Arautos do maravilhoso

Guiados por uma estrela, nimbados de uma atmosfera de esplendor extraordinária, os três Reis Magos eram almas particularmente preparadas pela Providência para se abrirem ao maravilhoso que Nosso Senhor Jesus Cristo trazia ao mundo.

Quiçá terão recebido graças especiais junto ao Divino Infante para anteverem tudo quanto de belo e magnífico a Igreja e a Cristandade realizariam ao longo da História. E terão retornado aos seus  respectivos povos para irradiar entre eles esse desejo de maravilhoso, predispondo-os assim para a futura evangelização dos Apóstolos e seus sucessores.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Preparando os caminhos…

Embora a Escritura empregue apenas o termo “magos”, segundo a tradição eles eram reis magos. Trata-se de uma tradição tão bonita que deve exprimir a verdade, pois geralmente a mentira não inventa coisas lindas.

Creio que a missão essencial dos três Reis Magos foi preparar seus reinos para a vinda dos Apóstolos ou de seus sucessores. De maneira que quando esses lá chegassem, a população estivesse aberta para acolher sua pregação, e os portadores da palavra de Cristo recebessem uma formidável confirmação na Fé, porque lá encontravam os traços dos Reis Magos.

Quando encontraram a Sagrada Família, imagino que o Menino Jesus, por mais que já soubesse falar — Ele é a Sabedoria Encarnada —, não conversou com os monarcas. Mas, por meio de flashes(1), Ele deve ter tornado mais ou menos presente aos reis magos tudo quanto a Cristandade faria de belo na humanidade, com a promessa de que nas regiões deles isso se realizaria, se seus povos fossem fiéis.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 22/12/1989)

1) Flash [do inglês: brilho, lampejo], palavra usada por Dr. Plinio em sentido metafórico, indicando maravilhamento ou percepção enlevada de alguma realidade.

Os Reis Magos

Na vida espiritual pode haver momentos em que pensamos trilhar um caminho incerto, sem vislumbrarmos o almejado objetivo. Dizemos: “Afinal, andamos, andamos, andamos, como se à nossa frente estivesse a estrela que guiava os Reis Magos, mas, até agora, não chegamos a Belém…”

Ora, nesse instante de dúvida procuremos nos convencer de que, se diante de nós reluz a estrela, importa confiarmos, pois logo a Providência nos confirmará em nossa certeza, assim como os Magos se viram confirmados na sua esperança: ajoelharam-se aos pés do Menino Jesus, a Quem ofereceram ouro, incenso e mirra.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 13/3/1984)

A Epifania do Senhor

A Epifania — palavra grega que significa “manifestação” — celebra a primeira aparição de Jesus a todos os povos, representados pelos Reis Magos ajoelhados diante do Menino-Deus.

Sentado no colo da Virgem-Mãe, como se fosse num trono, Nosso Senhor começou a receber a adoração de todas as nações que, no decorrer da História, haveriam de desfilar, reverentes e transidas de amor, aos pés d’Ele, em um longo cortejo. E a todas, o Redentor cumulará de graças, favores e dons celestiais.

Plinio Corrêa de Oliveira

Fidelidade à estrela

Segundo uma bela tradição, baseada na exegese de algumas passagens da Escritura Sagrada(1), os Magos guiados pela estrela até Belém eram reis, possivelmente provenientes de pequenos e longínquos reinos.

Para Dr. Plinio(2), os três Reis Magos tinham como missão predispor seus respectivos reinos para a aceitação da Boa-Nova levada pelos Apóstolos ou por seus sucessores, cuja pregação encontraria receptividade da parte da população previamente preparada por seus monarcas.

Para isso — dizia Dr. Plinio —, o Menino-Deus deve ter tornado presente aos Reis Magos, por meio de graças místicas, algo de tudo quanto a Igreja e a Cristandade trariam de belo para a humanidade no decorrer dos séculos, com a promessa de que nas regiões por eles governadas isso se realizaria, se aqueles povos fossem fiéis.

Baltasar, Gaspar e Melchior eram, por certo, almas escolhidas e muito propensas ao maravilhoso, a ponto de se deixarem conduzir por uma estrela. Por isso suas pessoas aparecem nimbadas de uma atmosfera extraordinária, irradiando esse maravilhoso para o qual devem ter preparado seus pequenos reinos.

Sem dúvida, os Reis Magos foram objeto das orações de Nossa Senhora e de São José junto ao Divino Infante para o cumprimento de sua bela missão que, na opinião de Dr. Plinio(3), ultrapassou os limites do tempo e do espaço, estendendo-se a toda a História.

Procedentes de diversas raças, prefiguravam eles todos os povos que viriam adorar o Salvador. Por essa razão, os episódios históricos por eles vividos — a visão da estrela no Oriente; o encontro com Herodes; a insegurança deste rei iníquo e, com ele, de toda a cidade de Jerusalém; a alegria ao reavistarem a estrela; a adoração feita ao Menino, junto a Maria, sua Mãe; a oferenda de ouro, incenso e mirra; o aviso recebido, em sonho, para voltarem por outro caminho(4) — estavam envoltos em aspectos simbólicos que indicavam terem os Magos recebido de Deus uma autêntica e misteriosa delegação: representar as nações que, no futuro, se abririam à influência da Santa Igreja Católica.

Delegação semelhante encontramos junto à Cruz, onde Nossa Senhora, São João e Santa Maria Madalena representavam todos os católicos que ao longo da História permaneceriam fiéis aos pés do Crucificado.

Essa ideia deve dar muito alento àqueles que, nas horas difíceis da Igreja ou da Civilização Cristã, padecem incompreensões, humilhações, perseguições, e que, embora pouco numerosos, procuram representar em seus respectivos ambientes, a pureza, a ortodoxia, a intrepidez, o espírito de iniciativa, no momento em que tudo pareceria falar em recuo, em transigência, em fuga. Esses, por sua fidelidade, além de alegrar o Menino Jesus em sua pobre manjedoura ou consolar o Redentor em seus padecimentos no alto da Cruz, representam de algum modo os católicos fiéis do passado e os que o serão no futuro.

Há, portanto, uma espécie de reversibilidade por cima do tempo e do espaço, por onde essas várias ações se fundem numa cena única e grandiosa.

Peçamos aos Reis Magos que orem por nós para que tenhamos uma das muitas formas de coragem que poderão nos ser pedidas: a de estarmos sós como eles estavam no mundo pagão, à espera da estrela, isto é, da hora de Deus para cumprir com toda retidão, constância e pontualidade a vontade divina.

Para eles, a hora consoladora foi aquela em que contemplaram o Divino Infante nos braços de Maria Santíssima.

Também para nós chegará um momento muito preciso em que uma estrela nos dirá que a hora esperada chegou!

Não será, provavelmente, uma estrela exterior, mas uma voz interior, à qual devemos estar atentos e dóceis, a fim de nos prepararmos para, nessa hora, sermos modelos de exatidão e fidelidade como os Reis Magos.

 

1) Cf. Sl 72, 10-11; Is 60, 3.

2) Cf. Conferência de 22/12/1989.

3) Cf. Conferência de 5/1/1964.

4) Cf. Mt 2, 1-12.

Alta vocação dos Reis Magos

Todos os sacerdotes, reunidos no Templo, deveriam ter comunicado ao povo que os tempos haviam chegado à sua maturidade e, conforme as profecias, afinal o Messias iria nascer. Contudo, foi preciso que viessem de longe os Reis Magos para anunciar em Jerusalém o seu nascimento. Isso mostra o cúmulo da degradação a que essa cidade, ainda não deicida, havia chegado.

Dom Guéranger faz os seguintes comentários a respeito  da vocação e dignidade dos Magos.

Os Reis Magos professam o desejo firme de adorar o Messias.

Tendo a estrela anunciada por Balaão se levantado sobre o Oriente, os três Magos, cujo coração se tinham aberto à espera do Messias Libertador, sentiram antes de tudo a impressão de amor que os levava a Ele. Eles receberam a nova da alegre vinda do Rei dos Judeus de um modo místico e silencioso, diferente dos pastores de Belém aos quais a voz de um Anjo convidou para irem ao Presépio. Mas a linguagem muda da estrela é explicada em seus corações pela ação do Pai Celeste que lhes revelava seu Filho.

Nisto sua vocação foi mais alta em dignidade do que a dos pastores, os quais, segundo as disposições divinas na antiga Lei, nada conheceram a não ser pelo ministério dos Anjos, mas se a graça divina se dirigiu imediatamente a todos os corações pode-se também dizer que ela os encontra fiéis.

Os Magos, falando a Herodes, exprimiram a simplicidade de sua empresa: “Nós vimos sua estrela e viemos para adorá-Lo”. Esses reis dóceis deixam, portanto, de um momento para outro, sua pátria, suas riquezas, seu repouso para caminharem em seguimento de uma estrela de que eles ignoravam o termo.

O poder de Deus que os tinha chamado os reunia em uma mesma viagem em uma mesma fé. Os perigos da viagem, os cansaços, o temor de se levantarem contra si as suspeitas do Império Romano, nada os fez recuar. Seu primeiro passo, seu primeiro repouso foi em Jerusalém. É, pois, nesta cidade sagrada que em pouco tempo será maldita que eles chegam, eles gentios, para anunciar Jesus Cristo e declarar que Cristo veio. Com toda a segurança, toda a calma dos apóstolos e dos mártires, eles professam seu desejo firme de adorar o Messias. Eles obrigam a Israel, depositária dos oráculos divinos, a confessar um dos principais caracteres do Messias: seu nascimento em Belém.

Herodes se agita em seu leito e medita o projeto de carnificina, mas é tempo para os Magos deixarem a cidade infiel, que já recebeu por sua  presença o anúncio de seu repúdio. A estrela aparece no céu e os reis decidem tomar novamente seu caminho. Mais alguns passos eles estarão em Belém, aos pés do Rei que eles vieram procurar.

A vocação dos Magos foi mais alta do que a dos pastores

Esses comentários são borbulhantes de ideias profundas, das quais cada uma mereceria verdadeiramente uma conferência.

A primeira ideia é uma comparação entre os Magos que foram procurar o Menino Jesus, guiados pela estrela, e os pastores. Mas é uma comparação que procura o valor de procedimento de uns e de outros perante o Natal, pelo modo através do qual foi noticiada a uns e outros o advento de Jesus Cristo.

Então ele diz que a chegada de Jesus Cristo foi anunciada aos pastores pelos Anjos. E aos Magos certamente por uma estrela que estava no céu, mas eles souberam que ela significava a vinda do Messias. Como? Em virtude de comunicações internas de caráter místico e silencioso operadas pela graça de Deus na alma de cada um, fazendo com que, quando a estrela chegasse, eles soubessem tratar-se do anúncio do Messias que vinha. Então, tocados por um movimento que era uma fidelidade à voz interna do Padre Eterno na alma deles, os Magos acreditaram na estrela, e como esta se movia  eles a seguiram.

Temos, assim, dois processos. Um é o anúncio de fora para dentro: os pastores, por um fato externo a eles, altamente miraculoso e extraordinário, ficam sabendo que o Messias nasceu. Pelo contrário, os Magos tomam conhecimento de que o Messias nasceu por meio de um fato interior, o qual a estrela apenas esclarece um pouco mais.

Voz interior provocada pela graça

O que tem mais mérito: seguir os Anjos ou a voz interior? Segundo a “heresia branca”

seria os Anjos porque, para esse tipo de mentalidade, a aparição de um Anjo é a prova da santidade; mais ainda, se uma pessoa tem a emoção santificante de ver o Anjo, naquela sensação ela fica santa de uma vez. É uma espécie de suspiro santificante. De maneira que o mais importante é ter recebido o anúncio de um Anjo e corresponder.

Além disso, é mais espetacular ver o Anjo, porque voz interior, quantos têm? Depois, sabe-se lá se é voz interior ou não? Pode haver dúvidas. Com um Anjo não, é uma coisa provada, garantida e, ademais, importante: Deus mandou um Anjo para falar com aquele; oh, não é pouca coisa! Voz interior é a vida de todos os dias, uma coisa apagada, sem graça, desbotada. Então, muito mais vale receber um anúncio pelos Anjos, e é mais fiel quem o segue.

Entretanto, Dom Guéranger, um grande teólogo e especialista na consideração destes temas, mostra que a operação interna da graça numa alma vale mais do que qualquer fato externo, e que a fidelidade à voz interior é mais  preciosa do que a fidelidade a um anúncio exterior; e por causa disto aqueles que não viram o Anjo, mas creram nessa voz interior, tiveram maior mérito. Evidentemente, a voz interior não é um cochicho, mas um jogo de espírito provocado pela graça, por onde a alma percebe, discerne, pondera e, iluminada pela graça, chega às conclusões impregnadas de espírito de fé.

Esse é diretamente um fruto do Espírito Santo, e a fidelidade a isso é mais árdua, mas ao mesmo tempo mais meritória, do que a fidelidade dos pastores ouvindo a voz dos Anjos.

Poder-se-ia objetar: “Mas essas vozes interiores às vezes enganam”.

É bem verdade, mas qual é a consequência?

É que Deus faz mal em nos falar por meio da voz interior? Quem ousaria censurar o Onipotente? E se Deus não faz mal, deveríamos não ouvir, como quem dissesse: “Deixa-O ir falando…”?

Há uma frase na Escritura que diz: “Se hoje ouvirdes a sua voz, não endureçais os vossos corações” (Sl 94, 8). Portanto, não podemos fazer ouvido mouco à ação interna da graça na alma, mas devemos saber discernir, com o auxílio que o próprio Deus nos dá para isso.

Aqui se aplica bem a palavra de Nosso Senhor a São Tomé: “Tu creste porque me viste. Bem-aventurados os que não viram e creram” (Jo 20, 29).

É fecundíssimo este pensamento.

Jesus no berço já estava dividindo, causando polêmica

Outro aspecto que o texto ressalta é a degradação do povo eleito. Nascido o Messias, esse povo deveria receber o aviso de seu nascimento.

Ora, esse aviso precisaria ser dado em Jerusalém e no Templo. O normal seria que todos os sacerdotes reunidos no Templo, num momento em que uma nuvem áurea entrasse no recinto sagrado e um cântico angélico se deixasse sentir, tivessem a confirmação daquilo do que suas almas já lhes estavam dizendo, ou seja, que os tempos haviam chegado à sua maturidade, que os fatos conferiam com a descrição das profecias e que, afinal, o Messias ia nascer. Contudo, foi preciso que viessem de longe os Reis Magos – gentios, pagãos, alheios à nação, filhos, portanto, de povos reprovados e condenados – para anunciar em Jerusalém que o Messias tinha nascido.

Quer dizer, é o cúmulo da degradação para Jerusalém ainda não deicida, mas que nada faltava para ser deicida. É interessante notar a reação dos sacerdotes. Eles confirmaram que o Messias deveria nascer em Belém e, com isso, indicaram uma das características de que de fato aquele era o Messias. Portanto, sem quererem, prestaram um testemunho de que aquele nascimento se operava nas  condições previstas pelas profecias.

Assim, involuntariamente, eles serviram à causa de Jesus Cristo. O resto é só miséria. Herodes ordenou a matança, quis eliminar o Menino.

Não consta que ninguém na Sinagoga tenha se revoltado contra isto. Nem creio que a Sinagoga, já tão pacifista, se incomodasse com derramamento de sangue dos inocentes…

O resultado é que começou a luta da Sinagoga contra Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele encontrava-Se no berço e já estava dividindo, causando polêmica; não era a causa, mas o motivo de um morticínio. O primeiro sangue derramado por Ele foi vertido quando ainda era Menino.

Pedra de escândalo para que se revelassem as cogitações de muitas almas, para construção e edificação e para a perdição de muitos, como disse bem depois o Profeta Simeão (cf. Lc 2, 35).

Essas são as considerações que me parece a propósito fazer a respeito do dia de Reis.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 6/1/1966)

Admiração: nossa estrela de Belém

O substrato mais profundo da retidão de alma é o gosto de admirar.

O homem que passa a vida procurando admirar, amar e servir a virtude e a santidade encontra nisto o seu prazer e a sua alegria. Assim, ele sente mais deleite em estar numa choupana ou num leprosário conversando com um verdadeiro santo, do que em habitar num lugar esplendoroso, em meio aos pecadores.

A admiração nos guia e faz intuir o nosso caminho, dando-nos a capacidade de esperar, com calma, diante das desventuras mais pasmosas, porque a admiração é a nossa estrela de Belém.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 18/6/1986 e 10/7/1994)