Nas décadas de 20 e 30, eu percebia que havia duas linhas na Moral. Uma afirmava, no fundo, o seguinte: todo sofrimento é um mal, e tudo que se faz para eliminar a dor é um bem. Portanto, a virtude é uma batalha contínua contra toda espécie de sofrimentos.
Outra linha dizia: toda regra posta por Deus é um bem, e tudo quanto é violação dessa regra é um mal. A virtude é a observância da Lei de Deus custe o que custar, tanto no impulso e na alegria da alma, como na dificuldade, na luta, na batalha. O que é mais belo: o homem virtuoso que, tomado por uma espécie de ventania onde sopra o que há de mais nobre nele, voa sem obstáculos interiores para a prática da virtude; ou o homem que, pelo contrário, sentindo as hienas e as cobras da oposição à Lei de Deus, freia, pisa e diz: “Eu cumprirei a lei divina!”? Ambas as coisas têm o apoio da Igreja.
Mas não é aprovado pela Moral católica o pensamento de que todo bem consiste em evitar o sofrimento.
Há ocasiões jubilosas da vida. Ocasiões em que a alma inteira voa para a virtude. Há ocasiões difíceis, em que o homem inteiro parece fugir da virtude e tem que se segurar a si mesmo pelo pescoço e dizer: “É assim! Custe o que custar e não tem conversa. Tem que ser assim!” E há uma conjugação harmoniosa de ambas as coisas, segundo os desígnios de Deus para cada alma. Às vezes, Deus envia o sofrimento do modo mais inesperado possível.
Quando, nas ocasiões mais inesperadas, a dor bate à nossa porta, como devemos fazer? Ir solícitos de encontro a ela! Recebê-la como uma rainha, abrir largas as portas para ela e colocá-la num trono. Para quem tem Fé, ela não se chama “dor”, mas sim a “Santa Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo”.
Em sentido oposto, se a alegria irrompe, também devemos abrir-lhe as portas. Mas se recebemos a dor como rainha, a alegria deve ser recebida como uma irmã: de maneira amável, agradável, prazenteira, dando graças a Nossa Senhora por receber a visita dessa irmã.
Recebe-se a dor com coragem, e a alegria com este receio: Qual será minha atitude quando esta minha irmã me disser “adeus!”, desaparecer, e eu perceber, de repente, que houve uma mudança, e a dor está no lugar dela?
A dor é ciumenta. Ela quer que eu pense nela até no momento de receber a visita da alegria.
Não sei se a linguagem está muito metafórica, mas é assim: na hora da alegria eu tenho que me preparar para não fechar a porta para a dor. Na hora da dor eu não preciso me preparar para não fechar a porta para a alegria. A alegria eu sempre receberei bem. Eu não tenho que me preocupar. A questão é receber a dor .
(Extraído de conferência de 26/2/1983)