Consorte da Sede da Sabedoria e pai do Leão de Judá

Para se ter alguma noção do semblante de São José seria preciso deduzir, à maneira de suposição, o caráter de um homem que esteve à altura de ser o pai d’Aquele cuja Sagrada Face está estampada no Santo Sudário de Turim. Quer dizer, o homem que foi o educador, o guia, o protetor do Senhor daquele rosto impresso no Sudário; um homem da mesma linhagem, parente e esposo da Mãe d’Ele.

Conceber algo menor do que isso é não ter ideia da extraordinária figura de São José, modelo de fisionomia sapiencial porque consorte da Sede da Sabedoria, do Espelho da Justiça, Maria Santíssima. Modelo de fortaleza, porque pai do Leão de Judá, Nosso Senhor Jesus Cristo.

A este verdadeiro São José devemos elevar nossas preces, rogando-lhe interceda por nós junto à Virgem Santíssima e a seu Divino Filho, e nos alcance a graça de o imitarmos nas suas excelsas virtudes.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 18/3/1967)

Revista Dr Plinio 252 (Março de 2019)

Encarnação do Verbo: o mistério da Contra-Revolução

A Festa da Anunciação do Anjo a Nossa Senhora nos convida a admirar este sublime paradoxo: no momento em que a Virgem Santíssima afirmava ser a serva do Senhor, o próprio Deus quis fazer um supremo ato de servidão, de dependência e de escravidão em relação a Ela. Nisto encontramos a perfeição do espírito da Contra-Revolução.

 

Em seu Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem(1), São Luís Grignion de Monfort tem o seguinte pensamento:

Os verdadeiros devotos de Nossa Senhora terão uma devoção especial pelo mistério da Encarnação do Verbo, a 25 de março, que é o mistério adequado a esta devoção,…

Quer dizer, da sagrada escravidão.

…pois que esta devoção foi inspirada pelo Espírito Santo: primeiro, para honrar e imitar a dependência em que Deus Filho quis estar de Maria, para glória de Deus seu Pai e para nossa salvação; dependência que transparece particularmente neste mistério em que Jesus se torna cativo e escravo no seio de Maria Santíssima, aí dependendo dela em tudo; segundo, para agradecer a Deus as graças incomparáveis que concedeu a Maria, principalmente por tê-La escolhido para sua Mãe digníssima, escolha feita neste mistério. São estes os dois fins principais da escravidão a Jesus Cristo em Maria.

Um grau de sujeição inimaginável

O pensamento muito profundo é de que Nosso Senhor, vivendo em Maria durante o tempo da Encarnação, esteve em uma dependência incomparável d’Ela, pois sendo já inteiramente lúcido, ficou, entretanto, completamente dependente, como uma criança no seio materno depende de sua mãe.

É o maior estado de submissão que se possa imaginar. Uma criança fora do ventre materno tem uma vida própria, liberdade de movimentos, enfim, todo um dinamismo próprio ajudado pela mãe. Mas não vive, propriamente, da vida da mãe. Pelo contrário, a criança que está no seio materno, vive da vida da mãe; em tudo é conduzida e, por assim dizer, circunscrita por ela.

Como sujeição, é um estado bastante semelhante ao de escravidão, porque neste o escravo renuncia completamente à sua liberdade para ficar inteiramente circunscrito pela vontade de seu senhor. Sua vida, seus atos são para o serviço de seu senhor, seus pensamentos tendem a ele. Assim era Nosso Senhor em relação a Nossa Senhora.

Aquele que, sendo infinito, criou o universo e a quem o Céu e a Terra não podem conter, foi contido pelas entranhas indizivelmente gloriosas da Santíssima Virgem e teve para com Ela um grau de sujeição inimaginável!

Em resposta ao “Non serviam” de Lúcifer, o “Amém” do Filho de Deus

Portanto, quem quiser ser verdadeiro escravo de Nossa Senhora deve venerar de modo muito especial essa miraculosa e insondável sujeição de Jesus a Maria, na qual o infinitamente maior deixou-Se dominar e conter pelo menor, na realização de um plano divino, cuja sabedoria excede a qualquer cogitação humana.

Por outro lado, este é o mistério da Contra-Revolução, porque se a Revolução é um grande “Non serviam”(2), o mais alto grau de alienação – praticado pelo Filho de Deus em Maria Santíssima – é o mistério que mais esmaga a psicologia, a mentalidade e os falsos ideais da Revolução. Em lugar do “Non serviam” é o “Amém”. Lúcifer bradou: “Não servirei”; Nosso Senhor disse: “Assim seja” a tudo quanto Nossa Senhora quis.

Exatamente isso dá uma constrição especial no homem de espírito revolucionário, diabólico. Não é apenas ver a Deus servido por sua criatura e, portanto, sendo observada aí uma espécie de ordem de mérito, mas é o próprio Criador querendo obedecer à sua criatura e esta mandando n’Ele. É levar a obediência a um grau que se não soubéssemos, pela Revelação, ter havido a Encarnação, nunca poderíamos imaginar que essa virtude chegaria a tal extremo.

Se isso deu tanta glória a Deus, a ponto de naquilo que abusivamente poderíamos chamar a História d’Ele – porque Deus é infinito e não tem História – Ele quis que figurasse esse ato de obediência insondável, compreendemos também como a obediência praticada por nós dá glória a Nossa Senhora. Em contrapartida, como a revolta injuria a Maria Santíssima e seu Divino Filho.

Vemos, assim, até que ponto a Revolução é odiosa a Deus, e isso nos leva a compreender melhor o Inferno, com seus tormentos eternos, o desespero completo, o esmagamento perpétuo do demônio, à vista do fato de que ele atentou contra este princípio: ele deveria obedecer e não quis.

Certos teólogos dizem que a revolta de Lúcifer deu-se porque lhe foi mostrado o plano da Encarnação e dada a ordem de adorar o Verbo de Deus Encarnado. E por ser um anjo de tão alta categoria, ele não quis e revoltou-se.

Esta hipótese, que me parece totalmente provável, adquire uma clareza ainda maior se pensarmos no demônio considerando Nosso Senhor Jesus Cristo contido no claustro sacratíssimo de Nossa Senhora e obedecendo a Ela. Ver essa obediência do Verbo Encarnado a uma criatura infinitamente menor do que Deus – por mais excelsa que seja –, e a inferioridade d’Ele em relação a essa criatura, isso deve ter levado ao paroxismo a indignação de Lúcifer.

A festa da Contra-Revolução

Nós podemos dizer, portanto, que o dia 25 de março é a festa da Encarnação do Verbo, da escravidão a Nossa Senhora, da Contra-Revolução. É a festa na qual se celebra o espírito de obediência, o amor à hierarquia, à ordem, à dependência, a tudo quanto a Revolução odeia.

É mais do que concebível que nos preparemos para essa festa por meio de orações especiais para pedir a Nossa Senhora que esse espírito representado pela Encarnação atinja em nós a plenitude desejada por Deus quando nos criou.

De outro lado, vemos também o espírito mais do que humilde e contrarrevolucionário de Maria Santíssima em face deste mistério. Quando Ela soube que o Verbo Se encarnaria n’Ela, sua reação não foi de Se vangloriar, mas de pronunciar esta frase humílima: “Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38). Como se dissesse: “Se Deus quer de mim essa coisa inexplicável, isto é, que eu mande n’Ele, até isso Ele pode exigir de mim. Portanto, se Deus pede o meu consentimento a essa situação inimaginável, por obediência a Ele, n’Ele mandarei! Mas é Ele o Senhor, e a sua vontade, em todas as coisas, eu farei.”

Como ganha um realce especial, à luz disso, a atitude de Nossa Senhora na Anunciação, dizendo-Se escrava de Deus no momento em que Ele queria fazer um ato supremo de servidão, de dependência, de escravidão em relação a Ela! Encontramos nisto a perfeição do espírito da Contra-Revolução.               v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 16/3/1971)

Revista Dr Plinio 252 (Março de 2019)

 

1) Cap. VIII, art. 1, §4, n. 243.

2) Do latim: “Não servirei.”

“Sim!” – e o Verbo se fez carne…

Em Maria e por Maria é que o Filho de Deus se fez homem para nossa salvação; desceu ao seu seio virginal, qual novo Adão no paraíso terrestre, para aí ter suas complacências; Deus feito homem, encontrou sua liberdade em se ver aprisionado no claustro da Virgem Mãe — afirma o grande São Luís Grignion de Montfort, estabelecendo os princípios de sua luminosa doutrina sobre escravidão de amor a Nossa Senhora.

De toda a alma aderiu Dr. Plinio a essa devoção mariana proposta pelo Santo, tornando-se um amoroso servo de Maria Santíssima. Seguia, assim, o divino exemplo de Jesus, Quem primeiro se submeteu inteiramente a Ela, durante os nove meses que passou no imaculado claustro materno.

Por ser o marco inicial dessa admirável dependência, a festa da Anunciação era particularmente cara a Dr. Plinio, sugerindo-lhe tocantes reflexões as quais ele se comprazia em comunicar a seus discípulos. Ouçamo-lo:

“Encarnando-se no seio de Maria, no momento da Anunciação, Jesus se deu a Ela com um tal amanhecer de alma, com um espírito tão repleto de louçania, que não se tem palavras para descrever a felicidade que nesse dia inundou a pessoa de Nossa Senhora! A geração da humanidade santíssima do Filho de Deus houve de ter sido a maravilha das gerações!

“Conforme ensina São Luís Grignion, Jesus, considerado o novo Adão, veio ao mundo para reparar o pecado cometido pelo primeiro homem. Ora, assim como este, enquanto permaneceu inocente, viveu em meio aos esplendores do Éden terrestre, também Nosso Senhor teve seu Paraíso — incomparavelmente melhor e mais precioso do que aquele — no ventre virginal de sua Mãe. Durante nove meses, esteve Ele encerrado como num tabernáculo perfeitíssimo, onde encontrava alegrias, belezas e delícias que excedem a qualquer concepção de nosso pobre intelecto. Além disso, numa inefável união de espíritos, o Filho ia revelando à Mãe, a respeito de si próprio, todas as magnificências que fossem cabíveis a uma criatura entender.

“Nesse indizível convívio, Jesus elevava a alma de Maria a um maravilhoso grau de formosura, tornando-a mais bela e luminosa do que todo o resto do universo. Insondável intercâmbio de afetos, carinhos e atos de amor que teve início no instante do ‘fiat’ bendito.

“No dia da Anunciação, com o ‘Sim!’ pronunciado pela Virgem de Nazaré, o Verbo se fez carne e habitou entre nós.

“No dia da Anunciação, a Palavra de Deus raiou para o mundo, aureolada de promessas superlativas, de certeza das esperanças finalmente atendidas: nada menos que o resgate do gênero humano.”

Um seminário do Céu

Dr. Plinio amava de tal modo a Europa que, se para lá viajasse de navio, teria vontade de oscular o solo do cais do primeiro porto europeu onde a embarcação ancorasse,  porque é a única parte do mundo onde o Sangue de Cristo e as lágrimas de Maria geraram uma civilização católica.

Ao tratar a respeito das belezas da Europa, é preciso evitar dar a ideia de ser um lugar como o Brasil, mas onde há castelos e palácios como Chenonceau, Versailles, ou alguns  existentes ao longo do Reno.

Pelo menos na Europa de antes da Segunda Guerra Mundial, essas belezas existiam enquanto sendo o ponto alto de toda uma vida comum em que, em ponto menor e de maneiras diferentes, havia também belezas mais singelas.

Um castelo elevado, nobre, digno

De maneira que não eram como aquelas montanhas no caminho de Teresópolis que, geograficamente falando, são únicas, saem diretamente do chão. A Europa constituía, por assim dizer, uma “cordilheira” altíssima na qual, para haver os “picos” de que falamos, deviam existir muitas outras elevações na vida cotidiana, mais ou menos naquela  altura, formando, portanto, todo um ambiente, um estilo e um teor de vida de um continente. Por exemplo, assim como há Chenonceau, existem centenas de castelos em  graus menores muito bonitos, casas antigas senhoriais, residências populares e aldeias que, enquanto tais, são superiores à cidadezinha brasileira, como Chenonceau é  superior à mais bonita casa que haja no Brasil. Esse traço é importantíssimo, e sem ele a Europa verdadeiramente não se compreende.

Então, chegando à casa de um pequeno burguês de Munique que tem pãezinhos de leite, encontrar-se-ão taças para beber cerveja, facas com cabo de chifre de veado, e uma  porção de outros objetos outrora acessíveis a todo o mundo, mas que para os padrões atuais são superiores ao nível comum das pessoas.

Portanto, tempo houve em que todo o teor da vida era diferente, e a Europa é um continente onde muito disto resta ainda e foi possível ao homem realizar na Terra, não  propriamente um mundo de gostosuras, mas de maravilhas, de coisas arquitetônicas sapienciais capazes de nos falar do Céu e que, por ricochete, também eram agradáveis.

Muitas vezes, comentam-se belezas da Europa, como o castelo de Chenonceau, dizendo: “Olhe que gostoso estar aqui!”

Ora, esse aspecto agradável não é um critério profundo. É preciso afirmar o seguinte: “Olhe como é elevado nobre, digno, e como isso engrandece o homem. Não parece até um mundo irreal?!” Esse mundo “irreal” é a imagem do Céu.

Desejo de realizar a maravilha na Terra Deve-se acentuar que esses são valores religiosos, por causa do aspecto simbólico que tais coisas têm. O Paraíso celeste, considerado na sua realidade material, é um lugar onde Deus fez coisas magníficas para o homem viver imerso num mundo da matéria que lhe fala de Deus, enquanto sua alma goza da  visão beatífica. Tão necessário é ao homem alimentar o seu espírito com Deus, não só na consideração das coisas diretas da Religião, mas a propósito do mundo temporal e  do mundo da matéria, que até no Céu isso vai ser assim.

Precisamos compreender, portanto, que houve uma virtude, levada pelo europeu medieval a um grau inimaginável, que foi exatamente o desejo de realizar a maravilha na  Terra.

Aliás, aqueles monumentos gregos tinham isto de interessante: exprimiam o desejo de fazer um Olimpo na Terra. As construções dos gregos são mais feitas para serem habitadas por semideuses do que por homens. Havia  uma certa ideia de fazer um mundo de maravilha. De sorte que a Europa é uma espécie de mito realizado, e que a  Religião Católica elevou a um seminário do Céu.

A maior maravilha da Europa, por onde propriamente era maravilhosa, não consistia tanto no fruto produzido e deixado por ela, mas no espírito europeu, o contato com as  almas sedentas de maravilhoso, nas quais se sentia muito mais isso do que naquilo por elas realizado, porque o efeito é sempre menor do que a causa. Os homens e a  sociedade que elaboraram essas maravilhas tinham-nas em quantidade enormemente maior do que as coisas por eles deixadas.

Belezas como fator de santidade

Por exemplo, a corte de Luís XIV era muito mais fina do que Versailles. São Luís IX era enormemente mais a Sainte-Chapelle do que ela própria. Como também São  Francisco de Assis, incomparavelmente mais que o Eremo delle Carceri, pois o efeito nunca manifesta tudo quanto está dentro da causa. Nessa causa, o efeito existia de um  modo inebriante.

Então, ao considerar a Europa, trata-se de imaginar as virtudes, as qualidades de alma, o ambiente moral outrora ali existentes.

Os historiadores, em geral, ressaltam os defeitos e omitem tudo quanto tornava possível a realização, por exemplo, Versailles e tantas outras belezas, que duraram séculos e  ainda se encontram nos dias de hoje. Ora, é claro que havia uma estrutura moral, virtudes, capacidades sem as quais aquilo não seria possível.

Não se concebe, por exemplo, um nababo que atualmente construa um palácio como o grande Trianon de Luís XIV. Embora custasse incomparavelmente mais barato do que  m arranha-céu moderno, não se construiria, porque havia qualidades de alma que no homem contemporâneo já não existem.

Devemos, pois, procurar conhecer essa alma e considerar tais belezas como fator de santidade, como atmosfera orientada ao Reino de Maria, e imergir no lado religioso da  questão, porque esse é o aspecto mais profundo.

Portanto, ver como do Sangue infinitamente precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo, das lágrimas de Nossa Senhora se gerou, pela correspondência à graça, um mundo inteiro apetente disso.

Teríamos vontade de, chegando à Europa sacrossanta que criou essas maravilhas, beijar o solo do cais do primeiro porto europeu onde nosso navio parasse, porque é a única  parte do mundo onde o Sangue de Cristo e as lágrimas de Maria geraram uma civilização.

Sem dúvida, o Escorial é muito bonito. Mas que encanto pensar em Felipe II lendo, em um dos salões daquele palácio, uma carta de Santa Teresa! E desfazendo, por exemplo, as manobras de um núncio gordalhão, bonachão, renascentista e contrário à reforma do Carmelo.

Aqui está o cerne, porque Filipe II era mais Escorial do que todo o Escorial. E Santa Teresa ainda mais, pois ela era o “Escorial” do Céu, enquanto Filipe II era o da Terra olhando para o Céu. Assim nós temos a visualização completa e mais profunda, pois toca no religioso, no sacral, reconhecendo e afirmando que nada é válido, nada é autêntico se não brotar de uma verdadeira visão da Religião Católica, que os santos tiveram nos seus conventos, nas suas Ordens religiosas, enfim, nas instituições da Santa  Igreja Católica.

É preciso aprender a amar o Paraíso celeste nesta Terra

Nessa perspectiva, compreendemos que Versailles, por exemplo – nos seus bons aspectos, pois ali nem tudo era bom… –, estava presente na alma de São Luís IX, de São Vicente de Paula, que viveu no tempo de Luís XIII, dos santos que existiram na época de Luís XIV. Porque, em seus aspectos virtuosos, Versailles nasceu da Igreja – receptáculo e fonte de todas as virtudes – e, enquanto tal, tinha de estar contido no espírito, na mentalidade e no modo de ser das instituições e dos homens sagrados, que incutiram naquela gente o espírito católico.

Essa junção entre a Europa e a Religião Católica me fala à alma até o fundo e é indispensável para compreender a História da Igreja. Desse modo, temos uma visão católica da Europa e uma perspectiva da Igreja meditada em função da obra realizada por ela, o que proporciona um alargamento da própria visão da Esposa de Cristo.

O erro dos que não aceitam essa visão é querer para esta Terra uma espécie de “visão beatífica”, a qual é o contato com a Igreja sem essa espécie de “paraíso celeste”, a Civilização Cristã. É fundamentalmente errado conceber uma religião desligada dessa modelação celeste da Terra, quando no próprio Céu vamos ter um quadro  material    que sustenta a natureza humana, por causa da psicologia e da estrutura do homem.

Alguém poderia me objetar: “Mas o puramente celeste não é mais alto do que o terreno?”

Eu respondo: é evidente que é. Basta falar em celeste para o terrestre ficar como que pulverizado, não precisa dizer mais nada. “Então por que o senhor se inebria com essa junção?”

Porque é por meio dela que eu tenho a inteira perspectiva do celeste, que é o inebriante; aí está a questão. Mesmo no Céu, sem a junção entre os dados do Paraíso celeste e a  visão beatífica, não teríamos tudo quanto nossa natureza pede para contemplar a perfeição de Deus. Em última análise, o Paraíso celeste é necessário, e é preciso aprender a  amá-lo na Terra.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência provavelmente de 1969)

“O rei e o menino”: a beleza da vocação

Como já vimos de outras vezes, Dr. Plinio servia-se amiúde de metáforas para explicar a seus jovens ouvintes as realidades profundas da vida do católico, à luz das verdades da Fé. Através da parábola narrada a seguir, faz-nos ele compreender a importância de um dos momentos mais decisivos na existência do homem sobre a Terra: aquele em que recebe o chamado de Deus, a vocação. Acompanhemos a linguagem clara e simples de Dr. Plinio descortinando o fascinante tema da voz divina a ressoar nas almas, convidando-as a seguir um caminho sublime e, não raro, semeado de provações…

 

Imaginemos um monarca que passeia de automóvel pela capital de seu reino. Viúvo, cujo filho único e herdeiro morreu ainda criança, o resto de sua família se extinguiu sem descendência e, portanto, não há quem dê continuidade à dinastia. Entretanto, por uma dessas coincidências existentes na natureza, reside na mesma cidade um menino que, embora de traços fisionômicos semelhantes aos do falecido príncipe, não tem com a casa real nenhum parentesco.

O encontro com outro possível herdeiro

Quando o carro do soberano se detém num cruzamento, os olhos dele recaem sobre aquele menino a atravessar a rua, e o rei, impressionado pela semelhança com o ex-herdeiro, manda chamá-lo. O garoto, ao mesmo tempo surpreso e maravilhado, aproxima-se timidamente e pergunta:

— Majestade: em que posso servi-lo?

— Sente-se ao meu lado, quero conversar com você.

O trânsito engarrafado não permite que o automóvel se desloque. O rei indaga do menino sobre seus estudos, sua família, trabalhos. Durante esse tempo, o menino não pensa em si, mas apenas no soberano. Este não observa o movimento das ruas e presta atenção somente no menino. Percebe que ele inspira boas esperanças e poderia ser adotado como seu filho.

Despedindo-se do jovem, o monarca lhe diz:

— Esteja às tantas horas no meu palácio com seus pais. Desejo conversar com os três.

O menino é adotado pelo rei

No momento aprazado, os três comparecem. São pessoas modestas, maravilhadas diante dos esplendores da residência palacial, entre as quais transitam com encanto e receio. Pisam sobre um tapete persa, e o marido diz à mulher:

— Que tapete magnífico! Parece até com o da casa do subprefeito de nosso distrito, que pertenceu ao xá da Pérsia e foi comprado num antiquário…

Após vários deslumbramentos, chegam à presença do rei. Este os recebe com extrema bondade, põem-se a conversar, e à certa altura o soberano diz:

— Desejo que este menino seja meu herdeiro. Se consentirem, eu o adotarei como filho e o educarei para as funções régias. Quando eu morrer, será o novo monarca, e vocês terão a honra que jamais imaginaram: tornar-se-ão pais do rei.

O casal possuía uma prole numerosa, e já não sabiam o que fazer com tanta criança dentro de casa. Estupefatos com a proposta do rei, pensam:

“Teremos um filho tão bem instalado! Que alto negócio! Depois, receberemos torrentes de dinheiro para educar de modo conveniente os outros e assim todos farão carreira promissora. Além disso, ganharemos um prestígio sem nome no bairro onde moramos. Ao chegarmos em casa e nos perguntarem pelo menino, poderemos responder:

“— Está no Palácio real. Ele agora é filho do rei.

“— Como?! Filho do rei?!

“E contaremos toda a história. Que ótimo negócio!”

Contentíssimos, aceitam a proposta do soberano e se retiram.

Sinceridade e gratidão submetidas à prova

Sobrevém a noite e o rei ordena aos seus mordomos:

— Levem o menino para o quarto de dormir de meu falecido filho. Está tudo preparado, vistam-no com aquelas roupas, ofereçam-lhe os alimentos que desejar, sirvam-no como o faziam ao príncipe. Quero que ele seja beneficiado com toda a largueza da munificência real.

O menino vai sendo educado, torna-se moço e convive de modo perfeito com o rei. Tudo corre com normalidade, porém no espírito do monarca nasce uma interrogação: “Esse menino me quererá verdadeiramente bem? Ser-me-á agradecido pelo que recebe de mim? Tornar-se-á digno de um dia dirigir meu reino? Ou é um ingrato que me agrada por interesse momentâneo, e, no fundo, não me tem sincera amizade? Para conhecer as respostas a essas indagações, vou submetê-lo a uma dura prova, pois se não o fizer, minha generosidade pode significar grande estultice. Mas, se corresponder às esperanças nele depositadas, dar-lhe-ei coisas ainda melhores e mais abundantes”.

O rei chama o jovem e lhe diz:

— Nossa situação parece maravilhosa. Você tem a certeza de herdar um trono. Portanto, posição magnífica o aguarda. Porém, precisa se preparar, pois a vida é feita de surpresas, e a História apresenta vários exemplos de reis que foram inesperadamente depostos do poder. Eis aqui um livro sobre monarcas destronados. Estude-o para conhecer o papel da traição na queda dos reis e aprender como a condição de soberano, embora firme na aparência, é de fato instável e mutável. Após esse estudo, você será examinado. Veja a vida em cor séria e compreenda o esforço necessário para se manter como rei. Se for mole, o monarca perde o trono e o poder.

Exerço a realeza há muitos anos. O povo me obedece, é verdade, mas que vigilância preciso ter! As coisas não são fáceis. Se o encargo de rei lhe parecer por demais árduo, dar-lhe-ei dinheiro para você seguir a profissão de seu pai, montar uma lavanderia maior e prosseguir na existência tranquila de um qualquer. Porém, não será rei, nem desfrutará das honras e glórias da condição régia. Você se enfurnará no anonimato. O anônimo: que homem feliz! A quem ninguém ama nem odeia. Possui dinheiro para subsistir e leva uma vida sossegada.

Você já pensou nas vantagens do anonimato? Passeie um pouco pelas ruas, observe os moços de sua idade, felizes nos seus automóveis, levando a existência agradável e sem incômodos dos homens abastados e desconhecidos.

Você, não! É um príncipe, e deve proceder como tal, em quaisquer circunstâncias. Os olhos de todos estão voltados para sua pessoa. Ainda ontem o criticavam pelo simples fato de brincar com os dedos enquanto conversava. Não é atitude permitida ao herdeiro do trono. Já pensou na vida dura que terá?

Meça o peso do fardo que cairá em suas costas. Receberá honras e riquezas, mas utilizá-las com desapego é como carregar um rochedo pela vida inteira. É o meu caso.

O menino pensa um pouco e responde:

— Obrigado! Vou ler o livro…

A resposta errada

Terminado o prazo estipulado para o estudo, o rei manda chamar o menino e lhe pergunta:

— Leu a obra?

— Sim, li.

— E a que conclusão chegou?

— Não pensei que exercer a realeza fosse tão difícil, pois conhecia apenas uma faceta dela. Porém, acredito que, sendo tantas as vantagens, vale a pena carregar o fardo. No total, prefiro herdar o trono. Desejo ser rei!

O monarca diz:

— Não é a resposta correta que esperava de você. Dou-lhe mais um prazo para pensar. Se, por fim, responder como deve, merece reinar. Do contrário, perderá seus direitos, porque ficaria demonstrado a nulidade de tudo que fiz por você.

Tendo acabado de declarar sua intenção de ser rei, o jovem vê seus planos caírem subitamente por terra. Como poderia encontrar a resposta adequada, sozinho, pois que lhe estava vedado consultar qualquer pessoa?

— Nesse período — dissera-lhe o rei — você estará proibido de conversar com quem quer que seja, assim como de se ausentar do palácio. Descubra a resposta correta. Quero ver que espécie de sentimento você guarda no fundo da alma.

A resposta perfeita

Estaria o monarca agindo bem, ao tratar o jovem dessa forma?

Sim, seria o normal. Ponha-se cada um na posição do rapaz. O que responderia ao rei?

A resposta perfeita seria a seguinte:

— Meu senhor e meu pai. Não me importa saber o que acho agradável e sim como vos poderei retribuir por tudo o que fizestes por mim. Se vos ampararei na vossa velhice; se, quando assumir o trono, terei bastante amor à altivez, à glória, à elevação dos princípios, à civilização cristã, a Nosso Senhor Jesus Cristo e à Santíssima Virgem, de maneira que eu faça do meu “métier” de rei um serviço de Deus. Houve tantos santos entre vossos antepassados! A capela do palácio é consagrada a São Luís IX. Nesta sala tendes uma imagem de Santo Henrique, imperador do Sacro Império e também vosso ascendente. Tudo isto ameaça se extinguir em vós porque vosso único filho faleceu. Cabe a mim a glória de dar continuidade a essa linhagem e não permitir que o fio se interrompa.

Meu pai e meu senhor: não me interessa saber se levarei uma vida gostosa e sim se estarei à altura dessa missão. Ensinai-me a ser cada vez mais piedoso, mais dedicado a vós, que sois a mão de Deus para mim. Quero a felicidade, mas sobretudo para o momento em que eu expirar e, comparecendo diante do Altíssimo, puder exclamar: “Senhor, vós me destes o ser e um pai adotivo me outorgou a realeza a qual aceitei para vossa glória. Dediquei-me totalmente a ele, pois assim o fiz por Vós, Criador de todas as coisas. Não temo encontrá-lo na vossa corte celestial, aonde ele me precedeu, porque sei que, pousando sobre mim seu olhar amoroso, dirá: ‘Meu filho, agora mais filho meu do que nunca, senta-te à minha direita! Vamos contemplar juntos a Deus, o Senhor dos senhores, o Rei dos reis, que domina todos aqueles que exercem domínio’”.

E o jovem, correspondendo às expectativas do monarca, deveria acrescentar:

— Posso sofrer muito, ser mal compreendido, perseguido, destronado. Posso, pelo contrário, ser glorificado, aclamado, tornar-me célebre. Pouco importa! O caminho que devo trilhar é o do dever, da gratidão a vós e do serviço de Deus.

Após dar essa resposta, o moço se retira da sala e o rei diz a si mesmo: “Minha dinastia renasceu!”

Segunda provação: a indiferença real

Prosseguindo em nossa metáfora, imaginemos que em determinado momento o rei decide sujeitar este filho a outra prova. Passa a fingir que já não lhe demonstra a mesma amizade, não o compreende bem. Olha-o com indiferença, até com certa distância. Concede-lhe audiências curtas, presta-lhe pouca atenção, evita-o em favor de outras coisas menos importantes. Chega a ponto de conversar com terceiros, na presença dele, sobre reis viúvos e sem filhos que casaram novamente, tiveram prole e asseguram sua descendência. “Quem sabe eu sigo o exemplo deles, contraio outras núpcias e tenho um herdeiro do meu próprio sangue?”

O menino adotado sente-se rejeitado, mas pensa:

— Recebi tanto dele! Ainda que me tire tudo, eu o servirei a vida inteira!

E ele passaria por essa segunda prova, ainda mais cruel que a anterior.

Terceira e última provação

Contudo, o soberano precisava de uma derradeira demonstração de fidelidade da parte do menino. Certa madrugada, manda acordá-lo e trazê-lo à sua presença:

— Preciso incumbi-lo de uma missão perigosa e confidencial. Em país distante há um preso que espera essa mensagem minha. Você terá de viajar para lá, dizer que é meu filho, deixar-se prender e, conduzido ao mesmo cárcere, transmitir o meu recado à pessoa em questão.

O jovem, embora surpreso, não hesita em responder:

— Meu senhor e meu pai. Se me permitirdes de vos tratar ainda dessa maneira, minha vida é vossa!

O rei então acrescenta:

— Não sei quanto tempo o manterão encarcerado. Pode levar anos. Se, estando lá, ouvir dizer que me casei e tive um filho, reze por mim e por este, pois será o sucessor do trono.

O rapaz diz:

— Meu senhor e pai, farei isso com todo o empenho. A que horas devo partir, com quem devo falar? Dai-me vossas ordens.

Responde-lhe o rei:

— Você tem uma hora e meia para estar pronto e sair. Já tratei muito com você e o conheço bem. Diga-me rapidamente até logo e vá embora!

O rapaz se inclina e se retira.

Na hora exata, ele se apresenta disfarçado diante dos guardas do palácio, pois, conforme as instruções do soberano, ninguém deveria saber de sua partida. Mas, para a surpresa do jovem, os sentinelas o impedem de sair, dizendo-lhe: “O rei ordena que volte para seu quarto!”

Ele retorna e o monarca o acolhe com transbordamentos de agrado.

Estava assegurada a sucessão do trono nesse reino mítico e maravilhoso…

Analogias com a vocação

Essa metáfora se aplica à história de cada um de nós que recebeu o chamado para seguir as vias de uma determinada vocação. Por exemplo, à do nosso movimento. Não nos convidou a ele um simples rei, mas alguém com brilho insondavelmente maior: Maria Santíssima, Rainha do Céu e da Terra. De modo semelhante ao do rei imaginado, por vontade divina Ela nos escolheu para servi-La de maneira muito especial.

Qual era a vida de cada um de meus ouvintes antes de pertencer à nossa família de almas?

 Fomos chamados em circunstâncias as mais diversas. Se procedemos de um ambiente que preparou nossa vocação, quanta graça a Providência nos concedeu nesse sentido, dispondo que tudo favorecesse a aceitarmos esse convite. Se, pelo contrário, viemos de um meio adverso, quanta misericórdia do Criador, ao olhar para o lugar em que crescemos e dizer: “Aqui escolherei um filho, um príncipe!”

A graça passou a latejar em nós

Sem sabermos, iniciaram-se movimentos no interior de nossas almas. Um senso moral mais vivo nos fez estranhar os procedimentos pouco recomendáveis que presenciamos neste ou naquele ambiente, e passamos a desejar as atitudes virtuosas contrárias ao que nos aborrecia. A graça latejava em nossos corações, dizendo-nos: “Que coisa péssima! E que linda, tal outra! Como são belos tais monumentos da Cristandade, tal música, tal época do passado! Como seria bom se o que há de errado no mundo moderno se consertasse!”

Começou a surgir em nossa alma a oposição ao mal.

Assim, cada um de nós foi chamado. Em diferentes cidades, Estados, condições de vida e, às vezes, até no fundo de uma queda moral. Caiu… e em determinado momento teve horror de si mesmo. Era Deus falando no interior da sua alma, chamado-o para amá-Lo. 

 

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Continua em próximo número.)

Revista Dr Plinio 96 (Março de 2006)

 

Oração para a Semana Santa

Jesus é depositado no sepulcro. Na aparência, é o fim, tudo está acabado… Na realidade, em breve tudo começará a renascer.

Junto a Vós, ó Refúgio dos Pecadores, os Apóstolos começam a chorar seus pecados. Logo virão a Ressurreição, a Ascensão e Pentecostes!

Quanto mais vitorioso parece o demônio, mais próxima está a vossa vitória.

Nestes dias em que, pelo atrativo de uma liberdade mal compreendida, está-se chegando a um assombroso desregramento dos costumes, ao caos na cultura e à anarquia nos países, dai-me, ó Mãe, uma fé firme nas promessas que fizestes em Fátima, uma esperança abrasada de que elas não tardam em se cumprir, uma certeza da derrota da Revolução e da instauração de vosso Reino. Amém.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

São Leandro, Bispo de Sevilha

Sem o auxílio da graça, o homem é incapaz de obter êxito em seu apostolado; porém, amparado por ela, consegue o inimaginável. Disto nos dá um belo exemplo São Leandro de Sevilha, o qual extirpou a heresia que havia quase dois séculos grassava na Espanha.

Os grandes movimentos da História, em geral, são impulsionados por homens a quem Deus concede uma grandiosa missão, comunicando-lhes seu espírito e sua força. Um destes homens foi São Leandro de Sevilha. Convertendo os godos e salvando uma nação inteira do jugo dos arianos, ele bem pode ser considerado um dos fundadores da Idade Média.

Acompanhemos com especial veneração sua ficha biográfica(1):

São Leandro nasceu em Cartagena, Espanha. Seus pais pertenciam à alta nobreza, e sua família estava repleta de santos. Um de seus irmãos, Santo Isidoro, sucedeu-o no trono episcopal de Sevilha; o outro, São Fulgêncio, foi Bispo de Cartagena. Sua irmã, Santa Florentina, tornou-se religiosa.

Quando era jovem ainda, São Leandro retirou-se para um mosteiro, tornando-se perfeito modelo de ciência e piedade. Seus méritos o levaram à Sé Episcopal de Sevilha, onde não diminuíram em nada as austeridades que praticava.

Quando Leandro foi nomeado bispo, parte do território espanhol estava dominada pelos visigodos arianos havia cento e setenta anos. Entregando-se imediatamente ao combate da heresia, o novo Bispo rezava e implorava o auxílio de Deus. O sucesso coroou seu zelo, e em pouco tempo a heresia já contava com menos adeptos.

Entretanto, Leovigildo, então rei dos visigodos, e também ariano, irritado com a atividade de São Leandro, e principalmente com a conversão de seu filho primogênito, condenou o santo ao exílio e o filho à morte.

Seu segundo filho, Recaredo, que vindo a ser um fervoroso católico, ao herdar o trono conseguiu a conversão de todos os seus súditos.

São Leandro dedicou-se a manter o fervor dos fiéis e foi a alma de dois grandes concílios: o de Sevilha e o de Toledo, os quais condenaram o arianismo.

Homem de ação, Leandro a todos inspirava o amor à prece, especialmente aos religiosos. Escreveu instruções admiráveis à sua irmã sobre o exercício da oração e o desprezo do mundo. Reformou a liturgia na Espanha.

Afligido por numerosas enfermidades, o apóstolo dos visigodos faleceu em 596.

A ação do Espírito Santo e a pujança da santidade

A ficha é riquíssima de aspectos passíveis de comentário. O primeiro deles é o florescimento de santos numa mesma família da alta nobreza espanhola: Santo Isidoro de Sevilha — um dos maiores santos da história da Espanha —, São Fulgêncio, Santa Florentina e São Leandro.

Vemos que beleza há na conjunção de tantos santos numa mesma estirpe. Com isso, Deus faz sentir a importância do fenômeno “estirpe” na formação dos santos e na realização dos planos da Providência.

Por outro lado, observamos a pujança de santidade existente naquela época. Trata-se de um dos mais belos fenômenos da História, onde inúmeros santos inauguraram o Reino de Nosso Senhor Jesus Cristo durante a Idade Média; fenômeno não atribuível a nenhum homem, a nenhuma Ordem religiosa, mas diretamente oriundo da ação do Espírito Santo.

De fato, a não ser por um verdadeiro sopro universal do Divino Espírito Santo, não seria possível o surgimento de tantas almas santas ao mesmo tempo.

Em pleno domínio dos bárbaros arianos…

Ao ser eleito Bispo de Sevilha, São Leandro encontrou-se diante do seguinte problema: havia cento e setenta anos, bárbaros hereges exerciam uma função dominadora na Espanha.

Ao contrário do que muitos pensam, a maior parte dos bárbaros não era pagã, mas sim ariana. Quando invadiram o Império Romano, muitas tribos bárbaras já haviam sido visitadas, em suas respectivas regiões, por um Bispo ariano chamado Úlfilas(2), o qual as perverteu para o arianismo.

Desta maneira, enquanto descendentes dos antigos cidadãos do Império Romano, os católicos eram os vencidos, os pobres, estavam por baixo e gemiam sob o jugo dos arianos, os quais, por sua vez, constituíam o povo novo, forte e vencedor.

…a Providência suscita São Leandro de Sevilha

São Leandro recebeu, então, da parte de Deus, a missão de derrubar o domínio ariano. De que maneira ele o fez?

Em primeiro lugar, chorando diante de Deus e pedindo, por meio de Nossa Senhora, os auxílios necessários para a tarefa que deveria realizar de modo admirável. Cônscio da incapacidade humana perante as tarefas apostólicas, São Leandro sabia que o homem não é senão um instrumento de Deus e de Nossa Senhora, os verdadeiros realizadores do apostolado. Assim, as conversões deram-se em número colossal e o poder ariano foi diminuindo graças às suas pregações.

Aspectos fugazes, porém importantes, se desvendam na vida de São Leandro, uma das maiores figuras da hagiografia e da história espanhola.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 26/2/1964 e 27/2/1967)

1) Butler, Alban. Lives of the Saints – With Reflections for Every Day in the Year.
2) Educado no Catolicismo, Úlfilas aderiu ao arianismo por ocasião de uma viagem a Constantinopla, onde Eusébio o sagrou bispo. Tendo voltado para o grêmio dos godos, dedicou-se à conversão de seus irmãos de raça à fé ariana.

São José – Modelo de cavaleiro

Um dos episódios mais bonitos da vida de São José é a fuga para o Egito.

O Santo Patriarca recebe em sonho a visita de um Anjo que lhe diz que o Rei Herodes está querendo matar o Menino Jesus. Então ele sai às escondidas, com Nossa Senhora e seu Divino Filho, e vão para o Egito.

A defesa do maior tesouro que houve na Terra — e tesouro maior do que esse não há no Céu — ficou inteiramente confiada a São José, que representava o braço vigoroso, a previdência, a força varonil na defesa de um Menino que era ao mesmo tempo Deus, mas quis ser fraco nas mãos de São José.

Nós louvamos e apreciamos muito a vocação de Godofredo de Bouillon, que comandou as tropas na reconquista de Jerusalém. É o cruzado por excelência, é uma coisa linda! Entretanto, muito mais do que retomar o Santo Sepulcro para Nosso Senhor é defender a Ele próprio! E disto São José foi encarregado bela e gloriosamente. Ele foi, portanto, o cavaleiro-modelo na defesa do Rei dos reis, do Filho de Deus encarnado.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 30/7/1989

São Domingos Sávio – Alegre apóstolo da seriedade

Considerado a obra prima da educação Salesiana, Domingos Sávio, eminentemente piedoso e cumpridor de seus deveres, foi o grande discípulo de São João Bosco. Vivendo em fins do século XIX, doze anos de idade foram suficientes para demonstrar sua vida exemplar na prática das virtudes e na observância da Lei de Deus.

Sendo uma época em que tomava livre curso o ateísmo e a anti-religiosidade, penetrando até mesmo na mentalidade e na formação das crianças, São Domingos foi um admirável apóstolo da seriedade. Mostrando uma sabedoria muito superior à sua idade provou possuir uma compreensão profundamente séria e sobrenatural, baseada na Fé, de tudo quanto devia realizar.

Difundiu em torno de si uma atmosfera de compostura, seriedade e calma, que entretanto não fazia com que as crianças deixassem de serem autênticas, proporcionando um meio de reflexão e de compostura. Opondo-se, portanto, ao traço característico da Revolução na infância, que é a falta de educação e de cerimonial; que faz dos indivíduos, quando forem homens formados, os adversários de todas as tradições de um tempo em que se cultivava a seriedade e a cerimônia.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 9/3/1973)

São Domingos Sávio modelo de pureza e seriedade

A boa formação de uma criança e de um adolescente, observava Dr. Plinio, deve proporcionar-lhes um equilibrado e sadio impulso para a maturidade. Sobretudo, para alcançarem o ideal de perfeição moral a que todo homem é chamado. Como a seguir veremos, luminoso exemplo dessa educação bem assimilada encontramos em São Domingos Sávio, discípulo predileto do grande São João Bosco.

 

No mês de março a Igreja celebra a memória de um Santo cuja vida me causou grande admiração, e a respeito do qual gostaria de tecer alguns comentários. Não tanto evocando seus traços biográficos, quanto ressaltando sua fisionomia moral, que deixou profunda impressão no meu espírito. Trata-se de São Domingos Sávio, discípulo de São João Bosco.

Obra-prima da educação salesiana

Faleceu ele antes de seu mestre, aos 12 anos de idade, e foi considerado a obra-prima da educação dada pelo célebre apóstolo da juventude. Menino eminentemente piedoso, exímio cumpridor dos seus deveres, conservou sempre uma castidade exemplar, tendo sido proclamado pelo Papa Pio XI como o padroeiro da pureza, depois de São Luís Gonzaga.

Essas reflexões se prendem a uma recordação pessoal, que me parece oportuno registrar.

Há alguns anos, a convite do Arcebispo de Mariana, Dom Helvécio Gomes de Oliveira, desloquei-me até essa histórica cidade de Minas para fazer uma conferência sobre São Domingos Sávio. Após o almoço, disse ao reitor do Colégio salesiano onde a sessão se realizaria à tarde:

— Peço que o senhor me consiga uma biografia de São Domingos, pois apesar de sabê-lo canonizado, ignoro os pormenores de sua vida.

Com muita solicitude ele me procurou uma biografia do Santo, porém bastante resumida. Comecei a lê-la e me lembro que o biógrafo acentuava diversas qualidades comuns aos bons meninos. Assim, São Domingos Sávio era muito devoto, obediente aos seus superiores, de modo especial a São João Bosco, além de fazer apostolado junto a seus colegas, sendo um exemplo de zelo pelas almas.

Os “birichini” de São João Bosco

Contudo, pensei: “Infelizmente, com esses dados, não me é possível proferir uma conferência que não seja uma repetição de tantas outras realizadas ou preparadas, a respeito de vários bem-aventurados…”. Com efeito, naquela época encontrava-se certos formulários para sermão ou exposição de vidas de santos, que diziam: “São tal, mudando a data e o nome, serve para tais e tais santos”.

Ora, ao ler o opúsculo que o reitor me conseguira, percebi que escapara ao biógrafo o traço mais marcante e acentuadamente contra-revolucionário da vida de São Domingos Sávio, que, creio eu, indicava o “segredo” de sua santidade.

Para que esse traço fique bem explicitado, importa considerarmos o fato de que nosso santo viveu em meados do século XIX, um período em que a Revolução atingia um auge, e o espírito revolucionário, portanto, lograva grande concessão da parte dos adolescentes que principiavam a frequentar escolas. De um lado.

De outro, temos que São João Bosco lecionava para os “birichini”, apelativo dado na região de Turim aos meninos de famílias modestas. Nesse sentido, é esplêndida a vocação dos salesianos: ensinar sobretudo para as classes populares, instruindo-lhes nos misteres profissionais em estabelecimentos para essa finalidade. Eram meninos com grande vitalidade e efervescência, mas tendentes a travessuras e à falta de seriedade (a qual, aliás, se alastrara por todas as camadas sociais).

Admirável apóstolo da seriedade

Nesses ambientes São Domingos Sávio mostrou-se um admirável apóstolo da seriedade, manifestando uma sabedoria superior à existente em meninos de sua geração. E na medida própria à mentalidade de uma criança, possuía uma compreensão invulgar de tudo quanto deveria fazer. De maneira que não praticava uma ação nem dizia uma palavra que não revelassem uma reflexão séria — nas proporções de um menino, insisto — baseada na fé e profundamente sobrenatural.

Por isso ele difundia em torno de si uma atmosfera de compostura, de seriedade, de calma, sem fazer com que os meninos deixassem de ser autênticas crianças. De outro lado, proporcionava-lhes assim um meio eficaz de se oporem à mania do brinca-brinca, da falta de educação, da ausência de cerimônia e boas maneiras.

“Morte ao pecado mortal”

Essa característica de São Domingos Sávio se faz notar num episódio de sua vida, do qual tomei conhecimento quando li outra biografia dele, escrita pelo próprio São João Bosco. Este escreveu:
Domingos veio ver-me no dia anterior ao início da novena da Imaculada Conceição, em 1854, e teve comigo o seguinte diálogo. Disse ele:
— Eu sei que a Virgem concede grande número de graças a quem faz bem suas novenas.
— E tu o que queres fazer nesta novena, em honra da Virgem?
— Quisera pedir muitas coisas.
— Quais, por exemplo?
— Antes de tudo quero fazer uma confissão geral de minha vida, para ter bem preparada a minha alma. Depois procurarei cumprir exatamente as florzinhas que cada dia da novena se darão nas boas noites.

“Florzinhas” (fioretti em italiano) significavam pequenos propósitos a praticar, recomendados na “boa noite”, gênero de alocução famosa que Dom Bosco dirigia aos seus alunos. Consistia geralmente de breves comentários de algum fato do dia, ocorrido no interior ou fora do colégio. Continua a narração, com a pergunta de São João Bosco:
— E não tens mais nada?
— Sim, eu tenho uma coisa: quero declarar morte ao pecado mortal.
— E o que mais?
— Quero pedir muito, muito à Santíssima Virgem e ao Senhor que me mandem antes a morte do que deixar-me cair no pecado venial contra a modéstia.

Ou seja, contra a virtude da castidade. E São João Bosco acrescenta:
“Deu-me então um papelzinho em que ele tinha escrito esse propósito e manteve suas promessas porque a Santíssima Virgem o ajudava. São Domingos Sávio tinha, nessa ocasião, doze anos de idade.

Ressalta-se, assim, na estrutura de alma de uma criança, o traço distintivo de São Domingos: extraordinariamente sério, conseqüente, lógico em tudo. Ao mesmo tempo, alegre, de espírito sadio e maduro.

Reflexão ratificada pelos devotos de São Domingos

Dando-me conta desse cunho característico de São Domingos Sávio, comecei a minha conferência em Mariana dizendo que me achava diante de todo o corpo docente de um colégio salesiano, numa sessão que se realizava sob a presidência de um Arcebispo também salesiano e, portanto, exporia minha impressão pessoal, submetendo-a ao juízo deles. Acrescentei que a leitura de uma vida de São Domingos Sávio deixara em meu espírito essa ideia: merecia ele ser chamado perfeitamente de apóstolo da pureza das crianças, mas deveria também ser denominado seu apóstolo da seriedade.

Desenvolvi o tema, mostrando a importância do papel da seriedade para se alcançar a perfeição espiritual: não basta ser sério para ser santo, porém não se pode ser santo sem ser sério.

Tão logo enunciei a tese de que São Domingos era o modelo da seriedade entre as crianças, houve um aplauso geral iniciado pelo Arcebispo e todos os professores, seguido naturalmente pelo público. Naquela época, São Domingos Sávio estava sob o foco das atenções, pois era recém-canonizado e os salesianos difundiam muito a devoção a ele. Sua vida, portanto, era bem conhecida de seus irmãos de vocação e devotos. A ratificação daquela tese concedida por esse corpo docente salesiano, com tal ênfase, demonstrava-me a veracidade da minha observação.

Como vivemos num tempo em que a falta de seriedade se torna cada vez mais aguda e crítica, parece-me de importância capital rogarmos a São Domingos Sávio que seja nosso padroeiro para a seriedade, e nos alcance do Sagrado Coração de Jesus, pelas mãos de Maria Santíssima, uma perfeita prática dessa virtude da qual ele é um excelso modelo.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências em 9/3/1971 e 9/3/1973)