Santidade, o ideal de todo homem

De que aproveitará ao homem ganhar todo o mundo, se vier a perder a sua alma?” (Mt 16, 26) — é a advertência, repassada de solicitude, que nos faz o Divino Mestre. Na verdade, riquezas e glórias  terrenas, reconhecimento e aplausos nesta vida, de nada nos valerão para a eternidade, se não procurarmos a perfeição. Por isso Dr. Plinio tomava tanto a peito formar seus filhos e discípulos no  maior e mais belo dos ideais: a santidade.

 

Neste mundo em que o existir humano se volta, cada dia mais, para os interesses meramente terrenos, é muito importante termos bem claro qual o verdadeiro fim a que o homem deve aspirar na sua vida.

A felicidade da perfeita realização

Em primeiro lugar, consideremos que a criatura humana, por sua natureza, é dotada de valores e possibilidades que ela deve procurar cultivar e aperfeiçoar, caso deseje se realizar por inteiro. Para  e valer de uma comparação, tomemos por exemplo um vidro de perfume aberto numa sala. Ele contém uma fragrância da qual o próprio é evaporar-se e impregnar com seu envolvente  aroma o ambiente em que se encontra. Suponhamos que o perfume, posto no frasco, pudesse pensar. E imaginemos que ele permanecesse tampado no seu invólucro de cristal sem que ninguém  jamais o cheirasse, guardado numa gaveta, esquecido, durante 100, 150 anos, até que alguém, ao arranjar um armário velho, numa velha casa de família, o achasse, o destampasse, e dissesse: “Isto  é um perfume antigo que não vale para nada”.

E logo em seguida o espalhasse pelo jardim, deixando que seu cheiro deteriorado e repelente espante as minhocas e bichinhos que vivem dentro da terra. Se esse perfume pensasse, ele julgaria que  ua existência foi bem sucedida?

Reflitamos um momento. Dentro de um vidro de cristal que abafa, colocado na semi-obscuridade de uma gaveta segura, ele teria todo o conforto e a tranqüilidade das coisas nas quais ninguém mexe, que não passam por nenhum susto, que não trabalham, das coisas que, afinal de contas, são zero. Ele estaria ali cercado de toda comodidade. Um perfume não come, não bebe, não dorme; um perfume simplesmente se limita a existir, e existir dentro de um vidro. Um bonito frasco de cristal é um palácio para um perfume, com todas as facilidades de uma boa existência.

Entretanto, algo nele lhe é motivo de sofrimento. É que está na natureza dele perfumar, e ele preferiria qualquer coisa a não poder fazê-lo, pois esta lacuna é contrária à sua essência.

Semelhante raciocínio se aplicaria, por exemplo, às águas que correm sob a terra. Existem rios, fontes subterrâneas que não chegam a aflorar na superfície, e vêem suas águas caudalosas, abundantes, viverem numa perpétua obscuridade. Essas águas poderiam pensar o seguinte: “Felizes somos nós, que não temos bichos, que não precisamos suportar o peso de nenhum barco, e não temos de fazer outra coisa senão deixar a força da gravidade nos ir levando para onde for. Para nós é o ideal!”

Mas, imaginemos que uma dessas águas, de repente, passasse por uma fenda qualquer, encontrasse finalmente a luz do sol e começasse a longa travessia de uma massa líquida desde a sua nascente até o oceano onde ela deve sumir.  É uma epopeia que atravessa mil vicissitudes: um pouco dessa água é absorvida pela terra, outro tanto se evapora, forma-se em nuvem e vai cobrir os céus de algum lugar distante do mundo; um pouco dessa água é derramada aos pés de uma flor, transforma-se em matéria que fará desabrochar uma linda magnólia ou uma bela rosa…

A água passará por mil vicissitudes, mas quando ela saísse da terra e começasse a sua movimentada trajetória, se ela pudesse pensar, se ela pudesse cantar, ela cantaria depois de ter pensado, e diria: “Chegou a minha vez de ser flor, de ser bebida pelos homens e pelos animais, chegou a minha vez de ser nuvem, chegou a minha vez de ser tudo! Afinal, realizarei aquilo que está na minha natureza ser!”

E por mais aventurosa que fosse a existência daquela água, nisto ela encontraria uma felicidade que não lhe seria dada em nenhuma outra condição.

Todo homem procura um ideal

Se essa  necessidade da existência realizada parece tão evidente nos seres inanimados quando nós os imaginamos vivos, como não o será para o homem? Ao procurar a sua felicidade, a sua realização, o  que ele deseja? Ficar engarrafado? Ser um curso de água subterrâneo? Ele procura não ter história, nem vencer dificuldades?

Não. Inteligente, dotado de uma alma espiritual, a primeira coisa que o homem procura, pela sua natureza, é ter um ideal: uma verdade suprema de onde ele deduza todas as outras verdades; uma  beleza suprema da qual ele deduza todas as outras belezas; uma santidade suprema em cuja luz ele contemple todas as outras santidades. Isto o homem deseja, sem que lhe baste ficar apenas no  pensamento. Depois de pensar, ele quer agir, quer ter uma vida em que mexa as coisas e as faça andar num determinado rumo, ainda que isto lhe custe muito. E ao atingir o anoitecer da existência, o homem se perguntar á sobre seus dias neste mundo. E terá imensa alegria se compreender que ele foi um perfume que se evaporou, foi uma água que fecundou terras ou se transformou em flor; se ele compreender, sobretudo, que foi um herói, enfrentando riscos, realizando seu ideal. Então, feliz, ele pode encarar de frente o pouco tempo que lhe resta, e dizer:

“Eu fiz o que eu deveria ter feito, a minha vida está realizada! Vivi! E agora só me resta a coroação da vida: é morrer.”

Ser santo, a mais bela ambição humana

Trata-se de um impulso interno  existente em todo homem, e que se reveste de particular riqueza se considerarmos o seguinte: quando uma criatura humana procura se realizar, procura ser “perfume”, procura ser “água”, procura ser herói, ela não pode ter ambição mais bela e mais nobre diante de si, do que a de ser santa.

Enganar-se-ia quem pensasse que o ideal de santidade não está ao alcance de qualquer um, mas apenas para aqueles expoentes da humanidade que um dia chegam à glória dos altares.

Na verdade, segundo a doutrina católica, sabemos que, pela ação da graça, dom sobrenatural de Deus, todos nós podemos ter uma participação criada na existência incriada do Altíssimo. Com  isto, algo de divino penetra em nós, e recebemos uma força para conhecer e crer em coisas as quais nossa inteligência, por maior que fosse, não teria capacidade de compreender sem esse auxílio da graça. Assim como à nossa vontade é comunicado um vigor para fazer e conseguir coisas que, sem a ajuda sobrenatural, não faria nem conseguiria.

Quer dizer, a graça eleva o homem a uma tal condição que o menor indivíduo — como capacidade, como apresentação, como cultura, como tudo —, sob o influxo da vida sobrenatural vale mais do que  o maior dos homens sem aquele dom divino.

Convidados para a corte celestial

E o primeiro convite que Deus Nosso Senhor nos dirige, quando a Providência d’Ele nos encaminha para o batismo, é este: “Meu filho, Eu te dei a condição de homem; não queres mais? Não queres  ser um príncipe na minha Criação? Eu te concedo uma participação criada na minha própria vida. Com isso Eu habitarei em ti, e tu serás o templo no qual Eu viverei. Far-te-ei meu herdeiro.”

É um chamado maravilhoso, que se desdobra em outros não menos extraordinários. Depois de ser dado ao homem o Batismo, após ser infundida nele esta virtualidade incomparável que é a graça,   própria graça o impele para coisas inauditas, superiores à sua estatura, coisas em que o homem galgue acima de si mesmo e realize feitos de heróis de sonho, de heróis de paraíso, numa palavra, de heróis do Céu.

O verdadeiro católico no qual vive a vida sobrenatural deseja, portanto, o maior. E se ele não chegar ao maior, não chega a nada. Ele quer o quê? Ser um cortesão de Deus no Céu, desfrutando de uma felicidade sem jaça, imorredoura, na contemplação e no diálogo contínuo com o Ser Supremo, Perfeito, que é Deus Nosso Senhor, por toda a eternidade.

Ali teremos esse convívio perpétuo com o Criador, no qual Ele nunca se cansa de nós, e nós nunca nos cansamos d’Ele: Verdade, Bondade, Virtude, Santidade e Beleza personificadas, recompensa  demasiadamente grande que encontraremos no fim desta altíssima escada que todos subimos, degrau após degrau, passando por aventuras, batalhas, sacrifícios e privações. Ali, Deus se revela a nós na sua eternidade, com todo o atrativo daquilo que existiu sempre e daquilo que sempre existirá — o passado no seu esplendor, o futuro na sua magnificência.

É uma situação simplesmente admirável a que somos chamados, fazendo-nos santos, postos na visão e na adoração contínuas da Trindade Santíssima. Então, compreendamos que um homem de fé não se sente talhado para a vida insípida do perfume engarrafado, que envelhece e em determinado momento é jogado fora. Ele se sente, sim, feito para uma imensa, criteriosa, sábia, mas ousada aventura, aquela em que ele ordena sua alma para Deus, a purifica e embeleza, preparando-a para o salto dentro da morte. E com a proteção de Nossa Senhora, Mãe e Rainha de Misericórdia, este salto será para a bem-aventurança eterna, para a corte celestial onde um assento nos está reservado.

Julgados e premiados segundo o amor

Para concluir, é oportuno lembrarmos ainda que Deus tem seus mistérios, e não há quem possa afirmar com toda a certeza que tal bem-aventurado é maior que outro aos olhos do Senhor. Quem  poderá conhecer os arcanos da maravilhosa história das almas? Quem poderá ter exata noção de quantas pessoas se sacrificaram pela Fé nos desertos da África e da Ásia, nas vastidões das Américas, em  meio a populações bárbaras e indígenas, aqui, lá e acolá? E com quanto amor essas pessoas aceitaram esse sacrifício?

Ora, é pelo amor que somos grandes aos olhos de Deus. E se alguém, apagado e obscuro no entender do mundo, entretanto fez um imenso sacrifício com imenso amor, quando forem reveladas todas as coisas no Juízo Final, o maior será esse.

Donde, também, não devemos nos pôr a pergunta se os homens reconhecerão nossas realizações e nossas grandezas. Importa sabermos que Deus nos assiste a todo momento, perscrutando no fundo das almas o amor com que O servimos. E se é verdade o ensinamento de São João da Cruz, segundo o qual “no entardecer desta vida, seremos julgados segundo o amor”, o amor que tivemos a Deus, é verdade então que Ele olhará para quem mais O adorou e glorificou, de forma notória ou oculta, e lhe dirá: “Este me amou de modo extraordinário e merece a maior recompensa!

Por sua vez, este homem que santificou sua alma, no instante de transpor os umbrais da eternidade poderá dizer as palavras mais magníficas que imagino postas nos lábios de um moribundo, repetindo São Paulo: “Eu percorri toda a extensão que deveria percorrer; combati por Vós o bom combate, o combate pelo bem; dai-me Senhor, agora, o prêmio de vossa glória!”

É na esperança de podermos viver, de batalhar pela nossa santificação e de morrer na paz de Deus, confiantes em Nossa Senhora, agradecendo a Ela porque nos obteve graças para nos tornarmos  outros heróis da Fé e príncipes do Céu, que devemos atravessar nossos dias nesta terra de exílio.

Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 44 (Novembro de 2011)

Cristo Rei

Nosso Senhor Jesus Cristo é Rei da Igreja. E, antes da Revolução Francesa, o Divino Redentor era considerado Rei também da sociedade civil; de tal modo que as leis da Igreja eram automaticamente leis do Estado. Há quase cinquenta anos, Dr. Plinio percebia as negações ou as tímidas afirmações da Realeza de Cristo. O que recomendava ele naquela ocasião?

 

A ideia da realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo veio desde a vida terrena d’Ele mesmo; interrogado por Pilatos se era rei, Jesus disse: “Sim, Eu sou Rei” (Jo 18, 37).

Encontramos manifestações várias e títulos diversos de Cristo como Rei, já na Igreja primitiva. Temos até a figura do Cristo Pantocrator, ou seja, Cristo Rei, porque “Pantocrator” quer dizer Senhor de todas as coisas. Ele está sentado sobre um trono que é o arco-íris, o sinal da aliança de Deus com os homens. E do alto desse trono Ele governa todas as coisas: a Igreja gloriosa, a Igreja padecente e a Igreja militante, como o Rei esperado por todos os séculos, Nosso Senhor Jesus Cristo dominando tudo e Senhor de tudo.

Rei por direito de nascimento e por direito de conquista

Essa ideia de Cristo Rei envolve uma noção que é a seguinte: não só de todas as coisas, mas especialmente de todos os homens Nosso Senhor Jesus Cristo é Rei. E é Rei no sentido de que, enquanto Filho de Deus encarnado e nosso Redentor, Ele adquiriu um direito verdadeiro da realeza sobre nós. E esses dois títulos não se confundem um com o outro.

O primeiro título, poder-se-ia dizer, é por direito de nascimento. Porque há um princípio que estabelece o seguinte: na hierarquia dos seres, quando um deles é imensamente superior ao outro, adquire uma autoridade sobre esse outro. E com fundamento nisto Ele, que é homem verdadeiro, ligado por união hipostática à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, tem uma superioridade infinita sobre todos os seres do universo. E não só como Deus, mas na sua humanidade, Jesus é Rei de todos os homens porque é a cabeça do gênero humano, a mais alta criatura existente no gênero humano. Nosso Senhor é Rei do gênero humano pela união hipostática e na sua humanidade santíssima.

Ele é Rei também como Redentor, porque conquistou o gênero humano, sacrificou-se, se imolou na Cruz, e essa imolação salvou a humanidade do Inferno, abriu as portas do Céu para os homens. Com seu Sangue, Jesus conquistou a humanidade, adquiriu sobre ela um direito régio.

De maneira que a realeza de Cristo tanto pode ser contemplada meditando-se Nosso Senhor sobre um trono, quanto no alto da Cruz. Porque do alto da Cruz, por direito de conquista, Ele se tornou Rei de todo o gênero humano.

A realeza de Nosso Senhor na sociedade espiritual e temporal

Qual é a conclusão disto?

O gênero humano pode ser considerado como pertencendo a duas espécies de sociedades: a espiritual e a temporal. Nosso Senhor Jesus Cristo é Rei da sociedade espiritual, a Igreja Católica. Se o Papa reina na Igreja, é como Vigário de Cristo, quer dizer, como representante de Cristo. Porque o verdadeiro Rei da Igreja Católica, no sentido pleno da palavra, é Nosso Senhor Jesus Cristo.

A Igreja é uma instituição monárquica, antes de tudo porque ela tem um Rei, que é Nosso Senhor Jesus Cristo. O Papa, como Bispo de Roma, é indissolúvel e definitivamente o Vigário de Cristo, reina sempre em nome de Cristo, e o poder das chaves exercido pelo Papa é um poder que Cristo deu a seu Vigário. O verdadeiro Rei da Igreja Católica é Nosso Senhor Jesus Cristo.

Devemos analisar a realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo sobre a sociedade temporal. A esse respeito, fazem-se as seguintes considerações sobre a separação entre a Igreja e o Estado que não são muito exatas:

A Igreja tem uma finalidade espiritual, o Estado uma finalidade temporal. A Igreja conduz os homens ao Paraíso, e o Estado mantém a vida terrena. A partir disso, fica-se com uma ideia de que Nosso Senhor Jesus Cristo é Rei da Igreja, mas que o Estado não tem verdadeiro Rei, e sobretudo os Estados católicos não devem reconhecer Cristo como Rei.

Esse princípio é profundamente falso. O Estado, enquanto Estado, tem Nosso Senhor Jesus Cristo como Rei. E o efeito concreto disto é a obrigação que tem o Estado de aplicar as leis de Nosso Senhor Jesus Cristo; e se não as aplica se coloca em estado de revolta contra o seu verdadeiro Rei.

E qual é a aplicação dessas leis de Nosso Senhor?

Antes de tudo, reconhecer a Igreja Católica como a única Igreja verdadeira e oficial; aplicar todas as leis da Igreja como sendo automaticamente leis do Estado. É o que se fazia antes da Revolução Francesa. De maneira tal que não era preciso que uma lei da Igreja fosse ratificada pelo rei do país, pelo Poder Público; entrava em vigor pelo simples fato de que a Igreja as tinha promulgado. As autoridades eclesiásticas eram objeto de continências e honras oficiais, porque eram autoridades públicas, e autoridades públicas porque autoridades da Igreja verdadeira do Deus verdadeiro que era Rei do Estado.

Toda a vida civil se organizava no terreno cultural, artístico, e em todos os aspectos, de acordo com a lei de Nosso Senhor Jesus Cristo; isto era uma aplicação do princípio de que Cristo é Rei da sociedade humana.

Verdadeiros soldados de Cristo Rei

Isto, que entre nós são noções tão familiares, se esquece, e de vez em quando é preciso lembrar porque tudo quanto se ouve não só tende a fazer esquecer essas verdades, mas até a negá-las. De maneira que ficamos habituados à ideia de que o Estado é leigo, de que por sua própria natureza nada tem a ver com religião e por causa disso ignora, desconhece Nosso Senhor Jesus Cristo.

Então qual é a razão de lembrar essas noções?

Uma coisa é ter na mente esses princípios teoricamente. Outra é ter disso um senso vivo e contínuo, como algo que está à flor da pele. De tal maneira que em todas as ocasiões da vida civil em que notarmos estar sendo negada a realeza de Cristo, isso deve nos causar dor, tristeza e indignação.

Esse laicismo que caminha para um positivo ateísmo em todas as coisas, deve nos ferir de forma a vivermos na sociedade de hoje num estado de exilados, como alguém que reside num lugar onde tudo está posto de cabeça para baixo, e vive num protesto interno e contínuo disto. É assim que por toda a parte anda o fiel vassalo, o fiel militante de Cristo Rei.

É só assim que nós podemos ser verdadeiros soldados de Cristo Rei. Não adianta ter na cabeça, no “mundo da lua”, uma porção de ideias de Cristo Rei, sem que a todo o momento não estejamos percebendo as negações, ou as palidíssimas e timidíssimas afirmações da Realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Lembro-me de que, quando fui constituinte em 1934 — depois isto se repetiu nas outras constituições, com estes ou aqueles termos —, vi um exemplo claro disso no preâmbulo proposto por um deputado católico muito ardoroso e muito aplaudido: “O povo brasileiro, pondo sua confiança em Deus e constituído em assembleia soberana, resolve tal coisa.” Como quem dissesse: “Deus, você é um Guaçu(1) que está lá em cima e pode me estragar ou ajudar muito as coisas. Quero, portanto, que você seja um amigo. Mas “ex auctoritate propria” eu faço o que desejo. E ponho minha confiança para que você faça dar certo”.

No próprio instrumento em que se afirma confiar em Deus, está negada a Realeza de Deus. Isto é uma coisa que um católico possa ver sem amargura? Não pode. E quando ele vê sem amargura, não é um verdadeiro devoto de Cristo Rei.

O modo mais autêntico, elevado e sublime de realizar o Reino de Cristo

O carregar dia e noite, a todos os momentos, em todas as ocasiões, essa amargura, essa tristeza — mas tristeza militante! — de que a realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo está sendo subestimada aqui, negada lá, injuriada acolá, isto nos deve caracterizar.

E na festa de Cristo Rei devemos ter muito em vista essas considerações para compreendermos bem qual é a formação que precisamos adquirir; devemos ter aqui a atitude e a postura de exilados.

E lembrar que, para além dessa tristeza, Nosso Senhor Jesus Cristo Rei tem uma promessa para nós: a realização do seu Reino do modo mais autêntico, mais elevado, mais sublime que se possa imaginar, que é por meio da Realeza de Maria Santíssima. É o Reinado de Nossa Senhora, que na fímbria do horizonte se anuncia na promessa de Fátima: “Por fim o meu Imaculado Coração triunfará”.

Então precisamos ter um horror da situação atual e um desejo ardente da situação para a qual estamos sendo solicitados, e que nos é dado como uma promessa. Este deve ser o nosso estado de espírito contínuo, em todas as ocasiões e em todos os momentos.

Ter isto bem em vista e pedir a Nossa Senhora a graça da presença contínua dessa ideia é algo que convém muito rogar em nossas orações a Cristo Rei.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/10/1964)

Revista Dr Plinio 176 (Novembro de 2012)

 

1) Do tupi-guarani: grande.

Jesus Cristo Rei, Profeta e Sacerdote

Seria uma belíssima leitura do Evangelho considerar, nas várias atitudes do Divino Salvador, se Ele está agindo como Rei, Profeta ou Sacerdote. Maria Santíssima tem, como ninguém, uma correlação com cada um desses títulos. Também os acontecimentos da História, o mundo angélico e mesmo o mundo visível poderiam ser analisados sob esse prisma.

A Francisco Lecaros respeito da trilogia “Rei, Sacerdote e Profeta” aplicada a Nosso Senhor Jesus Cristo eu gostaria de expor algumas considerações, começando por tratar da ordenação interna desses três títulos, isto é, sobre como eles se relacionam.

Rei da História

A qual deles pertence o primado: é Ele como Rei, como Sacerdote ou como Profeta?

Tenho a impressão de que, na ordem lógica, o primado fundamental é d’Ele como Rei; e o primado na ordem final é como Sacerdote. O Profeta quase faz uma ponte entre os outros dois. Ele é o Rei da História no seguinte sentido: Deus teve as suas intenções com a História, que são as do Homem-Deus. E suas intenções foram um plano que Ele concebeu, o qual a humanidade segue ou não, cumpre ou não cumpre. Esse plano é, provavelmente, relacionado com a atitude do homem perante Deus, com a atitude religiosa do homem, no senti-do mais lato da palavra.

Em segundo lugar, é um plano da ordenação das coisas como corolário, como o homem deve ordenar, desde que ame Deus. De maneira tal que a ordenação dos homens traz uma ordenação dos acontecimentos, e uma ordenação destes acarreta uma ordenação das coisas materiais. Então as civilizações, as culturas, as obras de arte, os arranjos no mundo etc., também correspondem ao plano de Deus.

Nosso Senhor intenciona fazer isso, mas dá liberdade ao homem de realizar uma coisa ou outra; entretanto, o plano d’Ele, de um modo ou de outro, acaba se cumprindo no que tem de essencial, e por uma imposição d’Ele. Porque Nosso Senhor, como Rei, faz realizar-se a glória que Ele queria. Ele manda e, portanto, é um Rei que governa de fato os acontecimentos, por mais que estes pareçam desgovernados.

Um exemplo característico seria com a vida de Jesus. Dir-se-ia que havia um plano que era de Ele vir à Terra e converter o gênero humano. E entrou um plano B em que — não é verdade, mas dir-se-ia — houve a morte e Ele resgatou o gênero humano. De fato, Ele resgatou e cumpriu mais a fundo o plano de levar a humanidade até o Céu. E Nosso Senhor é Rei fundamentalmente por essa condução forte dos acontecimentos. Ele tem o plano, o direito e o poder de mandar. Jesus Cristo tem o mando efetivo. E com esses ou aqueles desvios, as coisas se realizam como Ele quer.

A própria liberdade que o homem possui e, portanto, pode usá-la contra Ele, é dada por Nosso Senhor. Porque, se Ele quisesse, não criava o homem. Ele quis e, no fundo, é a bondade d’Ele que está sendo feita. Ele é o Rei.

Rei-Profeta que sabe tudo quanto irá acontecer

No elemento terminal da trilogia, Jesus é Sacerdote no sentido de que aquilo que Ele fez e ordenou, Ele oferece ao Padre Eterno.

Nosso Senhor é Profeta na acepção de que Ele, como Rei, sabe o que vai acontecer. Não é como os reis da Terra que conjecturam, mas pode não acontecer o que queriam, e suceder o que não previram. Mas Ele sabe tudo quanto vai acontecer e anuncia. E depois Ele leva à condução o que Ele disse.

O dom profético em Nosso Senhor é o conhecimento que Ele tem da própria vontade e do poder; de como e em que medida os fatos, dentro dos planos d’Ele, se ajustarão de maneira a realizar os seus desígnios. E enquanto revelador, porque o profeta revela. Assim eu concebo a trilogia.

Impostação das almas face a Nosso Senhor

Por comodidade de expressão eu disse Rei, Sacerdote, Profeta. Mas cada um desses títulos poderia ser tomado por outra ordem na qual um dos elementos da trilogia teria a dianteira sobre os outros.

Poder-se-ia dizer, por exemplo, que Ele, como Profeta, é o Profeta-Rei: Ele previu, Ele fará, Ele oferecerá. Por qualquer das pontas pode-se ver o triedro todo.

Caráter fundamentalmente moral do plano de Deus

E o que faz dentro disso o plano moral?

Não que o plano moral esteja numa posição secundária à vista disso, mas é uma outra coisa. Ele tem uma amplitude, um senso lato e até latíssimo que ultrapassa a mera interpretação mais estrita do exame de consciência individual, mesmo quando transposto para a clave dos povos, se esta equivale apenas a uma soma de mortificações que os homens têm que oferecer para alcançar a vida eterna.

A realidade moral a que me refiro é a impostação total da alma humana, atingindo, portanto, a disposição da vontade, da inteligência e da sensibilidade, o cumprimento do Primeiro Mandamento em toda a sua amplitude pelo homem. Mas numa amplitude tal que não fica apenas o preceito a ser cumprido, mas um voo da alma para Deus, que se realiza, por assim dizer, independente do preceito, por uma propriedade da alma que vai para o Criador.

Fundamentalmente, é a impostação das almas em face d’Ele, não só para que todas vão para o Céu e sejam felizes, mas é para que possam ordenar para a glória de Deus esta Terra, teatro de bata-lha esplendoroso da glória d’Ele.

Nosso Senhor Jesus Cristo amará a Terra mesmo depois de destruída pelo incêndio, por ocasião do Juízo, como um general preza um campo de batalha no qual ganhou um grande embate. Se depois houve um homem que ateou fogo e liquidou com as gramas do campo de batalha; para o general isso é uma coisa muito secundária. O importante é que ele venceu a batalha naquele campo. Assim também a Terra. Os homens bons, os justos tornaram-na sagrada pela batalha que venceram com Nosso Senhor Jesus Cristo.

É nessa amplitude que se pode falar do caráter fundamentalmente moral desse plano.

Um só todo na ordem moral

Ao estudar certas correntes teológicas, vi que faziam uma distinção entre o plano moral e o ontológico. Entretanto, não me parecia adequado distinguir o plano moral do ontológico daquela maneira, porque a raiz da Moral está na Ontologia. A boa Ontologia das coisas é o fundamento, o ponto de partida da Moral, pois a ordem das coisas está na natureza das mesmas coisas, é um imperativo desta natureza.

“…devemos pensar em Nosso Senhor Jesus Cristo Sacerdote: oferecendo esse imenso ‘bonum, verum’, pulchrum” que o precioso Sangue d’Ele tornou possível.”

Na época, eu li aquilo, percebi que estava errado e não sabia refutar. Com o curso dos anos, fui refletindo e conseguindo explicitar.

Ademais, a ordem moral “latu sensu” é intimamente vinculada à ordem moral em seu sentido estrito. Elas se condicionam mutuamente. De maneira que não pode haver uma ordem moral sem verdadeiro “pulchrum”, sem um autêntico “verum”; e não pode haver um autêntico “verum” sem “pulchrum”; os três elementos do triângulo por sua vez se revertem uns nos outros e constituem um só todo no qual, entretanto, podem-se fazer distinções. Então, um mundo pulcro, acontecimentos pulcros, almas pulcras, uma História pulcra, tudo isso faz parte desse conjunto moral ao qual me refiro.

É assim também que devemos pensar em Nosso Senhor Jesus Cristo Sacerdote: oferecendo esse imenso “bonum, verum, pulchrum” que o precioso Sangue d’Ele tornou possível.

Enquanto Rei, Ele tinha o plano de fazer com que a História apresentasse um “verum, bonum, pulchrum” resplandecente, e que a Terra fosse mais bela, depois de ter vencido a prova e as tentações do demônio, do que seria se ao demônio não fosse dada a oportunidade de tentar.

Pensemos nas naus de Vasco da Gama procurando atravessar o cabo da Boa Esperança. Aquilo tem um “pulchrum” em si que é o “pulchrum” da tormenta e o do homem procurando enfrentá-la. Tem uma beleza própria da luta do homem contra os elementos.

Maior ainda é a beleza da luta do homem contra o homem. E uma batalha — que é a luta de muitos contra muitos — tem uma beleza muito maior do que a luta de um contra outro.

Reflexos da trilogia no mundo angélico

Reportando ao mundo angélico, eu seria propenso a achar que os elementos dessas três manifestações de glória de Nosso Senhor — Rei, Sacerdote e Profeta — se encontram refletidos na ordem angélica, de maneira que há Anjos chamados, por sua natureza, a glorificá-Lo mais enquanto Rei, Anjos mais glorificativos do Sacerdote, e outros mais glorificativos do Profeta.

Em torno dessa hipótese — que submeto inteiramente ao ensinamento da Igreja — haveria temas muito “suculentos” a abordar como, por exemplo: Qual é o coro mais alto?

Absolutamente falando, o que é mais elevado: a realeza ou o sacerdócio? Ou será, em algum sentido, o profetismo? Uma vez que o profeta, enquanto recebendo uma comunicação de Deus, introduz nesta ordem algo superior a ela, não é mais do que o rei e do que o sacerdote?

Seria muito bonito, à luz dessas considerações, classificar os coros angélicos existentes, e imaginá-los constituídos assim, reluzindo e cantando a Nosso Senhor Jesus Cristo como Rei, como Profeta e como Sacerdote de maneiras diferentes.

Reluzimentos no mundo visível

Nasceria daí uma pergunta que me encanta, mas para a qual não tenho senão vislumbres de resposta:  Poder-se-ia num mundo sensível, visível, como também no mundo das almas, imaginar almas mais voltadas a contemplar a Nosso Senhor Jesus Cristo como Rei, outras como Sacerdote e outras como Profeta?

A consideração de Nosso Senhor  Jesus Cristo como  Guerreiro cabe  evidentemente no  rei. Cristo gladífero seria Ele enquanto Rei, que avança de gládio em punho  para mandar, etc.

A consideração de Nosso Senhor Jesus Cristo como Guerreiro cabe evidentemente no rei. O general ato, a condição de guerreiro é própria ao rei. O rei, quando não é obedecido ou se lhe transgride a vontade em qualquer coisa, é o que luta, faz a guerra para impor a sua vontade. É conforme a ordem e o direito. De maneira que é essencial à função de rei. Cristo gladífero seria Ele enquanto Rei, que avança de gládio em punho para mandar, etc.

Então nesta Terra nós não poderíamos considerar vislumbres disso, por exemplo, no pai de família? Ele não tem um pouco do sacerdote, do rei e do profeta? Reluzimentos ele possui.

É conhecido o aforismo: “O pai é rei de seus filhos, o rei é pai dos pais.” Realmente, a presença do pai só é plena na casa quando ele é majestoso, o atrativo e a movimentação da residência. Ele enche a casa com o movimento forte e o pulsar de sua alma.

De outro lado, o pai tem qualquer coisa de sacerdotal. A missão sacerdotal foi toda absorvida pelo sacerdócio sobrenatural e pertence a uma classe instituída por Nosso Senhor. Mas não deixa de ser verdade que o pai de família conserva residualmente uma representação da família junto a Deus. E por causa disso é ele que consagra a família ao Sagrado Coração de Jesus, não é necessariamente o sacerdote; ele pode rezar, dar bênção, tem certas funções de intermediário natural junto a Deus, que não desapareceram.

Certa ocasião, um bispo me disse que a oração do pai e da mãe, Deus atende muito mais especialmente do que qualquer outra prece. Porque aquele é o pai, aquela é a mãe; embora uma pessoa possa rezar por um determinado filho de outrem com mais fervor, com mais virtude, se é o pai que está pedindo, Deus toma em consideração especial a oração do pai. Não quer dizer que Ele leve mais em conta a oração do pai do que a de um Santo, mas que é um título especial próprio para ser atendido. De maneira que um mau pai que faça uma boa oração a favor de seu filho tem condições especiais de ser atendido. A “fortiori” se for bom pai. Há uma qualquer coisa de sacerdotal nisso, e a família vive suas horas augustas desse modo.

Profeta. Não se pode negar que muito difusamente se encontra daqui, de lá e de acolá, além da função de guia, própria ao profetismo, uma certa capacidade de precognição do futuro em determinados pais e mães: “Olha, cuidado, vai acontecer assim…” Ou então quando dizem: “Bom filho, tu vais ser abençoado, Deus vai te dar tais graças…”; e, de um modo ou outro, Deus concede. É um complemento harmonioso da autoridade paterna.

Nós não teremos uma obrigação de desenvolver esse tríplice aspecto de nossa personalidade? E no Reino de Maria esses três lados não vão reluzir muito mais nos homens, embora nas proporções da vocação de cada um? Eu acredito que sim.

Por exemplo, Santo Inácio de Loyola era um verdadeiro rei, sacerdote e profeta para os seus filhos espirituais.

Distinguindo esta trilogia nos acontecimentos da História

Poder-se-ia fazer uma História que procurasse distinguir os aspectos “régios”, “proféticos” e “sacerdotais” presentes em todo exercício de poder de alguém e na história de alguém ao longo da vida. Assim, todos os acontecimentos históricos dariam glória a Nosso Senhor Jesus Cristo enquanto Rei, Profeta e Sacerdote, na medida em que, nesses acontecimentos, esses aspectos fossem mais salientes.

Então, por exemplo, a batalha de Lepanto não é uma glorificação da realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo, no que ela tem de mais quintessenciado, que é a realeza de Nossa Senhora? A meu ver, pode-se e deve-se achar isso.

Considerados sob este prisma, os acontecimentos da História, à medida que se desenrolassem, glorificariam a Nosso Senhor Jesus Cristo, à Santíssima Trindade por meio de Nossa Senhora, pois todas as graças e favores espargidos ao longo da História por Deus vieram porque Ela pediu. Compreende-se assim a onipotência suplicante d’Ela, conseguindo que a roda da História se movesse no sentido da glória de Deus.

Tudo isso ponderado, no Juízo Final reluziriam sucessivamente essas três luzes com aclamações e esplendores em que, nunca deixando de brilhar, cintilassem ora mais, ora menos, considerando a História do conjunto da humanidade. Então, diante de tal acontecimento preponderantemente régio, sacerdotal ou profético, ora as almas régias, ora as sacerdotais, ora as proféticas clamariam de um modo especial e dariam à Santíssima Trindade, ao Verbo Encarnado, a Nossa Senhora uma glória especial àquele título.

A instituição da Igreja foi um ato de realeza do Redentor

Maria Santíssima teria, como ninguém, uma correlação com cada um desses três títulos, na devida proporção e de modo uniforme. Ela é “Regina Prophetarum” e a Co-Redentora do gênero humano.

Rei, Sacerdote e Profeta no Evangelho

Constituiria uma belíssima leitura do Evangelho considerar, nas várias atitudes de Nosso Senhor, se Ele está agindo como Rei, como Profeta ou como Sacerdote. E, tomando a figura do Santo Sudário, imaginá-la animada, falando e exprimindo-se conforme as diversas cenas evangélicas.

Vemos, então, que o conceito de realeza, sendo a d’Ele, toma uma amplitude diversa da que nossa inteligência humana seria levada a conceber. Desde logo os limites se rasgam. Por exemplo, o poder que Ele tinha de fazer milagres, creio que Ele o exercia como Rei: mandar aplacar a tempestade, expulsar os vendilhões do Templo são caracteristicamente atos de realeza.

Também quando Ele instituiu a Igreja foi um ato de realeza. Porque é próprio ao rei fazer uma instituição. De algum modo a realeza antecede ao reino, o rei funda o reino. Nosso Senhor Jesus Cristo, fundando a Igreja, num sentido mais especial, funda o Reino d’Ele. Então: “Tu és Pedro e sobre esta pedra… Eu te darei as chaves do Reino do Céu…” (cf. Mt 16, 18-19), tem uma majestade!

Coroado de espinhos, Ele era Rei. O Rei que reina do fundo do infortúnio.

Entretanto, notem que coisa bonita: durante toda a Paixão, Ele fez, ao mesmo tempo, o papel de Rei, de Sacerdote e de Profeta. Porque Nosso Senhor profetizou durante toda a Paixão a vitória d’Ele.

A divina altivez, uma das notas da presença d’Ele durante toda a Paixão, é a profecia da vitória. Ele, como Rei, coroado de espinhos, entretanto sabia muito bem que have-ria um momento em que o portador da mais alta coroa da Terra, em certo sentido, a da França, faria uma cape-la para conter um espinho da Coroa d’Ele. Apesar daqueles verdugos es-tarem caçoando, havia n’Ele a segurança do Profeta. Quando Ele disse “Destruí este templo e Eu o reconstruirei em três dias” (Jo 2, 19), falava de Si mesmo como templo, e que ressuscitaria ao cabo de três dias. Entra aí o Sacerdote, em termos magníficos, falando de Si mesmo como se fosse um templo: Pontífice e Vítima. Porque Ele como Vítima é Ele como Sacerdote. Quer dizer, as coisas se entrecruzaram.

Nosso Senhor, com uma vara na mão, o cetro de irrisão da realeza, e a túnica de bobo, sabendo, entretanto, que todos os doutores iriam analisar ponto por ponto o que Ele tinha dito e encontrariam abismos de sabedoria onde aqueles boçais estavam fazendo o que estavam fazendo. É um profetismo de sabedoria.

Nenhum rei ousaria empunhar essa cana! Vou dizer mais: nenhum Papa ousaria empunhá-la. No máximo consideraria uma glória imensa possuir um fragmentozinho dessa cana.

No total, Ele é que foi Rei! E sabia que aquilo proclamava a grandeza d’Ele. Quer dizer, era Profeta, um Rei que profetizava, e que Se oferecia com Vítima. Ele era, pois, na Paixão, o Rei, o Profeta e o Sacerdote. É uma verdadeira beleza!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 26/11/1982)

Cristandade, o verdadeiro reinado de Cristo

Percorrendo a vossa cidade, e examinando os vossos monumentos sagrados, até encontrei um altar com esta inscrição: Ao Deus desconhecido. Pois bem! O que venerais sem conhecer é que eu vos anuncio” (Atos 17, 22). Isto disse São Paulo no Areópago de Atenas, há mais de dois mil anos.

Os atenienses nem sequer conheciam a Deus, porém o adoravam. Por quê? “Anima humana, naturaliter christiana”, já dizia Tertuliano.

Se a alma humana é naturalmente cristã, seu autêntico gáudio está onde Cristo verdadeiramente se encontra, ou seja, na Igreja Católica. Constituída por membros vivos que compõem o Corpo Místico de Cristo, a Igreja transmite aos fiéis a própria imagem do Salvador.

Nas seguintes considerações, Dr. Plinio nos apresenta a intrínseca ligação que há entre a Igreja e a Cristandade:

“Lendo a História Sagrada explicitei que Nosso Senhor Jesus Cristo era a própria perfeição, e que as coisas só deveriam ser amadas na medida em que se parecessem com Ele.

“Era preciso ser conforme a Ele, e, portanto, conforme a Igreja instituída por Ele. E, por causa disso, era necessário amar as pessoas que tinham o espírito religioso, bom, verdadeiro.

“Em certo momento, pela natural maturação do espírito humano, dei-me conta de que havia nações, veios, correntes de opinião mais católicos e menos católicos. E que a esse mundo formado segundo a Religião Católica, se dava o nome de Cristandade.

“O nome me pareceu, no seu próprio som, augusto e majestoso, deleitável no mais alto ponto. Cristandade, mas que expressão bonita! Como é que uma simples palavra podia ter tanta majestade, tanta doçura? Cristandade!

“O que é a Cristandade? É, afinal de contas, a ordem de Cristo, quer dizer, a boa ordenação das coisas segundo Jesus Cristo, no Reino de Cristo.

“O que é o Reino de Cristo?

“É o conjunto das nações, que forma uma família em torno da Igreja e que vive na paz de Cristo, sob o Reino de Cristo; essa é a Cristandade.

“A Cristandade é a família das nações que vivem no Reino de Cristo. Esse conjunto de nações, como a nação é uma realidade temporal, existe nesse mundo, mas não existirá no outro mundo. No Céu não haverá nações, elas todas se dissolvem na realidade celeste.

“Qual é a relação entre a Cristandade e a Igreja? A Igreja é a alma da Cristandade. Não é possível que uma nação pertença à Cristandade sem pertencer à Igreja. A nação que se afastar parcialmente da Igreja será um membro doente da Cristandade. A Igreja é a sociedade de todos os indivíduos que acreditam na verdadeira Fé, estão sob a autoridade dos legítimos pastores e vivem segundo a Lei de Deus.

“Os homens que constituem a Igreja, vistos no plano terreno, constituem a Cristandade.

“Poderíamos dizer que — todo exemplo claudica — Igreja sem Cristandade é como uma alma sem corpo; mas a Cristandade sem a Igreja é como um corpo sem alma. Quer dizer, a Igreja faz mais falta à Cristandade do que a Cristandade faz falta à Igreja. Porque uma alma sem corpo vive; um corpo sem alma é um cadáver, apodrece.”

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 8/8/1983)

Reflexões em torno da Festa de Cristo Rei

Aproveitando a ocasião de uma Festa de Cristo Rei, Dr. Plinio comenta, enlevado, os diversos reluzimentos da infinita majestade de Nosso Senhor Jesus Cristo ao longo de sua passagem neste mundo. Majestade coroada nas glórias da Ressurreição e perpetuada nos grandiosos acontecimentos da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

Ao considerarmos a celebração da realeza de Cristo e, pois, da majestade do Filho de Deus, creio ser conveniente voltarmos nossos olhos para um aspecto pouco ressaltado quando se aborda esse tema.

Risco, dor e dever são inerentes à majestade

Majestade, do latim “major stare”, significa estar acima, no píncaro. Devemos então começar por compreender que essa condição de supremacia envolve muita reflexão. Não uma reflexão qualquer, mas inspirada, iluminada e elevada pela graça. Esse teor de pensamento patenteia, à pessoa que se encontra nessa posição suprema, o dever, o risco e a dor inerentes à sua condição. Porque possuir majestade consiste também — e não na menor medida — em aceitar a dor, o risco, as obrigações com todos os seus ônus.

Alguns espíritos contemporâneos, superficiais e avessos à reflexão, amigos das facilidades e inimigos da dor e do sofrimento, talvez se sintam contrariados com essa noção de majestade. Tal recusa, porém, não torna essa noção perempta, porque ela permanece invariável: se alguém se afasta dela, não é o conceito que decai, e sim esse alguém. Mais ou menos como um navio que afunda e, por isso, se distancia da luz do sol. Não é o astro que soçobra e desaparece, mas o navio. O sol continua a brilhar no alto dos céus.

A majestade autêntica provém da Fé

As grandes verdades e normas, os grandes princípios e planos, as grandes máximas e execuções são os aspectos por onde um homem, mesmo de condição comum, pode ter majestade. Portanto, essa majestade todo indivíduo deve desejar, sem nenhum prejuízo para a modéstia e a virtude da humildade que ele igualmente deve praticar.

Pois, entendamos, a majestade não é uma faceirice como uma gravata ou um atavio que vestimos para mostrar aos outros: “Veja, chegou-me de Paris”. Não, a autêntica majestade não é enfeite, e nunca ensoberbece aquele que a possui. Pelo contrário, o indivíduo que tem majestade se sente sempre pequeno diante dela, compreende que, por mais majestoso que seja, como simples indivíduo não é diferente de todo mortal. A majestade lhe vem da fé, da influência da Santa Igreja à qual ele se dispõe a aceitar. Se for honesto consigo mesmo, ele se perguntará sempre se levou sua própria majestade à altura para a qual foi criado.

O Rei por excelência, crucificado e rejeitado

Tocamos, então, no exemplo sublime que ilustra os conceitos acima considerados: Nosso Senhor Jesus Cristo.

Pensemos na majestade do Homem-Deus no Calvário, sentenciado, condenado e pregado na cruz. Sobre Ele recaíram as piores execrações possíveis. Era o rejeitado por excelência, como nenhum outro ser humano fora nem será. Durante três anos de sua vida pública, Nosso Senhor não fez senão procurar atrair os outros, manifestando-lhes uma sabedoria, uma misericórdia e uma bondade infinitas. Seu império sobre as forças da natureza tornou-se patente em mais de uma ocasião. Um poder capaz de levantar um morto sepultado há quatro dias e que já cheirava mal, com uma simples ordem: “Lázaro, sai para fora!”

As tempestades agitam as águas do mar e, a uma palavra d’Ele, tudo serena. Falta vinho, Ele manda encher algumas bilhas de água e, quando o mordomo se põe a servir, espanta-se com a qualidade do vinho que é oferecido aos convidados das bodas de Caná. A multidão tem fome? Ele multiplica os pães e os peixes e ordena aos Apóstolos saciar aquela gente. A comida se verifica tanta que, com os restos, ainda enchem doze canastras.

Por onde Nosso Senhor passava, maravilhas se sucediam. Poder, sabedoria, bondade e ternura insondáveis. Seu olhar, sua fisionomia, suas mãos e sua presença divinas estavam repletos de dons ofertados aos homens. O povo O proclama rei para em seguida rejeitá-Lo em favor do facínora Barrabás.

Rejeição completa, na qual Nosso Senhor nada perdeu de sua majestade infinita, de sua distinção incomparável. Qualquer um que, de olhar límpido e isento de preconceitos, O visse pregado na cruz, ajoelhar-se-ia e diria: “Meu Rei!”

Não houve nem haverá na História um monarca que tenha, sequer de longe, manifestado semelhante majestade.

Grandeza régia do cadáver divino

Nosso Senhor morre, alguns discípulos mais corajosos retiram o corpo d’Ele da cruz. Ao longo dos séculos, os pintores têm se empenhado em salientar um aspecto verdadeiro da descida da cruz, isto é, o corpo santíssimo de Jesus sujeito às leis da gravidade, sem vida, pendendo para onde o inclinam. Retirado do madeiro, o depositam no colo virginal de Maria Santíssima e o preparam para ser deixado na sepultura. Igualmente se esforçam os artistas em retratar a dor da Mãe e a inanição do Filho.

Entretanto, se me fosse dado sugerir algo a um pintor ou escultor, pediria que encontrasse um meio de apresentar, na simplicidade e misérias extremas dessa Mãe e desse Filho, a sublime majestade de ambos: a régia grandeza do cadáver divino, e como Maria se sentia dignificada com aquele tesouro depositado no seu colo.

Incomparável majestade da Ressurreição

Pensemos, em seguida, na Ressurreição e naquilo que poderíamos chamar de “re-esplendor” da majestade de Nosso Senhor Jesus Cristo. No interior do jazigo, escuridão profunda. Mais majestoso do que todo o céu e do que toda a terra, ali repousa o corpo exangue do Redentor. Em determinado momento — imaginemos — a alma santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo a ele retorna e o revivifica, vencendo a morte.

Se um relâmpago, mera descarga elétrica, pode ser majestoso; se o sol, cujo fulgor é produto de gases em combustão, tantas vezes nos parece envolto em majestade, que dizer da apoteose que terá sido a alma de Cristo voltando ao seu corpo?

O tema é por demais elevado para nossas cogitações, e creio que pincel de artista algum seria capaz de representá-lo de maneira conveniente.

A pedra do sepulcro se move e o Senhor Glorioso abandona as trevas do túmulo para reaparecer na luz da vida. É a primeira festa de Páscoa da História da Igreja e que se repetirá, todos os anos, até o fim dos tempos. Majestade!

Pentecostes e as catacumbas: exemplos perfeitos de majestade

Poderíamos ainda evocar outras cenas que se seguiram à gloriosa Ressurreição do Rei Divino, as quais espargem reflexos de sua infinita majestade.

Cenáculo. Nossa Senhora e os Apóstolos estão ali reunidos, recolhidos em oração e recordações dos ensinamentos do Mestre. Sentem que algo de extraordinário está por acontecer. Seus corações se inflamam a cada nova oração, a cada nova lembrança das palavras de Jesus. O ambiente se reveste de grandeza, e os discípulos se tomam de um encantamento crescente pela pessoa de Maria Santíssima, vendo n’Ela a imagem do Filho. Tudo reluz.

Subitamente, quando pensam que atingiram o auge de suas cogitações, tudo ainda estava por vir: o Divino Espírito Santo aparece em forma de línguas de fogo e deita sobre cada um deles a plenitude de seus dons. Majestade!

Muda a cena. Correm os séculos, e estamos nas catacumbas de Roma. Labirintos escavados no subsolo da velha urbe. Terra onde os cristãos depositam os corpos inanimados dos seus mártires. Naqueles túneis vivem e transitam pessoas humildes e ilustres, ricos e estropiados, católicos de todas as condições que iam assistir a Missa celebrada pelo sucessor de Pedro.

É uma noite de Natal, digamos. Noite comum para os romanos antigos, alguns dos quais se embriagavam em orgias; mas, lá embaixo, naquela cidade sob a cidade, entre paredes ornadas com pinturas primitivas que lembram cenas evangélicas, o Papa celebra o nascimento e a glória de Cristo. Exemplos perfeitos de majestade.

Revestida de seu manto majestoso, a Igreja atravessa os séculos

É a majestade da Fé, a majestade do sobrenatural professada até nas condições hostis e adversas das catacumbas, desafiando o martírio e a morte, enfrentando o império mais poderoso da Terra, admirando a pessoa do vigário daquele Cristo que adoram, com uma reverência tão grande que sua admiração ilumina aquele subterrâneo inteiro.

Majestade das almas, e, mais ainda, majestade de Deus que de algum modo se comunica àqueles primeiros cristãos e brilha nos seus olhares e na suas demonstrações de Fé.

Majestade primitiva da Igreja que continha em germe todas as majestades que ela manifestaria ao longo dos séculos, nas suas liturgias e na sua história, como uma rainha revestida de um imenso e precioso manto de beleza.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 27/11/1982)

Santa Catarina de Alexandria

Na antiga Alexandria, num período em que os cristãos se deixavam tomar de tibieza e excessiva acomodação diante da idolatria pagã, Deus suscitou Santa Catarina para que — segundo narra uma vidente — com sua luz interior e seu zelo inflamado, reanimasse neles o fervor católico. As palavras, o exemplo e o glorioso martírio de Santa Catarina converteram a muitos que, talvez, de outro modo não se teriam salvado.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Santa Catarina de Alexandria, virgem heroica e grandiosa

Enfrentou a morte com grande Fé e serenidade. Após seu martírio, os Anjos levaram o seu virginal corpo para o Monte Sinai, a montanha mais augusta que há na Terra, depois do Gólgota.

No dia 25 de novembro, comemoramos a festa de Santa Catarina de Alexandria, virgem e mártir. Sobre sua morte, o Abbé Darras, em sua obra Vida dos Santos, traz a seguinte narração:

”Lavai minha alma no sangue que vou derramar”

Maximiliano, Imperador, ordenou a morte de Santa Catarina. Foi ela conduzida ao lugar do suplício em meio a uma multidão, sobretudo de mulheres de alta condição, que choravam a sua sorte. A virgem caminhava com grande calma. Antes de morrer, fez a seguinte oração:

“Senhor Jesus Cristo, meu Deus, eu Vos agradeço terdes firmado meus pés sobre o rochedo da Fé, e terdes dirigido meus passos na via da salvação. Abri agora vossos braços feridos sobre a Cruz, para receber minha alma que eu sacrifico à glória de vosso Nome.

“Lembrai-Vos, Senhor, que somos feitos de carne e sangue. Perdoai-me as faltas que cometi por ignorância, e lavai minha alma no sangue que vou derramar por Vós.

“Não deixeis meu corpo, martirizado por vosso amor, em poder dos que me odeiam.

“Baixai vosso olhar sobre este povo e dai-lhe o conhecimento da verdade.

“Enfim, Senhor, exaltai, em vossa infinita misericórdia, aqueles que Vos invocarão por meu intermédio, para que vosso Nome seja para sempre bendito.”

Em seguida, mandou que os soldados cumprissem as ordens, e sua cabeça foi decepada de um só golpe.

Era o dia 25 de novembro. Numerosos milagres logo foram constatados. Os Anjos, como ela o desejara, transportaram seu corpo para a santa montanha do Sinai, a fim de que repousasse onde Deus escrevera sobre a pedra sua Lei, que ela guardara tão fielmente escrita em seu coração.

Contrastes da graça: lágrimas das companheiras e serenidade da mártir

Este é um trecho de tal elevação, que até lamentamos ter de comentá-lo. Ficar-se-ia mais satisfeito deixando o texto assim, brilhando ao céu, no horizonte, suspenso e emitindo luzes. Mas já que é preciso comentar, vamos aos pormenores.

Foi ela conduzida ao lugar do suplício em meio a uma multidão, sobretudo de mulheres de alta condição, que choravam a sua sorte.

Chama a atenção o fato de se tratar, principalmente, de senhoras de alta condição as que constituem o séquito da Santa mártir. Quantas possibilidades de salvação tem ainda um país onde as senhoras de alta condição acompanham ao lugar do suplício, solidarizando-se e chorando junto a ela, uma mártir fulminada pela cólera do Imperador! Um monarca onipotente, o qual pode mandar matar todos aqueles que se desagradarem de alguma atitude dele. Entretanto, todas essas damas seguem Santa Catarina, e vão chorando.

Vejam a diversidade dos dons do Espírito Santo e dos efeitos da graça: é bom e belo elas irem chorando. Contudo, esse dom das lágrimas manifestado nas mulheres nesse momento contrasta, pela sublimidade, com o fato de Santa Catarina não chorar. Ela permanecia quieta e com uma grande calma, caminhando de encontro à morte, inundada de graças do Espírito Santo, de outra natureza, por onde a mártir não derramava por si as lágrimas que a graça queria que as outras vertessem por ela.

Como deveria ser impressionante este cortejo de damas andando entre os soldados, e ela no meio, a única calma, a aconselhar todas a manterem a tranquilidade, consolando-as até chegar o momento em que ela deveria morrer.

Palavras que se projetam como raios de luz

Então, no fim da vida, ela emite uma oração com uma forma especial de beleza: um conjunto de afirmações e pedidos que se projetam como raios de luz, e brilham no horizonte com um encanto próprio.

Senhor Jesus Cristo, meu Deus…

Com isso Catarina afirmava ser Jesus Cristo seu Deus, e que ela não reconhecia outra divindade senão Ele. Em seguida, o primeiro pensamento, a primeira palavra, a primeira graça mencionada por ela, no momento de morrer, qual é?

…eu Vos agradeço terdes firmado meus pés sobre o rochedo da Fé, e terdes dirigido meus passos na via da salvação.

Como quem diz: “Eu Vos agradeço por ter pertencido a Vós, que sois a fonte da minha salvação, o ponto de partida de todo o bem que possa haver em mim. Eu sou boa porque Vós sois bom e me destes a bondade. Eu Vos agradeço a Fé que me doastes e a firmeza que me concedestes nessa Fé. Eu Vos agradeço o amor à virtude que me destes e a firmeza que Vós me outorgastes no amor a essa virtude. É esse o primeiro benefício que Vos agradeço, reconhecendo que tudo quanto em mim há devo à vossa iniciativa.”

Sacratíssima e augustíssima familiaridade com o Divino Redentor

Abri agora vossos braços feridos sobre a Cruz, para receber minha alma que eu sacrifico à glória de vosso Nome.

Pode haver uma imagem mais bonita do que essa? O Divino Crucificado que desprende da Cruz seus braços sangrando para acolher a alma dessa Santa, que sai também inundada do sangue do martírio, para ser recebida por Ele.

Que maravilhosa intimidade nesse encontro do Mártir dos mártires com uma mártir heroica e grandiosa! Que bela ideia a do sangue dela misturando-se ao Sangue infinitamente precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo! Que elevada e profunda noção do Corpo Místico de Cristo há nisso! Que sacratíssima e augustíssima familiaridade com o Divino Redentor!

Santa Catarina possuía de tal maneira a convicção de estar sua alma unida à d’Ele, e de que a morte selava essa união, que Lhe pedia a abraçasse tão logo ela entrasse na eternidade. Tal era sua certeza de ir para o Céu!

Depois acrescentava:
Lembrai-vos, Senhor, que somos feitos de carne e sangue. Perdoai-me as faltas que cometi por ignorância, e lavai minha alma no sangue que vou derramar por Vós.

Ela temia ter cometido, por ignorância, algum pecado. Era isso o que essa alma tinha para acusar contra si própria. Então suplica a Nosso Senhor o perdão das faltas, como se dissesse: “Antes de derramar o meu sangue por Vós e de ir para o Céu, quero que Vós laveis a minha alma no vosso Sangue”.

Não deixeis meu corpo, martirizado por vosso amor, em poder dos que me odeiam.

Monjas contemplativas, no alto do Sinai, velam seu corpo

Tendo pensado em sua alma, suplicando que esta fosse lavada das faltas e recebida por Nosso Senhor, Santa Catarina cogita, então, no corpo dela, e pede que ele não seja deixado em mãos de seus inimigos, daqueles que a odeiam porque têm ódio a Ele.

Vejam o respeito que devemos ter pela santidade do próprio corpo, o qual constitui um todo com nossa alma na prática da virtude.

Também, que atendimento magnífico dessa oração! Foi só ela morrer, os Anjos vieram e levaram o seu corpo para a montanha mais augusta que há na Terra, depois do Gólgota, do Monte Calvário: o Sinai, onde a Lei de Deus nos foi dada.

Até hoje os restos mortais desta virgem mártir encontram-se no Monte Sinai, onde há um mosteiro de monjas contemplativas que guardam esse corpo e meditam sobre a Lei de Deus, ali concedida aos homens.

Baixai vosso olhar sobre este povo e dai-lhe o conhecimento da verdade.

Ela já não pensa em si, mas nos circunstantes.

Enfim, Senhor, exaltai, em vossa infinita misericórdia, aqueles que Vos invocarão por meu intermédio, para que vosso Nome seja para sempre bendito.

Portanto, ela intercede desde já junto a Deus para atender todo mundo que por meio dela venha pedir alguma graça.

Pedir a graça da serenidade diante dos riscos

Em seguida, mandou que os soldados cumprissem as ordens, e sua cabeça foi decepada de um só golpe.

A calma e a resolução. Feita a oração, nenhum tremor, nenhum desejo de contemporizar um pouco. Também nenhuma precipitação de quem tem medo de enfrentar a morte, correndo em direção a ela. Não! Ela diz tudo quanto tem a dizer e, terminado isso, entrega-se às mãos de Deus. Os soldados a matam e a oração dela é atendida.

Qual o efeito, de caráter espiritual, que a consideração dessa grande Santa mártir nos leva a desejar?

Devemos pedir a ela que, quando surgirem circunstâncias nas quais tivermos de enfrentar riscos, ou talvez até perder a vida, na luta contra os adversários da Santa Igreja, tenhamos aquela serenidade que só a graça dá perante a morte.

A morte, essa dissolução da unidade entre a alma e o corpo, é uma coisa tão tremenda, que só se compreende a serenidade diante dela quando o homem está dominado pela graça divina. Vamos pedir, então, que em todas as ocasiões da vida nós tenhamos, diante dos riscos, essa calma levada até o sacrifício extremo, caso seja esta a vontade de Nossa Senhora.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 24/11/1965)

 

“Tu o dizes, Eu sou Rei”

Presente em todos os sacrários da Terra, Nosso Senhor Jesus Cristo exerce uma realeza efetiva sobre toda a História, por meio da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

Nosso Senhor Jesus Cristo foi ora aclamado, ora ridicularizado como Rei, coroado de espinhos e, por fim, no alto da Cruz onde Ele foi imolado colocaram a inscrição: “Jesus Nazareno, Rei dos Judeus”. O que havia de autêntico na realeza d’Ele, e qual a relação de sua Paixão com essa realeza?

Realeza incompreensível para os ímpios

Interrogado durante a Paixão, por Pôncio Pilatos, sobre se Ele era rei, Nosso Senhor Jesus Cristo respondeu: “Tu o dizes, Eu sou Rei”.

Entretanto, pouco antes Ele afirmara que seu Reino não é deste mundo. Declaração incompreensível para aqueles bandidos que O atacavam. Do que adianta ser rei para não o ser deste mundo? Há fora deste mundo um reino no qual se possa reinar? Ora, um rei sem reino, é um ex-rei. Donde é, pois, esse reino?

Para debicar de sua realeza, aqueles algozes Lhe puseram uma coroa de espinhos, uma túnica escarlate e uma vara de bobo na mão, à guisa de cetro; e O esbofeteavam, dizendo: “Ave, Rei dos judeus!”

Uma nação ímpia, um governador romano ímpio também, insensíveis ou refratários à verdadeira realeza d’Ele que se irradiava como a luz do Sol, resolveram atender às vontades da plebe e do Sinédrio que queriam matá-Lo por torpes ambições, quiçá, por ódio à santidade d’Ele. E para provar que Ele não tinha poder, nem sabedoria, nem divindade, nem realeza, colocaram-Lhe uma coroa de espinhos sobre a cabeça.

Misto de humilhações e vitórias

O seu Corpo verte Sangue abundantemente, e Ele Se torna purpúreo como se estivesse revestido de um manto imperial, cujo valor é infinito. Abandonado pelos Apóstolos, rejeitado pelo povo eleito, sentado sobre um banquinho ou uma pedra qualquer e levando bofetadas, mantém Ele a mansidão de um Cordeiro com a altaneria de um Leão e a dignidade de um Rei em seu trono, num misto de dor lancinante e de triunfo, que O acompanharão até o Calvário.

Do alto da Cruz, pouco antes de morrer, como um Rei que premia um herói, Ele reabilita um ladrão e canoniza-o, dizendo: “Hoje, tu estarás comigo no Paraíso!”

Assim é a vida do católico, a vida da Igreja: cheia de humilhações e de vitórias. Humilhações tão profundas que se diria nunca mais poder reerguer-se delas; vitórias tão grandes que julgaríamos irreversíveis.

Entretanto, como uma nau que navega levada pelas ondas a alturas e profundidades vertiginosas, assim a barca de São Pedro vai percorrendo a História: com todas as honras, mas também com todas as dores e humilhações de Cristo coroado.

Três espinhos dessa coroa sagrada foram parar em mãos de São Luís IX, Rei de França, que para abrigá-los devidamente mandou construir um dos mais belos monumentos da arte medieval e, portanto, de toda a História: a Sainte-Chapelle, verdadeira caixa de cristal com nervuras de granito, onde se celebra o Santo Sacrifício.

Um Reino que não é deste mundo

Sim, Nosso Senhor Jesus Cristo é verdadeiramente Rei, antes de tudo por ser Ele Quem é: o Verbo de Deus encarnado. Deus é Rei, porque é Deus! Logo, Jesus Cristo é plenamente Rei por sua divindade. Se houve, portanto, alguém digno deste título na Terra, este foi, continua a ser e será Ele, até o fim do mundo.

Assim, quando Lhe perguntaram se era Rei, Ele tinha toda a razão em responder: “Verdadeiramente, tu o dizes, Eu sou Rei!”

Ele fizera inúmeros milagres, convertera os homens, viera para, por sua Paixão e Morte, resgatar do pecado o gênero humano. Não Lhe faltavam, pois, títulos para a realeza.

Os milagres, a santidade e a profundidade incomparável de sua doutrina, o testemunho da Sagrada Escritura, tudo levava a reconhecê-Lo como o Messias.

O Antigo Testamento falava que o Messias, descendente de Davi, seria o Rei de Israel cujo Reino eterno se estenderia sobre o universo inteiro.

Os judeus esperavam, portanto, a vinda de um príncipe da Casa de Davi, um conquistador, um político e um militar extraordinário que brilhasse como um potentado terreno e pusesse longe os romanos conquistadores, tomando conta de Jerusalém para estabelecer um reinado de glória, perto do qual o de Salomão não teria sido senão um tímido prefácio.

Ora, Jesus veio e não conquistou nada, reconheceu a autoridade de César, e disse não pertencer a este mundo o seu Reino.

Reinando de dentro de todos os sacrários da Terra

Contudo, sendo Homem-Deus, não só conhecia, mas dispunha do futuro. O domínio de todos os acontecimentos da História Lhe pertence. Ele sabia que o seu Reino chamar-se-ia Igreja Católica Apostólica Romana.

Não é um reino deste mundo, constituído para ter exércitos e fazer política. É o reino estabelecido para difundir o nome e a mensagem d’Ele a todos os homens, e para que a Lei d’Ele viesse a vigorar, um dia, em todo o orbe.

Grande mistério: Ele reinaria de dentro de todos os sacrários da Terra! Quem poderia compreender uma coisa dessas? Mas Ele tinha razão: “Tu o dizes, Eu sou Rei!”

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 28/4/1984)

Cristo Rei

Nosso Senhor Jesus Cristo reunia em si, de modo admirável, a suma majestade e a suma humildade. Algo dessa maravilhosa junção nos é transmitido pela linda imagem do “Beau Dieu d’Amiens”, ereta no pórtico da célebre catedral francesa dessa cidade.

Ali está um Rei digníssimo, um Doutor nobilíssimo, ao mesmo tempo tão sereno, tão manso, tão completamente senhor de si, que seria capaz de receber a pior injúria e se conservar quieto, plácido, sem manifestar nenhuma reação de amor próprio, sabendo-se embora superior a tudo e a todos, Soberano do Céu e da Terra.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Céu de virtudes

Alma de uma imensidade inefável, alma na qual todas as formas de virtude e de beleza existem com uma perfeição supereminente, da qual nenhum de nós pode ter uma ideia exata, Nossa Senhora é bem aquele mar, aquele céu de virtudes diante do qual o homem deve ficar estarrecido e enlevado, e que, com todas as suas forças, deve procurar amar e imitar.

 

Plinio Corrêa de Oliveira