As coisas temporais devem, à sua maneira, falar de Deus e, deste modo, louvar o Criador. Acerca da sociedade temporal bem constituída, tendo Nosso Senhor Jesus Cristo como centro, Dr. Plinio tece belos comentários ao analisar o Castelo de Saumur.
Procura-se Deus, essencial e fundamentalmente, através da vida de piedade, da Fé, dos Mandamentos. Mas, quando O buscamos somente por esses meios, não O encontramos senão de um modo muito menos intenso e próximo do que se quereria. Desta maneira, como que, se acantona Deus dentro da capela, enquanto todo o resto fala pouco d’Ele.
Dou um exemplo: consideremos o Castelo de Saumur, e outros dois castelos não medievais: Escorial e Versailles.
Escorial, Versailles e Saumur
No Escorial, Felipe II colocou bem em seu centro a capela. E que capela! Uma catedral! Analisando o resto do palácio, pode-se até dizer que é um mosteiro, porém, no fundo, o sopro da Revolução está ali; fala de uma ordem geométrica bem observada, correta, mas não diretamente de Deus. Ele está na capela, a qual se encontra no centro do palácio, mas Ele não está no Escorial inteiro. Todos conhecem a homenagem que eu presto ao grande “Felipão”, a qual, embora não irrestrita, é veemente.
Consideremos agora Versailles, mandado construir por Luís XIV, que descendia de Felipe II, por via materna. Mandou edificar Versailles naquela má rivalidade da França com a Espanha, querendo afirmar — ele, a Majestade Cristianíssima, e o outro, o Rei Católico — que não estava atrás em face da Igreja. Mas não quis imitar Felipe II, colocando a capela no centro; então mandou que ela fosse feita nobremente alhures no palácio — não um alhures qualquer; é francês. É a capela exata no lugar exato, a única construção em Versailles que tem teto propriamente; o resto de Versailles é en terrasse1. A capela imita vagamente o estilo gótico, mas procurando disfarçá-lo, e é o corpo de edifício mais alto do castelo.
E no resto do palácio, Deus está a léguas. Há deuses mitológicos e outras figuras, mas Deus está distante.
Já no Castelo de Saumur — embora não me lembre de ter notado nele nenhum símbolo religioso—, a meu ver, Deus está no castelo inteiro.
Organizar de tal modo a sociedade que Deus possa ser visto em todas as coisas
Então, a nossa tese é esta: todas as coisas temporais devem ser feitas de maneira tal que elas também nos falem de Deus. Não afirmo que, de modo absoluto, tenham elas principalmente essa finalidade, mas para nossa vocação é a principal. Então, é preciso, na linha da complementaridade, organizar as coisas temporais e eclesiásticas em ordem a ver Deus presente em absolutamente tudo.
Não presente como está na Eucaristia, bem entendido, ou como Ele esteve, por exemplo, no Santo Sepulcro, e também não como está no edifício de um templo. Mas trata-se da imagem ou, conforme o caso, da semelhança do Criador por toda parte. Devemos, portanto, saber ver em cada coisa o por onde ela é semelhança ou imagem de Deus; ou, pelo contrário, se ali está representado o demônio. Ou seja, a Revolução e a Contra-Revolução na mais humilde forma de janela, por exemplo. Essa é a nossa vocação.
Embebida por completo dessa ideia, a pessoa está de corpo inteiro pronta para a contemplação religiosa das verdades reveladas. Mas, se for neutra diante disso, ela de fato acaba pactuando com o que não deve.
Procurar desenvolver o sensus Ecclesiae
De maneira que é preciso ver isso nas coisas e depois nas relações entre elas; mais do que nas coisas, nos seres humanos e em suas relações. E, no ser humano, considerar o filho da Cristandade e o filho da Igreja, a relação entre a Cristandade e a Igreja, para colocar-se ajoelhado diante da Igreja, osculando a soleira da porta e dizendo: “Não sou digno de entrar no edifício sagrado, mas entro, porque as portas dele se abriram para mim e de seu interior Deus me chama.” Como Moisés entrou no lugar sagrado, onde Deus lhe falou através da sarça ardente: “Tira as sandálias dos teus pés, porque o lugar em que te encontras é uma terra santa.”2 Era um sinal de sumo respeito.
Assim, também nós entramos com veneração para com a Igreja, com a Rainha da Igreja, com Nosso Senhor que está no Santíssimo Sacramento, e com a Santíssima Trindade.
Então, o centro imediato é a Igreja e a Cristandade. Devemos recompor a ideia da Cristandade para completar em nós o sensus Ecclesiae, a fim de, com o olhar mais firme, mais adorador, mais reverente, e através de Nossa Senhora, vermos Nosso Senhor Jesus Cristo.
Mas, tudo isto supõe o ver, desde logo, em cada ser, a imagem ou semelhança de Deus; embora muitas vezes não haja uma referência expressa louvável, desejável, ótima, aos temas especificamente da Religião.
Se, por exemplo, um homem artístico colocasse em Saumur um crucifixo em glória ou, ao menos, uma cruz em glória no alto de Saumur, eu me rejubilaria e não sei dizer como lhe agradeceria. Entretanto, isto não impede que eu reconheça Saumur, sem ter no alto o crucifixo, como edifício mais religioso do que a explícita — porém incompleta — profissão de Fé que está em Versailles ou no Escorial.
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 16/5/1981)
Revista Dr Plinio 158 (Maio de 2011)
1) Apenas a capela de Versailles possui telhado; o restante do palácio é coberto por terraços.
2) Cfr. Ex 3,5.