Desde pequeno agradou-me considerar o elegante prédio da Estação da Luz, próximo ao parque onde os meninos de minha família, sob o vigilante olhar de suas governantas, se distraíam aos domingos.
Simpático, atraente, encanta-nos o estilo inglês com que o edifício foi concebido: correto, distinto, garboso, cheio de si (no bom sentido da palavra), ordenado, com uma noção do dever, não sufocante, mas feito com métodos, tempo e pontualidade, de maneira a tudo sair de acordo com o planejado.
Para os padrões da São Paulo do tempo em que foi construída, a estação apresentava proporções monumentais, oferecendo aos passageiros um ótimo restaurante e toda uma ala destinada a hóspedes que ali quisessem residir por um período mais prolongado, até encontrarem outra acomodação na cidade. Tranqüilidade e segurança de outras épocas…
A torre imponente se destaca como símbolo da elevação e da gravidade do prédio, ao mesmo tempo que indica a hora certa dos embarques. Gravidade e elevação, sim, porém ornadas com um misto de bondade e de “laisser-faire” distinto, sabendo ser do feitio do nosso povo, não a coisa ultra-arranjada, mas com um toque de negligência de “grand-seigneur”. Além disso, uma nota de melancolia, uma espécie de sorriso prateado muito afim com o habitat interior comum do brasileiro.
Impossível para mim, ao contemplar a Estação da Luz, não recordar os velhos e bons sabores do meu tempo de criança, e, sobretudo, não me lembrar das graças que a Providência concedeu à minha alma de menino, a propósito do meu encanto com esse prédio que se erguia ao fundo do Jardim da Luz onde brincávamos.
Dessas graças, a mais marcante terá sido o meu “encontro” com a figura do imperador Carlos Magno, desenhada num livro de história para criança que estava à venda num quiosque dentro da estação. Antes de embarcar para uma viagem ao interior de São Paulo com minha família, pedi ao meu pai que me comprasse aquele livro.
Nunca ouvira falar de Carlos Magno, mas aquela gravura que o representava no seu trono de majestade, revestido de coroa e com o cetro imperial à mão, me tocou profundamente. À medida que folheava a publicação, crescia meu entusiasmo pela pessoa do imperador, e algo me dizia na alma: “O futuro está com esse homem!”.
Hoje posso afirmar que naquele momento me foi dado discernir o ideal de grandeza que Carlos Magno simbolizava, bem como se formou em mim a convicção de que esse ideal possui um conteúdo de universalidade pelo qual beneficia a todos os povos, sem exceção, e algum dia ele ainda ressuscitará. Essa convicção permanece intacta no meu espírito.
Portanto, não há nisso apenas uma pertinaz reminiscência de infância que insiste em se manter, mas também uma ação da graça que toca a todos que admiram Carlos Magno, e os leva a compreender que o grande imperador não é um caminho interrompido, nem uma glória do passado fixada e estagnada num monumento de pedra. Ele é uma luz que desceu do Céu para indicar aos homens uma trajetória que deve alcançar sua plena realização.
E um lampejo dessa graça refulgiu aos meus olhos ali, naquela bela Estação da Luz.
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências em 20/2/1993 e 16/2/1994)