Sagrada Família: três auges de perfeição

Na humilde casa de Nazaré verificava-se uma ascensão em graça e santidade, perante Deus e os homens, das três pessoas excelsas que ali moravam. Três perfeições que alcançaram o auge ao qual cada uma devia chegar. Eram três auges desiguais, que se amavam e se inter compreendiam de modo intenso, e que constituíam uma hierarquia — disposta pela Divina Providência — admiravelmente inversa: o chefe da casa no plano humano era o menor na ordem sobrenatural; e o menino, que devia obediência aos pais, era Deus.

A Sagrada Família, modelo de todas as famílias, compunha-se portanto de três perfeições altíssimas, magníficas, mas distintas, realizando uma extraordinária harmonia de desigualdades, como nunca houve nem haverá semelhante na terra.

Plinio Corrêa de Oliveira

Oração da restauração

Há momentos, minha Mãe, em que minha alma se sente, no que tem de mais fundo, tocada por uma saudade indizível. Tenho saudades da época em que eu Vos amava, e Vós me amáveis, na atmosfera primaveril de minha vida espiritual.

Tenho saudades de Vós, Senhora, e do paraíso que punha em mim a grande comunicação que tinha convosco. Não tendes também Vós, Senhora, saudades desse tempo?

Não tendes saudades da bondade que havia naquele filho que fui? Vinde, pois, ó melhor de todas as mães, e por amor ao que desabrochava em mim, restaurai-me: recomponde em mim o amor a Vós, e fazei de mim a plena realização daquele filho sem mancha que eu teria sido, se não fosse tanta miséria.

Dai-me, ó Mãe, um coração arrependido e humilhado, e fazei luzir novamente aos meus olhos aquilo que, pelo esplendor de vossa graça, eu começara a amar tanto e tanto!

Lembrai-Vos, Senhora, deste David e de toda a doçura que nele púnheis. Assim seja!

Exemplo de constância e de fortaleza

Varão de espírito nobre, muito inteligente e culto, São Martinho I foi sujeito a uma das maiores humilhações a que um Papa tenha sido exposto, desde o começo da história do Pontificado.

 

Vamos analisar uma nota biográfica referente a São Martinho, Papa e mártir(1).

Condenado à morte por defender a verdade

São Martinho I sucedeu a Teodoro, no ano 649.

A alma do novo Papa deveria ser grande para suplantar as grandes dificuldades do momento. Para salvar especialmente as Igrejas do Oriente, devia anatematizar a heresia monotelista(2). E foi o que fez o novo Papa.

Imediatamente, por ordem do Imperador Constante II, foi preso numa emboscada e transportado num navio para o Oriente. Sofreu horrivelmente durante a viagem. Ao chegar a Constantinopla estava em extremo grau de debilidade; mesmo assim, manietado, arrastaram-no ao tribunal, chamaram testemunhas falsas que depuseram contra o Pontífice acusando-o de traidor e herético. Depois de condená-lo, carregaram-no para junto das cavalariças imperiais, onde se reunia incontável multidão.

São Martinho foi alçado a um terraço para que Constante pudesse vê-lo da sacada de seu palácio; depois o juiz que havia presidido o tribunal aproximou-se do ancião mofando: 

— Viste como Deus te livrou de nossas mãos, eras contra o imperador. Deus te abandonou.

Em seguida ordenou aos soldados que rasgassem as vestes do Papa e lhe arrancassem os calçados. Entregando-o ao prefeito, recomendou-lhe que o fizesse em pedaços. Como a multidão se mantivesse calada, o juiz incitou-a a anatematizar o condenado, mas ouviu-se somente a voz de umas vinte pessoas. As demais, olhos baixos, dispersavam-se silenciosamente.

Os carrascos então despojaram São Martinho de seus farrapos e do pálio sacerdotal. Revestiram-no com uma túnica aberta de ambos os lados, grotesca e humilhante. Rodearam-lhe o pescoço com uma argola de ferro, puxaram-no por uma corrente pela cidade até a prisão, que era a mesma dos criminosos comuns. Sob o frio intenso, tiritava. Permaneceu preso esperando a morte, mas sua pena foi comutada por prisão perpétua.

No exílio da Crimeia, seu martírio aumentou dia a dia até que o Criador o chamou para Si, no ano de 655.

Esse pontífice deixou cartas notavelmente bem escritas, cheias de vigor e sabedoria, bem como as respostas dadas no tribunal de Bizâncio. Seu estilo é nobre e sublime, digno da majestade da Sé Apostólica.

Constância e fortaleza em meio a injustos tormentos

Encontramos nessa narração vários aspectos desse martírio que são instrutivos para nós.

Em primeiro lugar, a suma respeitabilidade desse Pontífice e a forma especial de tormento a que ele foi sujeito. Por ser um santo, tinha na mais alta conta a dignidade do trono pontifício por ele ocupado, compreendendo perfeitamente tratar-se do maior cargo da Terra.

Não há dignidade de rei, nem de imperador, nem de nenhum outro que se possa comparar sequer de longe à dignidade do Vigário de Cristo na Terra, daquele que é sucessor de São Pedro, a quem Jesus Cristo deu as chaves do Reino do Céu, de maneira que aquilo que ele abrir estará aberto e aquilo que fechar permanecerá fechado.

Além disso, São Martinho era um homem de um espírito nobre, muito inteligente e culto, em cujas cartas se expressava com nobreza e elevação. Portanto, uma pessoa que gostava de tudo quanto é alto, sublime, digno.

Pois bem, ele foi sujeito a uma das maiores humilhações a que um Papa tenha sido exposto, desde o começo da história do Pontificado.

São Pedro, crucificado de cabeça para baixo, foi tão humilhado ou mais do que ele. Mas poucos foram os Papas que sofreram um martírio tão terrível como São Martinho.

Trata-se de um Pontífice romano, que se sabe Vigário de Cristo, e que é jogado no porão de um navio daquele tempo, desce na cidade de Constantinopla, é arrastado ao tribunal por hereges monotelistas, para ser condenado; depois é levado diante de uma imensa multidão, vestido de um modo ridículo, colocam-lhe no pescoço uma argola de ferro atada a uma corda, e o conduzem como se fosse um animal; encontrando-se já na iminência de ser morto, ele é arrastado, a pé e descalço, pela cidade até a outra ponta, para ser preso entre os prisioneiros comuns. Imaginem a humilhação de um homem que se preza, sofrendo tudo isso!

Mais ainda: fazia um frio intenso, ele já estava idoso e tiritava. Naturalmente tomavam o tremor dele como sendo por medo, e muitos terão caçoado dele.

Vê-se a crueldade desse Imperador Constâncio e dos hereges monotelistas, que o arrastaram. Depois ele foi mandado para a Crimeia e ali, submetido a trabalhos forçados, morreu por causa das intempéries, da idade, mas em consequência dos maus tratos. Por isso a Igreja o considera mártir. Até o fim ele não cedeu e, diante do interrogatório do imperador e do juiz, ele suportou com altivez e soube dizer ao juiz as verdades que deveriam ser ditas. É um nobre exemplo de constância e de fortaleza.

Crueldade e indolência, sintomas de um império que caía

Por outro lado, vemos o Império Romano que caminhava para seu fim. Haveria ainda alguns séculos para o termo final do Império Romano do Oriente, mas esse fim vinha sendo preparado de longe por sinais manifestos de decadência. Esse crime praticado pelo imperador na presença de todo o povo é um sintoma disso. O imperador manda expor o Papa num terraço onde ele o pudesse ver e, naturalmente, zombando do Pontífice sacrilegamente.

Todo o povo também presenciou a cena e o juiz estava querendo induzi-lo a vaiar o Papa. Mas a atitude do povo foi esta: ficou quieto e depois foi se dispersando. De dentro da multidão, apenas umas vinte pessoas — provavelmente pagas — vaiaram o Pontífice. A vaia não teve a menor repercussão, ninguém acompanhou, e as pessoas se dispersaram lentamente.

Há uma frase famosa que diz: “O silêncio dos povos é a lição dos reis”. Quer dizer, os povos não vaiam, não agridem, mas quando eles não aplaudem, os reis ficam compreendendo haver uma censura. Essa é uma frase do “Ancien Régime”(3), e isso era verdade antes da Revolução Francesa.

Quer dizer, resta sempre aos povos um recurso que ninguém tem o poder de lhes tirar: é o de não aplaudir. Como obrigar o povo a aplaudir? Uma multidão imensa, se não quiser aplaudir não aplaude, e não se pode matar a multidão por causa disso.

Entretanto, nota-se de um lado o prurido de independência dos imperadores do Oriente contra o Papa, o que acabaria desfechando no cisma e, posteriormente, na queda do Império Romano do Oriente. De outro lado, constata-se também a maldade do povo. À primeira vista, tem-se uma boa impressão do povo porque se recusou a aplaudir; era, portanto, menos corrupto do que o imperador. Contudo, não deixava de ser um povo corrompido também, porque se ele sabia que aquele ancião, sendo o Vigário de Cristo, não deveria ser tratado assim e merecia todo o respeito, o que fez esse povo que não se revoltou contra os algozes, não protestou e não vaiou aquele juiz?

Evidentemente, dispersando-se, a multidão se condenou porque provou saber que aquilo era mau, e mostrou que se tinha intrepidez de não aplaudir, entretanto, não possuía coragem de libertar. Ora, o Papa tinha o direito de ser liberto. Isso mostra o profundo apodrecimento do povo; era um império que caía de podre.

Rechaçados pela Justiça de Deus

Resultado: durante séculos essa rivalidade entre Constantinopla e Roma, as duas maiores cidades de cultura latina daquele tempo, foi aumentando. Quando no século XV os turcos assediavam Constantinopla, estava ali um personagem que pôde até assistir à queda da cidade e conseguiu fugir a tempo.

Nas cartas que esse personagem escreveu, ele pôs a seguinte nota: “O povo de Constantinopla, que era herege, tinha rompido com a Santa Sé, estava apavorado com aquela entrada feroz dos turcos, que fizeram uma carnificina, reduziram inúmeros indivíduos a escravos, entraram em conventos, destroçaram tudo”.

E fez este comentário: “Se se desse aos constantinopolitanos a opção entre salvar a cidade, voltando a aderir à Igreja Católica, ou continuar na heresia e serem destroçados pelos turcos, eles prefeririam a heresia e a morte a se unirem novamente à Igreja Católica”.

Quer dizer, um ódio tão cego à verdade que eles só queriam saber de aderir à heresia, e preferiam a morte com a heresia à vida, à dignidade e à honra. Vemos, por aí, como os adversários da Igreja podem ser fanáticos, a ponto de gostarem mais daquilo que representa o seu próprio destroçamento do que a união com o que significa a verdade integral.

Lembro-me de uma frase de Donoso Cortés(4), grande pensador espanhol, que dizia o seguinte: Os homens gostam de verdades, mas nenhum homem, a não ser pela graça de Deus, gosta da verdade inteira, da verdade global.

A Doutrina Católica oferece a verdade global. Esta, os inimigos da Igreja odeiam mais do que tudo, preferindo qualquer erro à verdade total. Assim eram os monotelistas, como também os cismáticos de Constantinopla séculos depois, e os modernistas do tempo de São Pio X. Tudo menos a verdade global. Resultado: serão rechaçados pela Justiça de Deus.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 24/9/1973)

 

1) Não dispomos das referências bibliográficas nas quais se baseia Dr. Plinio.
2) Monotelismo: heresia que nega a existência de duas naturezas — a humana e a divina — em Nosso Senhor Jesus Cristo.
3) Do francês: Antigo Regime. Sistema social e político aristocrático em vigor na França entre os séculos XVI e XVIII.
4) Juan Francisco María de la Salud Donoso Cortés y Fernández Canedo. Filósofo, político e diplomata espanhol (* 1809 – † 1853).

Obra de cortesia e de arte

Dr. Plinio descreve o quadro de Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano, mostrando, entre outros elevados e profundos aspectos, a cortesia de Maria Santíssima.

A fotografia mostra Nossa Senhora como Rainha. As coroas de Maria Santíssima e do Menino Jesus são de pedras preciosas, não propriamente do quadro, mas joias que foram nele presas posteriormente, em razão dos grandes milagres e graças de que o afresco de Genazzano tem sido ocasião.

Nossa Senhora está olhando para quem reza

Vemos os colares de pérola que estão suspensos no quadro, alguns adornos que dão uma ideia oriental, com uma espécie de meia-lua; são coisas muito legítimas, muito boas, mas nós podemos abstrair delas para compreendermos bem o afresco em si mesmo como pintura.

No quadro, percebemos que há uma coerência admirável na figura mais expressiva, que é Nossa Senhora, porque o Menino Jesus é menos expressivo.

O que há de interessante na figura de Maria Santíssima?

A fisionomia d’Ela está completamente distendida. Não se nota um músculo que esteja contraído, que indique qualquer impressão, exceto a sensação de contentamento de estar com o Menino. Ela está toda voltada para a ideia de que segura o Menino Jesus nos braços e só está pensando n’Ele; não tem outra preocupação. O mundo inteiro não existe para Ela, há apenas o Menino Jesus.

O curioso é que Ela não está olhando propriamente para Ele, mas para quem reza. Percebe-se que o fato de a face de Nossa Senhora tocar na fronte e na face do Menino Jesus faz com que Ela tenha uma espécie de degustação da presença d’Ele, de alegria daquele contato do corpo que é, sobretudo, um contato de alma muito íntimo, que A deixa cheia de satisfação.

Esse contato, entretanto, é habitual e não de surpreender. Não é um êxtase, nem nada deste gênero, mas uma impressão, uma sensação como toda mãe tem com seu filho; quando ela está com seu filho, há momentos em que o amor materno se abre mais, floresce mais e o seu carinho se expande. Nossa Senhora é apresentada desta maneira aqui.

Bondade, ternura, proteção

A bondade, a ternura, a proteção d’Ela para com o Filho se fazem notar muito na posição do pescoço e da cabeça. O Menino está suspenso n’Ela e A agarra pelo pescoço — a ponta da mão direita d’Ele aparece por detrás —, e explica que Ela esteja com o pescoço ligeiramente inclinado pelo peso d’Ele. A intimidade d’Ele com Ela é extraordinária! O Menino agarra como algo que Ele está habituadíssimo a segurar, e Nossa Senhora se deixa agarrar como quem já foi segurada mil vezes. E até acha agradável sentir-Se curvada diante de um peso tão suave, tão doce, tão deleitável para Ela.

O Menino não está propriamente com medo, mas meio agarrado a Ela como quem, também Ele, não quer saber nada do mundo de fora. Ele está todo para Ela, como Ela está toda para Ele. Ele só tem alegria de estar ligado à Mãe d’Ele, mais nada, e na alegria de se sentir protegido e unido a Ela.

Nenhum dos dois pensa, nem cogita nem nota nada. Olhem para essa Criança: não está pensando em bola, em doce ou qualquer outra coisa. Está pensando apenas: “Mamãe”; e a Mãe está pensando somente: “Meu Filho”.

Nota-se, entretanto, uma coisa curiosa: na expressão d’Ele, apesar de ser menino, existe — é uma delicadeza do quadro — uma sensação de “doninho”. O Menino Jesus segura Nossa Senhora, está contente, protegido, mas Ele é um pouco “doninho” d’Ela, enquanto n’Ela existe uma veneração, respeito. Parece que Ela está procurando escutar o que se dá dentro d’Ele, se sai uma palavra desse Sacrário que Ela tem nos braços… E quando se presta atenção, vê-se o seguinte: Ela está rezando para Ele. Essa posição da cabeça, essa atitude, é de quem ausculta, no fundo está numa espécie de prece, não pedindo algo, mas fazendo uma contemplação da Pessoa d’Ele, querendo tomar contato com a Pessoa d’Ele. É uma meditação, uma contemplação muito alta.

Está subentendida a doutrina da mediação

Ele está nesta intimidade com Ela, mas, enquanto os olhos d’Ela vão para baixo, os olhos d’Ele vão para cima, dirigem-se a Deus. É a ideia da mediação. Ela olha para Ele e Ele olha para Deus. Nós olhamos para Nossa Senhora, Ela olha para Jesus e Ele olha para Deus.

É bonito que tanta doutrina tenha sido posta tão delicadamente neste quadro, que nem se sabe o que dizer.

Notem outra coisa: o olhar d’Ela é, curiosamente, bivalente. Não é verdade que Ela está olhando para Ele? E também olhando para quem fita o quadro?

Sente-se meio olhado por Ela quando se olha para o quadro, e é bem o papel d’Ela. Ela é nossa medianeira, recebe nossa oração, transmite para Ele e Ele é Deus e transmite a nossa oração às outras Pessoas da Santíssima Trindade.

De maneira que se tem a Doutrina Católica suavissimamente expressa, sem essa precisão dogmática que é própria à Teologia, mas com esse subentendido que é próprio à arte. Porque é agradável adivinhar isto no quadro, sem que se veja à primeira vista.

Os que se encontram neste auditório, não acham mais interessante descobrirem quando uma pessoa lhes mostra, do que estar escrito em baixo: “Mediação universal”? 

Que dizer, a coisa que se insinua é dada a entender de leve, não está afirmada de modo cortante, mas a pessoa vai assim descobrindo como atrás de um aroma delicado. Na arte, isso tem seu encanto. Para a arte, às vezes certo mistério aumenta o atrativo. Aqui temos, então, este mistério.

Sentir-se filho mais até do que adotivo

Há outro aspecto interessante: essa intimidade. Toda intimidade é fechada, exclui. O pintor soube — aliás, a meu ver, esse quadro foi pintado por Anjo — criar uma coisa curiosa, que é uma intimidade aberta. Tem-se a impressão de que se alguém for chegando perto, entra no circuito dessa intimidade; que é amado por Nossa Senhora, pelo Menino Jesus, é entendido pelos dois e que Eles socorrem a pessoa que se aproxima. Qualquer um que se achega a esse quadro pode sentir-se íntimo, sentir o aconchego da presença do quadro. Seja uma alma reta, seja um pecador, seja até um inimigo; se se aproxima sente esse aconchego.

Outra coisa curiosa: Nossa Senhora aqui está sorrindo? Olhando para os lábios, não. Não sei se notam que há um ligeiro sorriso indefinido espalhado por todo o rosto; e é um certo comprazimento para com o Filho. Mas de outro lado também é um comprazimento para com o devoto, com o fiel que chega aí perto, filho d’Ela como Este outro.

Está insinuado no quadro que quem olha para o quadro é irmão do Menino Jesus, é também filho d’Ela. Esse quadro poderia se chamar “Adoção”. Porque a pessoa se sente filho adotivo, ou mais até do que adotivo, simplesmente aproximando-se do quadro. Isso me parece ser o que o quadro tem de mais interessante.

Pergunto o seguinte: o quadro é de uma Rainha? Faço abstração da coroa. Não há nada que indique uma pessoa de alta categoria social, nem de categoria social modesta, nem média. Está à margem das categorias sociais. Apesar disto, há qualquer coisa n’Ela de Rainha, porque é sumamente venerável, sumamente respeitável. Se fôssemos abrir a boca para dizer uma palavra, teríamos vontade de nos ajoelhar.

Por quê? Tão ordenada, tudo tão direito dentro d’Ela, que qualquer palavra que partisse d’Ela seria uma palavra de sabedoria, de santidade. Quase que se imagina o timbre desta voz, seria um ensinamento. Imediatamente teríamos desejo de nos colocar genuflexos. Todas essas riquezas foram postas neste quadro.

Nossa Senhora está cortês com o Menino Jesus, nesse afresco? Eu diria que sumamente cortês. Notem com que respeito Ela está com Ele. É um enorme respeito, uma veneração. Mas, de outro lado, muito íntima. E Ele com Ela também, com que respeito! Como Ele está direitinho, nada está errado, nada como não deve ser. Jesus tem a sensação da sacralidade dos braços em que Ele está. Quer dizer, um menino dessa idade, rezando numa igreja, não podia ter uma atitude mais cheia de respeito do que está aí.

Temos aí uma verdadeira obra de cortesia e de arte.

No que está a cortesia nesse quadro? Os três elementos da cortesia estão presentes ali: o respeito mútuo, o amor mútuo e, como reflexo de ambos, um modo de tratar que deixa transluzir o bem-estar de permanecer ligado a algo de mais alto, e ao mesmo tempo um sorriso por estar ligado a algo que se quer muito. E essa é uma das definições de cortesia. Aí estaria a cortesia no quadro de Nossa Senhora de Genazzano.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 29/6/1974)

EXTRAORDINÁRIA MANIFESTAÇÃO DE FÉ

Em sua infinita sabedoria, a Divina Providência frequentemente se aproveita de certos fenômenos que tocam nossos sentidos corporais para, através deles, exercer determinada ação em nossas almas. Assim, por meio daquilo que atinge sua percepção física, o homem discerne algo de sobrenatural que lhe enriquece o espírito.

Um exemplo. Estamos passando diante de uma linda catedral gótica, sentimo-nos atraídos pela imponência de suas linhas, e entramos: igreja vazia, silenciosa, recolhida, com seus grandes vitrais batidos de sol, povoando de pedras preciosas o solo do templo. O ambiente e o colorido logo nos prendem o interesse pelas vistas. De repente, alguém toca o órgão, despertando nossa sensibilidade pelo ouvido. Mas, ao mesmo tempo em que a beleza da arquitetura, da luminosidade e do som nos colhe, age também em nós um toque da Graça, pelo qual percebemos uma misteriosa analogia daquelas maravilhas sensíveis com certas riquezas sobrenaturais, com valores da Fé, com virtudes e princípios católicos.

Mais: aquela grandiosidade de formas, aquela envolvente musica de órgão, aquela radiosa policromia dos vitrais, são símbolos de determinadas perfeições do Criador  e, por isso, tornam-se veículos para o homem conhecer algo do próprio Deus.

É o que acontece quando se contempla a Catedral de Bourges, tida como uma das mais bonitas da França.

Em sua ampla e esplendorosa fachada se sucedem portas e arcarias góticas, incrustadas de esculturas incontáveis. No centro, a grande rosácea, ponto de convergência de toda a decoração. O pórtico principal, formado por várias camadas de ogivas, prolonga-se sob um esguio e anguloso telhado, guarnecido por vigorosas colunas. À direita e à esquerda da entrada maior se abrem mais quatro, menores, também precedidas por fileiras de ogivas, recobertas de pequenas imagens talhadas em pedras.

Cada um dos pórticos se enfeita com uma rosácea e uma imagem mais expressiva. Na principal está a figura de Nosso Senhor Jesus Cristo vitorioso, triunfante, deixando passar os fiéis pelas grossas e lavoradas portas de madeira. As entradas laterais obedecem à mesma estrutura, embora menos ricas, fazendo o papel de damas de honra que acompanham a rainha, completando-lhe a beleza arquitetônica e simétrica. O mesmo papel de acólito desempenham as colunas secundárias que separam as entradas menores da principal, assim como as ornamentações daquelas servem de respeitoso e enlevado “pendant” para as desta.

De todo esse conjunto sobressai uma expressão harmoniosa do espírito Hierárquico predominante na época histórica em que foi construído. Tudo nele é ordem, é classe, é categoria: é o espírito da Idade Média.

Agora, se tomarmos em consideração que todos os adornos da Catedral – e são inúmeros! – foram esculpidos em pedra, e que muitas dessas esculturas são genuínas obras de arte, facilmente percebemos que seus realizadores não se preocupavam com o tempo, nem com o trabalho e a mão de obra necessários para chegar a a essa maravilha da arquitetura cristã. Não se incomodavam com prazos, não tinham frenesis de terminar logo. Nada na Catedral de Bourges parece ter sido feito “a galope” ou “a toque de caixa”. Naquele tempo, não se marcavam datas para concluir edificações como essas. Pelo contrário, sabia-se que talvez várias gerações passariam, até que os homens pudessem admirar em todo o seu esplendor mais um grandioso templo católico.

Para se ter um pouco ideia do trabalho que uma construção desse porte exigia, basta reparar na espessura das paredes, na quantidade imensurável de pedras utilizadas, na profusão de imagens e floreados góticos, de colunetas e arcarias: é quase uma orgia de labor e dedicação. É um esbanjamento de arte. Na verdade, uma extraordinária manifestação de fé.

Chama particularmente a atenção as sequencias de ogivas formando arcadas que resultam numa composição de força e leveza, arrematadas por agulhas e florões de pedra que lhes conferem especial nota de elegância, todas apontando para o firmamento, como a dizerem aos homens: “Confiem, pois no Céu tudo se resolverá!”

                                                     . . .

O edifício é imenso, porque as catedrais eram feitas para conter a população inteira da cidade, naquela época áurea da Civilização Cristã em que todos eram católicos. Assim, tornava-se possível que a maioria dos fiéis assistisse às missas e participasse das cerimônias litúrgicas dentro do recinto sagrado, ao abrigo das vicissitudes climáticas, nevascas, fortes calores, etc. A igreja era a própria casa do povo, porque era o palácio de Deus, onde havia lugar para ricos e pobres, reis e senhores feudais, autoridades eclesiásticas e representantes civis, para nobres e plebeus. Dentro, formavam uma só família cristã, sob o manto da Santa Madre Igreja e a celeste proteção de Maria Santíssima.

Todos podiam se beneficiar da amplitude daqueles espaços interiores, das sólidas e imponentes colunas que se lançam para o alto abrindo-se e se encontrando em ogivas góticas, das grossas paredes de pedra e – mais que tudo – da maravilhosa luminosidade multicolorida, proporcionada por seus deslumbrantes vitrais. Verdadeiras rendas de vidros policromados, fundindo-se numa mescla de cores capaz de encantar ao mais insensível dos homens.

Fixando-se neles a atenção, é-nos permitido discernir uma série de figurinhas que se movem, que tomam atitudes, que falam e gesticulam: em geral são representações de episódios do Antigo e do Novo Testamentos, cenas históricas da Cristandade, batalhas memoráveis, ou acontecimentos decisivos para a humanidade, como a Ressurreição dos mortos e o Juízo Final.

Nessa feeria de cores predomina o azul, profundo, lindíssimo, lembrando o anil de certas asas de borboletas que embelezam nossos bosques tropicais. Talvez não fosse exagerado afirmar que o azul de Bourges é o azul da França, posto em vitrais que não só entusiasmam, como encerram lições de História Sagrada: os fiéis que não sabiam ler, acabavam conhecendo a Bíblia através daquelas luminosas e coloridas páginas de vidro…

                              …

Vale apontar, ainda, a beleza dos chamados botaréus, os contrafortes que arrimam as paredes externas da igreja. Parece que os medievais não possuíam pleno domínio dos cálculos necessários para garantir a estabilidade  de gigantescos edifícios como a Catedral de Bourges. Para evitar que ruíssem, erguiam do lado de fora uma série de arcos-botantes, colocados de encontro ao corpo da igreja.

Mas essa função prática se oculta sob formas tão bonitas, tão elegantes, tão leves que, se alguém pensasse em tirar essas escoras, os artistas da França e do mundo inteiro protestariam. Compreende-se: quando se tem uma grande alma, até o não conhecimento leva ao belo…

Eis a Catedral de Bourges, o fruto de almas cristianizadas e estuantes de fé, que acabaram dando origem a esse magnifico estilo gótico, por meio do qual nos aproximamos da grandiosidade e da força, da harmonia e leveza infinitas de Deus Nosso Senhor.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Maravilhas excogitáveis

Como será a época áurea, o Reino de Maria? Além de um esplendor da graça, haverá construções tendentes ao paradisíaco,segundo comentários de Dr. Plinio.

 

Considerando a quase inesgotável variedade de recursos com a qual o Criador dotou a natureza, a fim de que dela se servisse o homem para embelezar este mundo, vêm-nos ao espírito algumas reflexões acerca dessas mil possibilidades postas ao alcance do engenho humano.

Palácios de porcelana, avenidas de cristal

Por exemplo, não seria difícil construir um prédio inteiro, digamos uma catedral, utilizando-se o material com que hoje são feitos vasos e outros objetos artísticos. Aliás, o homem mandar fabricar as pedras com as quais edificaria seus próprios palácios, é algo que vai além de toda ideia até agora concebida. Bem entendido, não se trata dessas lâminas de granito aplicadas às paredes, sabendo-se que tal não passa de um revestimento.

Não. Se me fosse dado mandar erguer uma casa ou edifício, gostaria que tivesse grossas paredes, inteiramente constituídas de material cujo colorido fosse semelhante ao de um belo vaso. De maneira que, sendo perfuradas com um prego de lado a lado, encontrar-se-ia a mesma matéria com aquela cor. Nada, portanto, de falsos revestimentos com chapas de granito ou de mármore. Falsificação, mesmo nesse terreno, não tem valor algum.

À primeira vista, essa concepção pode parecer muito bonita, porém inexequível.

Ora, cumpre levar em conta que o homem, com as modernas possibilidades industriais, pode elaborar matérias-primas mais belas do que as pedras preciosas que se acham na natureza, atingindo um grau de esplendor inenarrável.

Claro está, não se deve imaginar isto para qualquer casa ou construção. Conviria, por exemplo, para uma “Via de la Conciliazione”, em Roma. Naquele eixo que liga o trono de São Pedro ao Castelo de Sant’Angelo, poder-se-ia conceber uma pavimentação  com gemas de raro quilate, a fim de honrar o Papa. E se podemos imaginar uma laje de asfalto ininterrupta, de ponta a ponta de uma avenida, por que não cogitar num piso todo feito de porcelana especial? Ou então de um cristal único? Seria algo magnífico e incomparável, tanto é indizível o  até onde os recursos da inteligência e da fantasia são capazes de chegar.

Importância do panorama para as belas construções

Agrada-me tratar desse tema, pois vivo como que imerso nessas cogitações. Entretanto, é preciso ter presente que tais maravilhas devem ser concebidas apenas para determinados tipos de panorama e de povo. Com efeito, existem paisagens nas quais elas se encaixam perfeitamente. Por exemplo, na Baía de Guanabara.

Como é aprazível um passeio por esse espetacular “cartão postal” do Brasil! Sair de manhã e percorrer toda a baía até à noite, presenciando o pôr-do-sol, ao mesmo tempo que um bom cicerone nos vai descrevendo seus pontos mais salientes e recordando os acontecimentos históricos que ali se desenrolaram, como a heroica resistência dos portugueses contra os

invasores do Rio de Janeiro. Sem dúvida, um programa de encher a alma. Sobretudo se considerarmos, então, que essa Baía de Guanabara seria o cenário perfeito para a edificação daqueles prédios e casas maravilhosas.

E há no Brasil lugares junto ao mar ou a certos rios — como o Tocantins, o Araguaia, etc. — que podem se prestar a coisas muito bonitas, ao contrário de outros locais em que algum palácio desses ficaria completamente ridículo.

No meu entender, o continente onde essas realizações se encontrariam à vontade é a Ásia. O que imagino dos sóis, das solidões, das matas, dos desertos asiáticos, serve de modo magnífico para esses palácios e construções. E a África? Sim e não, de maneira análoga ao Brasil. Algumas regiões se prestam soberbamente, e outras são espantalho para coisas assim.

Esse tema é vasto, supõe ziguezagues, mas deve ser visto de frente: esses castelos, essas edificações imaginárias não servem para o ambiente europeu. A Providência concedeu à Europa a possibilidade de obter, com materiais sóbrios — o granito, por exemplo — belezas tão superiores que quando se vê alguma catedral, algum castelo gótico feito com essa pedra, aliás de boa qualidade, é-se levado a perguntar se esses materiais por mim imaginados têm algum valor diante daquele criado por Deus.

Questões como essas precisam ser postas, de modo inexorável, para apreender uma verdade sólida e saber que não se está delirando.

Diferentes formas de “sonhar”: do oriental, do europeu

Tome-se, por exemplo, a arte dos lambris que utiliza madeiras de qualidade para revestir paredes interiores. Às vezes, em simples casas campestres, a Europa atingiu um requinte de bom gosto nessa arte, demonstrando toda a capacidade que recebeu do Criador para produzir o maravilhoso, empregando materiais não diretamente maravilhosos. Ela soube engendrar possibilidades de fausto em coisas que a fineza e o talento humanos deveriam nobilitar, mas que, de si, não revelavam uma beleza estuante, brotando do seu íntimo, como em certos materiais da Ásia.

Resultado, temos um tipo de arte na Europa que valoriza o intelecto, o bom gosto, a formosura da alma do homem, não só enquanto voa para o que há de mais esplendoroso, como também enquanto reprime e freia o seu voo, dando a conta, o peso e a medida de si mesma. É a beleza da austeridade, da simplicidade.

É fácil falar das avenidas constituídas de porcelana, mas importa ter em vista o outro lado dessas concepções. Certas brumas, como as de algumas cidades poluídas, são feias. Porém, como é bonito imaginar o “Big Ben” emergindo em toda a sua elegância de dentro das névoas londrinas! E assim, vários contrastes nos fazem ver a necessidade de um extraordinário senso das coisas, para se captar tudo isso sem correr o risco de errarmos em nossa avaliação.

Nessa linha de considerações, vale dizer que é próprio do oriental, quando ergue um lindo palácio, pensar o seguinte: “Isso eu fiz, mas poderia construir outra coisa mais bela…”. E seu charme está em que ele sempre imagina algo de maravilhoso, superior, a ser realizado.

Já quando se analisa o ocidental, e mais especialmente o europeu, no interior de um palácio que construiu, ele ali é a obra-prima. Não podemos imaginar uma Maria Antonieta sonhando com um Versailles mais bonito. Ela sonhava em ser mais ela mesma ali dentro. É outra escola, outro rumo, outra avenida para  espelhar as magnificências de Deus.

Grandeza dos povos no Reino de Maria

E devemos muito tomar essas verdades em consideração, para sabermos qual a maravilha das maravilhas convirá melhor para o Reino de Maria. Será uma asiatização, isto é, uma nota asiática a vibrar sobre o mundo inteiro? Ou haverá outras características possíveis? Quais e como serão? Até que ponto elas se inspirarão nas notas que povos diversos deixaram?

Tais perguntas precisam ser ventiladas, para se entender a vastidão do tema em que nos movemos, e para raciocinarmos, em vez de sonhar. Porque não estou sonhando, mas pensando.

Então, para cogitarmos sobre essa futura era marial, não sabemos em que nações a Santíssima Virgem recolherá materiais para o reino d’Ela. Certa vez me caiu nas mãos um álbum cuja capa trazia a fotografia de um afegão. Era uma plenitude terrena de homem, extraordinária! Logo me veio o intenso desejo de converter aquele povo, como quem toma um objeto precioso e diz: “Esse vai para o altar de Nossa Senhora!”. De fato, é maravilhoso imaginar uma ordem religiosa ou um movimento de leigos católicos, constituídos nesse povo com tal plenitude humana de força, de equilíbrio, de bom senso.

Uma coisa será esse Reino de Maria se realizando inteiramente no Brasil, outra nas nações irmãs da América espanhola, outra nos Estados Unidos, outra no Canadá, etc. Quais serão os elementos humanos com que esse Reino será edificado?

Tudo isso entra em junção para se compreender como será essa época áurea da Cristandade, existindo sob a maternal benevolência de Maria e sob uma particular ação do Espírito Santo nas almas, porque será o Reino de uma plenitude de graça, de senso católico, de amor à Igreja e a Nosso Senhor Jesus Cristo, como não podemos fazer ideia…

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 73 (Abril de 2004)

Intercâmbio de mentalidade entre Mãe e Filho

A cidade de Genazzano está construída numa montanha, no alto da qual se ergue a Basílica de Nossa Senhora do Bom Conselho, onde se encontra o belíssimo afresco, trazido no século XV pelos Anjos desde Scútari, na Albânia.

 

Temos aqui uma vista da cidadezinha de Genazzano. Bem no centro e no alto encontra-se o campanário e o corpo da igreja e, depois, vemos a cidade que se pendura nas encostas dessa pequena montanha. Eis uma das razões do pitoresco dessa cidade.

O extremo pitoresco do urbanismo “genazzaniano”

Genazzano foi, outrora, uma cidade fortificada e era uma espécie de feudo dos Príncipes Colonna. No período das guerras feudais, ela teve que enfrentar várias dificuldades, diversos cercos, e por causa disso a população procurava concentrar-se dentro da cidade, encostando-se as casas, umas nas outras, tanto quanto possível. O melhor meio para uma fortificação defender-se com facilidade era localizar-se no alto de uma montanha; ora, os altos das montanhas são naturalmente estreitos, pequenos. Daí a necessidade de fazer as ruas o mais possível estreitas e com um traçado sinuoso, pelo qual se adaptem ao modo com que cada casa consegue pendurar-se no morro. Aí está o extremo pitoresco do urbanismo “genazzaniano” — se assim podemos chamar —, que vamos examinar.

Veem-se restos de muralhas, pois com o desaparecimento das guerras feudais e do perigo de invasões normandas, árabes, etc., as muralhas foram caindo, mas a cidade continuou assim, agarradinha às encostas e deitando uns prolongamentos para o sopé da montanha.

Foi no alto desse local que uma ardorosa devota da Mãe do Bom Conselho, Petruccia Nora, quis construir uma igreja de acordo com revelações e visões recebidas, e que deveria ser num lugar onde havia uma capela, em estado de deterioração, em louvor de São Brás, bispo e protetor contra os males da garganta.

Aí pousou, em certo momento, em meio a coros angélicos cantando e nuvens luminosas, a imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho que tinha atravessado o Mar Adriático, acolitada pelos dois albaneses que a seguiram desde Scútari, na Albânia, caminhando milagrosamente sobre as águas.

É-nos grato tomar em consideração que no lugar onde está, na igreja, o altar de Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano, a imagem baixou, e imaginarmos a cena: esse burgozinho efervescendo de alegria com as graças todas que se derramavam do Céu, de um modo sensível através das músicas, das nuvens, etc., e o triunfo de Petruccia, posteriormente sepultada na igreja, na qual há uma lápide comemorando-a.

Elegância que tem poesia

À primeira vista, quem olhasse essas construções poderia fazer uma objeção: “Isso é um espaço mal aproveitado, a cidade não deveria ter sido construída aí, as casas ficam se encostando, por assim dizer “acotovelando-se” umas nas outras; a população fica mal servida de espaços; as ruas têm que ser sinuosas e, portanto, feias; não há um plano de conjunto. Pelo contrário, se se fizer uma cidade dividida como um tabuleiro de xadrez, em quadradinhos, com espaço horizontal bem amplo, grandes avenidas e um trânsito abundante passando por aí, fica muito mais bonito!”

Ora, isso daria nessa banalidade que todos conhecemos. Pensemos, por exemplo, em uma grande avenida de São Paulo e façamos a comparação: Genazzano é pitoresca, dá vontade de ir visitar. Pelo contrário, diante da grande avenida sentimos vontade de bocejar.

Vemos nesta outra fotografia, tirada de dentro de um restaurante, um panorama muito bonito, montanhoso, variado e, felizmente, pouco cultivado pelo homem. É curioso, mas às vezes a cultura do homem embeleza e às vezes torna sem graça uma determinada paisagem. Aqui se tem a impressão de que as coisas continuam como eram quando saíram das mãos de Deus.

Em outra foto aparece uma parte da muralha, uma fontezinha com chafariz, que está ao lado de uma espécie de reservatório. Nota-se na muralha certa preocupação de elegância. Vejam as ameias, cuja finalidade é permitir que o defensor da cidade se proteja dos projéteis lançados pelo adversário, escondendo-se atrás disso que poderíamos chamar vagamente uns “Vs”; e na hora de ele mesmo atirar, aparece depressa e joga qualquer coisa, depois volta para trás.

Entretanto, esses “Vs” são mais altos do que costumam habitualmente ser em fortificações dessa natureza, para tomar assim uma forma de elegância que tem certa poesia.

Observem as paredes. São fortificações belíssimas. A vegetação se introduziu em todas as frinchas que separam uma pedra da outra. Onde um pouco de terra pousou, uma semente se deitou, uma planta nasceu e assim aquela que poderíamos chamar quase de torre é felpuda de vegetação.

Do lado de cá, há uma porta que outrora fora aberta, mas provavelmente por razões de defesa resolveram fechar. Junto a ela está tudo ajardinado e arranjadinho, a fonte está bem conservadinha sobre uma bonita coluna que sustenta a bacia, e tem-se aí um golpe de vista muito interessante.

Ruas estreitas em zigue-zague, terraços floridos

É especialmente interessante o fato de terem conservado a muralha e, com o desaparecimento das guerras, ter-se formado um pouco de cidade de um lado e do outro dela; e, para maior comodidade, foram retirados os batentes da porta, que não é mais necessário fechar, pois os inimigos desapareceram. Contudo, a muralha permanece. Vejam como é interessante esta “piazzetta” localizada logo depois da muralha, em cujo andar térreo vê-se uma janela com cortininhas e um toldo. Trata-se, provavelmente, de um restaurante muito barato, de comida nada “raffinée”, mas saborosa, onde o povo engorda tanto quanto pode, comendo e bebendo, conversando, exclamando e, pela vocação um pouco oratória do povo italiano, declamando também.

Neste outro aspecto da cidade, vemos um claro exemplo do que falávamos há pouco sobre as ruas apertadas, estreitas. Aqui foi concedido ao fator “rua” o menor espaço possível, para poder caber dentro das muralhas o maior número possível de habitantes.

Vejam como a rua se torna, assim, sinuosa, desenvolvendo-se numa espécie de zigue-zague. E, para aproveitar mais o espaço, por cima da própria rua constroem pontes onde deve haver quartos com gente habitando.

Como habitação, não é muito diferente de uma favela de pedra. Entretanto, não se tem a impressão de miséria e para lá vão turistas para ver o pitoresco dessas mansões humildes. Notem como as ruas são limpas, os lugares arejados e como as pessoas moram um pouco ou muito apertadas ali dentro, mas alegres e com o espírito gaiato, satisfeito, cantam, evidentemente.

Isso aqui está fotografado à luz do dia, porém é ainda mais bonito sob o luar. Exatamente, nós visitamos isso ao luar, e fica um verdadeiro encanto! Não é só quando a Lua nasce “por detrás da verde mata”, que ela é muito bonita. Ela é bela em todas as circunstâncias: “pulchra ut luna, electa ut sol”(1), diz a Escritura num trecho aplicado pela Igreja a Nossa Senhora. Sob o luar essa paisagem urbana adquire certo ar de mistério, e um transeunte que anda sozinho por essas ruas, à noite, com uma capa, o rosto meio embuçado e com um passo apressado, não se sabe se é um mensageiro que está trazendo uma mensagem secreta, um aventureiro a fugir de uma polícia, ou simplesmente um habitante do lugar, um pouco teatral… É a poesia de Genazzano.

Na Itália, como em outros países da Europa, existe a preocupação frequente de florir os terraços. Vemos nessa residência como tudo está enfeitadinho, indicando o prazer e a alegria de viver, o gosto de ter uma vida razoável e alegremente ornada, dentro de certa pobreza. É o contrário da revolução social marxista, com os punhos fechados, ameaçando revolta e morte.

Aqui vemos uma porta e, no alto, um brasão com uma coroa.

Nos edifícios antigos era comum porem-se coroas, escudos, ainda que não pertencessem às famílias nobres, mas, por exemplo, à municipalidade. Elas ostentavam uma coroa, não feita de ouro e prata, mas de pedra, representando, em ponto pequeno, a muralha, símbolo da autonomia da cidade. Tanto quanto a minha vista me permite discernir, não há sobre esta porta uma coroa nobiliárquica, mas municipal. Entretanto, vejam como ela ficou agradável de ver em cima dessa entrada. É a pequena e modesta pompa de um vilarejo consciente de sua dignidade.

O teto, a mesa de Comunhão e o quadro da Mãe do Bom Conselho

Vemos aqui o interior da igreja. O afresco de Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano está à esquerda. Nota-se do lado esquerdo alguns arcos grandes que, à primeira vista, parecem vedados por um grande cortinado; mas não é cortina, e sim um gradeado muito bonito, sólido e bem desenhado, que defende por todos os lados a imagem de eventuais atentados durante a noite. Assim, a sagrada imagem fica ao resguardo de qualquer ladrão que queira vendê-la, de qualquer devoto indiscreto que deseje fazer com ela uma extravagância, inspirado por alguma piedade mal entendida, ou de qualquer blasfêmia de algum profanador.

A igreja tem um tom de seriedade que lembra a Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em São Paulo. Na parte do fundo, vê-se a capela-mor, o presbitério e dois altares — o altar onde estão as velas, e aquele onde se encontra o Crucifixo é o altar antigo.

O teto não cai perpendicularmente, mas à maneira de uma semi abóboda, cujo desenho é mais ou menos entrevisto pelo arco que há no alto, na entrada do presbitério, e que se repete depois. Aqueles losangos e os desenhos dentro deles não são pintados, e sim feitos em alto-relevo muito fino, muito bonito e distinto, sem aqueles transbordamentos demagógicos e um tanto cafajestes que o Renascimento tem, mesmo quando procura ser aristocrático. Aqui não: esse adorno é muito discreto e distinto, como convém às coisas sacrais.

A mesa de Comunhão é de um mármore de muito boa qualidade, concebida segundo uma inspiração muito justa e verdadeira, do ponto de vista teológico. Dado que o Santíssimo Sacramento é Nosso Senhor realmente presente sob as espécies eucarísticas, o padre dar a Comunhão e o fiel recebê-la constituem um ato tão alto, de uma elevação infinita — porque Nosso Senhor Jesus Cristo, Homem-Deus, é Aquele que é dado e recebido — que seria próprio aos Anjos segurarem o pano da mesa de Comunhão.

Por isso, é muito bonita a ideia de representar a mesa de Comunhão como um pano improvisado, sustentado poeticamente por anjos, não esticado, mas com umas ondulações bonitas esculpidas no mármore.

Desagrada, entretanto, o fato de serem representados uns anjos travessos, sem seriedade, nada daquilo que se pode imaginar de um Príncipe na presença de Deus por toda a eternidade. Isso desdoura e entra em contraste com toda a respeitabilidade autêntica, muito maternal e afável da igreja.

Ao fundo da nave esquerda, na capela guarnecida de grades fortes e distintas, de que falamos há pouco, e cujas paredes estão revestidas de mármores particularmente bonitos, encontra-se o nicho com o quadro de Nossa Senhora do Bom Conselho.

A imagem é altamente expressiva e deixando transparecer esse convívio maternal, silencioso, de longas e longas horas entre Ela e o Menino Jesus, e uma espécie de consenso mudo entre ambos a respeito de toda espécie de coisas, de temas, indicando a união intimíssima de almas da mais alta das meras criaturas, que é Maria Santíssima, com Aquele que, enquanto Homem é criatura, e na sua natureza divina é o Criador. Isso tudo vivido na simplicidade das relações, Mãe e Filho. É o tipo de relação mais simples, mais espontânea, mais natural e mais íntima que o espírito humano pode conceber.

Há nessas duas figuras uma espécie de silêncio vivo pelo qual não dão a impressão, nem um pouco, de meras pinturas. Não se pode retratar melhor o intercâmbio de afeto, de mentalidade e quase de vitalidade entre Mãe e Filho do que essa imagem representa.

Imagem do Beato Stefano Bellesini

Em uma capela contígua à igreja encontra-se um altar com os restos mortais do Bem-aventurado Stefano Bellesini, sacerdote agostiniano que viveu em meados do século XIX(2). É o grande devoto de Nossa Senhora de Genazzano.

Tanto quanto a minha experiência faz notar, essa devoção tem como que eclipses. Quer dizer, há momentos em que ela é muito sensível, e a esperança de ser atendido pela intercessão de Nossa Senhora do Bom Conselho é fácil, alegre e luminosa. Em outras ocasiões fica difícil, essa esperança não é sensível e torna-se necessária uma grande força de alma para se perseverar na confiança.

Para praticar esta virtude com este grau enérgico de confiar, quando todas as impressões de caráter sobrenatural se apagam em nós para nos provar, a intercessão do Beato Stefano Bellesini que, com certeza, foi exímio nisso, nos é muito favorável. Eu rezo a ele mais de uma vez por dia, e recomendo muito que rezem também.

A atitude dele nessa imagem de cera que reveste suas relíquias é muito calma, tranquila, de quem já está elevado às tranquilidades eternas do Céu.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 9/11/1988)

1) Do latim: bela como a Lua, incomparável como o Sol (Ct 6, 10).
2) * 1774 – † 1840.

A perfeição — no homem, nas nações

De uma canção de gesta medieval — “La Chanson de Roland” — Dr. Plinio colhe vívidos exemplos para nos mostrar como devemos amar as virtudes teologais e cardeais, admirando-as tal como existiram e existem nos indivíduos e nos povos.

 

Em nossa trajetória na vida espiritual, amaríamos mais a perfeição e para ela tenderíamos, se não tivéssemos uma ideia incompleta a seu respeito.

Excelências de alma, refletindo-se no corpo

A perfeição é uma ordem de coisas íntegra. Não podemos dizer que algo imperfeito seja íntegro. Perfeição e integridade são termos correlatos. Entretanto, a palavra “perfeição” torna-se vazia — diz-se em latim um “flatus vocis”, um som da voz — e não desperta nossa vontade de atingi-la, se não soubermos, antes de tudo, responder à pergunta: perfeição do quê?

Da alma humana, bem entendido. E, portanto, da perfeição do homem.

Trata-se da excelência do espírito, que estende sua in- fluência também ao corpo. Embora não o leve à mesma perfeição, posto estar ele sujeito a mil misérias, marca-o com uma nota especial, inconfundível, de maneira que, quando o físico é belo, a riqueza moral transparece nele de um modo magnífico, fazendo-nos exclamar: “Que ser estupendo!”

Já quando o corpo é menos favorecido, apresentando lacunas e defeitos, ainda assim a perfeição moral o assina- la tão excelentemente, que somos levados a comentar: “Oh alma!”

Análise teórica

Para melhor compreendermos como devemos amar a perfeição, apresentarei primeiro a formulação teórica, seguida de alguns exemplos concretos.

A perfeição moral é a santidade. E santidade é a prática em grau heroico das três virtudes teologais — Fé, Esperança e Caridade —, das quatro cardeais e das que delas decorrem. As virtudes teologais nos orientam para o Céu; as cardeais nos indicam, tendo em vista a bem-aventurança eterna, como deve ser nossa atitude face às coisas da Terra.

Os dez Mandamentos são as virtudes teologais e cardeais aplicadas a cada ramo concreto da ação humana, que constituem o nosso edifício moral e espiritual.

Tanto me compraz conceber e admirar no plano teórico essas verdades de ordem moral, que eu gostaria, se fosse desígnio da Providência, de dar minha vida por tais princípios.

Mas, se não houvesse outro meio de perceber a excelência dessas virtudes a não ser no plano da teoria, eu fi- caria entristecido. Não objetante, mas contristado. Porque minha alma quereria considerar essas virtudes também

de outra maneira. Seria mais ou menos como se, por um binóculo de longo alcance, capaz de transpor as eras históricas passadas, eu visse Roland tocando olifante em Roncesvalles. Sem dúvida, desejaria contemplá-lo nessa atitude. Porém, possuindo eu uma faculdade cognoscitiva que não é apenas visual, mas também auditiva, quereria outros- sim ouvir a música que ele tira do instrumento. Por quê? Porque o binóculo teria posto ao alcance dos meus olhos um homem usando seu olifante, dando-me a conhecer alguns aspectos da sua alma, pelo modo como ele toca. Ora, a música executada reflete outros lados dessa alma, e não a ouvindo, fico privado de melhor apreciar o espírito de Roland.

Analogamente, minha alma é capaz de perceber a virtude de várias maneiras, pelo que, após ter discernido esta pelo binóculo inconfundível da doutrina, ela também quereria contemplá-la por outros lados. Do contrário, alcançaria o conceito de perfeição, mas sem compreendê- lo inteiramente. E diria: “Não vi de modo cabal. Faltou algo a meu amor”.

Carlos Magno: exemplo de busca da perfeição

Para ilustrar essa doutrina, e mostrar como se pode discernir a Fé, a Esperança e a Caridade, bem como as demais virtudes em determinada alma, tomemos um exemplo da época medieval.

Acima evocamos a figura do valoroso Roland. Tão superior a este foi o seu Imperador, o homem colocado no píncaro onde sopram todos os ventos da História e todas as grandezas se reúnem: Carlos Magno. Herói, lançado na vida pública desde a juventude, ainda hoje exerce uma ação diretiva profunda nos acontecimentos históricos.

Na gloriosa existência do grande Carlos houve um episódio que a marcaria de modo doloroso e indelével. Tal fato inspirou a célebre Chanson de Roland, talvez a mais bonita canção de gesta francesa.

Após sagrar-se vitorioso em duros confrontos na Espanha, o Imperador comandava a retirada de seu exército, tendo confiado a retaguarda aos cuidados de seus Pares, capitaneados por Roland e Olivier. Ora, os inimigos, conluiados com o traidor Ganelon, vieram ao encalço dos franceses, armando-lhes uma emboscada no desfiladeiro de Roncesvalles.

Olivier era considerado o homem sage (sábio), e Roland, o herói, o “preux” (capaz de fazer proezas), embora houvesse um entrelaçar dessas virtudes em ambos. Quando os dois perceberam a superioridade numérica do adversário que os atacava, Olivier pergunta a Roland:

“Sire, mon frère” (eles se tratavam de “senhor” e também de “irmão”), não seria o caso de soar o olifante para chamar Carlos?

O sentido da questão posta por Olivier era: “Afinal de contas, devemos pedir ajuda ao Imperador”.

O “preux” Roland respondeu:

Não. Todos os barões da doce França se ririam de nós, se mandássemos vir Carlos.

Diz o sage:

Mas o risco que enfrentamos é grande!

Sim, mas podemos desdourar o nome da cavalaria francesa, e por causa disso não o chamo.

Como Roland era o chefe, assim ficou decidido. Quando as tropas inimigas aparecem, eram elas tão numerosos que não havia mais saída. Então, Olivier, sem nenhuma palavra de recriminação ao companheiro de armas, com muito afeto lhe diz:

“Mon doux frère” (meu caro irmão), lembre-se que foi porquê…

Queria com isso significar que o resultado desastroso do combate se devia a não terem contado com o socorro do Imperador.

De fato, os franceses foram exterminados. A flor do exército de Carlos Magno ali pereceu, inclusive o Arcebispo Turpin, batalhador dotado de uma “force de frappe” (força de ataque) tão extraordinária que deixava Roland e Olivier pasmos.

Carlos e o restante dos seus cavaleiros regressam a Roncesvalles e chegam, não propriamente ao campo de batalha, mas a uma campina próxima. Diz a Chanson que o Imperador estava “retorcendo a barba de rancor e de tristeza, porque Roland e toda a retaguarda haviam morrido”. Ou seja, apesar de o grande monarca querer com entranhado amor a todos os seus guerreiros, para ele era como se apenas Roland tivesse perecido, porque este resumia toda a retaguarda.

Eles apeiam dos cavalos, tiram as armaduras e deixam tudo espalhado pelo chão. Carlos, porém, monta nova- mente e se distancia, sem dizer palavra. Percebendo para onde ele se dirige, todos o seguem. O Imperador vai ao campo de batalha a fim de reconhecer os restos de Roland, de Olivier e dos outros dez Pares. Vai chorar sobre eles e a grande parte do exército da França que ali perderam a vida em renhido confronto.

A Chanson de Roland é muito discreta, e não entra em detalhes sobre o estado psicológico de Carlos, após esse duro revés. Mas, podemos percebê-lo sem maior dificuldade. Até então, os Pares prestavam reverente e solícito serviço ao seu Imperador, ajudando-o em tudo no mister das armas. Agora, para lhe aprestar o cavalo, segurar-lhe o estribo, apresentar-lhe as luvas e o ajudar a montar, havia guerreiros de segunda ordem, soldados de pequena nobreza, ou mesmo um duque ou outro súdito de título importante, que não tinham dado provas de valor como o fizeram aqueles grandes Pares.

O Imperador recebe esses serviços e, à frente de uma tropa de menor categoria, retoma sua vida de batalhas, como se os doze Pares ainda estivessem com ele…

Homem maduro, não conquistara todavia tudo o que tinha a dominar. A flor do seu exército, o melhor instrumento de sua vitória morreu sem ele ter terminado a sua obra. Oh! tragédia!

Fé, Esperança e Caridade num Carlos que não desanima

A Chanson insinua o problema. Quando combatiam os Pares, ela narra suas proezas. Depois que estes desa- pareceram, ela canta o que Carlos faz diretamente. Ele substituiu seus valorosos guerreiros e escreveu todo o futuro da França, mesmo abalado pelo golpe terrível de Roncesvalles.

Pela coragem um pouco imprudente de Roland — este deveria ter ouvido Olivier — e por todas as outras circunstâncias, a obra de Carlos na Espanha estava arrasada. Coisa amarga: o par mais fiel e amigo, sobrinho dele, cometeu a imprudência que causou a derrota de seu exér

ele, suscitando uma outra França atrás de si, que prosseguiu a luta.

Durante o auge da sua epopeia, nalgum momento em que ele estivesse sentindo uma falta como que irreparável dos seus valentes, Carlos teria se perguntado: “Essa gente que me segue, dará origem a novos Pares? Há uma nova França nesses soldados que agora me obedecem, ou são apenas um resto que me acompanha? Estarei combatendo à toa?”

É uma questão que não pode ter deixado de saltar ao espírito dele — e quantas vezes! — durante a batalha.

Nisso tudo há um Carlos que não desanima, imbuído de Fé, Esperança, Caridade, e que sabe serem necessários

tos de abnegação como esses. Não há glória no mundo que os pague. Pois, considerando apenas o aspecto natural, ele teria vontade de dizer: “Não quero saber de mais nada, está tudo liquidado, eu vou para uma ilha no Mediterrâneo!”

Mas, há algo que pague: a Fé. Porque se Deus me criou, Jesus Cristo me remiu e Nossa Senhora chorou por mim ao pé da Cruz, minha dedicação deve ir até o fim. Pela Igreja Católica farei qualquer coisa.

Temos, então, alguns aspectos da vida de Carlos, o grandioso. E assim, com exemplos concretos, podemos melhor compreender a Fé, a Esperança e a Caridade, que modelam as quatro virtudes cardeais e todas as outras.

O Reino de Maria

Em cada época da História, o Espírito Santo, atendendo pedido da Santíssima Virgem, concede aos homens a graça de um equilíbrio de virtudes com determinada nota, correspondendo, suponho eu, a algo que brilha especialmente no Sapiencial e Imaculado Coração de Maria. Isto constitui uma espécie de beleza própria que marca as formas de arte, de beleza, de civilização, de gosto, de força, de sabedoria, de êxito, de cada era histórica.

Analogicamente, como as pessoas, as nações têm virtudes, mentalidades, etc., e podem se tornar santas durante cem, duzentos anos ou mais, e engendrar uma bio- grafia venerável que se chama História. É em torno do ponto ápice da alma de cada nação, de sua luz primordial(1) brilhando até onde deve, que todas as ordenações e pulcritudes dela têm seu desdobramento completo.

Daí nasce a pergunta: para se prever como será aquela civilização arquetípica prenunciada por São Luís Grignion — o Reino de Maria —, tem-se que indagar como, em réplica da Revolução, virá a afirmação da Contra-Revolução que deixará pasmos a muitos.

O que Nossa Senhora excogitará e o Divino Espírito Santo concederá para acontecer isso? Como será esse “pulchrum” central, o “lumen Mariae”, o mais belo do “lumen Christi” que iluminará aquele Reino? Deverá ser algo em torno dessa verdade: a formosura de alma é o fundamento da beleza de toda era histórica.

Concluo, fazendo notar como essas considerações tornam a virtude muito bonita, deleitável, e desperta em nós a vontade de conviver com ela, de possuí-la. Dessa vontade vem o desejo da perfeição. E quem para esta tende seriamente, procura estar junto aos que a cultivam. Aquele que procura a companhia dos imperfeitos, porque é divertido, etc., está errado e deve retificar o caminho dos seus passos.

 

Escrita no século XI, enaltece o heroísmo e a honra dos doze Pares do Imperador Carlos — entre os quais se desta- cava Roland —, mortos na batalha de Roncesvalles, em 15 de agosto de 778.

Revista Dr Plinio 74 (Abril de 2004)

1) Sobre o conceito pliniano de luz primordial, ver “Dr. Plinio” nº 54, p. 4.

Por que a verdade desperta ódio?

O tema é incômodo, razão pela qual muitas pessoas preferem escamoteá-lo. Contudo, ou ele é elucidado, ou jamais conseguiremos compreender certas atitudes e posições de nossos semelhantes,  especialmente quando confrontados com a doutrina católica. Dr. Plinio vai à procura da explicação.

 

Um leitor simpático me pede que explique por que a Igreja apesar de ser a pregoeira da Verdade tem sido tão combatida ao longo de sua história. Quer ele saber também por que são tão combatidos, em nossos dias, os católicos verdadeiros, que não pactuam com os erros do século, e se mantêm fiéis ao ensinamento imutável de Nosso Senhor Jesus Cristo. 

Parece-me que o leitor poderia ter ampliado ainda mais o campo de sua pergunta. As perseguições feitas contra a Igreja e os verdadeiros católicos de nossos dias, são prolongamento histórico das que sofreu Nosso Senhor Jesus Cristo. Como explicar que o Homem-Deus, que é a Verdade, o Caminho e a Vida, tenha sofrido perseguição, a ponto de ser crucificado entre dois vulgares ladrões? 

A esta pergunta responde luminosamente um dos maiores doutores de todos os tempos, o grande Santo Agostinho, bispo de Hipona. Reproduzo aqui adaptando-o ligeiramente, para mais fácil intelecção do leitor contemporâneo o ensinamento do Doutor dos séculos IV e V. 

Comentando a célebre palavra de Terêncio: “A verdade engendra o ódio”, Santo Agostinho (Confissões, Livro X, Cap. XXIII) pergunta como explicar fato tão ilógico. Com efeito, diz ele, o homem ama naturalmente a felicidade. 

Ora, esta é a alegria nascida da verdade. Assim, é uma aberração que alguém veja um inimigo no homem que prega a verdade em nome de Deus. 

Assim enunciado o problema, o Santo Doutor passa à explicação. A natureza humana é tão propensa à verdade que, quando o homem ama algo de contrário à verdade, ele quer que este algo seja verdadeiro. Com isto, cai em erro, persuadindo-se de que é verdadeiro o que na realidade é falso.

Assim, cumpre que alguém lhe abra os olhos. Ora, como o homem não admite que se lhe mostre que se enganou, por isto mesmo não tolera que se lhe demonstre qual o erro em que está. E o Doutor de Hipona observa: por esta forma, certos homens odeiam a verdade, por amor daquilo que eles tomaram por verdadeiro! Da verdade eles amam a luz, não porém a censura… Eles a amam quando ela se lhes mostra, eles a odeiam quando ela lhes faz ver o que eles são.

Por sua deslealdade, tais homens sofrem da verdade a seguinte punição: eles não querem ser  desvendados por ela, e sem embargo ela os desvenda. E contudo ela, a verdade, continua velada aos olhos deles. É assim, é precisamente assim que é feito o coração humano. Cego e preguiçoso, indigno e desonesto, ele se oculta, mas não admite que nada lhe seja ocultado. Assim lhe sucede que ele não consegue fugir dos olhos da verdade, mas a verdade foge dos olhos dele. Com estas palavras, conclui Santo Agostinho o seu magistral comentário. 

Plinio Corrêa de Oliveira (Excertos transcritos da Folha Santo Agostiinho de S. Paulo, de 23/4/1972) 

Corpo, Sangue, Alma e Divindade… – II

Nossa ação de graças quando comungamos deve ser completa. Além de adorarmos Nosso Senhor Jesus Cristo, devemos prestar-Lhe também os outros atos de culto. A seguir, em continuação ao artigo publicado no mês anterior, Dr. Plinio nos sugere uma maneira de agradecermos tão grande dádiva.

 

Qual é a razão de ser da ação de graças após a Comunhão?

Ação de graças

A ação de graças é um ato de justiça, e quem não a faz é injusto.

Quando se recebe um dom muito grande, o qual não é o pagamento de uma ação boa que se fez, mas vai muito além, deve-se dar ação de graças.

Imaginemos um homem que é banhista, o qual deve ajudar as pessoas a tomarem banho de mar. Antigamente havia essa profissão. Esse banhista acompanha no mar um grupo de pessoas e evita que uma delas morra afogada. Não tem propósito que esta, chegando à praia, diga: “Olha, você foi o meu salvador”. Porque o banhista é um profissional pago para isso, e aquela pessoa não entraria no mar a não ser com ele; o banhista não expôs sua vida, fez apenas algo simples, não um favor. Ao final, ela poderia dizer: “Obrigado. Até logo, aqui está o seu dinheiro”.

Entretanto, se uma pessoa está se perdendo no mar e um homem se atira na água com todo o risco, salva-a e a conduz para a praia, a primeira coisa que ela deve dizer-lhe é: “Muito obrigado”. Trata-se de um dever de justiça.

Vou indicar alguns favores que Nosso Senhor nos fez. O primeiro: não existíamos e, por sua onipotência, Ele nos criou. Isso é mais do que salvar a vida. Um homem que salva minha vida adia uma morte que, ao cabo de algum tempo, terei. Quem me criou deu-me a vida da alma, a qual nunca deixarei de possuir. Eu, Plinio Corrêa de Oliveira — como todo ente humano — jamais deixarei de existir. Enquanto Deus for Deus, eu serei. Na Comunhão, Ele vem a mim e eu não agradeço?

Segundo favor: Ele Se encarnou, tornando-se homem com a mesma natureza de cada um de nós. E o faria por um só de nós. Isso é extraordinário, e devo agradecer.

Terceiro: Nosso Senhor nos libertou da escravidão do pecado, derramando todo o seu Sangue e morrendo na Cruz. Podemos pensar, por exemplo, no momento em que Ele disse: “Eli, Eli, lammá sabachtáni — Senhor, Senhor, porque me abandonastes!”(1) E depois, inclinando a cabeça, Jesus expirou. Aquela dor última, pior do que todas as outras; aquele estraçalhamento final em que a alma se separa do corpo; aquela sensação de abandono em que até o Padre Eterno parecia O haver deixado: tudo isso Ele sofreu como se fosse só por mim, Plinio. O Redentor está presente em mim e não vou agradecer-Lhe?

Quarto: vendo a infinita distância entre Ele e eu, Jesus deu-me sua Mãe para ser também minha Mãe. Quando o Salvador disse a São João: “Filho, eis aí tua Mãe”(2), e a Nossa Senhora: “Mulher, eis teu filho”(3), Ele sabia que nós existiríamos. Fomos dados a Ela, e Maria Santíssima nos foi concedida naquela ocasião. Não vou agradecer?

Quinto: Ele me fez membro da Igreja Católica. É um favor inefável.

Sexto favor: o Redentor agora está presente em mim. Nossa Senhora é capaz todas as formas de gratidão em um grau inimaginável. Posso, então, dizer: “Senhor, sou filho de vossa Mãe. Pela devoção, Ela está presente em mim, recebei-A. Minha Mãe, dai-Lhe ação de graças como Vós sabeis fazer em nome de todos os homens”.

Reparação

Tratemos agora da reparação, a qual é uma das ações mais augustas que um homem pode praticar em relação a alguém que foi objeto de uma injustiça. Aquele que repara presta honra e, por esta honra, faz justiça.

Imaginemos que alguém, passando junto a mim, me diga um ultraje e não posso me defender. Um outro, sabendo disso, declara-me: “A respeito do senhor, afirmo tal coisa…”, que é o oposto daquele ultraje. A ofensa fica reparada pelo ato de admiração, de amor, que este último fez. Esse é o sentido da reparação.

A reparação elimina, por assim dizer, a falta cometida. Ela é um ato de justiça.

Quanto cada um de nós, por não ter correspondido à graça, deve pedir perdão e reparar, dizendo, por exemplo: “Senhor, fui incorreto para convosco em tal ocasião; em outra, talvez tenha chegado a pecar; isso me dói. Nesse momento eu Vos peço: aceitai o que há em minha alma de contrário a esse pecado. Fui negligente ouvindo um sermão ou uma prédica; acolhei agora meu desejo de bem aproveitá-los doravante. Se tive covardia diante de um inimigo vosso e não soube lutar contra ele, aceitai meu desejo de ser corajoso.

Meu Senhor, não basta o meu desejo, dai-me força para cumpri-lo. Fui mole, poltrão, relapso, mentiroso. Meu Deus, é possível até que eu tenha sido impuro. Aceitai a minha admiração pela lealdade, pela pureza. Tornai-me puro como Vós. Vós curastes a lepra, considerada a pior das doenças, a cegueira, a paralisia. E também as lepras, as cegueiras, as paralisias da alma. Perdoai a paralisia de minha alma preguiçosa, a lepra da alma impura, etc.

Aqui convém rememorar alguns pontos de meu exame de consciência. “Pelos rogos de Maria, tende pena de mim e dai-me a força que eu quero ter. Faço isto para reparar diante de Vós a ofensa que Vos fiz”.

Mais ainda. Devo considerar a Revolução(4), bem como os pecados por ela promovidos, e pedir perdão a Nosso Senhor.

Petição

Somente no final vem a petição. Muitas pessoas, logo que recebem Nosso Senhor, começam a dirigir-Lhe o petitório: “Eu quero isso, aquilo, aquilo outro”.

Às vezes, vendo-se pessoas comungarem nas igrejas, tem-se a impressão de que o primeiro pedido feito por alguma delas é: “Meu Deus, curai a minha dor de garganta, fazei que venha logo o ônibus para eu voltar para casa, que o meu marido seja promovido, que meu filho passe no exame, fazei, fazei, fazei…”

Não. Os pedidos precisam vir no fim. E deve-se começar por rogar os bens para a alma, depois os para o corpo. Porque a alma vale mais do que o corpo. Então, pedir graças tais como: fidelidade à vocação, muitos flashes(5), correspondência à graça, paciência com fulano, devido respeito para com sicrano, etc.

Depois os bens do corpo. Pode-se pedir saúde e uma série de outras coisas. Porém, o mais importante é rogar os bens da alma.

Deve-se sempre pedir os bens do corpo?

Depende do trabalho da graça em nossa alma. Às vezes Nossa Senhora nos dá vontade de sofrermos algum mal corporal para resgatarmos os nossos pecados e os pecados dos outros. Nesse caso, pedimos a Nossa Senhora que mantenha aquele mal do corpo para sofrermos em reparação de nossas faltas ou de outra pessoa. Quer dizer, deve-se pedir aquilo que tem propósito. As outras coisas, não.

Quem é tentado de inveja, deve pedir muito a graça de não ceder. A pessoa vê um colega da mesma idade que refulge como um sol, e ela é a estrelinha apagada que só brilha um pouco quando o sol vai se deitar. Ela cogita: “Mas meu Deus, eu gostaria tanto de ser aquele sol; como seria uma coisa magnífica!” Então, deve essa pessoa tentada dizer: “Meu Deus, Vós me destes pouco, e tanto a ele. Dou-Vos graças por terdes dado mais a ele. Dai um pouquinho a mim também, pois sois tão bom!”

Creio que todos ouviram falar do caso do Padre Antonio Vieira, famoso pregador português.

Ele era muito pouco inteligente e por isso não podia ser jesuíta, pois a Companhia de Jesus somente admitia quem possuía comprovada inteligência. O Padre Antonio Vieira estava rezando diante de uma imagem de Nossa Senhora — que eu vi num museu de Salvador, na Bahia; puseram-na num museu em vez de colocá-la num altar — e, de repente, teve um estralo na cabeça, mas de doer. 

tornou-se, creio eu, o mais inteligente dos homens que até aqui tenham falado em língua portuguesa. Simplesmente um colosso!

Maria Santíssima atendeu ao pedido dele.

Como seria bom, por exemplo, ter uma fotografia dessa imagem de Nossa Senhora e colocá-la num livro de estudos! Quando houvesse alguma dificuldade, rezar-se-ia à Virgem e se conseguiria entender melhor. Pode-se pedir na Comunhão que Nosso Senhor ilumine nossa inteligência.

Tudo terminado, diz-se “muito obrigado” a Nosso Senhor e a Nossa Senhora. É uma vênia final. Maria Santíssima é, de certa forma, como a mãe que temos em casa. Após o rei ter saído, digo-Lhe: “Minha Mãe, eu Vos agradeço…” E posso inclusive comentar com Ela a visita, com os pensamentos que estão em minha alma. E depois nos retiramos em paz.

Em minhas Comunhões, eu sempre inverto um pouquinho a ordem. No momento em que recebo a Hóstia, eu rezo um “Memorare” para pedir a Nosso Senhor — portanto, começo pedindo, mas é o único pedido que faço no início — aumento da devoção para com Nossa Senhora; e rogo por meio d’Ela. Sei que Maria Santíssima quer que minha devoção para com Ela aumente em cada momento.

Os que me vêem receber a Comunhão estejam certos: na hora em que a Sagrada Eucaristia pousa em minha língua, estou começando a rezar o “Memorare”. Isso não falha nenhuma vez. Logo depois, eu rezo interiormente o “Magnificat” para, por meio de Nossa Senhora, manifestar minha alegria porque Ele está dentro de mim. É uma forma de adoração esta alegria.

Depois, se não tenho nenhum ponto especial para considerar, eu faço adoração, ação de graças, reparação e petição.

Alguém poderia perguntar: “Além do aumento da devoção a Nossa Senhora, o senhor nunca começa pedindo alguma coisa?”

Sim, certamente. Porque essas regras gerais têm exceções. Nossa alma é viva e tem movimentos. Conforme estes, um princípio genérico pode ser alterado. Quando se está com uma grande aflição, pode-se começar por pedir que ela seja sanada. Por exemplo, a mulher adúltera que se encontrou com Jesus, quando alguns homens iam apedrejá-la. Ela não começou com a adoração, reparação, etc., porque aqueles indivíduos a apedrejariam. Mas disse de início: “Senhor, salvai-me porque estão querendo matar-me”. Ele foi bondoso e a salvou.

Nada na Igreja Católica, em Nosso Senhor Jesus Cristo, em Nossa Senhora, é ditatorial. É de bom alvitre seguir as regras que foram explicadas, quando algum movimento da alma muito vivo não nos indica o contrário.

Cada um deve proceder de acordo com o seu próprio modo de ser. Apresentei alguns princípios apenas com a intenção de ajudá-los, não de traçar uma linha de conduta obrigatória.

Resta-me apenas desejar que meus ouvintes, quando forem comungar, façam a preparação e a ação de graças com esse cuidado. A Igreja aconselha que se sigam esses quatro atos de culto, e eu lhes recomendo vivamente fazerem isso.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 16/7/1977)

 

1) Mt 27,46.
2) Jo 19,27.
3) Jo 19,26.
4) Revolução: Dr. Plinio assim denominava o processo multissecular que procura destruir a Igreja e a civilização cristã (cf. Revolução e Contra-Revolução, Editora Retornarei, São Paulo, 5ª edição em português, 254 páginas.)
5) Cfr Dr. Plinio, Nº 55, página 16.