que nunca, insiste para que o apostolado seja, de preferência, desenvolvido por pessoas do próprio meio social. Em relação à Ação Católica, é esta uma norma essencial. Evidentemente, perde ela muito de seu vigor quando se trata, não mais do apostolado de leigos, mas das atividades da própria Hierarquia Eclesiástica. Sem embargo disto, ainda neste terreno, ela conserva uma oportunidade que os espíritos previdentes não poderão contestar.

A classe alta, ambiente mais refratário ao sacerdócio

Não convém que cheguemos a generalizações falsas e temerárias. Seria errôneo sustentar‑se que não se encontram no Brasil, entre as famílias mais ilustres, sacerdotes. Entretanto, é incontestável que esse é o ambiente mais refratário ao recrutamento sacerdotal. A Igreja não precisa, evidentemente, de sacerdotes desta ou daquela classe, para realizar sua tarefa. Tanto pode um sacerdote de família operária fazer seu apostolado nas mais altas classes sociais, quanto pode outro sacerdote, filho de ilustre família, dedicar‑se ao apostolado entre proletários. Sem embargo disto, é certo que o apostolado feito por uma pessoa do próprio meio tem vantagens que ninguém pode ignorar, e que devem ser tomadas na devida consideração.

Quanto à crise moral que essa abstenção revela, é muito séria.

Em última análise, significa isto que o espírito de abnegação, de devotamento, de renúncia, escasseia em nossas classes dirigentes. Efetivamente, se há retraimento em relação ao sacerdócio, deve‑se isto não raras vezes ao fato de parecer a vida de um sacerdote — e esta impressão é verdadeira — muito pouco vantajosa sob o ponto de vista das honrarias e dos lucros. De sorte que as famílias desviam intencional e até pertinazmente seus filhos, da vocação que Deus lhes dá.

Se, em um país, é este o espírito das classes dirigentes, que catástrofes, que abismos, que nuvens, não se podem antever em seu caminho?

Uma obra providencial

O fato não se demonstra apenas quanto à vocação sacerdotal. Também outras carreiras, que oferecem inconvenientes, são cuidadosamente afastadas por muitas famílias.

Um exemplo disto está nas carreiras do Exército e da Marinha, das quais, por egoísmo, e mediante violência, são afastadas muitas vocações autênticas.

Por quê? Porque, evidentemente, é mais rendoso ser banqueiro do que sacerdote ou militar. E, por isto, todos querem ser bacharéis e banqueiros. E poucos se obstinam em envergar a batina ou a farda.

Cabe à Obra das Vocações remover este e outros obstáculos. E ela o tem feito magnificamente. (…) Por isto, as Autoridades Eclesiásticas lhe deram o seu mais inteiro apoio. E o Legionário, que é, por natureza, um servidor de todas as causas santas, não poderia deixar de chamar, sobre ela, a atenção de seus leitores(1).  v

 

Plinio Corrêa de Oliveira

1) Transcrito do Legionário de 13/11/1938. Título e subtítulos da redação.

 

Santa Isabel da Hungria – Constância em meio à dor

A Idade Média pode ser comparada a uma catedral, em cuja fachada estão colocadas imagens de muitos santos. Uma dessas figuras foi Santa Isabel da Hungria, glória da Ordem Terceira Franciscana e um dos ornamentos da Cristandade

O calendário dos santos nos traz à memória Santa Isabel, viúva e religiosa, que viveu no século XIII, filha do Rei André II da Hungria e esposa de Luís, “Landgraf” da Turíngia.

O que era um “Landgraf”? Ao pé da letra, “land” significa terra e “graf”, conde. O “Landgraf” é um Conde da Terra. E foi com um grande senhor feudal, um príncipe, que ela se casou.

Muitos santos passam por dramas

Eu gostaria de considerar a biografia de Santa Isabel da Hungria debaixo de um ângulo muito interessante, que é o seguinte:

O itinerário, a linha geral, da vida de muitos santos se parece com o de Santa Isabel da Hungria. É uma situação inicial, um drama que leva a pessoa até ao heroísmo, depois se passam alguns anos de aperfeiçoamento e de estabilidade na quietude e no heroísmo, é a santificação, e por fim a morte.

Pode-se encontrar isso na vida de quase todos os santos que mudaram o seu estado de vida.

O santo mais característico nesse sentido é Santo Inácio de Loyola, um gentil-homem que frequentava a corte, era guerreiro e tinha todas as ambições costumeiras de um fidalgo de seu tempo. Entretanto, abate-se sobre Inácio o drama, que começa com o ferimento no cerco de Pamplona e termina quando ele fundou a Companhia de Jesus; foi uma fase convulsionada e difícil de sua vida. Fundada a Companhia de Jesus, inicia-se outro período de luta, mas com certa estabilidade. Depois de algum tempo ele morre.

Assim foi também com Santa Teresa de Jesus. Ela era tíbia, quer como pessoa do século, quer como religiosa, mas que depois se transformou tanto, a ponto de ser um vergel de santidade até os dias atuais. Mas é o drama: a religiosa tíbia que passa a ser fervorosa e fundadora e tem de enfrentar inúmeras dificuldades e tragédias. Depois, segue um período de estabilidade; a obra está fundada, ela é a Superiora Geral, dirige-a por algum tempo e morre.

No castelo de Wartenburg

A mesma coisa se passou com Santa Isabel. Ela era filha do Rei da Hungria e esposa do Duque da Turíngia. Era, portanto, uma senhora de alta posição social, que vivia na perfeita prática da virtude. Não se pode falar propriamente de sua conversão, mas ela vivia feliz no século. Deus a destinava a ser uma glória da Ordem Terceira dos Franciscanos, para iluminar e tornar-se um dos ornamentos da Cristandade medieval.

A Idade Média pode ser considerada como uma catedral, em cuja fachada estão colocadas imagens de muitos santos. Uma dessas figuras ornamentais e inspiradoras é exatamente Santa Isabel da Hungria.

Ela foi para o Castelo de Wartenburg, na Turíngia, aos quatro anos de idade. Naquele tempo prevalecia a ideia — pelo menos nas altas camadas sociais — de que era conveniente mandar as meninas para os castelos das famílias onde deveriam se casar. Pois poderiam receber toda a formação do lugar e assumir inteiramente todos os seus costumes, embora elas fossem livres de dizer “não” no momento em que atingissem a maioridade, e de fato não se casassem.

Santa Isabel foi para lá e teve uma vida muito feliz. Ela e seu esposo deram-se muito bem.

O leproso acolhido no castelo

Entretanto, o que acontece na realidade é que os verdadeiros filhos de Deus sempre acumulam em torno de si a inimizade das pessoas más e invejosas. Não existe nenhum verdadeiro católico que não seja perseguido. Nosso Senhor Jesus Cristo já prevenira aos seus de que todo autêntico discípulo d’Ele seria perseguido como Ele o foi.

Santa Isabel tinha contra si toda espécie de odiosidades, que vinham, muitas vezes, devido a sua prática da perfeição. Os ímpios e invejosos exploravam aspectos de suas virtudes que eram incompreensíveis a eles, pois tinham mau espírito.

Assim, por exemplo, em certa ocasião ela acolheu um leproso que viu passar pela rua e o convidou a entrar em seu castelo, deitou-o em seu leito e começou a tratar dele como se fosse o próprio Cristo, à vista daquela palavra de Nosso Senhor de que todos os sofredores representam a Ele. A sogra de Santa Isabel soube disto e procurou a Luís, seu filho, e lhe disse: “Veja o que sua esposa está fazendo! Colocou um leproso em sua cama, para que depois você seja contagiado! Vá até lá e veja que estou falando a verdade!”

Ele foi e encontrou o leproso deitado na cama, e disse:
— O que é isto? O que significa este homem deitado neste leito?

Ela respondeu:
— Meu esposo, este homem é Nosso Senhor Jesus Cristo.

No momento em que ela afirmou isto, deu-se o milagre e o Duque viu, no leproso, a pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo. E sentiu um admirável odor de rosas, que se expandia da pessoa do leproso. Ele ficou profundamente impressionado e a sogra perdeu a partida.

O Duque Luís era muito bom homem. Ele partiu para a Cruzada, foi contagiado pela peste e acabou morrendo.

Terrivelmente perseguida, refugiou-se numa floresta com seus filhos

Desde então, a perseguição se desencadeou contra Santa Isabel de um modo trágico. Ela, que era Duquesa da Turíngia e filha do Rei da Hungria, teve de morar num estábulo de porcos. Foi uma perseguição tremenda, que nos faz ver bem qual é a realidade das misérias humanas.

As pessoas que a desprezaram eram as que tinham sido beneficiadas por ela, mas que agora se manifestavam frias na hora do infortúnio. Em vez de irem ao encontro dela, afastavam-se, mantinham distância, pois estavam com medo das represálias que poderiam sofrer pelos que odiavam a Santa Isabel.

Certa noite ela acabou sendo acolhida num convento, no qual foi muito bem recebida, mas depois teve de se retirar, porque seu cunhado estava se aproximando. Antes de sair, pediu que se cantasse o “Te Deum”, para dar graças a Deus pelos sofrimentos pelos quais ela estava passando. Logo depois que saiu, caiu uma forte chuva sobre ela e seus filhos. E era uma chuva de inverno europeu, água gelada! E Santa Isabel, escondida numa floresta com seus filhos, sofrendo tudo aquilo teve um desfalecimento; parece ter sido tentada a ter dúvidas contra a Fé. Não se sabe qual foi o grau de seu consentimento, mas de qualquer maneira ela se penitenciou a vida inteira por isto. A Providência a perdoou, e ela chegou até a mais alta santidade. A fortuna lhe foi restituída, mas ela não quis voltar para as regalias antigas e dedicou-se de corpo e alma à Ordem Terceira dos Franciscanos.

A partir do momento em que seu marido vai para a Cruzada e morre, se inicia o drama para Santa Isabel: Ela fica sozinha, perde o ducado, é perseguida e começa para ela uma vida muito mortificada e miserável. Passa por dilacerações tremendas, e a boa moça se transforma numa heroína, depois na santa que vive todo o tempo na santidade e por fim morre. São três etapas que se pode verificar em muitas vidas de santos.

Isso também se verifica na vida comum: uma família se constitui, luta para ganhar a vida, formar e santificar os filhos, fazendo deles verdadeiros cumpridores da Lei de Deus. Quando essa batalha é vencida, os pais já estão velhos, têm um período de estabilidade e depois vem a morte.

Provavelmente isso se dará conosco. Nós temos um período de germinação, e depois de um período de lutas também chegará a ocasião de preparar a nossa alma e prestarmos contas a Deus.

A vida não teria sentido se não houvesse a luta

Devemos compreender, portanto, que todos os dramas da vida fazem parte dessa arquitetura e que a existência não teria sentido se não fosse exatamente esse aspecto de luta, de tragédia, de martírio, em função do qual todo o resto se desenvolve. Uma coisa é a preparação e outra é a conclusão, mas o importante é a parte da luta, a fase dramática, na qual o homem dá tudo quanto tem, tudo quanto pode dar!

E precisamos nos preparar para isso com muito entusiasmo, como um cavaleiro se preparava durante sua vigília de armas. Compreendendo que a fase mais importante da vida vai ser essa: algum momento, por vezes interior, em que a pessoa transpira sangue como Nosso Senhor no Horto das Oliveiras. Mas ela tem um ato de fidelidade e vai para a frente, confiando na misericórdia de Nossa Senhora. É o ápice da vida!

Feliz aquele cuja vida apresenta muitos ápices, que desfecha num ápice central! Compreendemos então a beleza da vida de cada homem, considerada sob este aspecto.

A vida de Santa Isabel da Hungria nos apresenta exatamente um exemplo muito frisante, muito importante. Peçamos a ela que nos dê a coragem nessas grandes horas e o desejo dessas grandes horas.

Devemos ver também na vida desta santa um exemplo de constância em meio às piores desgraças. Há duas formas de constância na desgraça: uma quando a desgraça acontece e a pessoa a suporta. Outra quando a pessoa prevê a desgraça, fita-a com olhos calmos e oferece a Nossa Senhora o sacrifício que vai ter, e faz a oração de Nosso Senhor no Horto das Oliveiras: “Pai, se quiseres, afasta de Mim este cálice; contudo, não seja feita a minha vontade, mas a tua!”

Essa foi a vida de Santa Isabel da Hungria, e assim deve ser a nossa. Na calma, a resignação de ver as desgraças pelas quais devemos passar e ter a constância no decurso delas. Isso não se pode conseguir a não ser seguindo o exemplo adorável de Nosso Senhor Jesus Cristo: na hora da aflição vigiar e orar para não cair em tentação. Peçamos isso a Nossa Senhora, cuja prece é onipotente!

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 19/11/1965 e 18/11/1966)

São Gregório Taumaturgo

Se Deus fez grandes milagres para resolver pequenos assuntos, com muito mais razão realizará milagres extraordinários para solucionar questões de altíssima importância, desde que peçamos com muita insistência e confiança, através de Nossa Senhora.

Em 17 de novembro comemora-se a festa de São Gregório Taumaturgo, a respeito do qual temos os seguintes dados biográficos:

Gregório nasceu em Neocesareia, por volta de 213. Foi discípulo de Orígenes e se tornou bispo de sua cidade natal. Ilustre por sua doutrina e santidade, ele o foi ainda mais pelo número e pelo brilho dos milagres extraordinários — razão pela qual foi chamado o Taumaturgo — que o tornaram, segundo o testemunho de São Basílio, comparável a Moisés, aos Profetas e aos Apóstolos.

Por sua oração ele moveu do lugar uma montanha que o atrapalhava para construir uma igreja. Secou uma lagoa que era para seus irmãos uma causa de discórdia. Deteve as inundações do Rio Icus que devastavam os campos, introduzindo no rio seu bastão, o qual imediatamente criou raízes e se transformou numa grande árvore, formando um limite que o rio nunca mais excedeu.

Muitas vezes ele expulsou os demônios dos ídolos e dos corpos e realizou muitos outros prodígios, pelos quais multidões de homens foram conduzidas à Fé de Jesus Cristo.

Possuía também o espírito dos Profetas, e anunciava o futuro. No momento de deixar esta vida, tendo ele perguntado qual o número dos infiéis que permaneciam em Neocesareia, lhe responderam que não era senão dezessete. E dando graças a Deus ele disse: “Esse é o mesmo número dos fiéis, no começo do meu episcopado”.

Escreveu vários trabalhos que, como seus milagres, ilustraram a Igreja de Deus. Morreu entre 270 e 275.

Milagres incontestáveis e não fruto de sugestão

Sem dúvida, é um grande santo!

Cabe-nos analisar um pouco a natureza desses milagres, para entendermos alguma coisa da missão dele.

É interessante que no enorme conjunto de santos a Providência, que sempre faz com que a quase totalidade deles opere milagres, entretanto escolhe alguns para realizar muitos milagres. Isso tem uma razão de ser profunda, porque os milagres operados em grande número pela mesma pessoa indicam mais a ação extraordinária de Deus. Que uma pessoa faça um ato miraculoso, já é inverossímil. Mas que realize muitos e muitos é mais inverossímil ainda, de maneira que esses milagres dão muito mais glória a Deus.

E aqui está um homem que parece ter sido escolhido para mostrar que todos os dons de milagres do Antigo Testamento e da Igreja primitiva ainda se conservavam no século III, em que ele viveu. O que esses milagres têm de interessante é que nenhum deles pode-se explicar pela sugestão.

Posso compreender que um maluco diga que uma cura em Lourdes foi feita por sugestão. Mas nenhum doido pode dizer que uma montanha ficou sugestionada, e por isso mudou de lugar; ou que um lago secou por uma sugestão.

Alguém objetaria: “Ele sugestionou as pessoas que os viram”.

A sugestão não dura a vida inteira. Está um monte aqui, que se move para lá. É uma sugestão das pessoas que viram; quando passa a sugestão, onde se encontra o monte? O monte deveria ter voltado para o lugar anterior…

O lago estava cheio e, por um fenômeno de sugestão, as pessoas tiveram a impressão de que ele secou. Mas se assim fosse, quando passasse essa impressão, o lago deveria estar cheio de novo… Depois, aquele crescimento imediato de uma árvore porque ele colocou o bastão dentro da água. Terminada a impressão, as pessoas deveriam ver o bastão e não a árvore. Ora, viram uma árvore crescer imediatamente, a ponto de mudar o curso de um rio… Portanto, são milagres categóricos, incontestáveis. A Providência deu a este santo esse dom de milagres para que assim se compreenda como a Igreja é divina.

Deus nos atende com liberalidade magnífica

Mas foi só para isso? Não. Há ainda outras razões.

Primeiro, uma montanha que precisava ir embora, para ele poder ter um lugar cômodo a fim de construir uma igreja. Foi um prodígio enorme, feito por ocasião de um pedido não muito importante. Porque, afinal de contas, se não se pode edificar uma igreja aqui, constrói-se lá. Não é irremediável que uma montanha esteja atrapalhando a construção de uma igreja…

Por que a Providência deu a ele a graça de operar esse milagre, a propósito de uma coisa que parece não ser de primeira importância?

É para mostrar como Deus é paterno, como a Providência é materna para conosco. Os milagres não se operam somente quando estamos com angústia, presos pela “garganta” pelas maiores tragédias. Mas Deus é Pai, Nossa Senhora é Mãe, e nos dão graças muito grandes, com uma liberalidade magnífica, mesmo quando não nos encontramos na última aflição.

O “Livro da Confiança” insiste neste ponto: é preciso pedir muito e com insistência, mesmo coisas que não sejam muito importantes, e ser-nos-ão concedidas.

Aqui vemos um milagre enorme realizado apenas para simplificar a vida de um santo, a fim de que um desejo dele pudesse mais comodamente ser satisfeito.

Outro milagre: seus irmãos estavam brigando por causa de uma lagoa, e ele a secou. É uma espécie de malicioso castigo para os irmãos. “Vocês estão se estraçalhando pela posse dessa lagoa? Pois bem, ela se tornará seca e não ficará com ninguém!”

Provavelmente, se ele passasse uma boa descompostura nos irmãos, resolveria a contenda da mesma maneira; é um episódio íntimo, uma briguinha de família que não tem nada de mais trágico. Entretanto, foi feito o milagre para solucionar o caso.

O terceiro milagre era para evitar as inundações de um rio. Também é uma coisa que a humanidade poderia continuar a existir se esse rio transbordasse.

Agir com santa liberdade

Isso nos deve conduzir à ideia de que, se para bagatelas dessas um santo pode ser atendido, podemos ser acolhidos também quando pedimos coisas muito mais importantes. Porque quem faz o mais, faz o menos. E se é mais extraordinário fazer um milagre por uma bagatela, é menos extraordinário realizá-lo para uma coisa que não seja bagatela.

Portanto, pelas necessidades da nossa vida espiritual, quantas montanhas devem ser removidas, quantas lagoas têm que ser secadas, quantas inundações que transbordam e precisam ser remediadas! E com quanta confiança devemos, portanto, nos dirigir a Nossa Senhora pedindo a Ela esses favores!

Alguém me dirá:
— Ah, Dr. Plinio, antes fosse como o senhor diz… Mas a questão é que nós não somos São Gregório Taumaturgo. Ele era um santo e conseguia.

Eu respondo:
São Gregório está no Céu e se encontra ao nosso alcance; para quem olha as coisas sob o ponto de vista sobrenatural, é tudo tão simples. Não consigo obter porque eu sou eu, e não sou São Gregório Taumaturgo. Peçamos, então, a ele no dia de hoje em que se comemora sua festa.

É preciso agir com as coisas do Céu com esta santa liberdade, eu diria quase com essa santa candura. Quanta coisa se recebe por essa forma! E é este o incitamento a que se presta a vida deste santo.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/11/1965)