Musicalidade das relações humanas

A cortesia é a perfeita relação que passa por cima do abismo que há de homem para homem. Essa força que liga este abismo chama-se amor fraterno católico. A cortesia é o lado cheio de respeito, distinção e afeto que une as pessoas diferentes e as coloca numa relação como as notas de uma música. Dir-se-ia que as notas de uma bela música estão em estado de cortesia entre si.

Se uma pessoa irrefletida passa diante de um piano que está com a tampa aberta, escorrega e se apoia no teclado para não cair, sai um som horroroso parecido com uma descortesia. Porque não há harmonia. A cortesia é a musicalidade das relações humanas.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 29/6/1974)

A Igreja

Se devêssemos passar dois mil anos apenas aplaudindo a Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana, enquanto eu vivesse e as minhas mãos pudessem bater palmas, eu estaria participando desse aplauso.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 15/3/1980)

Santo Annon: energia e astúcia

Utilizando sapiencialmente as qualidades que Deus lhe havia concedido, Santo Annon salvou a Reforma Gregoriana que estava passando por um gravíssimo período. Sua figura nos ajuda a compreender melhor a verdadeira fisionomia da Igreja.

Santo Annon, bispo e confessor, é um dos grandes e pouco conhecidos Santos da Idade Média. A seu respeito, temos a seguinte ficha preparada por um dos membros de nosso Movimento.

Pessoa de trato verdadeiramente agradável

Santo Annon é um dos grandes santos dos primeiros anos do Sacro Império Romano Alemão. Seus altos feitos ficaram registrados não só na História, como na Literatura, pois sobre a sua vida foi escrito um poema em 876 versos, clássico da literatura medieval alemã.

Professor da escola de Bamberg, Arcebispo de Colônia e Chanceler do Sacro Império, fundador de mosteiros, a ele se deve também, em grande parte, a introdução da reforma cluniacense na Alemanha.

Era uma personalidade invulgar. De porte majestoso, bem proporcionado, seus contemporâneos o descreviam como um belo homem, grande orador, e não menor “causeur”, suas aulas e sua prosa prendiam a atenção de todos os que o ouviam, nele admirando não só a ciência, como a ortodoxia de seu pensamento. A amenidade de seu trato e a extraordinária, e mais tarde legendária, energia impunham a todos respeito e veneração.

É uma bonita descrição de um desses homens completos, muito bem constituídos fisicamente e com essa dupla qualidade: um trato muito ameno, orador, “causeur” brilhante, e homem muito enérgico. Isto demonstra quanto é verdade aquilo que o liberalismo procura ignorar: a pessoa seriamente enérgica, quando não é ocasião de usar de energia, deve ser de um trato muito agradável. E a pessoa de um trato verdadeiramente agradável, nas horas de energia, sabe ser enérgica.

O que vem a ser um trato verdadeiramente agradável? Não o de um palhaço qualquer que conta anedotas, mas é um relacionamento elevado, nobre que, ao mesmo tempo, distrai, agrada e deixa a pessoa dignificada, enobrecida. Esse era o trato de Santo Annon.

Glorioso cooperador da Reforma Gregoriana

Continua o texto:
Em 1062, num período difícil da Reforma Gregoriana, ele a salvou de uma crise que poderia ter sido fatal.

Antes de São Gregório VII, a Igreja passou por vacilações enormes, por crises, por depressões morais tremendas. E essas crises morais foram todas elas contrariadas pelo movimento de Reforma Gregoriana, que São Gregório VII, então cardeal, impôs através de vários Papas que eram discípulos dele, e depois ele mesmo, elevado ao Pontificado, com uma energia não excedida e talvez não igualada, levou à sua perfeição. A esse movimento restaura-dor, um dos maiores que tenham havido dentro da Igreja, costuma-se chamar de Reforma Gregoriana. E foi uma glória de Santo Annon ter cooperado para essa reforma.

Dificuldades em época de sucessivos papas

Com efeito, Estevão IX, o primeiro Papa eleito pelo povo romano sem consulta ao Imperador, enviou ao Sacro Império o monge Hildebrando para convencer a Imperatriz Inês, que governava na menoridade do filho, futuro Henrique IV, a reconhecer a eleição. A Imperatriz Inês, que era Condessa de Poitiers e foi educada num ambiente cluniacense, não opôs dificuldades em aceitar. Mas Estevão IX morrera antes da volta de Hildebrando. Na hora da morte, o Papa fizera o clero e a nobreza jurarem que não elegeriam um novo soberano pontífice antes de Hildebrando chegar. Não respeitando o juramento, o clero e a nobreza se reuniram logo depois dos funerais, e elegeram o Santo Padre.

São Pedro Damião, Cardeal-Arcebispo de Óstia, protestou e fugiu de Roma, indo ao encontro de Hildebrando, que estava em Florença, e logo reuniram um Sínodo. Foi eleito Nicolau II, que a Imperatriz também reconheceu. As dificuldades começaram quando Nicolau II decretou que a eleição dos Papas seria feita pelo Colégio dos Cardeais.

A nobreza romana revoltou-se. E os adversários da Reforma Gregoriana conseguiram convencer a Imperatriz de que não devia aceitar o decreto. Pouco depois morreu Nicolau II, e Hildebrando fez o Sacro Colégio elevar ao sólio pontifício Alexandre II. O episcopado da Lombardia e alguns bispos alemães, com a anuência da Imperatriz, reuniram-se e elegeram o antipapa Cádalo, Bispo de Parma, que tomou o nome de Honório II.

Quem deve eleger o Papa? Questão decisiva para o êxito da Reforma Gregoriana

Aqui estava em jogo uma questão muito importante. A eleição do Santo Padre foi, em todos os tempos, um dos elementos decisivos da política mundial, tanto mais na Idade Média, quando o mundo era muito mais católico do que hoje e, portanto, muito mais sensível a qualquer pensamento, vontade, pronunciamento ou ato do Sumo Pontífice.

Porém, se tinha importância a eleição de um Papa, outra pergunta também era muito importante: quem o elegeria? Vemos definirem-se duas tendências diversas: uma que considerava estarem os nobres e o clero de Roma habilitados a eleger o Pontífice; outra julgava que este deveria ser escolhido pelo Sacro Colégio.

Em rigor, não era contra a instituição divina que o Papa fosse eleito pelos nobres e clero de Roma. O Direito Canônico pode atribuir-lhes tal faculdade como poderia concedê-la também ao povo romano. Mas do ponto de vista da conveniência, quer dizer, para assegurar melhor a eleição de um Papa digno do cargo, era muito preferível naquele tempo — e o é em tempos normais — que a escolha fosse feita pelo Sacro Colégio, pois este representa uma aristocracia, uma elite dentro da Igreja, sendo um conjunto de clérigos considerados mais eminentes, pre-claros e seguros pelos Pontífices anteriores.

A palavra “cardeal” vem de cardo, em latim, que significa o gonzo da porta. Os cardeais estão para a Igreja como os gonzos para uma porta: sustentam-na, permitindo e facilitando-lhe o movimento. Era, pois, natural que esse escol de colaboradores dos vários Papas, participando em grau subordinado do governo e conhecendo melhor do que ninguém o ambiente eclesiástico e as necessidades da Igreja, elegessem o Santo Padre.

Isso seria certamente mais adequado do que se a eleição ficasse a cargo de clérigos de uma ordem inferior, incumbidos da direção ou do exercício de atividades na diocese mais importante do mundo, é verdade, mas voltados para problemas locais, circunscritos à Diocese de Roma; enquanto os cardeais são uma elite internacional. Ora, a missão do Papa não é apenas local, mas principalmente mundial.

Por outro lado, os nobres romanos eram os senhores de pequenos feudos nos arredores de Roma, e que muitas vezes guerreavam por seus interesses. Havia o risco de escolherem um Papa de acordo com suas conveniências pessoais ou familiares.

Portanto, era natural que os partidários da Reforma Gregoriana quisessem transferir essa atribuição para os cardeais.

Vemos que se pronuncia um incidente no qual o monge Hildebrando, cardeal e futuro Papa São Gregório VII, convenceu o Pontífice novo de transferir os poderes de eleição para o Sacro Colégio. Naturalmente, o clero e a nobreza de Roma ficariam indignados com isso, pois perdiam um poderoso elemento de influência política. Então, foram logo ao encontro da Imperatriz do Sacro Império Romano Alemão para obter que ela se solidarizasse com eles.

Debaixo de certo ponto de vista, a Imperatriz tinha interesse nisso porque, no sistema anterior, o imperador — ou a imperatriz, quando o imperador era menor de idade — interferia na eleição. Entretanto, feita a eleição pelo Sacro Colégio, as possibilidades de interferência do poder imperial se tornavam muito menores.

Esse choque de interesses comprometia a Reforma Gregoriana que, sendo um movimento de reestruturação e reorganização da Igreja, estava maximamente empenhada em que o órgão adequado elegesse o Sumo Pontífice.

Num momento crucial, Santo Annon intervém com astúcia

Alexandre II e Cádalo foram para Roma e disputaram a cidade. O Papa tinha contra ele o Sacro Império, boa parte da nobreza, e não podia contar com o auxílio do chefe normando Roberto Giscard, que não estava em bons termos com a Santa Sé. Havia até indícios de que ele simpatizava com a causa de Cádalo, por interesses pessoais.

Foi nesse momento crucial que Santo Annon resolveu intervir. Combinou com alguns nobres alemães um golpe de Estado.

Sabia que a Imperatriz Inês gostava de parar em determinada ilha quando viajava pelo reino.

Era uma ilha aprazível e lá costumava ela repousar das fadigas da viagem.

Santo Annon mandou construir uma barca esplêndida, riquíssima, adornada com toda espécie de obras de ar-te: finíssimos tapetes cobriam o chão e as paredes; cortinas dos mais preciosos tecidos vedavam as janelas. Toda a barca estava revestida de boa madeira, com incrustações de ouro e pedras preciosas.

Quando a barca ficou pronta, Santo Annon permaneceu à espera de uma ocasião propícia para utilizá-la.

Notem a atmosfera bonita em que essas coisas se passavam: uma ilha aprazível, uma barca linda, com cortinas e incrustações de pedras preciosas, à espera da Imperatriz. Que lindo teatro para uma cena histórica! Como isso é mais bonito do que um avião para se passar qualquer episódio da História humana!

Essa ocasião se apresentou pouco depois, quando a Imperatriz anunciou uma viagem a Nimegue. Santo Annon, com outros conjurados, viajou diretamente para a referida ilha, chegando lá antes da corte. Quando esta lá aportou, na hora do almoço, Santo Annon, como Chanceler do Império, sentou-se ao lado de Henrique IV, que tinha então seis anos. Fez a conversa cair sobre a barca, e a descreveu com toda a minúcia, maravilhando o menino. Logo depois do almoço, Henrique IV manifestou o desejo de visitar a barca. Recebido com todas as honras, assim que o rei subiu a bordo, os remadores, já avisados, puseram a embarcação em movimento, afastando-a da ilha.

A Imperatriz e os nobres, que tinham ficado na ilha, promoveram um grande tumulto, e o menino-rei, amedrontado, atirou-se ao rio.

O menino-rei era uma víbora; foi o grande inimigo de São Gregório VII, mais tarde.

O Conde Egbert de Brunswick se jogou na água e o trouxe de volta para a barca. Santo Annon levou Henrique IV para uma das salas e teve com ele uma longa conversa, convencendo-o de ir para Colônia, onde seria convocada uma assembleia de nobres para discutirem a situação.

Faço um comentário colateral a respeito da mentalidade dos meninos naquele tempo. Às vezes, aos 14 ou 15 anos, meninos começavam a comandar exércitos, ou dirigir impérios; e, muitas vezes, dava certo. Vemos aqui Santo Annon tratando seriamente com um menino de seis anos sobre política e convencendo-o.

Alguém poderá objetar: “Mas o menino não tinha nenhuma resistência possível a oferecer a um homem da qualidade de Santo Annon”.

É possível. Em todo caso, Santo Annon julgou que não podia resolver o caso só com brinquedinhos e fazendo cocegasinhas no queixo do rei; mas precisava dar uma argumentação política. Deu, e o monarca aceitou. Quer dizer, trata-se de um nível de menino que não é comum.

Para se compreender bem essa atitude de Santo Annon é preciso esclarecer que, em caso de regência, a posse do rei pelo chanceler já era um bom título para que ele se tornasse regente. Portanto, quando o rei era menor, o regente do reino era a mãe, mas também podia ser o chanceler, se este estivesse na posse do rei-menino. E o golpe dele foi roubar o rei-menino dentro dessa “ratoeira” de madeiras preciosas, seda e pedrarias. Uma coisa que nos deixa um pouco interditados quanto à liceidade, se não fosse o fato de que é Santo Annon quem fez, e, portanto, isso deve ter suas razões históricas que provavelmente não aparecem na ficha.

Sínodo em Colônia

Em Colônia, os grandes da Alemanha se reuniram e, depois de se informarem dos acontecimentos, decidiram que a regência caberia ao arcebispo, em cuja diocese estivesse o rei. Como Henrique IV estava em Colônia, o regente seria Santo Annon. Que era Arcebispo de Colônia…

A 27 de outubro de 1062, reunia-se um sínodo presidido por Santo Annon, que aceitou o decreto de Nicolau II e reconheceu a eleição de Alexandre II; o Duque Godofredo de Lorena foi designado para levar o Papa a Roma, e dar-lhe posse da cidade. A Reforma Gregoriana estava salva.

Esse é um dos inúmeros atos que mostram não só o papel decisivo de Santo Annon numa crise gravíssima, mas também sua astúcia diplomática que repetiu em muitas outras ocasiões.

É lamentável ver como a notícia dessas grandes figuras se apaga. Como ela faria bem num livro de piedade! Como seria interessante ensinar alguém a dizer: “Meu Deus, dai-me a energia e a astúcia de Santo Annon! Santo Annon, rogai a Nossa Senhora por mim, para que eu me pareça convosco!” E rezar essa jaculatória diante de uma imagem de Santo Annon “bon parleur”, de espada na mão, olho de raposa e alma de bem-aventurado, organizando as coisas. Como isso faria bem!

Diferença entre o pecador medieval e o pecador filho da Revolução

Alguns anos depois, a Imperatriz Inês, que se tinha recolhido a um mosteiro, arrependeu-se do que fizera. Um dia a cidade de Roma surpreendeu-se, assistindo a um espetáculo só possível na Idade Média: a Imperatriz apresentou-se às portas da cidade, vestida como penitente, descalça e com uma corda ao pescoço, rogando permissão para entrar e pedir perdão ao Santo Padre por tudo quanto tinha feito. Recebida por São Pedro Damião, este a absolveu de todos os pecados e daí em diante, até a morte do Cardeal, foi seu confessor.

Ela, que tinha sido a grande inimiga de São Pedro Damião, reconheceu ter andado mal criando entraves ao movimento salvador da Reforma Gregoriana. Mas assim era a penitência na Idade Média, época que se poderia caracterizar pela radicalidade:  O indivíduo cometia, às vezes, pecados de arrepiar; mas, quando se arrependia, praticava também penitências de arrepiar.

Esta Imperatriz deixa todas as pompas terrenas, recolhe-se a um convento para cuidar de sua vida espiritual e, meditando, reconhece ter procedido mal. Em rigor, ela não seria obrigada a esse ato público de penitência. Que ela devesse procurar São Gregório VII ou São Pedro Damião para pedir perdão, era inteiramente cabível. Mas podia fazer isso reservadamente. Não, ela quis praticar um ato público de reparação, porque público tinha sido o seu pecado. Apresenta-se, então, às portas de Roma, vestida de saco, com uma corda ao pescoço, e se dirige a uma igreja para pedir perdão.

Depois de ter sido perdoada, torna-se amiga e penitente daquele a quem ela ofendera, confiando sua alma à direção dele. Que beleza há nessa reconciliação!

São Pedro Damião — vendo aquela Imperatriz vestida pobremente, ajoelhada perto dele, e recordando-se do tempo em que ela lhe dava dor de cabeça, introduzida ali como um cordeiro, e encantando, por esta sua atitude humilde, a alma deste santo Cardeal — louvava a grandeza da graça que opera tais transformações nas almas humanas. Isto é Idade Média!

Talvez nunca se tenha falado tanto a respeito do perdão quanto em nossos dias. Fala-se, por vezes, até o abuso. A propósito de qualquer coisa se repete: “Ah, Deus perdoa!”  Mas esse perdão que todo mundo está certo de receber, poucos pedem; e, quando pedem, fazem-no mais ou menos às ocultas. O senso da gravidade do pecado desapareceu. As pessoas perderam este senso, não são lógicas, falta-lhes coerência, não têm Fé viva. Elas só se lembram do pecado para dizer que vai ser perdoado; e só se recordam do perdão para poderem pecar mais tranquilamente. Essa é a mentalidade do homem contemporâneo.

Comparem o pecador medieval com o pecador filho da Revolução, e verão a enorme diferença: um é suscetível de grandes arrependimentos à maneira de Davi; grandes regenerações e, eventualmente, até grande santificação. O outro, se é que tem um arrependimento sério, pede um perdãozinho superficial.

Qual a causa desta diferença de atitude? Em última análise, este é o efeito da Revolução. É ela que exacerba no homem o orgulho, a vontade de não reconhecer a gravidade dos pecados e de não fazer penitência, criando-se o estado de dureza que vemos tão generalizado nos dias de hoje.

Quantos pecados cometidos em nossos dias mereceriam uma penitência pública! Nesses casos, um padre, antes de conceder a absolvição, agiria muito bem se exigisse uma reparação pública.

Entretanto, a debilidade, o liberalismo, tantas vezes até no próprio confessor, criam esse clima crepuscular no qual estamos…

Olhemos para figuras como a de Santo Annon e compreenderemos melhor a verdadeira fisionomia da Igreja.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de Conferência de 29/3/1974)
Revista Dr Plinio 213 – Dezembro de 2015

O amor ao maravilhoso por meio da admiração aos arquétipos

Um dos melhores modos de preparar-se para a visão beatífica é, já nesta Terra, amar o maravilhoso por meio da admiração aos arquétipos. Que relação tem esse amor com a prática do primeiro Mandamento?

 

Para saber o que é um arquétipo, é preciso saber o que é um tipo: a palavra arquétipo vem de “arqui” e “tipo”.

Definindo o que é um tipo e um arquétipo

Arquibancada é uma bancada por cima de outra. Tal coisa é arqui-conhecida, quer dizer, há uma porção de outras coisas que são conhecidas, esta é mais do que todas as outras; mais do que muitas outras.

Então, cada conhecimento, vamos dizer, cada degrau de uma escada é análogo ao outro, mas o mais alto degrau da escada pode ser mais ornado, com um tapete que deita suas franjas. É o mais importante, porque é o fim da escada. Ele é, de algum modo, o “arquétipo” dos outros degraus.

Na linguagem de nossa comissão de estudos chamamos de arquetipia o fato de que Deus pôs nas criaturas uma ordem, uma relação, pela qual umas são “tipo” das outras e a que está mais no alto é a arquetípica. Quer dizer, é o tipo dos tipos.

Uma rosa, por exemplo: é bonita, agradável de ver. É possível que alguém goste de olhá-la, embora não a ache “tipo”. Mas se ela tem todas as formas de beleza próprias a essa flor, dizemos: “Rosa é isto!” Ou seja, é uma rosa que caracteriza, que resume em si, que apanha as qualidades de todas as rosas. É um tipo!

Fulano é um brasileiro típico. O que quer dizer isto? Que se trata de um brasileiro que reúne em si as qualidades comuns da nação — qualidades e defeitos! —, mas de um modo especial aquilo por onde o brasileiro, nas suas qualidades e nos seus defeitos, é diferente das outras nações. Então olha-se para ele e diz-se: “Aquele é típico”.

Dentro do Brasil há tipos. Pode ser um gaúcho típico, um catarinense, um paranaense, um paulista, um carioca. Percorreríamos toda a lista dos Estados, cada um tem seu tipo. Quer dizer, ele tem os traços que todos têm, mas aquilo por onde, naquele Estado as pessoas são diferentes das outras, ele tem muito marcado. Então, ele é um tipo aquele Estado.

O arquétipo é o tipo multiplicado pelo tipo.

Outro exemplo: “Fulano é um siamês típico”. Quer dizer que ele tem tudo quanto é próprio a alguém que nasceu na Indochina onde havia o antigo Reino do Sião. Ou seja, ele tem tudo quanto é próprio a quem nasceu ali, mas tem de um modo característico que o diferencia dos outros. Quando esse “tudo” que ele reúne é “tudíssimo”, e o que o diferencia, diferencia muito, então ele é um arquétipo. Ele tem aquilo levado ao mais alto grau.

Tipos e arquétipos na Criação

Então, a tese é esta: Deus nosso Senhor criou as coisas de tal maneira que, por exemplo, toda espécie de pedras acaba tendo uma que é arquétipo das outras. Há pedras comuns, pedras “tipos” e pedras “arquétipos”. Podemos imaginar um rubi que um joalheiro pega com uma pinça. Perguntam a ele:

— Que pedra é essa?

Ele analisa, pensa um pouco e diz:

— Será um berilo? Será uma turmalina vermelha? Será uma granada?

Ele pensa mais um pouco e diz:

— Isto aqui é um rubi!

Se lhe dão uma outra pedra, ele olha um pouco e diz:

— Isto é um rubi!

Este é um “tipo”.

O primeiro é um rubi meio apagado, meio que se confunde com outras coisas. O segundo, não. É um rubi típico! Mas se lhe mostram um rubi da coleção dos antigos xás da Pérsia, um rubi multiplicado pelo rubi, ele diz:

— Oh, que rubi!!!

Tomemos outra coisa: um esquilo. É um bichinho tão engraçadinho, e faz coisas que têm muito de engraçadinho.

Entendemos, e há certos fundamentos disso em São Tomás, que todos os esquilos que Deus criou desde o começo do mundo até ao fim do mundo, não são criados a esmo, mas formam uma coleção. De maneira que todo os modos de ser principais, possíveis no gênero esquilo acaba até o fim do mundo existindo. E formam uma coleção de esquilos que morrem. Mas Deus criou essa coleção de esquilos.

Coleção de coleções

Assim tudo está coleções no universo. Mais perfeitas, mais graduadas, menos graduadas, mas tudo forma coleções.

Eu me lembro ter lido uma vez que num lugar do Polo Sul, por debaixo da neve — o Polo Norte é todo feito de água consolidada, já no Polo Sul há terra; terra é um modo de dizer, há corpos sólidos — há cardumes de camarões tão numerosos que através do gelo meio transparente se percebe o róseo passear. Não é bem o róseo, é a cor típica daquele camarão.

Todos os camarões desde o começo do mundo até o fim, todos os camarões, no fim, esgotam uma coleção. De maneira que quem os visse — se fosse possível ver todos os camarões que houve e haverá até o fim do mundo — compreenderia que é uma verdadeira beleza.

Alguém poderá dizer:

“Por que Deus faz isso? Se esses bichos desaparecem e Ele, no entanto, é eterno e tem em Si todas as perfeições, que lucro tem em ver esses bichinhos?

Para dar uma resposta: basta que os Anjos vejam para se justificar. Os Anjos assistem a tudo isso. Eles estão colocados, de algum modo, fora do tempo. Para eles tudo é de algum modo simultâneo; de algum modo, eu estou simplificando. Então, eles têm essa noção, eles cantam glórias a Deus.

Alguém dirá: “Mas quando acabar o mundo acabou isso também”.

Não, porque na recordação deles fica. Fica na nossa admiração, porque nós não vemos como eles e não podemos imaginar como é. Então, é uma bonita coisa, por exemplo, olharmos para o esquilinho e perguntarmo-nos: “Quantas modalidades de esquilo houve e haverá até o fim do mundo? Em cada gênero, quantas espécies? Em cada espécie, quantas famílias? Em cada família, quantos indivíduos? Que riqueza da obra de Deus! Que maravilha há dentro disso!” Dá para uma meditação muito bonita.

Seria interessante um dia, com calma, tomarmos alguns exemplos e analisar. Seria uma coisa muito adequada, muito boa!

Imaginem todas as criaturas, já não apenas cada gênero formando uma coleção, mas todas as criaturas que há ou houve na Terra, formando uma coleção de coleções — notem que os Anjos veem isso assim! — podemos imaginar a variedade.

Depois, em cada pináculo de uma coleção, um arquétipo, que é como o rei e o monarca daquela coleção! Várias modalidades de arquétipo, porque a natureza, vamos dizer, dos esquilos é tão rica que não basta ver um para dar uma ideia do “tipo” de esquilo. Oito, cinco, cinquenta, cinquenta mil arquétipos de esquilos. No fim pode-se imaginar o rei dos esquilos!

Mensagens de Deus

Isto que estou falando é acessível, é fácil de entender. E distrai o espírito. Por exemplo, não dá certo repouso tratar disso? Ora, a matéria é filosófica… Acredito que sendo apresentada a coisa de um modo humano, vivo e não apenas esquelético, as coisas da Filosofia podem atrair, e aqui está um exemplo concreto.

Agora, por que que Deus criou tudo isso? É para os Anjos verem. Está bem. Só para isso? Haverá uma outra razão? Há. É que todas essas coisas exprimem de algum modo a perfeição infinita d’Ele. Cada ser que existe é como que uma mensagem de Deus que nos diz:

“Meu filho, note, Eu também sou isto! O esplendor de todas as auroras, a majestade de todos os meios-dias e a dignidade vitoriosa de todos os ocasos, tudo isto reflete-Me a Mim. E se Eu devesse ser conhecido apenas nesse filme fantasmagórico que representasse todas as auroras, todos os meios-dias e todos os ocasos de todos os lugares do mundo, em toda a História, ainda Eu, nem de longe, estava esgotado para tu teres uma ideia do que Eu sou. Mas enfim, aqui está uma coleção que pode dar uma ideia genérica, global do que sou Eu, debaixo desse ponto de vista.

“Olhe agora para o esquilo! Na sua agilidade, naquilo em que ele faz sorrir, compreenda que há algo por onde Eu sou infinitamente aprazível, atraente, distensivo. Infinitamente… Sendo infinito, Eu tenho também em Mim a matriz infinita daquilo por onde o esquilo é engraçadinho. Poder-se-ia dizer: ‘Eu sou o mino, Eu sou a graça! Eu sou a majestade, Eu sou a bondade. Veja, meu filho, são mensagens que Eu dou!’”

O mais alto cume

Outro exemplo. Há uma imagem muito bonita — aliás, são duas imagens meio parecidas —; uma é a de Notre-Dame, está na fachada da Catedral de Notre-Dame de Paris, é Nossa Senhora com o Menino Jesus nos braços. Ela está complacente, muito materna com Ele que repousa posto nos braços d’Ela com intimidade! Mãe e o Filhinho criança. Ela é régia. O Menino Jesus, Homem-Deus, não terá feito algumas coisas à maneira de criança e com graça de criança para Ela olhar?

Outra imagem parecida é a de “La Virgen Blanca”.. São Luís, rei de França, primo-irmão do rei São Fernando de Espanha, mandou essa “Virgen Blanca” para a Catedral de Toledo, onde é conservada para veneração. É uma obra-prima. Ela tem uma expressão ligeiramente entretenida da reação infantil de Deus em face d’Ela! E Ela que é Filha do Padre Eterno, Mãe do Verbo Encarnado e Esposa do Espírito Santo, que conhece Deus como jamais criatura humana conheceu e que tem a ideia de todas as majestades, todas as grandezas de Deus como nenhuma criatura humana teve, Ela sabe que Deus, da excelsitude de suas perfeições, a está fazendo sorrir.

Sente-se o envolvimento do carinho, da bondade e um incitamento à confiança na misericórdia; tudo isto dá mil ideias sobre Ele, que é o ápice de tudo. É a ponta, o mais alto cume de tudo.

Coluna símbolo de certas almas

Mais: Ele não é só o mais alto cume. É mais do que isso.

Uma vez vi, numa ruína de um lugar de civilização greco-romana da Ásia Menor, no meio do cacareco, uma só coluna de pé! Havia acontecido tudo, mas aquela coluna tinha ficado de pé, sozinha! Eu senti um arrepio vendo-a.  Era uma coluna de ordem coríntia, muito ornada, com as folhas de acanto. Pensei: “Por que razão eu estou tendo essa impressão? Por que chegou a me arrepiar? É porque essa coluna lembra certo tipo de resistências que o homem pode opor, quando tudo em torno dele cai, mas ele continua de pé”.

Havia uma altiva família de príncipes, em Roma, que se chamava Colonna — Colonna quer dizer coluna — e o brasão deles era uma coluna com os dizeres: “Mole sua stat” — por seu próprio peso, por sua própria figura, está de pé.

Aí eu percebi qual era a razão pela qual aquela coluna me tinha arrepiado. Começo por dizer que não me arrepio com arte grega nem romana, não tenho grande interesse. Tem coisas muito bonitas, mas não é para o meu gosto especial. Cada um é lá de um jeito. O meu é este!

Aquela coluna me impressionou, não por ser de estilo grego, mas por estar de pé daquela maneira. Entendi que a coluna lembrava uma ordem de seres, uma categoria de seres muito superior a ela, que é o homem. O fato de lembrar o homem, de indicar que ele transcende a coluna por sua natureza — ele é muito mais! A coluna tem, em pedra ou em tijolo, o que o homem tem na alma. Firmeza de alma. Essa firmeza o homem-coluna tem!

Por exemplo, Santo Atanásio chegou a ser muito perseguido porque combatia os arianos com muito vigor. No tempo do Império Romano do Ocidente e do Oriente, já cristianizado, católico, o mundo inteiro, de repente, ficou ariano e ele quase ficou sozinho na luta.  Foi tão perseguido que em certo momento ele não teve outro remédio, para evitar ser morto, do que entrar na sepultura dos pais e morar ali, escondido. Mas ele lutou contra tudo e contra todos e o Concílio de Niceia, com gáudio enorme, acabou definindo algo sobre a relação da natureza humana e da natureza divina em Jesus Cristo, de acordo com a verdadeira doutrina e contra o que Ario queria. Daí decorria que Nossa Senhora era Mãe de Deus.

Santo Atanásio pode ser chamado a coluna da Igreja. Pobre coluna que eu vi de pé no meio das ruínas… Um terremoto a derruba! Nada derrubou Santo Atanásio!

Ele tinha a graça de Deus que o ajudou. Mas ele correspondeu! A muitos Deus oferece a graça e não correspondem. A ele não, Deus ofereceu e ele correspondeu largamente, generosamente! O nome dele ficou com uma espécie de glória de fogo na História da Igreja.

Santo Atanásio transcende as colunas. Quer dizer, ele é de uma natureza superior. Aquilo que a coluna tem por analogia ele tem com muito mais propriedade, pois está na natureza humana.

Deus é transcendente. O que tem o esquilo, o rubi, a coluna, Santo Atanásio, Deus é tão superior, mas tão superior que Ele transcende a isso. É de uma superioridade que é um abismo entre Ele e nós. Para lá desse abismo está a perfeição d’Ele.

Pelo seguinte: podemos dizer que Santo Atanásio era fiel, era forte. Deus não é nem fiel nem forte, Ele é a Fidelidade, a Força. Todo mundo que é fiel o é por uma participação d’Ele. Ele é o Motor Imóvel. Tudo subsiste porque Ele sustenta. Por cima de tudo está Ele!

Em busca do mais excelente

Para compreendermos essa relação e para se ter uma certa noção da infinitude de Deus, consideremos que Ele criou uma coleção enorme de coleções, de tipos e de arquétipos. O homem não é o arquétipo da coluna; Santo Atanásio está para a coluna numa relação, não igual, mas um tanto parecida com a relação entre Deus e o homem. Deus, não tem ninguém acima de Si, Ele é supremo, perfeito, infinito.

Então o que acontece com a natureza humana? Quando ela é reta, instintivamente procura os arquétipos.

Uma criança deitada no berço, que apenas sabe dizer “maaaaa”, se amarrarem num fio de linha uma bolinha de pingue-pongue, branca e comum, o seu instinto lhe diz que algo existe. E ela procurará desajeitadamente com os braços, pegar a coisa. Quando pega, ela tem o instinto de propriedade. Tenta-se tirar e ela não deixa… Mas há algo que não falha: há bolas bonitas que se põem em árvores de Natal. Eram bonitas, com cores reluzentes, dourado, verde, vermelho, azul, cores lindas! Se suspenderem ao mesmo tempo diante da criança a bolinha de Natal e a de pingue-pongue. Ela tem um movimento para o maravilhoso: ela vai para aquilo que tem mais luz! É uma coisa instintiva!

Ponham para uma criança um instrumento de música que bata: pam! pam! pam! — um só som. A criança se habitua e não nota. Imaginem que se ponha um pouquinho de música. A criança, estando um pouco mais desenvolvida, presta mais atenção. Por quê?

Porque a sua natureza é apetente de maravilhoso, no fundo apetente de Deus! Se de algum modo, nos seus sentidos, ela fosse tocada por Deus, ela inteira se voltaria para Ele. A criança apetente do maravilhoso e no fundo, por isto mesmo, apetente de Deus, ela, quando se coloca diante de algo mais excelente, ela tende para aquilo que é mais excelente. Isso é reto. Pode ser que depois a criança abuse, tenha a mania de ter uma coisa, desordens próprias da natureza humana. Mas, em si, este primeiro movimento é um movimento reto. É um movimento pelo qual o homem quer aquilo que é mais excelente, que lhe convém mais!

“Enorme”, um cavalinho de pano

Por causa disso, a criança tem uma imaginação muito fértil. Ela facilmente atribui aos brinquedos que tem uma qualidade que eles não têm.

Uma vez passei por uma cruel decepção. Eu tinha talvez três ou quatro anos e possuía um brinquedo comum: um cavalinho de pano posto sobre umas rodinhas com eixo de metal e havia um laçozinho pelo qual eu podia puxar o cavalo. Ele, para meus braços, era um cavalo muito grande, tinha até uma certa dificuldade de segurá-lo, então, chamava-o de “Enorme”.

Quando ia brincar, pedia para me darem o meu “Enorme”.

Quando minha mãe adoeceu, fui com ela para a Europa, para ela ser operada, e guardaram num armário o “Enorme” para eu brincar quando voltasse.

Durante a viagem à Europa, de vez em quando eu falava do “Enorme” e quando voltei, eu tinha talvez um ano a mais e nesse período um ano faz uma boa diferença, pedi:

— Quero o meu “Enorme”!

Levaram-me, lembro-me como se fosse hoje, para o quarto do andar térreo da casa, onde havia um armário onde se guardavam os brinquedos de minha irmã, de minha prima e meus. Estava tudo trancado, porque todo mundo esteve fora nesse período. Então, tiraram e me deram o “Enorme”.

A minha primeira reação foi:

— Esse não é o “Enorme”!

Risadas de duas ou três pessoas em torno de mim. Era terrivelmente parecido com o “Enorme”, mas terrivelmente mais “poca” do que o “Enorme”. Qual era a razão?

Em parte eu tinha crescido, o “Enorme” tinha deixado de ser enorme. Em parte, eu via o “Enorme” e notava muito que ele era de pano; quando fiquei mais velho, vi que era um boneco. Quando eu fui viajar imaginava-o quase como se fosse um ente vivo. Eu atribuía ao “Enorme” algumas qualidades que um cavalo deveria ter e que um boneco não podia ter. Estava, no fundo, à procura da arquetipia do cavalo, de alguma coisa que o transcendesse: era o cavalo vivo!

Desejo de coisas mais altas

Coisas dessas são movimentos que existem na alma de todas as crianças. E uma das coisas que faz a maravilha da criança é exatamente isto.

Por exemplo, a árvore de Natal. Não há quem, em criança, não se tenha extasiado diante de uma árvore de Natal. Mas o que é a árvore de Natal?

Podemos imaginar que ela seja a figura de uma árvore como poderia existir no Paraíso terrestre.

O homem como está na terra de exílio, não tem as coisas como as do Paraíso. Nele as coisas são muito mais bonitas. O que no Paraíso é mero tipo, para a terra é um arquétipo não alcançável. Então, o homem imagina a árvore de Natal e a criança se encanta, porque sua alma é desejosa de uma perfeição não existente nas coisas que existem. E ela quereria uma ordem de coisas, quereria uma natureza, quereria outras pessoas, quereria tudo como não existe, porque a sua alma foi feita para coisas maiores e deseja essas coisas maiores.

Agora, porque ela deseja essas coisas maiores acontece que ela tem uma forma de talento por onde ela como que adivinha a perfeição que tudo deve ter. E por causa disso também, a criança tem uma imaginação muito criativa e tem o senso do maravilhoso levado a um alto grau.

Educar catolicamente

Numa educação verdadeiramente católica, os pais deveriam fazer o quê? Lecionar, ensinar às crianças a realidade inteira. Quer dizer, o que tem aqui é isto. É assim porque estamos na terra de exílio, foi cometido o pecado original, depois nós também pecamos, o que merecemos é isto. Isso é muito bonito. Então, o esquilo é muito bonito! Mas se quiser imaginar que haja esquilos se movimentando no Paraíso, como seriam?!

E quando passa, às vezes, um bicho muito extraordinário: uma borboleta azul e prata, um beija-flor, alguma coisa assim, temos a impressão de que se extraviou do Paraíso e foi parar na Terra!

Por isso, quando uma criança que tem uma rede dessas para pegar borboleta, vê passar — diante de si, num parque ou na mata brasileira, ou sul-americano em geral, suponho —, uma borboleta azul e prata voando, a criança fica louca e quer pegar de todo jeito. É algo de maravilhoso que ela quer pegar.

A essa tendência, o pai ou a mãe deveria dizer:

“Olha, está vendo, Deus fez assim o Paraíso. Isso aqui era o ponto de partida. Isto aqui está aqui para você ter ideia de como as coisas poderiam ser e não são. Procure imaginar, olhe para o que Deus fez de maravilhoso, procure prestar atenção, procure imaginar como seria o Paraíso. Procure fazer com que tudo quanto você mexa, você modele, tenha alguma coisa que exprima essa sua tendência para o Paraíso. Rume para a perfeição!

“Mas, pobre Paraíso terrestre em comparação com o Paraíso celeste! No Paraíso celeste não há flores, há Anjos! E os Anjos estão dispostos desta maneira, daquela outra. E por cima de tudo está Nossa Senhora, mais sua Mãe do que é sua própria mãe. Porque Ela te ama mais do que todas as mães juntas amariam o filho único que tivessem. A você! E se você se sente um ratinho para ser amado assim por Nossa Senhora, acredite porque é de Fé, a cada ‘ratinho humano’ Ela ama assim! Creia e confie! Alegre-se e reze! Cuide de servi-la, de batalhar por Ela!

“Mas olhe para os olhos de Nossa Senhora, você verá que no fundo há um “lumen” que vai muito além do d’Ela. Ela está olhando para você, mas Ela, ao mesmo tempo, está olhando para alguém, [esse] alguém é o Divino Filho d’Ela! Há um “lumen Christi”, uma luz de Cristo n’Ela que já vai além do humano. É humano, mas é divino. Mais ainda, Ela está vendo Deus face a face! Olhe para os olhos d’Ela e é como se você olhasse num espelho para ver o Sol: o maravilhoso do maravilhoso do maravilhoso, a perfeição de todas as perfeições!”

Se todos os homens tivessem isso diante de si, o mundo não seria outro? Por exemplo, um sermão sobre isso numa igreja, realçado por algo que tem a palavra do padre que a do leigo não tem: é a graça do sacerdócio. Realçado pelo púlpito, pela dignidade do edifício sagrado e pelas bênçãos especiais que Deus põe nele. Tudo ali reunido e um padre dizendo isso. Não seria de comover? As pessoas não chegariam meia hora, uma hora antes para reservar o lugar para ouvir o sermão?

Assim deveriam ser os homens.

O contrário da formação católica

Quanta gente eu vi em torno de mim, já naquela remota época em que eu era pequeno, em que a formação não era dita assim, mas era isto: “Essas coisas são bobagens de infância, não pense nisso! Tudo quanto é maravilha é sonho. Você perde a partida da vida se você pensar em coisas dessas. Seja prático! E, para ser prático, você precisa das duas coisas: ter saúde e ganhar dinheiro!

“Preocupe-se em saber responder a esta pergunta: ‘Como ter saúde?’ Saiba o que é que lhe fez bem, o que é que lhe faz mal. Faça os seus exercícios. Mova-se de maneira a ter saúde, porque a doença é um horror. Outra coisa, que é preciso ganhar dinheiro. Seja rico! Porque a pobreza é a mais triste das condições. Aprenda como ganhar dinheiro. Saiba sorrir, agradar, bajular, dar rasteiras, dar golpes, avançar, recuar; saiba fazer tudo, contanto que te caia nas mãos esta coisa incomparável: o ouro! Corra atrás do ouro! Não sonhe com as coisas nesta ordem. Que dinheiro te dão? Que saúde te dão? Feche seu horizonte e fique só nisso. Toque para frente na vida! Você terá o prazer, você terá a riqueza!”

Isso é o contrário da formação católica!

A resposta pode vir assim:

Alguém — com A maiúsculo e letras de ouro, que é o próprio Homem-Deus — disse: “Não vos preocupeis, “nolite” esse “solliciti”, olhai os lírios do campo, não tecem nem fiam, entretanto, nem Salomão em toda a sua glória se vestiu como eles… (Mt 6, 28)”… Tecer e fiar eram profissões lucrativas no tempo d’Ele, não tinha máquina, então o trabalhador manual muitas vezes era tecelão, fiava e tecia. Quer dizer: confiai! Confiai, porque isso se arranja. A saúde pode ser recuperada e também a fortuna que se perdeu. Pode ser ganha a fortuna que não se teve. Pode ser obtida a saúde que não se perdeu. É possível — não digo que é certo — mas é possível. Uma coisa não se perde,  não se recupera: é o tempo perdido!

Estado de amor ao maravilhoso

É preciso uma graça muito grande para que uma alma que se tenha deixado trancar nesses horizontes mais baixos volte a compreender e a querer o maravilhoso. É uma verdadeira conversão. Para essa conversão é preciso ter graças muito grandes e muito especiais. Uma graça assim se chama o “thau”!

Então, saibamos compreender o nosso “thau”: esse estado de amor ao maravilhoso, de amor desinteressado ao maravilhoso que é um dos aspectos por onde se vê o amor a Deus — amar a Deus sobre todas as coisas, primeiro Mandamento — esse aspecto, esse amor ao maravilhoso, que é um modo de focalizar o amor a Deus, eu não falei o que é porque o meu tema se tornaria inesgotável. O ver, por exemplo, as grandes figuras históricas canonizadas que refletiram a Deus de um modo, de outro modo, como foi etc. Por exemplo, na Basílica de São João de Latrão, onde mostram, no chão, a laje de pedra sobre a qual estava ajoelhado Carlos Magno na noite de Natal quando o Papa entrou e o coroou imperador, sem ele saber.

Se qualquer um de nós fosse dono dessa pedra, dava até a sua vida para defendê-la. É maravilhoso muito mais do que rubi, do que flor, do que não sei o quê. São duas almas. Carlos Magno, que em alguns lugares é venerado como Santo — a Igreja não se pronunciou — e que deixou um aroma de santidade na Igreja inteira até hoje, e Leão III, Papa, Vigário de Cristo, representante de Cristo na Terra, com o poder de ligar e desligar — “O que ligares na Terra estará ligado no Céu, o que desligares na Terra estará desligado no Céu” (Mt 16, 19) — coroando o Imperador do Sacro Império.

Pobre rubi,  pedregulho engraçadinho diante da majestade dessa cena. Os sinos da Cidade Eterna bimbalhando, o Papa que entra: Carlos Magno majestosamente humilde, ajoelhado naquela laje de pedra para rezar e o Papa que manda trazer uma coroa com a qual ele não contava e o coroa ali imperador do Sacro Império. Funda o Sacro Império! Que beleza!

Que esse Sol volte a iluminar o mundo

Quando uma alma conserva a inocência, ela encontra o “thau”. Mais ou menos como uma flor que está para se abrir encontra, de manhã, o primeiro raio de sol que bate.

Às vezes, chegamos a certa idade com a inocência reduzida a cacos. Mas, oh cacos preciosos! Eles são como aqueles peixes e pães da multiplicação. Bondosamente, Nossa Senhora os toma e os apresenta a Nosso Senhor: “Vede que cacos, Meu Filho” e Ele os recompõe.

Aí temos o ideal católico: Forte, puro, unido e se regozijando com coisas tão espirituais.

Isto tudo nos leva a muito altas considerações, nos leva à ideia de que devemos pedir a Nossa Senhora essa inocência. Devemos pedir para nós, devemos pedir para os nossos irmãos de vocação. Devemos pedir para todas as criaturas de Deus, porque Deus é infinito no seu desejo de bem e quer abarcar com sua grandeza e com sua bondade a criação inteira.

E então compreendemos o seguinte: há uma coisa em nossa época que tem uma beleza comparável à beleza de Carlos Magno sendo coroado por Leão III: É lutar para que esse Sol volte a iluminar o mundo.

Esse Sol é Deus, é Nosso Senhor Jesus Cristo! O vitral por onde entra esse Sol é Nossa Senhora!               v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 12/10/1985)

Vinde, a Santíssima Virgem vos espera!

Ao contemplar as aparições de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré, Dr. Plinio ressalta o caráter profético de suas mensagens e a afabilidade e a inocência que transparecem nas narrações da Santa.

Devemos começar agora o comentário dos fatos que se relacionam com a aparição de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré.

Ângulo de análise dos fatos precedentes às aparições

Para acompanhar bem o assunto é preciso conhecer a situação geral da França e da Europa naquele tempo, porque se trata de uma série de revelações de caráter profético, neste sentido da palavra: elas se deram em 1830 e Nossa Senhora previu fatos — naquele tempo mais ou menos improváveis — que se dariam em 1870, quarenta anos depois, exatamente.

Os fatos tinham muita relação um com o outro e, debaixo desse ponto de vista, essas aparições interessam de um modo todo particular, porque a revolução de 1830 é apresentada por Nossa Senhora como sendo o primeiro sinal de um conjunto de desordens na França, que haveria de culminar com uma revolução em 1870.

A revolução de 1830 foi liberal. A de 1870 foi a chamada Comuna de Paris, e talvez se possa dizer a primeira revolução comunista na Europa, se não se considerar a Revolução Francesa como uma revolução comunista. Isso é outra questão. Habitualmente não era tida como comunista. Hoje muitos historiadores reconhecem que ela, chegando ao seu auge, tomou o caráter, o espírito comunista pelo menos.

Enfim, deixando isso de lado, é, portanto, a ideia do liberalismo gerando o comunismo que é apresentada de algum modo pelas revelações. Ideia que se relaciona tanto com a RCR e com as preocupações habituais do Grupo, que eu não poderia deixar de realçar isto desde o começo.

Tática revolucionária de Napoleão

Qual era a situação da França e da Europa em 1830? Era a seguinte.

A Revolução Francesa deve ser considerada como um grande movimento revolucionário que começou em 1789, simbolicamente, com a queda da Bastilha e que, verdadeiramente, teve seu fim em 1815, quando Napoleão caiu pela segunda vez.

Napoleão é tido por muitos como o contrário da revolução, porque ele impôs ordem à França quando ela estava no caos e na desordem. Mas a questão é que Revolução não é apenas desordem, caos, é também uma ordem material na qual se impõe que as coisas fiquem de cabeça para baixo. E foi exatamente o que Napoleão fez.

Ele aproveitou a ordem que ele impôs e aproveitou o prestígio das vitórias militares que alcançou para impor à França, de modo estável, uma série de transformações que a Revolução Francesa introduziu, mas que eram mal aceitas pelo povo. Em algumas coisas Napoleão recuou em relação à Revolução Francesa, em outras coisas ele impôs. E isto fazia parte do jogo: ceder algo, mas tornar algo definitivo e irremediável.

Revanche da Revolução

Em 1815 se dá a Batalha do Waterloo, Napoleão é mandado para Santa Helena, e a ordem na França gira: os Bourbons são restaurados e reinam de 1815 a 1830.

A restauração dos Bourbons se deu na pessoa de Luís XVIII, um irmão de Luís XVI. Ele foi sucedido por Carlos X, que reinou de 1824 até 1830, um reinado rápido. Em 1830 houve uma revolução de caráter liberal que destituiu Carlos X, tido como um rei reacionário e ultramontano. Em seu lugar foi colocado um parente deles, o Duque de Orleans, que não tinha direito à sucessão ao trono e que reinaria de 1830 a 1848.

A introdução de um rei ilegítimo, de ideias conhecidamente liberais, representava uma revanche da Revolução. Podemos dizer que a Revolução deu um grande passo para trás com a restauração dos Bourbons; fez meio passo para frente com a implantação da monarquia burguesa de Luís Felipe, e daí para a frente os fatos se foram dando até a Comuna de Paris em 1870.

Carlos X era católico, mas via uma série de coisas muito estrabicamente. Apesar disso, por causa da onda da opinião contrarrevolucionária, a Religião fez muitos progressos na França, restaurou uma porção de coisas, de instituições que tinham caído, foi uma ocasião de re-catolicização.  Nesse período os adversários da Religião também se levantaram e houve motins, agressões, um desenvolvi-mento grande do anticlericalismo. Isso era um bom sinal do ponto de vista religioso, porque sempre que a Igreja é atacada por seus inimigos, quer dizer que ela está fiel a si mesma.

Devemo-nos situar nessa atmosfera para compreendermos o ambiente no qual se deram as revelações de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré, religiosa de São Vicente de Paulo.

As Irmãs da Caridade

O hábito das Irmãs de Caridade era preto, como são os hábitos das religiosas, mas com uma espécie de grande gola engomada branca. A cabeça era adornada por uma toca bretã um tanto estilizada pela inspiração e pelas mãos da Igreja. Naturalmente, um rosário pendente da cintura.

Eu não tive muito contato com essas freiras, mas conheci muitas e muitas delas. Eram, em geral, pessoas robustas, fortes e prontas para o trabalho. Algumas — isso não as desdourava em nada — um pouco camponesas. Olhar límpido, reto, atitude despretensiosa de quem preferia passar despercebida.

Elas eram destinadas muito frequentemente a tomar conta dos hospitais, atender os doentes, e a outras obras de caridade material. Obras de misericórdia temporal, que elas aproveitavam como ocasião para obras de misericórdia espiritual: aproveitavam para chamar um padre para o agonizante, convidavam uma criança para ir ao catecismo da paróquia ou no convento delas. Se encontravam alguém desventurado pela rua, paravam, perguntavam o que queria, ajudavam a pessoa, etc. Enfim, faziam tudo quanto pudessem para atender aos infortúnios, às carências materiais, mas, sobretudo, às necessidades espirituais dos mais variados ambientes por onde elas costumavam se infiltrar.

A elevação desse apostolado que elas realizavam era tão grande e elas eram de tal maneira admiradas por isso que uma irmã de São Vicente de Paulo costumava ser tida como próprio símbolo da Religião numa das suas expressões mais belas e mais comovedoras.

Quando Nossa Senhora deseja…

Catarina Labouré nasceu em 1806. Era filha de um casal de proprietários rurais. Sua mãe faleceu quando tinha apenas nove anos.

Catarina pediu autorização do pai para ser freira. Este se opôs terminantemente e julgou bom, para distraí-la, mandá-la para um lugar de prazer, um emprego onde ela podia se distrair, ter prazeres.

Paris já era, para as proporções da França e do mundo daquele tempo, uma cidade de luxo, uma cidade-turbilhão da alegria, do contentamento de viver mundano. O pai queria conduzi-la até Paris para a vocação desaparecer.

Mas quando Nossa Senhora quer, quer: Catarina acabou indo para Paris, tornou-se freira e recebeu as revelações.

Nos subúrbios de Paris

Catarina Labouré, no ano de 1828 foi posta pelo pai ajudando seu irmão num pequeno restaurante para operários, num dos bairros mais populosos de Paris.

Era um restaurante só de homens. Com certeza estes homens comiam ali porque não tinham tempo de ir para casa comer. Imaginem a beberagem, as conversas imorais, as canções. E a futura santa obrigada pelo pai a servir ali. Vejam o contraste e o “rio chinês” que o desígnio da Providência percorreu nesta ocasião.

Ela tinha nessa ocasião 22 anos, uma idade inteiramente inadequada para esse tipo de serviço. Ela ficava — era a defesa dela — quieta, e durante o serviço nunca descerrava os lábios. Falassem com ela o que fosse, perguntassem o que quisesse, ela servia sem dizer uma palavra. Era o meio de, naquele ambiente, se isolar e proteger a sua própria pureza, a sua piedade.

Ela se sentia supliciada em um ambiente tão livre como esse, onde os gracejos e até os galanteios a ela evidentemente não faltavam.

O operário daquele tempo era, em geral, muito corpulento, porque a indústria era muito menos mecanizada do que hoje em dia, exigia muito mais força no trabalho manual. Imaginem um restaurante pequeno cheio de homenzarrões. Entra uma donzela que não tem outra coisa senão seu Anjo da Guarda para defendê-la e que acaba domando o ambiente. Brincadeira de cá, gracejo de lá, galanteios de acolá. Ela tem apenas a defesa do repúdio e dos lábios cerrados. Ela domina.

Vê-se a virtude dominando o vício, o espírito dominando a matéria. Que bela vitória e como isso nos ajuda a conhecer o perfil moral da santa.

Em Châtillon-sur-Seine

Esse martírio durou cerca de um ano. Em 1829 Santa Catarina Labouré passou a residir com uma cunhada, que mantinha um pensionato para moças em Châtillon-sur-Seine, no departamento de Côte d’Or. Era aí que uma parte da nobreza da Borgonha enviava suas filhas.

Catarina viveu com mais liberdade e pôde melhorar algum tanto sua escrita. Mas a ortografia dela foi sempre muito irregular.

Em janeiro de 1830 ela entrava no hospital de caridade dirigido pelas irmãs de São Vicente de Paulo em Châtillon-sur-Seine.

Ela, que tinha vergado os operários do botequim, vergou também o pai.

Depois de três meses de postulantado, seguiu, enfim, para Paris. E em 1830, no mês de abril, pela primeira vez entrou no noviciado da Rue du Bac, onde as aparições se deram.

Ela era, portanto, noviça quando essas aparições se verificaram.

Junto ao coração de São Vicente

Três dias depois da chegada de Catarina, deu-se a solene transladação dos despojos de São Vicente de Paulo para a capela da Rue du Sèvre, grande cerimônia à qual assistiam o Rei Carlos X e o arcebispo de Paris, Mons. Quélan.

Que cena linda: o arcebispo de Paris com certeza presidindo a cerimônia, é provável que o pálio cobrisse os restos mortais de São Vicente de Paulo e ali fosse o rei também. Tudo leva a crer que antecedendo e fechando o cortejo das relíquias, havia personalidades do clero, da família real, da corte, povo em quantidade, provavelmente tropas apresentando armas, etc. Assim se deu a transladação do corpo de São Vicente de Paulo, que era o fundador da congregação religiosa para onde ela estava entrando e que era, naturalmente, venerado por todo o povo francês.

Santa Catarina, como noviça, frequentou várias vezes a capela de Saint-Lazare, onde foi colocado o corpo de São Vicente de Paulo. Conta ela:

O coração de São Vicente aparecia todas as vezes que eu voltava de Saint-Lazare. Apareceu-me três vezes de modo diferente, três dias seguidos: branco, cor de carne, o que anunciava a paz, a calma, inocência e a união; depois o vi vermelho, cor de fogo o que indicava o incêndio de caridade de seu coração; parecia-me que a comunidade devia se renovar, estender-se até as extremidades da Terra, o que de fato se deu. Por fim o vi vermelho negro, o que indicava tristeza. Vinham-me tristezas que tinha muita dificuldade em dominar. Não sei porque nem como essa tristeza se relacionava com a mudança de governo que havia proximamente na França.

São Vicente de Paulo, como santo, amando a França, a civilização cristã e sobretudo a Igreja, dava a conhecer a ela, antes da queda do governo, que o rei cairia. Exprimia a sua dor profunda fazendo ver o próprio coração nesses coloridos diferentes. Um vermelho quase preto que indicava tristeza, o que iria acontecer? Por que é que ela sabia de antemão?

Para que nós soubéssemos, é claro. Mas também para rezar e para ir pedindo pela causa católica na França antes mesmo da causa ser golpeada, de maneira a conseguir que o golpe não fosse tão grande e alguma coisa sobrevivesse.

Vemos a Providência que permite o golpe, mas prepara também algo que atenua. Vê-se aí a bondade e a misericórdia de Nossa Senhora.

Graças de perseverança

Certo dia uma voz interior disse à vidente: “O coração de São Vicente está um pouco consolado, porque obteve de Deus, por mediação de Maria, que suas famílias não pereceriam no meio dessas infelicidades e que Deus se serviria delas para reanimar a fé”.

Quer dizer, seria normal que o ramo masculino e feminino da obra de São Vicente de Paulo desaparecessem, mas Nossa Senhora obteve e pediu antes da revolução que essas duas famílias — eu interpreto assim, sendo ramo masculino e feminino — sobrevivessem para espalhar a fé pelo mundo inteiro. O que em larga medida aconteceu.

Revolução de julho

Os mais negros e tristes pensamentos ocorreram no dia da Santíssima Trindade, 6 de junho.

A revolução foi em julho.“Nosso Senhor me apareceu como um rei com a cruz sobre o peito no Santíssimo Sacramento. Isto se passava durante a Santa Missa, no momento do Evangelho. Pareceu-me que Nosso Senhor era despojado de todos os seus ornamentos, caindo tudo por terra”.

Isto se relacionava com a revolução que haveria daí.

“Foi então que tive o pensamento que o rei da terra seria despojado de suas vestes reais”.

Foi o que aconteceu nos últimos dias de julho.

“Daí os pensamentos que tive, que não saberia explicar, sobre a perda que se fazia.”

Como ela era uma pessoa pouco culta, não compreendia todo o alcance desse acontecimento, o que a Religião perdia com isso.

Ela estava com o espírito pouco afeito a medir os vais-e-vens da Revolução e da Contra-Revolução, mas Nosso Senhor Jesus Cristo lhe dava a entender uma profunda tristeza com esses fatos.

Aí os senhores têm uma coisa curiosa, que é o relacionamento direto… Eu não me lembro de ter visto uma coisa parecida — talvez houvesse — de uma revelação tão altamente provável, eu no meu foro interno a tomo como certa, com um fato político. Mas assim, um fato político determinado: “A fulano vai acontecer tal coisa, e por isso Deus está triste”. Eu não me lembro de uma coisa dessas, é um fato único — único ao menos para minha memória — e que eu gostaria de ressaltar.

O sobrenatural começa a manifestar-se

Imaginemos a cidade de Paris, naquele tempo enormemente menor do que ela é hoje, silenciosa, tranquila, ainda sem motores. Os automóveis ainda não existiam, o silêncio de toda a população que dormia era apenas de vez em quando interrompido pelas patas de um cavalo que batia sobre a pedra da rua e que ia puxando algum carrinho ou alguma carruagem depressa durante a noite para um lugar.

Não havia ainda luz elétrica e o dormitório das religiosas era iluminado por candeeiros. Todos dormiam, inclusive Catarina. Ali, completamente diferente do mundo fora, o maravilhoso sobrenatural começa a se desenrolar e Nossa Senhora faz a primeira das suas diversas grandes mensagens para o mundo no século XIX.

Vale a pena ler o próprio texto da santa contando o que se passou então. É um pouco longo, mas são suas próprias palavras. Isso fará um desenvolvimento do tema.

“A Santíssima Virgem vos espera…”

Ela diz o seguinte:
“Veio depois a festa de São Vicente. Na véspera, nossa boa Madre Marta nos fez uma instrução sobre a devoção à Santíssima Virgem, o que me deu desejo de vê-La. Deitei-me, pois, com o pensamento de que naquela noite mesmo eu veria a minha boa Mãe. Havia tanto tempo já que eu desejava vê-La.”

A inocência e a ingenuidade desse pensamento e o caráter filial são muito bonitos.

Enfim, às onze e meia da noite… Para aquele tempo era alta noite. “…ouvi me chamarem pelo nome:

‘Irmã Labouré! Irmã Labouré!’. Acordando, olhei do lado de onde vinha a voz, que era do lado da passagem.”

Deveria ser uma passagem no dormitório.

“Corro a cortina e vejo um menino de 4 ou 5 anos que me dizia: ‘Vinde à capela, a Santíssima Virgem vos espera’.

Devemos imaginar um ambiente com uma paz, tranquilidade, todas as freiras dormindo, esse menino aparece — ela depois descreve o menino — e diz: “A Santíssima Virgem vos espera”. Quer dizer, uma afabilidade de Nossa Senhora à espera dela.

“Logo me veio o pensamento: ‘Irão perceber’. O menino me respondeu: ‘Ficai tranquila. São onze e meia da noite, todo o mundo está dormindo. Vinde, eu vos espero’.
Quem é esse menino que diz “eu” aí?

“Vesti-me depressa e me dirigi para o lado do menino. Este tinha permanecido de pé sem avançar além da cabeceira de minha cama. Ele me seguiu, ou melhor, eu o segui, sempre à minha esquerda.”

“Por todos os lugares onde passamos as luzes estavam acesas, do que me admirava muito…”

Naturalmente ninguém via, era milagre. Tudo isso já é dado para causar impressão.

“Porém, muito mais surpresa fiquei quando entrei na capela. A porta se abriu mal o menino a tocou com a ponta do dedo e minha surpresa foi ainda mais completa quando vi todas as velas e castiçais acesos, o que me recordava a Missa de meia-noite”.

Como se fosse a Missa do Galo. “Entretanto, nada vejo da Santíssima Virgem.

O menino me conduziu ao presbitério, ao lado da cadeira de braços do senhor vigário. Ali me ajoelhei e o menino permaneceu de pé todo o tempo. Eu achava o tempo longo e olhava para ver se as vigilantes não passavam pela tribuna”.

No fundo, onde fica o órgão. Ela tinha medo que pudessem perceber, alguma coisa violasse o segredo.

Seria bonita a cena. Ela ajoelhada junto à cadeira do senhor vigário, as luzes todas acesas e pensando o que diria à vigilante sobre essa completa irregularidade.

“Ali se passou o momento mais doce de minha vida”

“Por fim chegou a hora. O menino me preveniu. Ele me disse: ‘Ei-la, a Santíssima Virgem’. Ouvi como um roçar de vestido de seda que vinha do lado da tribuna…

Era o “frou-frou” de quem está com um vestido de seda que, naquele tempo, ia até o chão. Produzia aquele ruído agradável e muito peculiar.

… perto do quadro de São José e que passava sobre os degraus do altar do lado do Evangelho sobre uma cadeira igual à de Santa Ana.

O que seria essa cadeira de Santa Ana?

“Eu estava em dúvida se seria a Santíssima Virgem. Nesse preciso momento o menino que estava ali me disse: ‘Eis a Santíssima Virgem’.

“Ser-me-ia impossível dizer o que senti nesse momento, o que se passava dentro de mim. Parecia-me que não via a Santíssima Virgem.

“Então o menino me falou não mais como uma criança, mas como um homem dos mais fortes e com as palavras mais fortes.

“Nesse momento, olhando para a Santíssima Virgem, dei um salto para junto d’Ela, pondo-me de joelhos sobre os degraus do altar e com as mãos apoiadas sobre os joelhos da Santíssima Virgem”.

Nossa Senhora estava sentada na cadeira do vigário. Santa Catarina apoiou as mãos sobre os joelhos de Nossa Senhora. Vejam a afabilidade dessa aparição, uma coisa extraordinária. Depois, para quem for São Tomé, que pôs a mão no flanco de Nosso Senhor, ela também tocou.

“Ali se passou o momento mais doce de minha vida. Ser-me-ia impossível dizer tudo o que senti. Ela me disse como deveria me conduzir em relação ao meu diretor espiritual, e várias coisas que não devo dizer. A maneira de me conduzir em meus sofrimentos, vir lançar-me aos pés do altar, e me mostrava com a mão esquerda o pé do altar, e ali fundir o meu coração. Aí eu receberia todas as consolações de que tivesse necessidade.”

Quer dizer, quando ela tivesse sofrimentos, não comentasse com ninguém, fosse ao altar e desabafas-se ali, mas num lugar indicado por Nossa Senhora para ela: “Aqui, nesse ponto, você venha”.
Os senhores compreendem quanto ela voltou a esse lugar fisicamente indicado por Nossa Senhora. Uma verdadeira maravilha.

“Então lhe perguntei o que significavam todas as coisas que eu tinha visto e ela me explicou tudo”.

Mas ela não disse o que era. Aqui não está.

“Fiquei não sei quanto tempo. Tudo que sei é que quando Ela partiu não percebi senão que alguma coisa se extinguia. Enfim, mais uma sombra que se dirigia para o lado da tribuna pelo caminho pelo qual Ela tinha chegado.”

“Levantei-me dos degraus do altar e percebi o menino onde o tinha deixado. Ele me disse: ‘Ela se retirou’. Nós retomamos o mesmo caminho, sempre todo iluminado. O menino estava sempre à minha esquerda. Creio que este menino era meu Anjo da Guarda que se havia tornado visível para me fazer ver a Santíssima Virgem, porque havia rezado muito a ele para que me obtivesse esse favor. Estava vestido de branco trazendo consigo uma luz miraculosa, isto é, ele era resplandecente de luz. Tinha a idade mais ou menos de 4 ou 5 anos.

De volta ao meu leito eram duas horas da manhã, pois ouvi tocar as horas.

Não tornei mais a dormir.

Está terminada a revelação.

Um veludo precioso

Não me consta que lá, na Rue de Bac, se indique qual foi o lugar mostrado por Nossa Senhora a ela. Evidentemente, qualquer um de nós que ali estivesse não deixaria de rezar, oscular o chão.

A cadeira está ali sobre um estradozinho e todo mundo que entra vai oscular a cadeira. Quando eu a osculei, deitei o olhar sobre o veludo e este pareceu-me novo. Fiquei desagradado, porque, se é novo, não é o veludo sobre o qual Nossa Senhora se sentou.

Na saída, perguntei à freira:
— Irmã, me faz favor. Esse veludo da cadeira é o próprio no qual Nossa Senhora Se sentou?

Ela disse:
— Não. Nós, há pouco, o substituímos por um veludo novo.

Eu pensei em ficar com o veludo para mim, e disse:
— Irmã, eu não poderia ter esse veludo? Ou ao menos um pedacinho dele?

Ela disse:
— Não.

Não me lembro se ela disse que foi jogado fora ou queimado. Eu não pude conter a minha surpresa e disse a ela:
— Mas, irmã! A senhora já pensou o que seria esse… Se a armação de madeira da cadeira se oscula, por que não oscular o veludo? Por que não guardar? A senhora já pensou que isto é uma relíquia.

— É…
Eu disse:
— A senhora já pensou quantas pessoas viriam aqui para receber das senhoras um pedacinho deste veludo?

Ela ficou assim meio surpresa e eu disse:
— Irmã, eu sou da América do Sul, sou do Brasil. Eu lhe garanto que a América do Sul desfilaria aqui para receber pedaços desse veludo!
— “Nous n’avons guère songé” — nem sequer pensamos nisso.

Uma promessa feita por Nossa Senhora

1830, julho. Colóquio com a Santíssima Virgem.
“Minha filha, o bom Deus quer encarregar-vos de uma missão. Tereis muitos sofrimentos, mas superareis estes sofrimentos pensando que o fareis para a glória do bom Deus. Conhecereis que é do bom Deus e sereis atormentada até que o tenhais dito àquele que é encarregado de vos conduzir. Sereis contraditada, mas tereis a graça e por isso não temais. Dizei com confiança tudo o que se passa em vós, dizei-o com simplicidade, tende confiança, não temais.”

Vemos quanto medo ela tinha do próprio confessor com o qual ela se deveria abrir.
“‘Vereis certas coisas. Prestai conta do que virdes e ouvirdes. Sereis inspirada na vossa oração. Prestai conta do que virdes em vossas orações”.

Os tempos são muito maus. Os males virão precipitar-se sobre a França; o trono será derrubado, o mundo inteiro será transtornado por males de toda ordem — ao dizer isto, a Santíssima Virgem tinha um ar muito penalizado —, mas vinde ao pé deste altar; aí as graças serão derramadas sobre todas as pessoas que as pedirem.

É uma promessa magnífica.

“‘Minha filha, gosto de derramar graças sobre a comunidade em particular. Eu aprecio muito. Sofro porque há grandes abusos contra a regra.’”

Nossa Senhora gostava da comunidade enquanto instituição, mas já naquele tempo havia muitos abusos no cumprimento da regra.

“‘As regras não são observadas, há grande relaxamento nas duas comunidades. Dizei àquele que está encarregado de uma maneira particular da comunidade. Ele deve fazer tudo o que lhe seja possível para repor a regra em vigor. Dizei-lhe de minha parte vigiar sobre as leituras, as perdas de tempo e as visitas’”.

“‘A comunidade gozará de uma grande paz, ela tornar-se-á grande. Momento virá em que o perigo será grande, acreditar-se-á tudo perdido.”

É curioso que este momento não é em 1830. Por que, como vai haver uma grande paz e se corrigirá os abusos, etc., etc., quando ela já está em julho e a revolução foi em julho?

Esses fatos não cabem aí, mas depois.

“‘Eu estarei convosco, tende confiança.
“Mas não se dará o mesmo com as outras comunidades: haverá vítimas — ao dizer isto, a Santíssima Virgem tinha lágrimas nos olhos. Para o clero de Paris haverá vítimas. Mons. Arcebispo — a essa palavra lágrimas de novo.”

Eu creio que não foi Mons. Qué-lan. Talvez aí seja uma profecia de 1870, não sei.

“Minha filha, a cruz será desprezada e derrubada por terra. O sangue correrá, abrir-se-á de novo o lado de Nosso Senhor, as ruas estarão cheias de sangue, Mons. Arcebispo será despojado de suas vestes — aqui a Santíssima Virgem não podia mais falar: o sofrimento estava estampado sob a sua face. “Minha filha, dizia Ela, o mundo todo estará em tristeza.”

A essas palavras pensei quando isto se daria: compreendi bem daí a quarenta anos.

Em 1870, onde realmente o arcebispo foi fuzilado abençoando os revolucionários e duas balas cortaram os dedos dele. Ele morreu abençoando.

Disse-me uma pessoa, muito competente nesses assuntos de História do século XIX, que o arcebispo era de tendência liberal. Ele teve de algum modo um castigo, porque os liberais o fuzilaram. Mas vejam como Nossa Senhora sofreu com o fato porque ele era arcebispo e, na pessoa dele, era a Igreja que sofria uma violência.

Vejam como Nossa Senhora ama as instituições eclesiásticas. Ela ama tanto uma congregação religiosa na qual Ela, entretanto, denuncia graves abusos. E Ela sofre tanto com o padecimento de um arcebispo. É a congregação enquanto congregação, o arcebispo enquanto arcebispo.

Isso deve nos fazer compreender o amor que nós devemos ter às instituições eclesiásticas, por mais que as vicissitudes humanas façam com que dentro delas se passem coisas que são contrárias
ao que se poderia querer.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraido de conferência de 7/11/1980)

Confiança nos impossíveis

Um lema fixado por jovens revolucionários na Universidade de Sorbonne dá ocasião para Dr. Plinio tecer preciosos comentários

 

Alguém me pediu para comentar o seguinte lema afixado na Universidade de Sorbonne durante seus dias de agitação:

“Seja realista, exija o impossível.”

Mesmo defendendo a pior das causas, há nesta frase o inegável talento francês.

Em primeiro lugar, devemos nos perguntar: esse lema é correto ou não?

Em face dele, dividem-se duas famílias de almas: uma constituída pelo espírito geométrico, e outra, pelo espírito de “finesse”.

O espírito geométrico é contra uma afirmação dessas. Para ele, é próprio da utopia exigir o impossível. Logo, é um absurdo dizer: “seja realista, exija o impossível”. Pelo contrário, diria alguém desta corrente, “seja realista, exija o possível”; ou então, “seja realista, e não exija o impossível”.

Porém, as pessoas que têm o espírito de “finesse” compreendem o significado desta afirmação. Ou seja, esta espécie de contradição berrante, que é exigir o impossível, aqui quer dizer o seguinte: esse impossível vem psicologicamente entre aspas.

Impossível para o medíocre… Possível para o fogoso!

Há coisas impossíveis para os indivíduos “pocas”(1), cujos horizontes são limitados e circunscritos, e que por isso facilmente desanimam diante de lances qualificados de impraticáveis, mas que na verdade não o são.

Porém, há homens com inteira noção da realidade, os quais pensam:

“Vocês, moles, pensam ver a realidade, mas na verdade estão apenas na superfície dela. A profundidade da realidade, bem analisada, mostraria haver mil coisas aparentemente impossíveis para os espíritos sem ‘chama’; mas, para os que têm ‘chama’, são possíveis. A ‘chama’ torna possíveis coisas aparentemente impossíveis.”

A História está cheia de exemplos dessa natureza.

Quem vai a Barcelona e visita o fac-símile das naus de Cristóvão Colombo tem um exemplo disso: verdadeiras cascas de noz, com as quais se teria medo de atravessar a represa de Santo Amaro…

Entretanto, eles vieram até a América. E, exatamente no momento em que se planejava uma revolta a bordo — Cristóvão Colombo estava diante de uma revolta dos “pocas” que julgavam impossível atingir o objetivo, porque afinal de contas, nunca se chegava — alguém gritou: “Terra à vista!”

Quer dizer, estava‑se chegando precisamente no momento em que o “impossível” para os medíocres tinha se tornado possível.

Contudo, este é um fato natural.

Impossível até na ordem natural…

Do lado sobrenatural isto é muito mais bonito, muito mais rico. E a riqueza está no seguinte: quando Nossa Senhora quer algo, Ela o realiza contra todas as esperanças e aparências; mesmo o impossível para os grandes homens é possível para Nossa Senhora, porque a oração d’Ela é onipotente, Ela obtém de Deus absolutamente tudo quanto Ela quer.

De maneira que, muitas vezes, nós devemos tentar coisas não só impossíveis para os “pocas”, mas impossíveis também na ordem natural das coisas. Devemos exigir o impossível de nós mesmos, porque Nossa Senhora nos dará.

Mas, como podemos ter certeza se Nossa Senhora dará ou não?

O Livro da Confiança(2) começa com as magníficas palavras: “Voz de Cristo, voz misteriosa da graça, vós murmurais no fundo de nossas consciências palavras de doçura e de paz”.

Realmente, nós temos uma voz interior que não fala, não usa palavras, mas se comunica conosco pelo movimento dos pressentimentos, das virtudes, das consolações da alma, e nos indica o que Nossa Senhora quer de nós.

Muitas vezes esta voz quer de nós algo impossível, mas devemos crer no incrível, abordar o inabordável, meter-nos a transpor o intransponível, porque do outro lado está Nossa Senhora.

“Nunca em minha vida eu fui decepcionado nesta posição interior de alma.”

Como podemos diferenciar o sinal interior dado por Nossa Senhora de uma simples fantasia?

É muito fácil: se um determinado movimento de alma nos leva à virtude; se esse pressentimento de alma não satisfaz o nosso amor-próprio, certamente vem de Nossa Senhora.

Ele pode não se realizar como imaginamos, mas seguramente ele acaba se realizando. E é este o modo pelo qual nós podemos ouvir esta voz de Cristo, voz misteriosa da graça, dizendo a nossas almas palavras de doçura e de paz.

Poderá haver ocasiões em que sobrevenham movimentos de desânimo por estarmos numa situação sem saída. Apesar disso, teremos um pressentimento interno de que Nossa Senhora resolverá a situação.

Nunca em minha vida eu fui decepcionado nesta posição interior de alma. E eu já estou com cinquenta e nove anos e meio. Nunca eu dei crédito a esse movimento interior da alma, e depois tive uma decepção. Nunca, nunca, nunca!

Isto não quer dizer que muitas coisas não tenham demorado além do imaginado por mim; não quer dizer que as circunstâncias não tenham sido diversas das esperadas por mim, mas a substância nunca me decepcionou, e, em geral, foi além de minha expectativa.

Como filhos de Nossa Senhora, nós temos o direito de esperar o impossível, e nós temos o direito de exigir que da nossa ação brote o impossível.

Devemos agir imperativamente, sabendo que aquilo vai dar certo.

Uma provação na linha do desânimo: uma cisão na Ação Universitária Católica

Lembro-me da primeira provação séria que eu tive a esse respeito, a qual me causou uma perturbação tremenda.

Eu tinha uns vinte anos quando consegui aglutinar alguns companheiros de faculdade, para fundar o primeiro núcleo de católicos na Faculdade de Direito. Isto parecia uma coisa completamente impossível.

Eu não sabia como, no interior de minha alma, dar graças a Nossa Senhora pelo que estava acontecendo, sobretudo por prever ser este o primeiro movimento de “chama” em torno do enorme “pavio” que se acenderia.

Pois bem, pode-se imaginar o meu estado de espírito quando nesse embrião da Ação Universitária Católica, contra toda a minha expectativa, arrebentou uma cisão interna, promovida por um indivíduo que queria uma forma de apostolado completamente heresia‑branca(3).

Eu pensei: “Como? Uma cisão entre católicos? Mas que monstruosidade é esta?”

Certo dia, indo para uma reunião, onde esta cisão deveria liquidar‑se, eu estava andando de bonde no Viaduto do Chá, quase só, e ruminando aquela história, com uma pavorosa tentação de desânimo…

Mas, eu senti em mim o que Abbé Saint Laurent chama no Livro da Confiança a voz sobrenatural de Cristo, voz sobrenatural da graça, que murmurava em minha alma palavras de doçura e de paz. Eu pensei então:

“Eu não vou prestar atenção nisto e vou caminhar de olhos fechados em cima desta coisa! Aconteça o que acontecer, eu vou andar para a frente!”

Foi a primeira prova, muitas assim vieram depois.

Todos passarão por circunstâncias onde a voz da Confiança parecerá ter mentido. Não acreditemos, pois ela nunca mente, e sempre acaba realizando o que prometeu.  v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 3/8/1968)

Revista Dr Plinio 152 (Novembro de 2010)

 

1) Palavra criada por Dr. Plinio para exprimir algo medíocre, mesquinho.

2) Cfr. Dr. Plinio nº 129, p.25.

3) Expressão metafórica criada por Dr. Plinio para designar a mentalidade sentimental que se manifesta na piedade, na cultura, na arte, etc. As pessoas por ela afetadas se tornam moles, medíocres, pouco propensas à fortaleza, assim como a tudo que signifique esplendor.

A fina ponta da esperança

Vejamos como Dr. Plinio discorre sobre a relação entre a esperança e a confiança.

O homem vive de esperanças. Salutares ou — helas! — nocivas, quem não as teve? Ainda quando era improvável tornarem-se realidade, os homens adequavam suas vidas às esperanças que possuíam.

Sim, isso era comum, mas no tempo presente, repleto de inebriantes descobertas da tecnologia, parece ser que a esperança vai, de modo paulatino, cedendo lugar ao anseio pelo imediato, à satisfação de caprichos do momento, a uma visualização que considera a existência humana como voltada somente para o prazer reles e passageiro. Sempre houve quem tivesse essa mentalidade, mas o problema novo é que ela vai se impondo universalmente, como se fosse o único valor a ser buscado.

Até que ponto a enxurrada de novidades contribuiu para este resultado? Não se sabe. O certo é que os homens, em número crescente, vão se desinteressando do futuro e fechando-se sobre si mesmos. “Não me interessa o amanhã, eu vivo cada dia”, dizem. Renunciaram à esperança.

Com isso vai desaparecendo toda forma de grandeza que pressupõe a esperança, ao passo que cada vez mais pessoas sofrem de tédio, depressão e até desespero. Todavia, por mais que sejam adversas as circunstâncias nas quais vivemos, a solução para se recuperar o equilíbrio perdido é simples: fortificar a esperança por uma certeza, acrescida de um novo vigor: a confiança!

Pois como afirma São Tomás: “A confiança é uma esperança fortificada por uma opinião firme”.

Vejamos como Dr. Plinio discorre sobre a relação entre a esperança e a confiança.

Qual é a diferença entre esperança e confiança?

Quando se espera algo, tem-se certa alegria pela perspectiva de que alguma coisa boa acontecerá; porém, quando se confia, não há apenas alegria, mas também certeza.

A confiança é a fina ponta da esperança; ela dá forças a nossas almas e nos faz irmos adiante.

Enquanto a esperança nos dá fundadas razões para termos quase certeza de que nos acontecerá determinada coisa boa, a confiança, entretanto, nos dá a plena certeza.

A virtude da confiança representa a voz de Deus no interior de nossas almas.

Para nós que estamos talvez na orla dos acontecimentos previstos por Nossa Senhora em Fátima, a virtude da confiança se põe nos seguintes termos: estamos diante do perigo, mas sabemos que a Providência quer utilizar-se de nós para vencer esse perigo. Sendo assim, nós temos confiança, ou seja, temos certeza, de que seremos instrumentos da Providência para vencer tais perigos. Essa é a certeza da confiança.

Nessas condições, devemos pedir a Nossa Senhora que em todas as ocasiões difíceis de nossa vida nos dê confiança e não deixe de suscitar no interior de nossas almas o seguinte movimento:

“Se Nossa Senhora me chamou para uma missão, Ela fará com que eu a realize, pois este chamado não poderá ter sido em vão.”

Então, ainda que tudo pareça contrariar minha esperança, eu avanço contra o perigo, em paz, porque confio que vai se realizar tudo quanto Ela prometeu.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 22/1/1994)

 

Bem-aventurados os que esperaram

Devemos viver para o Reino de Maria e os grandes lances da nossa história. Como esses acontecimentos demoram, a atitude perfeita é a daquele que diante de cada notícia boa estremece, na esperança de que tudo se realizará. Entretanto, se não iniciam já, espera sempre alegre, pronto, disposto, chegando à conclusão: “Deus virá a qualquer momento! E quando Ele vier, encontrará a minha alma preparada!”

 

O  mundo de hoje é muito habituado ao combate contra a espera, e até certo ponto se compreende porque a espera parece engasgar o curso natural das coisas. Por causa disso, a meta da mecanização em nossos dias é apressar todas as coisas e suprimir todas as esperas.

A espera é uma preparação e uma maturação que nos faz dignos de receber algo desejado longamente

Embora essa aversão à espera tenha algo de natural, possui também algo de excessivo, porque no mundo contemporâneo não se compreende o papel da espera na maturação e na formação do homem.

Por exemplo, hoje se toma um avião e, saindo de São Paulo, chega-se à Europa em menos de doze horas de voo. Portanto, em poucas horas transpõe-se o Oceano Atlântico e salta-se para um outro mundo, outra vida, deixando para trás a América.

Antigamente, tomava-se um navio para a Europa, e a viagem demorava quinze dias, durante os quais a pessoa ia preparando o espírito para entrar no país para onde rumava. Essa demora tinha preparado uma maturação. Por isso, chegava-se à Europa maduro. Hoje não: é-se ejetado de dentro do avião e já se sai correndo para outro lugar.

Por vezes, a espera é uma preparação e uma maturação que resulta do desejar longamente uma coisa e que nos torna dignos de recebê-la.

Vemos na Escritura longas esperas e, às vezes, contra o impossível. Por exemplo, segundo uma bela tradição, São Joaquim e Santa Ana, os pais de Nossa Senhora, eram muito velhos, estavam além da idade em que um casal tem filhos. Foi nessa ocasião que milagrosamente nasceu Nossa Senhora.

Ora, algo lhes dizia em seu íntimo que seriam antepassados do Messias, e passaram todo esse tempo esperando. Mas isso é uma coisa extraordinária, porque eles se prepararam, durante a vida inteira, para receber a Mãe do Messias. Teriam sido muito menos preparados para isto se, assim que eles se casassem, a Mãe do Messias, ao cabo de nove meses, nascesse.

Nosso Senhor teve esperas cheias de decepções

A espera tem um grande sentido. Por isso encontramos no Antigo e no Novo Testamentos manifestações de espera assombrosas.

Por exemplo, Nosso Senhor preparou os Apóstolos para serem o que foram. Vejam, entretanto, no que deu o plano do Divino Mestre: de doze Apóstolos, um se torna traidor; os outros onze fogem no Horto das Oliveiras; Ele fica sozinho. Um Apóstolo ainda O renega, São Pedro, e logo de uma vez aquele que deveria ser o chefe da Igreja! Quer dizer, tudo dá errado; é uma espera cheia de decepções, de situações desencontradas.

Pensar que daqueles doze presentes na Ceia mais memorável da História, um trairia; outro, São João, por quem Nosso Senhor tinha uma particular preferência, que encostou a cabeça sobre seu divino peito e ouviu a pulsação do Sagrado Coração de Jesus, esse fugiria como os demais. Quem haveria de imaginar uma coisa dessas!

Nosso Senhor ressuscita, convoca os Apóstolos, eles se convertem, está tudo direito, começam o apostolado pelo mundo.

Chega um Apóstolo que era um perseguidor, um fariseu – quanto Jesus falou contra os fariseus! – que se converteu e, por assim dizer, conquistou para a Fé toda a bacia do Mediterrâneo.

No meio de tudo isso, quanta espera e até quanta decepção teve o Redentor! Mas na ponta de tanta decepção, aguentada com desejo e com a certeza de que viria a conquista do mundo, esta acabou vindo.

A espera sem agitação favorece o pensamento

A beleza disso se apresenta por si mesma, é uma verdadeira maravilha. Deus quer daqueles que desejam alguma coisa d’Ele, que esperem longamente. E isso não está de acordo com os hábitos modernos.

Hoje em dia procura-se eliminar toda espécie de espera; mas por isso também toda forma de maturidade, de reflexão, de pensamento, de meditação está eliminada. Em geral, os países onde mais se corre e menos se espera são aqueles onde menos se pensa.

Considerem os grandes pensadores de outrora: Aristóteles, Platão, na Antiguidade; ou do mundo romano: Santo Agostinho, Santo Ambrósio; ou da Idade Média: São Tomás, São Boaventura, etc.

Pode-se imaginar São Tomás de Aquino fazendo uma tournée de conferências na América do Sul, “pingando” em um avião de capital em capital? Isso não “engarrafaria” o pensamento dele?

Pelo contrário, se São Tomás se deslocasse lentamente sentado num carro puxado por cavalos, ou ele mesmo montado num cavalo, naqueles longos intervalos ele não pensaria, não refletiria? Evidentemente sim. É a vantagem da espera.

Beleza própria da espera

Quando se deseja uma coisa boa, a espera tem uma beleza própria. Suponhamos que Cristóvão Colombo, em sua navegação, não tivesse sofrido aquela espera medonha para chegar até à América, mas, por essas ou aquelas razões, ele tivesse de navegar doze dias, ao cabo dos quais chegasse a uma ilha do Caribe e, de lá, começasse, com seus subordinados, sem muito esforço, a ocupação do novo continente. Uma viagem fácil, simples, rápida, eles chegaram e tomaram posse e começaram a desbravar as novas terras. Não perderia muito?

Mas aquela navegação que não acaba mais, e os marujos se revoltando contra ele… Afinal, aparecem boiando pelo mar pedaços de vegetação, indicando haver terra próxima. Então alguém anuncia: “Terra à vista! Olha ali a vegetação!” Nesse momento, todos se reconciliam.

É muito mais bonito porque não só esperaram, mas esperaram contra toda a esperança. Batalharam para conseguir, sofreram, correram riscos, na incerteza de que, talvez, nunca chegariam a nada. Quem poderia garantir que esse mar não era uma espécie de deserto: gira, gira, gira e não encontra nunca mais terra alguma. Então estavam perdidos, haveria de chegar um momento em que eles não tinham mais água para beber. A morte os esperava. Uma morte de esmeralda e de anil, mas a morte. Entretanto, vão para a frente, vendo como Colombo continuava a esperar.

O lindíssimo episódio de Abraão com Isaac

Porém ainda mais bonita é a espera quando ela culmina em um milagre. Porque no milagre vê-se a mão de Deus, de Nossa Senhora que, por assim dizer, vara as nuvens e aparece dando ao homem aquilo que ele tanto desejou.

É por isso mesmo que muitas vezes vemos, no Antigo Testamento, Deus aparecer, prometer e depois cumprir. Mas, às vezes, há pelo meio toda espécie de dificuldades.

Pensemos no lindíssimo episódio de Abraão com Isaac. Abraão era velho, mas Deus lhe prometera uma numerosa descendência. Afinal, depois de esperar muito, acabou tendo um filho.

Nasce um menino e, quando este fica mocinho, Deus aparece a Abraão e lhe diz:

– Este filho que te prometi, quero que tu o mates em honra a Mim.

Abraão poderia dizer:

– Mas, Senhor, e a promessa? Vós, então, prometeis um filho para tirá-lo depois? E esse menino morre sem ter descendentes! Vós não estais caçoando de mim? Não estais vos burlando da esperança que fizestes nascer no meu débil coração de homem, ó Deus?!

Nada! Ele leva o menino até o alto do monte, disposto a matar o filho da promessa. Com a ajuda da própria vítima ele constrói o altar onde ela deveria ser morta. Ainda enquanto caminhavam para o local do sacrifício, Isaac pergunta:

– Meu pai, temos o fogo e a lenha, mas onde está a vítima para o holocausto?

E Abraão responde ao menino:

– Deus providenciará a vítima para o holocausto, meu filho.

Concluído o altar, Abraão talvez tenha dito a Isaac:

– Deite-se em cima do altar.

Como a dizer: “A vítima é você.”

O menino, dócil como o pai, deita-se. O pai toma a faca e vai brandir um golpe para matar o menino e, no último momento, quando ele ia despencar o ferro no peito do filho, aparece um Anjo e diz:

– Abraão, Abraão! Pare! Deus estava te provando, queria ver até onde vai a tua obediência. Em atenção a tua esperança e a tua disciplina, os teus filhos serão mais numerosos do que as areias do mar e as estrelas do céu (Cf. Gn 22, 2-18).

Abraão não podia imaginar o acontecimento infinitamente maior que se daria: um de seus descendentes seria a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade encarnada! O Verbo de Deus se fez carne e habitou entre nós (Jo 1, 14), quer dizer, Nosso Senhor Jesus Cristo. Deus se encarna na raça judaica, dando, portanto, a Abraão que era o primeiro, o depositário da promessa ao povo hebreu, uma plenitude de recompensa incomparável.

É verdade que a descendência dele seria mais numerosa que as areias do mar e as estrelas do céu; mas, sobretudo, qualitativamente seria maior, pois nela nasceria o Filho de Deus.

Diante da demora, devemos estar sempre alegres, prontos e dispostos

Entretanto, no momento em que nasce o Messias o povo está de tal maneira decadente que é o próprio povo eleito que mata o Messias esperado. Pode haver uma coisa mais terrível do que esta? Cai, então, sobre o povo uma terrível maldição, a maior da História.

Considerem, então, a esperança: Deus prometeu que, por seu amor ao povo de Israel, no fim dos tempos esse povo vai se converter. A história das relações de Deus com o povo judaico se abre por uma prova tremenda e termina com uma reconciliação dulcíssima. Esperar, esperar e super esperar acaba dando certo!

Talvez valesse a pena, em alguma ocasião, contarmos a história de nossas esperas e esperanças. Em face da espera, vemos dar-se uma seleção: há quem procede mal e aqueles que procedem bem.

Os que procedem mal são, por sua vez, de duas espécies: uns se desinteressam, desesperam e começam a se preocupar com as coisas do mundo. Em vez de viverem para o Reino de Maria que virá e para os grandes lances da nossa história, como esses acontecimentos demoram, eles se desesperam e concluem: “Não, isso não dá certo!” Ficam, então, agressivos, briguentos, intratáveis e acabam se lançando, por exemplo, atrás do dinheiro e de tantas outras coisas, procurando engrandecer-se nas vias deste mundo.

Outros tomam um rumo diferente. Esperam durante algum tempo, mas como a esperança não se realiza logo, eles vão entibiando nas vias da vocação, caem numa modorra que os deixam completamente indiferentes diante das maiores maravilhas.

Qual é a atitude perfeita? É a daquele que com cada notícia boa estremece: “Quem sabe se agora vai começar…” E se não inicia já, espera para amanhã, para depois de amanhã. Sempre alegre, sempre pronto, sempre disposto, chegando à conclusão:

“Deus virá a qualquer momento! E quando Ele vier, encontrará a minha alma pronta! Eu não me cansei de esperá-Lo porque Ele é infinito e perfeito. Ora, o infinito e o perfeito se esperam, por assim dizer, infinitamente para esperá-los perfeitamente. Bendito o dia em que a palavra de Deus, confirmada, baixar sobre nós. Vamos para a frente! Nesse dia, poderemos dizer: Bem-aventurados os que esperaram; deles foi a promessa, deles é a vitória!”

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 3/7/1988)

Revista Dr Plinio 248 (Novembro de 2018)

O Homem-Deus – II

Continuando seus comentários à divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Dr. Plinio salienta a extrema maldade daqueles que O supliciaram.

 

Dir-se-ia que vindo à Terra o Homem-Deus, diante de provas tão claras, de manifestações de uma superioridade divina a todo momento, o povo eleito — o qual sabia que o Salvador nasceria dele, e estava esperando-O — haveria de reconhecer o Messias, aclamá-Lo com glória e eleva-Lo ao píncaro do gênero humano. Se o povo judeu tivesse reconhecido o Messias, com a força de Nosso Senhor Jesus Cristo, romanos, gregos, persas, egípcios, nada significariam. Esse povo seria elevado a um cume extraordinário!

Aqui se inicia o mistério da maldade humana. Esse povo que existia para isso, gemia porque o Messias não vinha; quando Jesus apareceu uma facção do povo se pôs desde logo contra Ele. E se cindiu: uma fração pequena do povo começou a adorá-Lo, a partir dos pastores que estavam em Belém e tiveram o anúncio do nascimento de Nosso Senhor. Mas, de outro lado, a maior parte passou a persegui-Lo.

Logo depois do nascimento de Jesus, Herodes fez o cálculo infame: “Deve ter nascido o Messias, porque os reis magos o estão dizendo. Ele ameaça o meu trono. É o Salvador previsto pelos profetas. Eu estou acreditando, ou pelo menos achando tão provável que até fico amedrontado”. E, para gozar a vida e ter o prazer de ser rei, Herodes quis matar Nosso Senhor sem nem sequer O ter visto, só porque Ele estava no mundo! Mandou, então, eliminar os inocentes, para evitar que o Inocente por excelência vivesse.

Desígnios misteriosos de Deus, caminhos que se compreendem só posteriormente! São José, coarctado pela falta de bondade da população em Belém, que não quis receber a ele e a Nossa Senhora, levou a Santíssima Virgem para uma gruta, fora da cidade.

Quando Nosso Senhor inicia sua vida pública, fazendo inúmeros milagres, o povo se entusiasma etc., aquele cálculo de Herodes se repete nas classes que mais O deveriam aclamar, quer dizer, na sacerdotal e na classe alta política, as quais começam a ter medo: “Quem é este homem que está levando atrás de si tais multidões? Ele é perigoso para nós; de repente nosso poder fica reduzido a nada!” Inicia-se, então, uma espécie de guerra, a “psy-war”, com calúnias e perguntas embaraçosas.

Os fariseus e os saduceus mandam pessoas fazer perguntas a Jesus, que O deixem mal à vontade. Pobres coitados! Se uma formiga quisesse lutar contra um animal quimérico, tão pesado como um elefante e forte como um leão, ela estaria mais próxima de vencer do que qualquer homem disputando com Nosso Senhor Jesus Cristo!

Questões elaboradas nos laboratórios da maldade e da insinceridade, todas retorcidas, cheias de ciladas. Posta a pergunta, vinha a resposta, em geral simples, direta, pulverizadora e luminosa.

— De quem é essa efígie?

— É de César.

— Pois dai a Deus o que é de Deus e a César o que é de César.

Não há mais nada a dizer.

O Evangelho conta que se difundiram calúnias a respeito de Nosso Senhor: era glutão, mundano, ambicioso… Como poderia ser ambicioso Ele que era tudo? É mais ou menos imaginar que um leão quisesse fazer carreira, transformando-se na abelha-mestra de uma colmeia…

Disseram que Ele comia em casa de publicano, para bajular as pessoas que tinham dinheiro… Falaram até — suprema calúnia, supremo insulto contra a evidência — que Nosso Senhor tinha parte com o demônio. Logo Ele, que era direta e esplendorosamente o contrário do demônio; nem é tão exato dizer que Jesus era o oposto do demônio: o demônio era o contrário d’Ele!

Várias pistas da conjuração por excelência que operou o deicídio

Começa-se a criar uma onda contra Nosso Senhor, a qual leva, em primeiro lugar, os muito ruins, que eram uma minoria bem colocada, poderosa e influente.

A partir da tintura-mãe dessa maldade da minoria, a onda começou a crescer de “proche en proche”, de vizinhança em vizinhança, a tomar os ambiciosos, os que se vendiam, aqueles que não queriam o mal pelo mal, mas se amavam tanto que, colocados diante de Nosso Senhor Jesus Cristo, eram capazes de dizer: “Ele é tudo isto, mas ficarei popular, bem-visto, terei importância, se ajudar a calúnia. Portanto, para que os maus me batam as palmas, me glorifiquem, vou também, embora não tenha certeza, começar a falar mal de Jesus”.

Depois desses maus de segundo grau, outra zona moral do povo foi atingida: a dos moles. “Se eu disser o que penso, serei perseguido, e isso não quero. Embora eu verifique que contra Jesus esteja se fazendo uma injustiça abominável, uma ignomínia, uma infâmia, essas coisas são com Ele, não comigo! Quero levar vida fácil, agradável, de maneira que eu possa me instalar bem nesta Terra. Comprometo a minha carreira, tomando a defesa de Jesus. Logo, vou também falar mal d’Ele.”

“Falar mal é horrível. Vejo fulano, um “molóide” como eu — que não tem coragem de enfrentar os outros para não ser perseguido —, falar mal de Jesus. Mas eu sou um homem reto, e não farei isso. Simplesmente não falarei bem. E quando disserem d’Ele, diante de mim, as coisas mais inverossímeis, ficarei quieto.

“Não sou inimigo d’Ele; no fundo, gosto d’Ele, às vezes rezo para Jesus e Ele é tão bom que me atende. Razão a mais para eu não tomar o partido d’Ele. Se Jesus não me ajudasse, eu talvez tivesse vantagem de tomar sua defesa, porque Ele então me atenderia… Mas, uma vez que Ele me auxilia até quando não tomo o partido d’Ele, fico bem com uns e com Ele. Encontro aí o caminho bom para mim, onde me ponho.”

Em seguida, vem a coorte imensa dos voluntariamente imbecis: “Não tenho bastante capacidade intelectual para me situar diante desse problema. Se eu o visse com clareza, tomaria posição. Mas, Deus me deu uma inteligência pequena, não tenho muito jeito para resolver isto. De maneira que vou fechar os olhos e deixar correr o marfim”.

Essas várias zonas do povo foram sendo atingidas, estabelecendo-se em torno de Nosso Senhor o vazio.

A crise no Colégio Apostólico e a traição de Judas

A entrada d’Ele em Jerusalém, no Domingo de Ramos, foi uma manifestação de quanto o povo, apesar de tudo, O via e apreciava, mas não na medida do necessário, do justo. Aclamavam-No, é verdade, mas Ele merecia muito mais!

Fazem-Lhe uma meia festa. Por isso, em geral, as pinturas e gravuras de Nosso Senhor entrando em Jerusalém O apresentam com tristeza, pesar, e dirigindo um olhar quase severo para a multidão que O aplaudia. Para Ele o interior das almas não oferece segredo, e Jesus percebia a insuficiência, a precariedade daquela ovação de que Ele era objeto.

Humildemente sentado sobre um burrico, Ele atravessava em meio à multidão, chamando a todos, pela sua presença, a amarem a Deus. Porém, ao mesmo tempo, percebia as negações, as recusas, a frieza, a hipocrisia deste ou daquele ato de admiração, e sofria com isso.

Se fôssemos estudar todo o padecimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, e não só a Paixão, dir-se-ia que a partir da primeira ingratidão Ele começou a sofrer. Quando teria sido essa primeira ingratidão? Não se sabe. Ela veio aos tufos, em grande quantidade, no Domingo de Ramos. Se fosse só isso…

Aproximam-se as festas judaicas da Páscoa. Nosso Senhor, inteiramente fiel à Lei — Ele era, como Deus, o Legislador —, realiza a ceia na quinta-feira e está com seus apóstolos à mesa. Sabia que um deles, portanto dos mais chegados, O havia traído. Esse apóstolo, que estava em crise, era um homem que Ele tinha chamado. Quer dizer, pela graça Nosso Senhor atraiu Judas Iscariotes para junto d’Ele, mas provavelmente Judas correspondeu mal, desde o primeiro momento. E foi um apóstolo medíocre, que deu depois num apóstolo infame. Crise, crise…

Confiaram a esse homem a guarda do dinheiro para as esmolas e, conta-nos o Evangelho, ele era ladrão. Roubava da caixa comum para gastos consigo a fim de satisfazer sua ganância.

Se fosse só essa crise… Os apóstolos “fervorosos” lá se encontravam com o Redentor; é o banquete. Ele lava os pés dos apóstolos, perdoa-lhes os pecados.

A tristeza vinha tomando a alma de Nosso Senhor; em certo momento disse o Redentor que um deles haveria de traí-Lo. Ele foi tão bom, que não afirmou outra coisa: “E vós todos haveis de Me abandonar”.

Ele conhecia a traição, e também o abandono. Um deles, São João, colocou o ouvido sobre o peito de Jesus, em gesto de amizade e intimidade, e perguntou quem era o traidor. Cristo respondeu: “Aquele a quem Eu der o pão molhado no vinho”. Ele não quis dizer o nome de Judas. Para não perceberem, deu uma resposta rápida, e falou baixinho. Tomou o pão e ofereceu-o amavelmente a Judas. Carinho para com Judas até o último momento.

Nosso Senhor dá a Judas aquela ordem misteriosa: “O que tens que fazer, faze-o logo”. E o traidor saiu durante a noite, e foi consumar o pecado dele.

Jesus não mandou Judas pecar. Mas Judas, naquele momento, rompeu com Nosso Senhor e retirou-se. Podemos imaginar seus passos aflitos, apressados: “Trinta dinheiros! Quero trinta dinheiros!” É melhor não excogitar como se fez o pacto, e o que Judas pensou quando sentiu os trinta dinheiros pesarem na sua sacola.

E quando Judas O oscula para que Jesus fosse preso, ainda é uma pergunta com carinho: “Judas, com um ósculo tu trais o Filho do Homem?” Judas não ligou. Trinta dinheiros, o resto não importa!

Todos conhecem essa história, que terminou ignobilmente numa figueira…

O Divino Redentor passa pela tristeza de constatar que também os Apóstolos escolhidos não O viam. No Horto das Oliveiras, quando dormiam, todos os esplendores de Nosso Senhor Jesus Cristo para eles eram nada. Estavam com sono, queriam dormir. E na hora do perigo todos fugiram. Até aquele que pousara o ouvido sobre o peito d’Ele, e ouvira as batidas de seu Sagrado Coração!

Os algozes não podiam deixar de perceber a perfeição de Jesus

Na Paixão, Nosso Senhor sentia-Se completamente recusado pelos homens, pelo povo eleito. Entretanto, Ele era divino, incomparável! Por que tinham feito isso? Que enorme injustiça, que impiedade sem conta, que revolta atroz contra Deus! Vislumbramos, então, a tristeza, a indignação, o sofrimento de sua Alma.

É neste ponto que entra a flagelação, o primeiro mistério do Rosário considerando a agressão física contra o Homem-Deus. Amarram-Lhe as mãos, atam-No a uma coluna e começam a fustigá-Lo por ódio a Deus.

Poder-se-ia objetar: “Mas eles não sabiam que Ele era o Homem-Deus, e até negavam isso. Como o senhor pode dizer que era por ódio a Deus?”

Eles viam aquela perfeição, que é uma com Deus, e tal perfeição eles odiaram. Portanto, agrediram Nosso Senhor por ódio a Deus.

Se alguém, tomando a fotografia de um dos que está aqui, diz, embora sem conhecê-lo: “Mas que tipo antipático, detestável! Vou crivar de punhaladas essa foto; depois amarrá-la numa árvore e dar tiros contra ela; e ainda atear fogo nos molambos de papel que restarem”.

A pessoa assim ultrajada diria: “Esse homem não me quer, ele me odeia”.

É claro! Eles sabiam, neste sentido, que ali estava Deus.

Começa, então, o contraste pungente entre a mansidão, a bondade, a voluntária incapacidade de defender-Se, de um lado; e o ódio brutal, estúpido, cruel, de outro lado.

Para amarrar Nosso Senhor, os algozes Lhe dizem com brutalidade: “Dá cá as mãos!” Ele, não com uma mão, mas apenas com um dedo poderia expulsar aquela gente toda.

Se quisesse, o Redentor chamaria as coortes do Céu para descerem e defenderem-No; elas viriam imediatamente, porque Ele não chamava, mas mandava!

Jesus entrega as mãos, que eles amarram com brutalidade, utilizando corda tosca, rude, e um modo de amarrar que, com certeza, atormentava, prejudicava a circulação, tolhia os movimentos etc. Tinham a ilusão estúpida de que, amarrando-O, Ele estava amarrado. Bastaria Ele dizer: “Corda, rompe-te”, que ela cairia no chão; ou, se quisesse, poderia transformá-la em serpente, que atacaria aqueles malvados.

Mas Nosso Senhor queria sofrer. O extraordinário é que uns queriam flagelá-Lo e Ele queria ser flagelado. Jesus Se entregou à flagelação.

Os algozes já tinham tirado a túnica do Divino Salvador, ou mandaram-Lhe que a tirasse. Sua vestimenta sagrada era a túnica inconsútil —que não tem costura —, a qual havia sido tecida por Nossa Senhora, e não tinha sujeira nenhuma, pois o Corpo divino só podia irradiar a mais alva limpeza. Por um ato de vontade do Redentor, nada podia macular esta túnica, e os verdugos jogam-na ao chão, com raiva. Ele pensa nas mãos de Nossa Senhora, que a teceram, mas nada diz: era mais uma dor que Nosso Senhor queria sofrer.

A doçura inefável dos gemidos do Homem-Deus atado à coluna da flagelação

Levam-No para junto de uma coluna e, certamente com bofetadas, empurrões, gargalhadas, amarram aquela corda que prendia suas mãos em alguma argola da coluna — porque assim se faziam as flagelações. E aqueles homens — que homens! —, com terríveis açoites, começam fustigá-Lo com toda a força, e Ele a gemer.

Podemos imaginar a doçura, a beleza harmoniosa desse gemido, aquele Corpo santíssimo que se contorcia de dor, pela brutalidade do tormento que estava sofrendo; pedaços de carne caíam ao solo: eram carnes do Homem-Deus! Seu Sangue salvador corria aos borbotões. Ele de pé, digníssimo, inteiramente manso, sem nenhum protesto, nem exclamação de dor, apenas falando com o Padre Eterno. Era o seu refúgio naquela ocasião. E seu Corpo, do alto da cabeça até a planta dos pés, ficou repleto de ferimentos gravíssimos. Era o martírio do qual haveria de resultar a Redenção do gênero humano.

Terminada a flagelação, mandaram-No — os tempos eram de mais pudor do que os de hoje — apanhar a túnica. Com dores inimagináveis devido aos movimentos, Ele foi buscá-la e a revestiu, sabendo que iria começar a “Via Crucis”. Quer dizer, Ele entrava em outra sequência enorme de tormentos de toda ordem.

Considerem a muito bonita imagem de Nosso Senhor que está neste auditório. Ela é principalmente expressiva, vendo-a de baixo para cima. Seu olhar mostra, segundo o artista — a meu ver com fundamento —, o estado de espírito de Jesus durante a flagelação: preocupação, a aflição diante do tormento que vinha, a dor que Ele estava sofrendo em todo o seu Corpo. Mas uma distensão completa, uma mansidão perfeita e uma dignidade de Rei. Nunca rei nenhum teve uma púrpura igual à d’Ele: a do seu Sangue infinitamente precioso.

Isso foi o pórtico, o começo da Paixão cruenta de Nosso Senhor. Depois veio a coroação de espinhos, a Via Sacra, uma série de sofrimentos até o alto do Calvário.

Ele, carregando a Cruz, caiu três vezes sob o peso dela. Pregaram-No na Cruz e seu Corpo ficou doloridamente pendente; tentava apoiar-Se nos pés, mas os cravos neles fincados faziam aumentar a dor… E sua sede ia progredindo, em razão da quantidade de Sangue que tinha perdido. As torturas, as sombras da morte começaram a invadi-Lo, até o momento em que Ele bradou: “Meu Pai, Meu Pai, por que me abandonastes?”

Até o último instante cuidando dos outros, com uma lucidez divina ordenando todas as coisas. Para São João: “Filho, eis aí a tua Mãe”; a Nossa Senhora: “Mãe, eis aí teu filho”. Para o bom ladrão, São Dimas: “Hoje estarás comigo no Paraíso.” Foi a primeira canonização, feita pessoalmente por Nosso Senhor; que glória, que alegria!

E, pensando o tempo inteiro no gênero humano que Ele redimiria quando completasse a Paixão, Jesus disse “Consummatum est”. Nesse momento, Ele salvou o gênero humano.

Nosso Senhor pensou em cada um de nós

Pensou em nós. Esta triste coleção dos homens passou diante de Nosso Senhor. Ele sofreu por este, por aquele, por aquele outro; por cada um dos que se encontram neste auditório, a fim de alcançar as graças pelas quais estamos aqui.

Quando cada um fizer o histórico de sua vocação — como foi chamado, de que modo correspondeu, se cambaleou, como se pôs de pé e continuou o caminho —, lembre-se que Nosso Senhor Jesus Cristo pensou em tudo isto no momento da flagelação!

Talvez, quando um pedaço de sua carne divina caía ao chão, em meio à dor, Ele tenha pensado: “É por aquele filho que há de viver no século XX, o qual amo especialmente e quero que traga outros a Mim. É terrível, mas está bem sofrido!”

E se algum de nós peca contra Ele, máxime em matéria grave, é a mesma coisa do que tomar o pedaço da carne que Jesus deixou cair ao solo por amor de nós, e Lhe atirar no rosto.

O que se pensaria de um flagelador tão cruel, ao qual Nosso Senhor dissesse: “Meu filho, por você caiu-Me esse pedaço de carne no chão”; e o flagelador respondesse: “Ah! é? Toma aqui”, e o lança na face? Seria pior do que qualquer açoite. Os católicos, sobretudo os especialmente chamados, fazem isso quando não são fiéis a Ele.  v

 

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 7/4/1984)

Revista Dr Plinio 152 (Novembro de 2010)

 

Crescer na confiança

Eis uma linda cena da vida de São Francisco Xavier:

Era noite. Dentro de um barquinho em mar revolto, todos estavam aflitos e São Francisco rezando. Enquanto a nau era sacudida de todos os lados, o Santo ia percorrendo em espírito os nove Coros de Anjos, reverenciando os Patriarcas, recomendando-se aos Profetas, numa visita serena, calma, pedindo ajuda a cada um. As pessoas atônitas, olhando para aquela tranquilidade,  encontravam nela os meios de resistência.

É a atitude de um grande Santo que, por ter em abundância o espírito da Igreja, enfrenta os perigos da existência como um cavaleiro medieval enfrentava os riscos da guerra.

O cavaleiro era ávido de perigos e de aventuras, porque sabia defender assim a causa para a qual fora suscitado. Esta é a posição do varão católico quando se encontra em perigo: não é apavorar-se, mas crescer na confiança.