Equilíbrio, façanha e alegria

Quando analisamos a Idade Média, notamos que esta se encontra toda semeada do desejo e da  prática de atos heroicos. Não, porém, do heroísmo como vulgarmente se o entende, e sim como o propugna a Igreja, isto é, a palpitação contínua do coração do verdadeiro católico, que o inclina de modo constante para o melhor de sua alma: a façanha. Não se trata, portanto, de façanhas quaisquer, mas daquelas que interessam à Fé, e é a propósito delas que somos levados a afirmar ser a Idade Média toda ela “façanhuda”.

Em seus diferentes aspectos, nos diversos terrenos de seu realizar, mesmo nos mais práticos, operativos, técnicos, ela está sempre empreendendo proezas. De maneira que, com freqüência, a  altura das torres são ousadias de impulso para o céu, as espessuras das muralhas são audácias de arquitetura, os vitrais são aventuras de luz e policromia, e assim por diante, os mil progressos artísticos e industriais da época medieval representam façanhas porque estão na fina ponta do que um espírito muito dinâmico poderia querer realizar.

E examinando aquelas maravilhas, nos perguntamos como esses homens ousaram tanto! Ousadia que comporta riscos, e esse ombrear com o perigo do fracasso é igualmente belo. Contudo, o  melhor da façanha medieval é ter pensado com tanta maturidade, seriedade e prudência os seus planos arrojados que, na hora de concretizá-los, o risco está reduzido ao mínimo que as  circunstâncias da época permitem. Sempre deverão contar com ele, é verdade, mas protegido pelos escudos da prudência e da seriedade, do equilíbrio e do “saber fazer” todas as coisas com largueza de espírito.

Não há negar que aquelas grandiosas catedrais góticas, aqueles castelos-fortalezas, aquelas abadias monumentais, aquelas torres e muralhas só podem ter sido construídos por arquitetos sérios, à solicitação de príncipes ou de bispos profundamente sérios, para um povo também ele imbuído de seriedade. Mas, ao mesmo tempo, dotados do senso católico que os leva a pôr em tudo uma nota característica que nos fala de equilíbrio, de harmonia, de contentamento de alma.

Muralhas e torres de robustez quase inabalável — como as de Ávila, por exemplo, que tive a grata oportunidade de admirar — recordam a batalha e a luta, lembram dias de tragédia, de desventuras em meio aos perigos que traziam consigo os cercos contra a cidade. Mas, como não ver nesses gigantescos panos de muro e altaneiros torreões a temperança de alma e a dignidade com que arrostavam todas as vicissitudes?

Como não ver a tranqüilidade e a alegria dessas pedras resplandecendo à luz do sol? Coisas equilibradas, do mesmo equilíbrio que se acha disseminado pela civilização medieval, e que constitui o ponto de partida da felicidade da Idade Média. Nela, todas as disposições lícitas do espírito se coadunam, dão-se as mãos, e a alma sente um certo aprumo, uma certa solidez, uma certa  serenidade, uma certa distância psíquica para considerar as belezas da criação, e para subir até Nossa Senhora, para chegar até Deus — fonte de todas as grandes alegrias, de todos os heroísmos, de todas as façanhas, de todas as santidades.

 

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