Ao contemplar as aparições de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré, Dr. Plinio ressalta o caráter profético de suas mensagens e a afabilidade e a inocência que transparecem nas narrações da Santa.
Devemos começar agora o comentário dos fatos que se relacionam com a aparição de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré.
Ângulo de análise dos fatos precedentes às aparições
Para acompanhar bem o assunto é preciso conhecer a situação geral da França e da Europa naquele tempo, porque se trata de uma série de revelações de caráter profético, neste sentido da palavra: elas se deram em 1830 e Nossa Senhora previu fatos — naquele tempo mais ou menos improváveis — que se dariam em 1870, quarenta anos depois, exatamente.
Os fatos tinham muita relação um com o outro e, debaixo desse ponto de vista, essas aparições interessam de um modo todo particular, porque a revolução de 1830 é apresentada por Nossa Senhora como sendo o primeiro sinal de um conjunto de desordens na França, que haveria de culminar com uma revolução em 1870.
A revolução de 1830 foi liberal. A de 1870 foi a chamada Comuna de Paris, e talvez se possa dizer a primeira revolução comunista na Europa, se não se considerar a Revolução Francesa como uma revolução comunista.
Isso é outra questão. Habitualmente não era tida como comunista. Hoje muitos historiadores reconhecem que ela, chegando ao seu auge, tomou o caráter, o espírito comunista pelo menos.
Enfim, deixando isso de lado, é, portanto, a ideia do liberalismo gerando o comunismo que é apresentada de algum modo pelas revelações. Ideia que se relaciona tanto com a RCR e com as preocupações habituais do Grupo, que eu não poderia deixar de realçar isto desde o começo.
Tática revolucionária de Napoleão
Qual era a situação da França e da Europa em 1830? Era a seguinte. A Revolução Francesa deve ser considerada como um grande movimento revolucionário que começou em 1789, simbolicamente, com a queda da Bastilha e que, verdadeiramente, teve seu fim em 1815, quando Napoleão caiu pela segunda vez.
Napoleão é tido por muitos como o contrário da revolução, porque ele impôs ordem à França quando ela estava no caos e na desordem. Mas a questão é que Revolução não é apenas desordem, caos, é também uma ordem material na qual se impõe que as coisas fiquem de cabeça para baixo. E foi exatamente o que Napoleão fez.
Ele aproveitou a ordem que ele impôs e aproveitou o prestígio das vitórias militares que alcançou para impor à França, de modo estável, uma série de transformações que a Revolução Francesa introduziu, mas que eram mal aceitas pelo povo. Em algumas coisas Napoleão recuou em relação à Revolução Francesa, em outras coisas ele impôs. E isto fazia parte do jogo: ceder algo, mas tornar algo definitivo e irremediável.
Revanche da Revolução
Em 1815 se dá a Batalha do Waterloo, Napoleão é mandado para Santa Helena, e a ordem na França gira: os Bourbons são restaurados e reinam de 1815 a 1830.
A restauração dos Bourbons se deu na pessoa de Luís XVIII, um irmão de Luís XVI. Ele foi sucedido por Carlos X, que reinou de 1824 até 1830, um reinado rápido. Em 1830 houve uma revolução de caráter liberal que destituiu Carlos X, tido como um rei reacionário e ultramontano.
Em seu lugar foi colocado um parente deles, o Duque de Orleans, que não tinha direito à sucessão ao trono e que reinaria de 1830 a 1848. A introdução de um rei ilegítimo, de ideias conhecidamente liberais, representava uma revanche da Revolução.
Podemos dizer que a Revolução deu um grande passo para trás com a restauração dos Bourbons; fez meio passo para frente com a implantação da monarquia burguesa de Luís Felipe, e daí para a frente os fatos se foram dando até a Comuna de Paris em 1870.
Carlos X era católico, mas via uma série de coisas muito estrabicamente. Apesar disso, por causa da onda da opinião contrarrevolucionária, a Religião fez muitos progressos na França, restaurou uma porção de coisas, de instituições que tinham caído, foi uma ocasião de recatolicização.
Nesse período os adversários da Religião também se levantaram e houve motins, agressões, um desenvolvimento grande do anticlericalismo. Isso era um bom sinal do ponto de vista religioso, porque sempre que a Igreja é atacada por seus inimigos, quer dizer que ela está fiel a si mesma.
Devemo-nos situar nessa atmosfera para compreendermos o ambiente no qual se deram as revelações de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré, religiosa de São Vicente de Paulo.
As Irmãs da Caridade
O hábito das Irmãs de Caridade era preto, como são os hábitos das religiosas, mas com uma espécie de grande gola engomada branca. A cabeça era adornada por uma toca bretã um tanto estilizada pela inspiração e pelas mãos da Igreja. Naturalmente, um rosário pendente da cintura.
Eu não tive muito contato com essas freiras, mas conheci muitas e muitas delas. Eram, em geral, pessoas robustas, fortes e prontas para o trabalho. Algumas — isso não as desdourava em nada — um pouco camponesas. Olhar límpido, reto, atitude despretensiosa de quem preferia passar despercebida.
Elas eram destinadas muito frequentemente a tomar conta dos hospitais, atender os doentes, e a outras obras de caridade material. Obras de misericórdia temporal, que elas aproveitavam como ocasião para obras de misericórdia espiritual: aproveitavam para chamar um padre para o agonizante, convidavam uma criança para ir ao catecismo da paróquia ou no convento delas. Se encontravam alguém desventurado pela rua, paravam, perguntavam o que queria, ajudavam a pessoa, etc. Enfim, faziam tudo quanto pudessem para atender aos infortúnios, às carências materiais, mas, sobretudo, às necessidades espirituais dos mais variados ambientes por onde elas costumavam se infiltrar. A elevação desse apostolado que elas realizavam era tão grande e elas eram de tal maneira admiradas por isso que uma irmã de São Vicente de Paulo costumava ser tida como o próprio símbolo da Religião numa das suas expressões mais belas e mais comovedoras.
Quando Nossa Senhora deseja…
Catarina Labouré nasceu em 1806. Era filha de um casal de proprietários rurais. Sua mãe faleceu quando tinha apenas nove anos.
Catarina pediu autorização do pai para ser freira. Este se opôs terminantemente e julgou bom, para distraí-la, mandá-la para um lugar de prazer, um emprego onde ela podia se distrair, ter prazeres.
Paris já era, para as proporções da França e do mundo daquele tempo, uma cidade de luxo, uma cidade-turbilhão da alegria, do contentamento de viver mundano. O pai queria conduzi-la até Paris para a vocação desaparecer.
Mas quando Nossa Senhora quer, quer: Catarina acabou indo para Paris, tornou-se freira e recebeu as revelações.
Nos subúrbios de Paris
Catarina Labouré, no ano de 1828 foi posta pelo pai ajudando seu irmão num pequeno restaurante para operários, num dos bairros mais populosos de Paris.
Era um restaurante só de homens. Com certeza estes homens comiam ali porque não tinham tempo de ir para casa comer. Imaginem a beberagem, as conversas imorais, as canções. E a futura santa obrigada pelo pai a servir ali. Vejam o contraste e o “rio chinês” que o desígnio da Providência percorreu nesta ocasião.
Ela tinha nessa ocasião 22 anos, uma idade inteiramente inadequada para esse tipo de serviço. Ela ficava — era a defesa dela — quieta, e durante o serviço nunca descerrava os lábios. Falassem com ela o que fosse, perguntassem o que quisesse, ela servia sem dizer uma palavra. Era o meio de, naquele ambiente, se isolar e proteger a sua própria pureza, a sua piedade.
Ela se sentia supliciada em um ambiente tão livre como esse, onde os gracejos e até os galanteios a ela evidentemente não faltavam.
O operário daquele tempo era, em geral, muito corpulento, porque a indústria era muito menos mecanizada do que hoje em dia, exigia muito mais força no trabalho manual. Imaginem um restaurante pequeno cheio de homenzarrões. Entra uma donzela que não tem outra coisa senão seu Anjo da Guarda para defendê-la e que acaba domando o ambiente.
Brincadeira de cá, gracejo de lá, galanteios de acolá. Ela tem apenas a defesa do repúdio e dos lábios errados. Ela domina. Vê-se a virtude dominando o vício, o espírito dominando a matéria. Que bela vitória e como isso nos ajuda a conhecer o perfil moral da santa.
Em Châtillon-sur-Seine Esse martírio durou cerca de um ano. Em 1829 Santa Catarina Labouré passou a residir com uma cunhada, que mantinha um pensionato para moças em Châtillon-sur-Seine, no departamento de Côte d’Or. Era aí que uma parte da nobreza da Borgonha enviava suas filhas.
Catarina viveu com mais liberdade e pôde melhorar algum tanto sua escrita. Mas a ortografia dela foi sempre muito irregular.
Em janeiro de 1830 ela entrava no hospital de caridade dirigido pelas irmãs de São Vicente de Paulo em Châtillon-sur-Seine.
Ela, que tinha vergado os operários do botequim, vergou também o pai. Depois de três meses de postulantado, seguiu, enfim, para Paris. E em 1830, no mês de abril, pela primeira vez entrou no noviciado da Rue du Bac, onde as aparições se deram. Ela era, portanto, noviça quando essas aparições se verificaram.
Junto ao coração de São Vicente Três dias depois da chegada de Catarina, deu-se a solene transladação dos despojos de São Vicente de Paulo para a capela da Rue du Sèvre, grande cerimônia à qual assistiam o Rei Carlos X e o arcebispo de Paris, Mons. Quélan.
Que cena linda: o arcebispo de Paris com certeza presidindo a cerimônia, é provável que o pálio cobrisse os restos mortais de São Vicente de Paulo e ali fosse o rei também. Tudo leva a crer que antecedendo e fechando o cortejo das relíquias, havia personalidades do clero, da família real, da corte, povo em quantidade, provavelmente tropas apresentando armas, etc. Assim se deu a transladação do corpo de São Vicente de Paulo, que era o fundador da congregação religiosa para onde ela estava entrando e que era, naturalmente, venerado por todo o povo francês.
Santa Catarina, como noviça, frequentou várias vezes a capela de Saint-Lazare, onde foi colocado o corpo de São Vicente de Paulo. Conta ela:
O coração de São Vicente aparecia todas as vezes que eu voltava de Saint-Lazare. Apareceu-me três vezes de modo diferente, três dias seguidos: branco, cor de carne, o que anunciava a paz, a calma, inocência e a união; depois o vi vermelho, cor de fogo o que indicava o incêndio de caridade de seu coração; parecia-me que a comunidade devia se renovar, estender-se até as extremidades da Terra, o que de fato se deu. Por fim o vi vermelho negro, o que indicava tristeza. Vinham-me tristezas que tinha muita dificuldade em dominar. Não sei porque nem como essa tristeza se relacionava com a mudança de governo que havia proximamente na França.
São Vicente de Paulo, como santo, amando a França, a civilização cristã e sobretudo a Igreja, dava a conhecer a ela, antes da queda do governo, que o rei cairia. Exprimia a sua dor profunda fazendo ver o próprio coração nesses coloridos diferentes. Um vermelho quase preto que indicava tristeza, o que iria acontecer?
Por que é que ela sabia de antemão?
Para que nós soubéssemos, é claro. Mas também para rezar e para ir pedindo pela causa católica na França antes mesmo da causa ser golpeada, de maneira a conseguir que o golpe não fosse tão grande e alguma coisa sobrevivesse.
Vemos a Providência que permite o golpe, mas prepara também algo que atenua. Vê-se aí a bondade e a misericórdia de Nossa Senhora.
Graças de perseverança
Certo dia uma voz interior disse à vidente: “O coração de São Vicente está um pouco consolado, porque obteve de Deus, por mediação de Maria, que suas famílias não pereceriam no meio dessas infelicidades e que Deus se serviria delas para reanimar a fé”. Quer dizer, seria normal que o ramo masculino e feminino da obra de São Vicente de Paulo desaparecessem, mas Nossa Senhora obteve e pediu antes da revolução que essas duas famílias — eu interpreto assim, sendo ramo masculino e feminino — sobrevivessem para espalhar a fé pelo mundo inteiro. O que em larga medida aconteceu.
Revolução de julho
Os mais negros e tristes pensamentos ocorreram no dia da Santíssima Trindade, 6 de junho. A revolução foi em julho. “Nosso Senhor me apareceu como um rei com a cruz sobre o peito no Santíssimo Sacramento. Isto se passava durante a Santa Missa, no momento do Evangelho. Pareceu-me que Nosso Senhor era despojado de todos os seus ornamentos, caindo tudo por terra”. Isto se relacionava com a revolução que haveria daí.
“Foi então que tive o pensamento que o rei da terra seria despojado de suas vestes reais”. Foi o que aconteceu nos últimos dias de julho.
“Daí os pensamentos que tive, que não saberia explicar, sobre a perda que se fazia.” Como ela era uma pessoa pouco culta, não compreendia todo o alcance desse acontecimento, o que a Religião perdia com isso.
Ela estava com o espírito pouco afeito a medir os vais-e-vens da Revolução e da Contra-Revolução, mas Nosso Senhor Jesus Cristo lhe dava a entender uma profunda tristeza com esses fatos.
Aí os senhores têm uma coisa curiosa, que é o relacionamento direto… Eu não me lembro de ter visto uma coisa parecida — talvez houvesse — de uma revelação tão altamente provável, eu no meu foro interno a tomo como certa, com um fato político. Mas assim, um fato político determinado: “A fulano vai acontecer tal coisa, e por isso Deus está triste”. Eu não me lembro de uma coisa dessas, é um fato único — único ao menos para minha memória — e que eu gostaria de ressaltar.
O sobrenatural começa a manifestar-se
Imaginemos a cidade de Paris, naquele tempo enormemente menor do que ela é hoje, silenciosa, tranquila, ainda sem motores. Os automóveis ainda não existiam, o silêncio de toda a população que dormia era apenas de vez em quando interrompido pelas patas de um cavalo que batia sobre a pedra da rua e que ia puxando algum carrinho ou alguma carruagem depressa durante a noite
para um lugar.
Não havia ainda luz elétrica e o dormitório das religiosas era iluminado por candeeiros. Todos dormiam, inclusive Catarina. Ali, completamente diferente do mundo fora, o maravilhoso sobrenatural começa a se desenrolar e Nossa Senhora faz a primeira das suas diversas grandes mensagens para o mundo no século XIX.
Vale a pena ler o próprio texto da santa contando o que se passou então. É um pouco longo, mas são suas próprias palavras. Isso fará um desenvolvimento do tema.
“A Santíssima Virgem vos espera…”
Ela diz o seguinte:
“Veio depois a festa de São Vicente.
Na véspera, nossa boa Madre Marta nos fez uma instrução sobre a devoção à Santíssima Virgem, o que me deu desejo de vê-La. Deitei-me, pois, com o pensamento de que naquela noite mesmo eu veria a minha boa Mãe. Havia tanto tempo já que eu desejava vê-La”.
A inocência e a ingenuidade desse pensamento e o caráter filial são muito bonitos.
Enfim, às onze e meia da noite… Para aquele tempo era alta noite. “…ouvi me chamarem pelo nome:
‘Irmã Labouré! Irmã Labouré!’. Acordando, olhei do lado de onde vinha a voz, que era do lado da passagem”.
Deveria ser uma passagem no dormitório.
“Corro a cortina e vejo um menino de 4 ou 5 anos que me dizia: ‘Vinde à capela, a Santíssima Virgem vos espera’. Devemos imaginar um ambiente com uma paz, tranquilidade, todas as freiras dormindo, esse menino aparece — ela depois descreve o menino — e diz: “A Santíssima Virgem vos espera”. Quer dizer, uma afabilidade de Nossa Senhora à espera dela.
“Logo me veio o pensamento: ‘Irão perceber’. O menino me respondeu: ‘Ficai tranquila. São onze e meia da noite, todo o mundo está dormindo. Vinde, eu vos espero’. Quem é esse menino que diz “eu” aí?
“Vesti-me depressa e me dirigi para o lado do menino. Este tinha permanecido de pé sem avançar além da cabeceira de minha cama. Ele me seguiu, ou melhor, eu o segui, sempre à minha esquerda.”
“Por todos os lugares onde passamos as luzes estavam acesas, do que me admirava muito…”
Naturalmente ninguém via, era milagre. Tudo isso já é dado para causar impressão.
“Porém, muito mais surpresa fiquei quando entrei na capela. A porta se abriu mal o menino a tocou com a ponta do dedo e minha surpresa foi ainda mais completa quando vi todas as velas e castiçais acesos, o que me recordava a Missa de meia-noite”.
Como se fosse a Missa do Galo.
“Entretanto, nada vejo da Santíssima Virgem. O menino me conduziu ao presbitério, ao lado da cadeira de braços do senhor vigário. Ali me ajoelhei e o menino permaneceu de pé todo o tempo. Eu achava o tempo longo e olhava para ver se as vigilantes não passavam pela tribuna.”
No fundo, onde fica o órgão. Ela tinha medo que pudessem perceber, alguma coisa violasse o segredo. Seria bonita a cena. Ela ajoelhada junto à cadeira do senhor vigário, as luzes todas acesas e pensando o que diria à vigilante sobre essa completa irregularidade.
“Ali se passou o momento mais doce de minha vida”
Por fim chegou a hora. O menino me preveniu. Ele me disse: ‘Ei-la, a Santíssima Virgem’. Ouvi como um roçar de vestido de seda que vinha do
lado da tribuna…
Era o frou-frou de quem está com um vestido de seda que, naquele tempo, ia até o chão. Produzia aquele ruído agradável e muito peculiar. … perto do quadro de São José e que passava sobre os degraus do altar do lado do Evangelho sobre uma cadeira igual à de Santa Ana. O que seria essa cadeira de Santa Ana?
“Eu estava em dúvida se seria a Santíssima Virgem. Nesse preciso momento o menino que estava ali me disse: ‘Eis a Santíssima Virgem’. “Ser-me-ia impossível dizer o que senti nesse momento, o que se passava dentro de mim. Parecia-me que não via a Santíssima Virgem.
“Então o menino me falou não mais como uma criança, mas como um homem dos mais fortes e com as palavras mais fortes.
“Nesse momento, olhando para a Santíssima Virgem, dei um salto para junto d’Ela, pondo-me de joelhos sobre os degraus do altar e com as mãos apoiadas sobre os joelhos da Santíssima Virgem”.
Nossa Senhora estava sentada na cadeira do vigário. Santa Catarina apoiou as mãos sobre os joelhos de Nossa Senhora. Vejam a afabilidade dessa aparição, uma coisa extraordinária.
Depois, para quem for São Tomé, que pôs a mão no flanco de Nosso Senhor, ela também tocou. “Ali se passou o momento mais doce de minha vida. Ser-me-ia impossível dizer tudo o que senti.
Ela me disse como deveria me conduzir em relação ao meu diretor espiritual, e várias coisas que não devo dizer. A maneira de me conduzir em meus sofrimentos, vir lançar-me aos pés do altar, e me mostrava com a mão esquerda o pé do altar, e ali fundir o meu coração. Aí eu receberia todas as consolações de que tivesse necessidade”.
Quer dizer, quando ela tivesse sofrimentos, não comentasse com ninguém, fosse ao altar e desabafasse ali, mas num lugar indicado por Nossa Senhora para ela: “Aqui, nesse ponto, você venha”. Os senhores compreendem quanto ela voltou a esse lugar fisicamente indicado por Nossa Senhora. Uma verdadeira maravilha. “Então lhe perguntei o que significavam todas as coisas que eu tinha visto e ela me explicou tudo”.
Mas ela não disse o que era. Aqui não está. “Fiquei não sei quanto tempo. Tudo o que sei é que quando Ela partiu não percebi senão que alguma coisa se extinguia. Enfim, mais uma sombra que se dirigia para o lado da tribuna pelo caminho pelo qual Ela tinha chegado”.
“Levantei-me dos degraus do altar e percebi o menino onde o tinha deixado. Ele me disse: ‘Ela se retirou’. Nós retomamos o mesmo caminho, sempre todo iluminado. O menino estava sempre à minha esquerda.
Creio que este menino era meu Anjo da Guarda que se havia tornado visível para me fazer ver a Santíssima Virgem, porque havia rezado muito a ele para que me obtivesse esse favor. Estava vestido de branco trazendo consigo uma luz miraculosa, isto é, ele era esplandecente de luz. Tinha a idade mais ou menos de 4 ou 5 anos. De volta ao meu leito eram duas horas da manhã, pois ouvi tocar as horas.
Não tornei mais a dormir. Está terminada a revelação.
Um veludo precioso
Não me consta que lá, na Rue de Bac, se indique qual foi o lugar mostrado por Nossa Senhora a ela. Evidentemente, qualquer um de nós que ali estivesse não deixaria de rezar, oscular o chão. A cadeira está ali sobre um estradozinho e todo mundo que entra vai oscular a cadeira. Quando eu a osculei, deitei o olhar sobre o veludo e este pareceu-me novo. Fiquei desagradado, porque, se é novo, não é o veludo sobre o qual Nossa Senhora se sentou.
Na saída, perguntei à freira:
Irmã, me faz favor. Esse veludo da cadeira é o próprio no qual Nossa Senhora Se sentou?
Ela disse:
— Não. Nós, há pouco, o substituímos por um veludo novo.
Eu pensei em ficar com o veludo para mim, e disse:
— Irmã, eu não poderia ter esse veludo? Ou ao menos um pedacinho dele?
Ela disse:
— Não.
Não me lembro se ela disse que foi jogado fora ou queimado. Eu não pude conter a minha surpresa e disse a ela:
— Mas, irmã! A senhora já pensou o que seria esse… Se a armação de madeira da cadeira se oscula, por que não oscular o veludo? Por que não guardar? A senhora já pensou que isto é uma relíquia.
— É…
Eu disse:
— A senhora já pensou quantas
pessoas viriam aqui para receber das senhoras um pedacinho deste veludo? Ela ficou assim meio surpresa e eu disse:
— Irmã, eu sou da América do Sul, sou do Brasil. Eu lhe garanto que a América do Sul desfilaria aqui para receber pedaços desse veludo! — Nous n’avons guère songé — nem sequer pensamos nisso.
Uma promessa feita por Nossa Senhora
1830, julho. Colóquio com a Santíssima Virgem. “Minha filha, o bom Deus quer encarregar- vos de uma missão. Tereis muitos sofrimentos, mas superareis estes sofrimentos pensando que o fareis para a glória do bom Deus. Conhecereis que é do bom Deus e sereis atormentada até que o tenhais dito àquele que é encarregado de vos conduzir. Sereis contraditada, mas tereis a graça e por isso não temais. Dizei com confiança tudo o que se passa em vós, dizei-o com simplicidade, tende confiança, não temais”.
Vemos quanto medo ela tinha do próprio confessor com o qual ela se deveria abrir.
“‘Vereis certas coisas. Prestai conta do que virdes e ouvirdes. Sereis inspirada na vossa oração. Prestai conta do que virdes em vossas orações.’”
Os tempos são muito maus. Os males virão precipitar-se sobre a França; o trono será derrubado, o mundo inteiro será transtornado por males de toda ordem — ao dizer isto, a Santíssima Virgem
tinha um ar muito penalizado —, mas vinde ao pé deste altar; aí as graças serão derramadas sobre todas as pessoas que as pedirem.
É uma promessa magnífica. “‘Minha filha, gosto de derramar graças sobre a comunidade em particular. Eu aprecio muito. Sofro porque há grandes abusos contra a regra’”.
Nossa Senhora gostava da comunidade enquanto instituição, mas já naquele tempo havia muitos abusos no cumprimento da regra.
“‘As regras não são observadas, há grande relaxamento nas duas comunidades. Dizei àquele que está encarregado de uma maneira particular da comunidade. Ele deve fazer tudo o que lhe seja possível para repor a regra em vigor. Dizei-lhe de minha parte vigiar sobre as leituras, as perdas de tempo e as visitas.’”
“‘A comunidade gozará de uma grande paz, ela tornar-se-á grande. Momento virá em que o perigo será grande, acreditar-se-á tudo perdido.”
É curioso que este momento não é em 1830. Por que, como vai haver uma grande paz e se corrigirá os abusos, etc., etc., quando ela já está em julho e a revolução foi em julho? Esses fatos não cabem aí, mas depois.
“‘Eu estarei convosco, tende confiança. “Mas não se dará o mesmo com as outras comunidades: haverá vítimas — ao dizer isto, a Santíssima Virgem tinha lágrimas nos olhos. Para o clero de Paris haverá vítimas. Mons. Arcebispo — a essa palavra lágrimas de novo”. Eu creio que não foi Mons. Quélan. Talvez aí seja uma profecia de 1870, não sei.
“Minha filha, a cruz será desprezada e derrubada por terra. O sangue correrá, abrir-se-á de novo o lado de Nosso Senhor, as ruas estarão cheias de sangue, Mons. Arcebispo será despojado de suas vestes — aqui a Santíssima Virgem não podia mais falar:
o sofrimento estava estampado sob a sua face. ‘Minha filha, dizia Ela, o mundo todo estará em tristeza’”.
A essas palavras pensei quando isto se daria: compreendi bem daí a quarenta anos.
Em 1870, onde realmente o arcebispo foi fuzilado abençoando os revolucionários e duas balas cortaram os dedos dele. Ele morreu abençoando. Disse-me uma pessoa, muito competente nesses assuntos de História do século XIX, que o arcebispo era de tendência liberal. Ele teve de algum modo um castigo, porque os liberais o fuzilaram. Mas vejam como Nossa Senhora sofreu com o fato porque ele era arcebispo e, na pessoa dele, era a Igreja que sofria uma violência.
Vejam como Nossa Senhora ama as instituições eclesiásticas. Ela ama tanto uma congregação religiosa na qual Ela, entretanto, denuncia graves abusos. E Ela sofre tanto com o padecimento de um arcebispo.
É a congregação enquanto congregação, o arcebispo enquanto arcebispo. Isso deve nos fazer compreender o amor que nós devemos ter às instituições eclesiásticas, por mais que as vicissitudes humanas façam com que dentro delas se passem coisas que são contrárias ao que se poderia querer.
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 7/11/1980)