Sagrado Coração de Jesus

Salve Maria!

 

Junho é o mês escolhido pela Igreja para reparar o Sagrado Coração de Jesus e retribuir o amor que Ele tem por nós.

Isso teve início quando Jesus apareceu a Santa Margarida e mostrou o Seu Sagrado Coração coroado de espinhos, dizendo:

“Eis o coração que tanto amou os homens e foi tão desprezado por eles”

A partir daí, quem abraçou com fervor essa devoção recebeu torrentes de graças. E milagres estupendos aconteceram.

Ainda mais beneficiados foram aqueles que passaram a usar o Escudo do Sagrado Coração, fazendo um ato concreto de reparação às ofensas contra esse amor misericordioso.

Eu sempre tive desejo de que a Campanha lhe pudesse oferecer a possibilidade de praticar essa devoção para que você também pudesse receber essas graças. Hoje, esse dia chegou.

Pelos anos de 1673/1675 Santa Margarida Maria Alacoque teve visões e revelações do Sagrado Coração.

Durante anos, Jesus mostrou a Margarida o amor que tem pelos homens e seu ardente desejo de salvar os pecadores.

Mas lamentou-se também de que esse Coração que tudo fez para salvar os homens, é esquecido e desprezado por eles.

E fez magníficas promessas a quem consolasse o Seu Coração e reparasse as ofensas cometidas contra o seu amor:

  • Estabelecerei e conservarei a paz em suas famílias.
  • Eu os consolarei em todas as suas aflições.
  • Serei seu refúgio seguro na vida e principalmente na hora da morte.
  • Darei bênçãos abundantes sobre todos os seus trabalhos e empreendimentos.
  • Os pecadores encontrarão em meu Coração fonte inesgotável de misericórdia.
  • Minha bênção permanecerá sobre as casas em que se achar exposta e venerada a imagem de meu Coração.
  • As pessoas que propagarem essa devoção terão seus nomes inscritos para sempre no meu Coração.

E nós precisamos da graça de Deus! Muitos riscos nos esperam todos os dias: assaltos, seqüestros, acidentes de automóvel, sem contar os perigos morais, não é verdade?

Por essa razão, neste mês de junho, seguindo o conselho de Jesus, vamos rezar uns pelos outros.

Além disso, o Secretariado da Campanha lhe dará um presente especial. Mandaremos celebrar em todos os dias de junho uma missa especial por você e sua família.

Mais ainda, você poderá dar as suas próprias intenções para serem incluídas nessas santas missas.

De minha parte, prometo incluir o seu nome nas intenções das missas que mandarei celebrar durante todo o mês de junho pelos participantes da nossa campanha.

Certo de que o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria derramarão tesouros de graça e misericórdia sobre você e toda a sua família, despeço-me com muita estima.

Em Jesus e Maria

 

 

João Sérgio Guimarães

coordenador de campanhas

 

Acesse este PDF e conheça um pouco da mensagem de Jesus a Santa Margarida Maria e o que é o Detem-te: Clique aqui

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Novena irresistível ao Sagrado Coração de Jesus

Esta novena merece este título por ser uma oração na qual a pessoa se dirige ao Sagrado Coração de Jesus apresentando-Lhe as razões mais fortes para alcançar as graças temporais e, sobretudo, espirituais desejadas.

Assim como o melhor dos pais atende com maior solicitude a um filho, de acordo com o pedido e o modo de pedir, também o Sagrado Coração de Jesus é mais propenso a nos conceder o que precisamos quando, por meio do Imaculado Coração de Maria, alegamos altas razões em nosso favor.

E as alegações indicadas nesta novena tornam-na irresistível.

Passo a comentá-la:

Ó meu Jesus, que dissestes: “Em verdade vos digo: pedi e recebereis, procurai e achareis, batei e ser-vos-á aberto”. Eis que eu bato, procuro e peço… (fazer o pedido).

É um pedido admirável e inteiramente racional. Tomando as palavras do Sagrado Coração de Jesus, que jamais mente, invoca esta promessa de misericórdia diante d’Ele. Então, quando tivermos problemas espirituais, sobretudo, dizer isto a Ele, na Comunhão ou em outras ocasiões, é soberanamente eficiente.

Ó meu Jesus, que dissestes: “Em verdade vos digo: qualquer coisa que peçais a meu Pai em meu nome, Ele vo-lo concederá!” Eis que a vosso Pai, no vosso nome, eu Vos peço… (fazer o pedido).

Realmente, é outra promessa d’Ele que se deve invocar. Quem pedir ao Pai Eterno algo em nome de Jesus e, consequentemente, quem pedir a Nosso Senhor em nome de Nossa Senhora, obterá.

Ó meu Jesus, que dissestes: “Em verdade vos digo: passarão o céu e a terra, mas as minhas palavras jamais!” Eis que, apoiado na infalibilidade de vossas santas palavras, eu Vos peço… (fazer o pedido).

Primeiro vêm duas palavras d’Ele, em seguida, lembramos-Lhe que essas palavras são infalíveis.

É um modo de rezar altamente piedoso e benfazejo, próprio de uma piedade raciocinada e clara, que realmente arrasta o Sagrado Coração de Jesus: “Vós dissestes isto e aquilo, garantindo-me que serei atendido. Ora, Vós nunca mentis, e eu Vos peço, portanto, que realmente me atendais”.

Depois vem a parte final que é muito bonita:

Ó Sagrado Coração de Jesus, a quem uma única coisa é impossível, isto é, não ter compaixão dos infelizes, tende piedade de nós, míseros pecadores, e concedei-nos as graças que Vos pedimos, por intermédio do Coração Imaculado de vossa e nossa terna Mãe.

Sobretudo é impossível ao Sagrado Coração de Jesus, quando solicitado por Nossa Senhora, não ter compaixão daqueles que sofrem as dificuldades, as agruras, as tentações e, diríamos até, as misérias da vida espiritual.

Rei e centro de todos os corações

Era a festa do Sagrado Coração de Jesus. No auditório Nossa Senhora Auxiliadora(1), sob o comprazido olhar de Dr. Plinio, um grupo de jovens discípulos entra em cortejo portando uma bela imagem de Nosso Senhor, enquanto entoava-se a ladainha com invocações a Ele dirigidas. Ao final do cântico, pronunciou Dr. Plinio as palavras aqui recordadas.

 

A celebração de hoje possui tantos aspectos quantas as invocações desta ladainha, tão ricas que sobre cada uma delas se poderia fazer uma conferência.

Com efeito, todo católico que permanece fiel aos mandamentos da Lei de Deus precisa admirar as virtudes suplicadas nessa prece, pois são essenciais para a vida espiritual. Em sua existência terrena, Nosso Senhor deu exemplos salientes, flagrantes e belíssimos dessas virtudes; exemplos indeléveis que iluminarão o mundo durante toda a História da humanidade na Terra, e os bem-aventurados no Céu, por toda a eternidade.

Mais do que reinar sobre pessoas

Há, porém, uma invocação especialmente digna de nota e sobre a qual tecerei alguns comentários: Coração de Jesus, Rei e centro de todos os corações.

Na Igreja, todas as coisas, por mais que toquem no sentimento — e isso é bom —, têm razão de ser profunda, porque baseadas na Teologia e, portanto, numa doutrina muito sólida e segura.

Devemos nos perguntar, então, qual a diferença entre ser Rei e centro de todos os corações.

Sendo Nosso Senhor verdadeiro Deus e verdadeiro homem, é Rei de todas as coisas e, por conseguinte, dos homens. Mas, há diferenças entre governar um povo e reinar nos corações dos súditos.

Um monarca é capaz de exercer efetivamente o poder por direito, entretanto se não manifestar as virtudes e qualidades próprias à realeza, poderá ser malquisto e até detestado pelo seu povo. Donde, reinar nos corações é muito superior a imperar apenas sobre as pessoas.

Senhor da nossa vontade

Estendamos a análise. Segundo antiga simbologia, o coração representa a afetividade do homem. Assim, a mencionada invocação significa que Jesus tem o direito e, de fato, o poder de atrair o afeto e o carinho de todos os homens.

Porém, tais sentimentos fazem parte de um todo, a vontade humana, maior do que as partes, da qual Nosso Senhor é, pois, o Rei e o centro. Assim, cumpre que essa vontade reconheça o dever de amá-Lo, e cabe a nós praticar o ato volitivo ordenado a esse amor, embora às vezes nos encontremos na aridez e numa completa falta de sensibilidade de carinho e afeição (provação, aliás, freqüente na vida espiritual). Seja como for, importa termos a vontade firme, de têmpera, séria, a qual se acha convicta de que Jesus tem o direito de ser este seu Rei, centro de todos os corações.

Na prática, uma realeza não reconhecida

Tal verdade, considerada e compreendida desse modo, é realmente irretorquível e bela. Mas, poder-se-ia perguntar, na prática, no quotidiano dos homens, será efetiva?

Recordemos as cenas da Paixão do Redentor. No Horto das Oliveiras, Jesus se queixou dos Apóstolos que O acompanhavam, porque não vigiaram com Ele durante uma hora. Enquanto isso, Judas se apressava em traí-Lo. Por duas vezes veio ao encontro dos discípulos, banhado em sangue que transudara por causa do seu estado de aflição e pavor, e que deveria incutir neles compaixão pelo Mestre. Porém, suas sensibilidades não se moveram. Apenas despertaram, viram-No e continuaram a dormir…

Mas, o pior consistiu em que eles não tinham firme vontade e resolução de Lhe fazer companhia, de consolá-Lo e depois segui-Lo até o alto do Calvário. Os episódios subsequentes o demonstram de forma dolorosamente clara.

Ora, como acima entendemos, Nosso Senhor tinha o direito de ser Rei daqueles corações. Entretanto, não o era de fato, porque aquelas vontades não reconheciam a sua realeza, não era desejado nem querido como deveria sê-lo.

Toda a falta de responsabilidade dos Apóstolos nos acontecimentos culminantes da Paixão mostram do que é capaz o homem, quando tem para com o Redentor apenas um carinho sensível, e não a força de vontade a qual, na aridez e até na desolação, o torna fiel.

Reino de Maria, Reino do Coração de Jesus

Então, nos indagamos: quando o reinado do Sagrado Coração de Jesus será efetivo na Terra?

Respondemos com o grande São Luís Grignion de Montfort: no Reino de Maria.

Compreende-se. Nossa Senhora está sempre voltada para Cristo. Estabelecer o reino d’Ela é instaurar o do Sagrado Coração de Jesus.

Pelas preces insistentes da Santíssima Virgem, já agora e, sobretudo, no seu reino, será concedido aos homens, não apenas os maiores graus de sensibilidade para com o Coração de Jesus, mas uma extraordinária firmeza de vontade em relação aos seus régios desígnios. Quer dizer, sendo Ele nosso Rei por direito, auxiliados pela graça tomaremos sempre a atitude de súditos diante de seu monarca, não recuando sequer face à necessidade de dar a vida em defesa de seu reinado, batalhando nos degraus do trono.

O papel das firmes convicções

É necessário acrescentar que ninguém terá vontade firme se não possuir igualmente convicções sólidas. Quem não estiver persuadido, por uma fé inabalável, da divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo e da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, será incapaz de grandes resoluções. Chegada a hora do sacrifício e do holocausto, haverá um choque. O instinto de conservação da vida ou dos bens que lhe convêm — como a riqueza, a reputação, a posição social, a saúde, etc. — estando ameaçados, a tendência será poupá-los em benefício do interessado. O egoísmo é a hipertrofia desse instinto.

Nesse momento, surgirá uma pergunta soprada pelo próprio instinto: “O motivo pelo qual me vou sacrificar a Ele, resistirá verdadeiramente ao raciocínio?”

Tal indagação será um jeito que a covardia humana encontrará para fugir do dever, sem ter a sensação de o estar violando: “Afinal, eu me examinei naquela circunstância, e me dei conta de que minhas razões não eram suficientemente definidas e vigorosas; portanto, não tenho obrigação de me sacrificar. Não estou persuadido da necessidade de semelhante atitude”.

Compreendemos, então, como a persuasão é um elemento fundamental desse conjunto de fatores por onde Nosso Senhor Jesus Cristo é aceito como autêntico Rei dos corações.

Assim, nossas certezas precisam ser tão firmes ou mais quanto nossas resoluções. O católico deve dizer para si mesmo: “Tenho uma fé inabalável, a qual exclui qualquer dúvida de que Jesus Cristo é meu Deus e Redentor, esteve na Terra, realizou todas as ações narradas no Evangelho, entre outras a de fundar a Igreja, ensinou a doutrina e fez os milagres ali descritos; provou por meio de sua Ressurreição e Ascensão, a veracidade de tudo quanto Ele é e disse. Convicto dessas razões, estou disposto a morrer por Nosso Senhor”.

Corações feitos à imagem do de Jesus

Ora, não raramente observamos o contrário dessa certeza: o relativismo. “Jesus Cristo foi tão bom e santo, uma figura extraordinária que, provavelmente, tenha existido. Certeza disso não tenho, porque não estou habituado a ter certezas. Meu espírito vagabundo, relaxado e cínico, que não diferencia claramente a verdade do erro, mas baila num terreno pantanoso, não possui convicções. E, por mais que estudasse a questão — não o farei, porque não costumo estudar nada — sou incapaz de formar uma certeza, a qual supõe um coração firme”.

Percebemos, portanto, que na raiz da convicção encontra-se uma vontade segura e séria: “Verdade, eu te quero. Por causa disso, meu espírito à tua procura deve ser como um gládio que corta em duas partes as trevas e obtém a luz!”

Estes são os corações feitos segundo o Coração de Jesus. Ele nos deu todas as provas possíveis de ser o nosso arqui modelo, tendo feito seu sacrifício a ponto de bradar no alto da Cruz: “Meu Pai, meu Pai, por que me abandonaste?”, e, em seguida, expirar. Vale recordar que tal brado é o início de um salmo profético (cf. Sl 21, 2). Além disso, a frase de Nosso Senhor para o bom ladrão — “Hoje estarás comigo no Paraíso” — manifesta sua certeza e determinação de ir até o fim, através dos piores escolhos e das maiores dificuldades. O Coração de Jesus é, pois, nosso exemplo arqui perfeito da fé, da vontade e das convicções inabaláveis.

Manancial de graças e misericórdias

Mais ainda. É a própria fonte de onde irradiam as graças pelas quais somos capazes de adquirir essa certeza e a força de vontade que o homem, por si mesmo, é incapaz de possuir quando tem em vista fins sobrenaturais. Somente o consegue mediante o auxílio das graças do Céu.

Compreendamos então o aspecto sensível do símbolo: o Coração de Jesus é o receptáculo repleto de misericórdia e afeto para quem Lhe rogue essas graças. Ele deseja concedê-las e está à espera, na infinidade de suas riquezas, de alguém que Lhe peça uma parte ou a plenitude delas — conforme caiba na alma de cada pessoa — para atender com inimaginável abundância.

Acredito serem tais considerações extremamente propícias a nos secundar em nosso progresso na vida espiritual, pois nos apresentam os elementos necessários para vencermos a tibieza e a indolência que eventualmente nos assaltem nas vias de piedade que devemos trilhar.

Observados esses princípios que acabamos de analisar, Nosso Senhor, Rei de direito, torna-se Rei de fato. Se os homens forem assim — e não importa que o sejam todos numericamente falando, mas a parte de maior influência e irradiação na sociedade, aquela capaz de conduzir as vontades conforme o Sagrado Coração de Jesus — o Reino de Maria estará implantado.

Multiplicidade de aspectos da devoção ao Sagrado Coração de Jesus

Enquanto a Revolução quer que as pessoas não tenham amor autêntico umas às outras, mas sejam completamente egoístas, a Contra-Revolução promove um relacionamento humano fundamentado no verdadeiro amor, o qual converge para o Sagrado Coração de Jesus, que é o centro de tudo. Portanto, Ele é o centro da Contra-Revolução.

 

O fenômeno revolucionário, examinado como ele está descrito em meu livro Revolução e Contra-Revolução, é antes de tudo um problema espiritual. O resto é secundário, colateral, por maior importância que tenha.

Portanto, o aspecto mais importante é a atitude que o fiel toma em relação a Nosso Senhor Jesus Cristo, e mais especialmente ao Sagrado Coração d’Ele, que é a quintessência de tudo quanto há n’Ele de perfeição e de amor.

Por que esse é um ponto fundamental?

A relação dos homens com o Sagrado Coração de Jesus é o centro do relacionamento humano

O centro das relações humanas é o amor que as pessoas tenham entre si. É uma coisa evidente.

Se nas relações de duas pessoas o centro é a simpatia e a antipatia existente entre elas, tomando em consideração uma qualidade muito maior do que essas meras disposições humanas, a observação é válida do mesmo modo, ou até vale mais acentuadamente.

É por esta razão que uma senhora, por exemplo, afeita a considerar a devoção como centro da vida espiritual, e o Coração de Jesus centro dessa devoção, pode ser o ponto de partida e o centro de toda a Contra-Revolução.

Assim, em última análise, aquele dito de Dona Lucilia “viver é estar juntos, olhar-se e querer-se bem” indica o centro da vida do homem na Terra.

De fato, na medida em que um homem tem pessoas a quem ame, com as quais conviva, às quais queira bem e das quais é, por seu turno, bem-querido, ele pode ser o centro de um entrelaçamento enorme de relações, em que tudo corre retamente, porque esta é a própria definição da retidão das relações dos seres humanos entre si.

E para que tudo corra bem e retamente nessas inter-relações, é preciso compreender que se deve ter como ponto de partida o próprio homem, e tudo aquilo que ele faz. Por causa disso, a relação dos homens com o Sagrado Coração de Jesus é o centro de tudo. Logo, o centro da Contra-Revolução.

No caso concreto, a Revolução quer, sobretudo, que as pessoas não tenham amor autêntico umas às outras, amor a nada nem a ninguém, mas sejam completamente frias, egoístas.

Por outro lado, ela quer que esse enregelamento de volições e de apetências seja durável e perpétuo. Então nós temos todo um relacionamento humano errado, enquanto que se considerarmos o relacionamento humano voltado inteiramente para o bem, veremos como a situação muda completamente de aspecto.

Então, o ponto principal é saber por que os homens devem amar especialmente o Sagrado Coração de Jesus e se, de fato, O amam. Se não amam, como devem fazer para adquirir esse amor? Esse é o centro da espiritualidade católica.

Uma das formas de retidão do Reino de Maria

Essa devoção marcou a vida inteira de Dona Lucilia e foi certamente neste ponto que ela mais atuou sobre mim. Quer dizer, as relações de mamãe com as pessoas a quem ela quis bem eram desenvolvimentos desse relacionamento com o Sagrado Coração de Jesus.

Quando eu era pequeno, tinha o defeito de ser muito volúvel em minhas relações de amizade. Fazia relações boas e, de repente, aquilo me cansava, eu metia um “pontapé” naquele amigo como se nunca tivesse existido e pegava outro. E Dona Lucilia não gostava nada disso.

— Onde é que está tal amigo seu? — perguntava ela.

— Mamãe, ele está por aí — eu já tinha dado o “pontapé” nele e não queria saber.

— Mas por aí aonde? Ele saiu da Terra?

— Não, meu bem, quer dizer, ele…

— Olha, Plinio, eu já estou vendo o que aconteceu. Você já se enfarou dele e já lhe meteu um “pontapé”. É uma pessoa que lhe queria bem e a quem você não podia fazer uma coisa dessas.

— Mamãe, ele é muito sem graça… 

— Você lá sabe se outras pessoas não acham você sem graça e, entretanto, devem querer bem a você? Queira bem aos outros…

Vê-se que para ela as relações afetuosas, bem centradas sobre os temas em que deviam ser, era uma coisa inestimável. É compreensível que Dona Lucilia queira nos obter isto de Nossa Senhora e fazer disto uma das formas da retidão no próprio Reino de Maria na Terra.

De fato, nas revelações a Santa Margarida Maria Alacoque, o Sagrado Coração de Jesus dava a entender que a devoção a Ele traria ao mundo uma era que os devotos do Sagrado Coração de Jesus chamaram de “o reinado social de Nosso Senhor Jesus Cristo”, o qual corresponde ao Reino de Maria. 

Em determinado momento virá, sem dúvida, uma graça excepcional de devoção ao Sagrado Coração de Jesus, e tem-se a impressão de que surgirão almas privilegiadas que deverão espelhar, cada uma a seu modo, a multiplicidade de aspectos da devoção ao Sagrado Coração, e por esta forma dar a Ele uma glória especial.

Erros que avançavam à maneira da lava que escorre das montanhas

Por outro lado, quando vemos Nosso Senhor falar a respeito da consagração ao seu Sagrado Coração, tem-se a impressão de que Ele considera a batalha entre a piedade e a impiedade, o bem e o mal, a verdade e o erro, um combate que se porá sempre, em termos gerais, na linha em que ele estava posto já no tempo de Santa Margarida Maria Alacoque.

Sem que esta visão deixe de ser exata, é preciso considerar, entretanto, que um aspecto dessa batalha foi mudando com o passar dos séculos, a ponto de merecer ser analisado separadamente. É o modo pelo qual o erro começou a combater a verdade, disfarçando-se de tal maneira, primeiro no modernismo, e depois, cortado o modernismo por São Pio X, em erros congêneres até nossos dias.

Dir-se-ia que o erro passou a ser tão envolvente, penetrante e dominador, dentro da própria Igreja, que o curso das coisas mudou na perspectiva do Sagrado Coração de Jesus — o que seria um absurdo —, e que se inaugurou um clima de luta onde nem a devoção ao Sagrado Coração de Jesus tinha muita coisa a fazer, porque já não é mais o erro contra a verdade, mas a pseudo verdade contra a verdade, o pseudo bem contra o bem.

De tal maneira que a luta principal passou a ser interna e produziu na Igreja movimentos tão desastrados, que devoções como a do Sagrado Coração de Jesus e a do Imaculado Coração de Maria saíram da ordem do dia na piedade corrente.

Sempre me chamou muito a atenção, na devoção ao Sagrado Coração de Jesus, a noção de que Ele estava sendo ofendido, traído, abandonado de um modo horrível pelo ateísmo, pelas formas expressas de combate contra a Igreja, mas também por uma espécie de moleza dos católicos em reagirem contra todas essas ações anticatólicas.

Parecia-me que o conjunto da luta da impiedade declarada e o relaxamento, a moleza e a indiferença de pessoas que se diziam católicas — e o eram, mas católicos relaxados na miserável força do termo — constituía um pecado, uma ofensa enorme a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Tanto quanto eu percebia, esse movimento vinha de muito antes, avançando à maneira da lava que escorre das montanhas: um líquido espesso, viscoso que vai indo com um jeito meio pesadão, cobrindo e dominando tudo. Nosso Senhor Jesus Cristo, portanto, nessa perspectiva era ofendido.

Ademais, eu notava outra coisa que também me chocava muito: falava-se, certamente, da devoção reparadora à apostasia social em relação a Nosso Senhor Jesus Cristo e ao reinado de seu Sagrado Coração. Contudo, não era o ponto sensível das cogitações sobre o Sagrado Coração de Jesus.

O ponto sensível — aliás, ponto adorável, admirável que, se bem orientado, faz prever a vitória d’Ele de um modo muito assinalado — era a ideia de que Nosso Senhor Jesus Cristo era a personificação da misericórdia.

Na simbologia do tempo, a devoção ao Sagrado Coração de Jesus era a devoção do pecador ao qual pesa andar mal, mas não tem coragem nem força para tomar a resolução de passar a andar bem e que, portanto, só teria razões para se desesperar.

Entretanto, esse pecador nessas condições, tomando em consideração a misericórdia infinita do Sagrado Coração de Jesus, se implorasse essa misericórdia e recebesse graças intensas e fortes, se realizariam nele as palavras do Salmo: “Asperges me hyssopo, et mundabor; lavabis me, et super nivem dealbabor” (Sl 50, 9) — aspergi-me e ficarei puro; lavai-me e me tornarei mais branco do que a neve.

Devoção que cessava na emoção e não gerava frutos de verdadeira conversão

Tudo isso é verdadeiro. Entretanto, o desvio estava na difusão da ideia de que essa transformação se dava sem esforço do pecador, por um movimento concebido como partindo do Sagrado Coração de Jesus e mais nada, e trazendo automaticamente uma correção, uma retificação da posição moral do pecador, quase por encanto, e muitas vezes consistindo em uma graça recebida na hora da morte.

Quer dizer, pessoas que se consideravam tão más que sabiam não adiantar vir com correções durante a vida, mas, na hora da morte, receberiam uma graça assim. E a pessoa, nesse último instante, ganhava o Céu.

Essa concepção dava a inúmeros católicos um desejo de acabar se salvando, mas não um desejo muito ardente de correção moral nesta vida. É uma espécie de loteria para, nas vésperas ou no dia da morte, ser ganha e ir para o Céu. O resto do tempo, a pessoa levou vida gostosa na Terra.

No modo de tratarem da devoção ao Sagrado Coração de Jesus e de falarem dela ao pecador, poucas coisas estimulavam o desejo de uma retificação e de um bom andamento espiritual diante de Jesus ofendidíssimo querendo uma reparação.

Estimulava-se um movimento emotivo diante de tanta misericórdia. Mas esse movimento emotivo cessava na emoção, a qual não era geradora de penitência, em grande número de casos, mas apenas de uma piedosa tristeza que não dava em nada, conservando-se inteiramente estéril.

Então, essa devoção, insinuada assim, com essas supressões de determinados aspectos inerentes a ela, acabaria sendo uma forma de piedade que era a melhor possível para o pecador, considerados os interesses meramente terrenos dele.

Porque, em última análise, ele recebia graças inefáveis, e não era obrigado, e nem sequer estimulado, a uma contrapartida, mas simplesmente a chorar: “Ah! como eu tenho pena de estar nessa vida de pecado, ofendendo a Deus… Que pena! Mas afinal, continuarei nessa vida… Posso até usar um escapulário do Coração de Jesus, conservar um detente, com a efígie de Jesus mostrando seu Sagrado Coração, para evitar que tiros possam bater em mim…”

Isso contribuía para dar ao pecador uma presunção temerária de salvar-se sem estar, de fato, tocado por uma autêntica devoção.

Conheci incontáveis pessoas nas quais essa devoção era vivida assim.

Para esse tipo de gente, não havia a preocupação da globalidade da sociedade que está se perdendo, nem da batalha em favor de conservar ou não uma Civilização Cristã no mundo. Tinham a questão da salvação, sobretudo, como uma preocupação individual: para si, a esposa, os filhos, e acabou-se.

Entre essas pessoas não vi um caso de alguém que quisesse converter outro por ser este capaz de converter um grande número de pessoas. Esse horizonte maior, de converter muita gente, se esfumaçava na concepção dessa atitude devocional e isso desaparecia.

Desvio provocado pelo sentimentalismo

Notava-se muito isso nas orações compostas ao Sagrado Coração, que giravam, na imensa maioria dos casos, em torno de problemas pessoais. Eram, em geral, muito sentimentais.

Para os adeptos desse tipo de devoção, a lógica parecia uma coisa dura, inflexível, contrária à bondade. De maneira que até mesmo o uso de argumentos muito lógicos para propagar a devoção não era visto como o melhor meio. O melhor meio era apresentar Nosso Senhor nos fazendo grande bem, sem a preocupação de retribuir-Lhe adequadamente. Porque, afinal, que mal havia em não Lhe retribuir adequadamente? Não existia a noção clara, definida, de um pecado contra a justiça.

O principal era incutir a ideia de que o pranto do Sagrado Coração, em rigor de sentimentalismo, deveria provocar um pranto nosso que fosse o eco do d’Ele, mas o eco afetivo.

Assim, o coração era apresentado como sendo a impressionabilidade sentimental, e não a mentalidade, o propósito, o ânimo, a decisão do homem.

Por causa disso a pessoa, não sendo sentimental, ficava meio exilada desse campo. E, como tal, embora não fosse malvista nem perseguida, também não era promovida; ela ficava no ‘bas-fond’ do mundo das associações religiosas, quer dizer, na parte dos ignorados, dos não influentes dentro dessas associações.

Não quero fazer a mínima censura — porque isso estaria longe da boa doutrina — ao uso largo do sentimento como elemento da piedade. A minha ideia é essa: quantum potes tantum aude — quanto se possa tanto se ouse — utilizar o sentimento como elemento indispensável e complementar da piedade. Mas fazendo entender bem que sem o raciocínio iluminado pela Fé, sem a decisão firme e forte da vontade motivada por razões doutrinárias específicas e adequadas, o resto não está bem. E é exatamente neste ponto em que entramos em desacordo com essa concepção equivocada de devoção.

Cheguei a ouvir críticas a essa devoção no sentido de que o amor amolece, é uma espécie de ópio que anestesia as firmezas, as vitalidades da alma e, portanto, era preciso deixar de lado, para dar lugar ao raciocínio. Contra isto eu protesto com toda a força de minha alma. Mas que esteja ausente, ou fora do lugar que lhe é devido na hierarquia das coisas, a parte intelectiva e a volitiva, com isso não posso concordar de nenhum modo.

Quando Nosso Senhor deseja vencer pela misericórdia e quando pela punição?

Há outro aspecto importante a considerar na devoção ao Sagrado Coração de Jesus.

Quando Nosso Senhor disse a Santa Margarida Maria Alacoque “vencerei”, o tom que está presente objetivamente, não como uma elucubração, é o de que, em muitos casos, a misericórdia d’Ele chegará a tal extremo que vai tocar os mais miseráveis e os mais infames, e alcançará, por esta via, conversões fulgurantes. Portanto, a vitória é sobre os improváveis, os inimagináveis, por meio dessa misericórdia que vai até o fim, por onde Nosso Senhor venceu, por exemplo, o Bom Ladrão.

Uma questão muito bonita seria: quando é que Nosso Senhor deseja vencer pela misericórdia e quando Ele quer vencer pela punição?

Eu tive um manualzinho, um tratadinho de devoção ao Coração de Jesus, que comprei exclusivamente pelo seguinte: folheando, antes de comprar, vi que o título do primeiro capítulo era “As iras do Coração de Jesus”.

O capítulo sustentava a tese de que Nosso Senhor, tendo a natureza humana perfeita, não podia deixar de ter iras também. O livro indicava os episódios da vida de Jesus nos quais Ele manifestou essas iras. E concluía que uma devoção ao Coração irado de Jesus teria todo o cabimento teológico.

Mas eu não ouvi falar de um caso no mundo de devoção ao Coração irado de Jesus, que pedisse aos outros corações a ira santa tão necessária para bem conduzir o bom combate.

Vê-se nisso um combate à combatividade que, por silêncio e ablação, criavam um ambiente devocional falso. Ora, esse silêncio é próprio a despertar as iras do Coração de Jesus.

Como reparação por esses equívocos, poder-se-ia rezar, por exemplo, a seguinte jaculatória: “Ó Coração irado de Jesus, comunicai-me a vossa ira santa, de maneira a fazer de mim um competente batalhador por Vós.”

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 24/4/1994 e 22/1/995)

 

Morar no Sagrado Coração de Jesus

Eminentemente contemplativo, Dr. Plinio discernia em uma imagem as virtudes do Sagrado Coração de Jesus, cuja consideração maravilhada levou-o, do desejo de uma vida deleitável na prática do bem, ao encanto pelo heroísmo e à luta contra a Revolução.

 

É conhecida a experiência pela qual, fazendo-se girar em alta velocidade um disco composto das cores do arco-íris, cria-se a ilusão de que o disco tornou-se branco. É inegável que o branco tenha sua beleza, como síntese e matriz de todas as cores.

As virtudes se relacionam entre si à maneira das asas de uma borboleta azul e prata

Entretanto, há outro modo das cores se inter-relacionarem que notamos, por exemplo, nas asas da borboleta azul e prata. Não que uma asa seja azul e outra prateada — seria um pesadelo —, mas, conforme o movimento da luz, o azul se transforma em prateado e o prateado em azul. De maneira que, por assim dizer, se teria a ilusão de que uma cor habita na outra.

O conjunto de verdades ou de virtudes numa alma só manifesta sua inteira beleza vista assim, na linha deste furta-cor do azul e prateado na asa da borboleta. Quer dizer, quando se olha uma virtude, de repente, fixando a atenção não apenas especulativa, mas também descritiva, percebe-se sair de dentro outra virtude.

Isso se dá muito com as virtudes cardeais. Considerem, por exemplo, a fortaleza. Em determinado momento, percebe-se que se desprende dela, no mesmo ato da mesma pessoa, algo que se aprecia no ato total, mas seria simplificar chamar apenas de fortaleza. Essa “cor” que se faz notar seria a virtude da prudência. E assim também com as outras virtudes cardeais.

Naturalmente, numa esfera muito mais alta, provavelmente se poderá dizer o mesmo das virtudes teologais.

A meu ver, o inconfundível “unum” de uma pessoa não se deixa ver a não ser por meio de refrações como essas, pelo menos nesta Terra. Esse é o “unum” que representa aquele fundo da alma que, ao tratarmos com um indivíduo, passamos a vida inteira procurando e conhecendo sempre melhor, sem nunca conhecê-lo até o fundo.

Impressões causadas pela Igreja do Sagrado Coração de Jesus

Digo isso para vermos como devemos analisar nossos modelos. Nunca os compreendemos tão bem como no momento em que de uma virtude se desprende outra. Na hora do “borboletear” da coisa é que se pega bem o que é o total.

Se nos perguntamos se a asa da borboleta é azul ou prateada, a resposta é: para além de azul e de prateada, ela tem algo que a capacidade cromática da vista humana não capta, e que não é o contrário do azul nem do prateado, mas uma coisa que não podemos alcançar porque ora se mostra azul, ora prateada. E o azul e o prateado não mentem quando nos dizem ser aquela asa azul ou prateada; mas ela o é de um outro modo que nós não somos capazes de perceber. Há uma coisa mais bela dentro disso.

Por exemplo, no caráter espiritual-temporal no Império Austro-Húngaro, o que era mais bonito: o caráter acidentalmente espiritual que marcava esse Império, ou o caráter essencialmente temporal, enquanto marcado pelo espiritual? Essas coisas não se discernem. Mas, assim como com o azul e o prateado, de uma coisa sai a outra.

Creio que esse fenômeno não é privativo dos santos de comprovada heroicidade de virtudes e próprios a serem canonizados, mas se verifica em todas as almas virtuosas, entendidas como tais as que estão na graça de Deus. Assim, eu poderia explicitar um pouco mais as impressões que tive, quando pequenino, na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, e depois as que, a vida inteira, deu-me a Igreja Católica.

A seriedade do Sagrado Coração de Jesus, por exemplo, me impressionava muito. Mas era uma seriedade na qual eu poderia distinguir pelo menos alguns aspectos; porque no seu fundo a seriedade traz consigo que a pessoa, ao observar algo ou alguém, considere-o enquanto inserido em todo o contexto do Universo.

Isso remete a realidades sobrenaturais tão altas que o indivíduo fica meio desconcertado. E a seriedade, vista debaixo desse ângulo, é meio amedrontadora. Há mesmo qualquer coisa dela que muitos homens creem não poder suportar.

Um pequeno episódio da vida doméstica

Por exemplo, uma criança é meio estabanada e deixa cair um copo d’água no tapete. Este episódio tem um inconveniente minúsculo para a vida doméstica; é preciso secar a água e talvez tomar uma pequena providência para não danificar o tapete.

Digamos que isso se dê na casa dos avós da criança, onde também estão presentes seus pais. O trabalho da mãe é passar um pitozinho na criança, para ela aprender a não ser estabanada; mas um pito com leveza, proporcionado à banalidade do que aconteceu, obrigando a criança a trabalhar para secar aquela água, praticar um pouquinho de penitência. Mas deixando-a entrever que aquilo não vai ter muita duração; é um pequeno episódio. À noite, na hora de dormir, ela já nem se lembra do que aconteceu.

A mãe, portanto, tem em vista operações práticas — salvar o tapete —, mas também a educação da criança, que é uma finalidade mais alta. Mas ela visa as vantagens imediatas da criança, evitar que fique tonta, não ganhe prêmio no colégio, etc.; enfim todo o futuro psicológico da criança.

O pai olha com muito menos sensibilidade, preocupado com outras coisas, considerando aquilo meio uma bagatela, mas ao mesmo tempo tomando uma atitude diante do fato por onde a criança compreenda que, se isso se repetir, o ajuste de contas será com ele, que agirá com muito mais severidade do que a mãe.

O avô está lendo um jornal, e a avó uma revista ilustrada. Ao ver o que o menino fez, a avó cai na gargalhada:

— Que engraçado, olha como foi estabanadinho…

O avô:

— Se começa assim, começa mal, porque nessa idade já se tem que aprender…

A avó o defende:

— Não, não, coitadinho!

O avô:

— Olha, muita gente se perdeu porque se disse “coitadinho” em casos semelhantes…

E sobe às mais altas considerações.

Seriedade expressa pela imagem do Sagrado Coração de Jesus

Qual é a imagem perfeita da seriedade aí? No fundo é o avô, porque ele tem razão. Mas se uma criança fosse educada exclusivamente por esse avô, ela ficaria insegura, e não sei onde as coisas iriam parar. Sem dúvida, é verdade que muita gente foi para o Inferno porque, quando criança, não teve um avô para corrigir o estabanamento; mas é verdade também que, se a todo propósito se vai falar do Inferno para a criança, cria-se um ambiente impossível.

Algo dessa seriedade avoenga eu percebia que a imagem do Sagrado Coração de Jesus queria fazer entender. O modo de Nosso Senhor segurar o Coração, rodeado de espinhos e com uma chama, no centro da qual uma cruz; o Coração vermelho daquele modo, por mais bonito que seja, tirado de dentro do peito e exposto, dá uma ideia de certa violência. Tudo isso fazia lembrar a Paixão que Ele tinha sofrido. E a carga desses símbolos significava para mim uma pergunta feita por Nosso Senhor: “Você se dá conta de que, em cada ato mau, você feriu meu Coração? Olhe como Eu sou bom, meça o mal que você fez!”

E em cada imagem do Sagrado Coração de Jesus, feita com um mínimo de idoneidade artesanal ou artística, isso se exprime, a simbologia é essa.

Neste sentido, o apelo do Sagrado Coração de Jesus é admirável, e é bela a dimensão desse apelo: Como as coisas do homem tocam ao infinito! Como é bonita a vida quando se considera que cada pequeno fato toca no Céu, no Inferno! Como tudo é grande!

Tudo isso me vinha muito à mente na consideração do Sagrado Coração de Jesus, e também no ambiente imponderável da igreja. É fora de dúvida que se tratava de uma graça pela qual eu sublimava a imagem. Esta diz algo nessa direção, mas eu a sublimava involuntariamente por efeito da inocência. Mas de fato, para mim, aquela imagem dizia isto, era mesmo a primeira mensagem da imagem.

Doçura

Depois vinha a segunda mensagem: “Entretanto, meu filho, Eu não lhe digo isso para perdê-lo, mas perdoá-lo. Desejo perdoá-lo porque há em Mim a fonte de um afeto, de um carinho mais suave do que o veludo, mais ameno do que qualquer brisa do mar, completamente envolvente e capaz de inundá-lo inteiramente, nas últimas fibras do seu ser.”

De maneira que, logo depois da noção de cobrança, vinha-me a seguinte ideia:

As mãos d’Ele e um de seus pés, que aparece debaixo da túnica, estão chagados; meus defeitos concorreram para isso. Sinto que em mim há matéria-prima, não reprimida ainda, que pode vir dar em maldade. Eu até agora não sou alheio a esses defeitos; eles constituem minha pessoa e, embora sejam defeitos potenciais, não os rejeitei ainda.

Sinto que isso que Ele está me mostrando não é para cobrar algo de mim, para me castigar, nem se vingar, nem pôr o seu pé chagado, mas vencedor, sobre minha cabeça desvairada e pecadora; é para me dizer que, sem nenhum interesse próprio que não seja o amor da própria glória de Deus, Ele absolutamente não me cobraria nada, e está disposto a me pagar o bem pelo mal.

Porque me quer apesar de tudo, tem pena de mim, considera minha pequenez, meu isolamento, considera tudo, e tem algo a mais do que tudo isso, que me inunda como um mar: é a doçura d’Ele. Entra aqui outra ideia da grandeza: a seriedade d’Ele indica uma dimensão dessa doçura, que eu não seria capaz de medir só pela doçura.

Eu sentia bem que Ele dizia isso a mim, interiormente — não era aparição nem visão, mas estava na economia comum da graça —, não como quem vê passar pela estrada um pimpolho, perdido no meio de milhões de outros homens, e para o qual afirma: “Uma vez que você está aqui, Eu tenho algo a lhe dizer. Agora ande e trate de tirar proveito!” Se fosse isso, já teria sido boníssimo, muito mais do que eu mereço.

Mas é um Pastor, um Rei que empreendeu de me governar, vai me dar conselhos, indicações, ordens, me prepara o caminho para eu voltar até Ele. E que, portanto, quer absolutamente que eu seja dócil ao que Ele indique, porque, em primeiro lugar, Ele merece: Olha a perfeição d’Ele! Em segundo lugar, se eu não fizer isso, estou perdido. Vejo bem tudo quanto formiga em mim de ruim e, ou eu deito a atenção nisso ou, então, não sei até onde vou chegar!

E eu percebia bem que chegaria espantosamente até o fim de qualquer caminho que tomasse. E que, portanto, toda cabeça de caminho ou era bem escolhida, ou seria um bordo de precipício. Aliás, isso é com todo o mundo, não só comigo; eu não me sentia uma pessoa diferente das outras.

Asseio, boas maneiras, intransigência

Outra coisa que me encantava era o asseio e as boas maneiras de Jesus.

Por vezes Ele é apresentado como tendo uma túnica de uma cor que me atrai especialmente, o vermelho, com uma discreta bordadura dourada que me parecia indispensável à grandeza d’Ele. Sem ouro Nosso Senhor não teria sabido reverenciar sua própria grandeza como devia. E a consciência que Ele tinha da sua grandeza era uma coisa que me encantava.

E a túnica dava ideia de estar Ele perpetuamente limpíssimo, não tinha mancha nenhuma, nem na alma, nem na roupa. E essa limpeza na indumentária se manifestava ainda mais na limpeza do Corpo d’Ele. Não só não tinha nenhuma mancha, nada de ensebado ou de doente, mas parecia emitir luz.

E eu dizia a mim mesmo o seguinte: “Veja as boas maneiras d’Ele, como está em pé com distinção! O modo com que Ele segura o Coração é de uma pessoa bem educada. Como a impostação da cabeça é de uma pessoa que teve uma boa formação! Como a barba está bem arranjada, sem faceirice! Que supremo aristocratismo natural no cabelo! Tem-se a impressão de que Ele nem pensa no seu cabelo, mas não há um cacho, um fio, que não esteja inteiramente no lugar, para dar uma ideia perfeita d’Ele mesmo”.

Sei que foi um artista, um artesão que esculpiu essa imagem, mas percebo, pela perfeição moral d’Ele, que era de fato assim, e o artista quis exprimir uma coisa que havia na alma de Nosso Senhor. Então, meu encanto!

Conclusão: Como Ele é amigo da ordem universal! E coerente com essa ordem! Todas as coisas Ele as ama na ordem própria e no mais belo aspecto que elas podem apresentar de si mesmas. E com que carinho Ele as ama! Jesus gosta dessa rosa que foi posta aos pés d’Ele, um pouco como gosta de mim que estou aqui aos seus pés também. Ele é afim com tudo o que é reto, que não tem pecado.

Mas olhe a intransigência: basta ter um pecado, que Ele mostra o Coração ferido! Veja a pureza! Depois, como tudo isso está bem calculado, bem posto n’Ele! Que sabedoria!

Comer éclair ou Apfelstrudel com “chantilly” aos pés da imagem

À medida que eu via essas coisas — não com a precisão com que estou dando agora, mas com aquela intuição de uma criança —, ia me sentindo impregnado por elas, de fora para dentro. Quer dizer, Ele era assim; essas coisas não tinham sua nascente em mim, mas Nosso Senhor as comunicava. E daí o desejo evidente de me unir a Ele.

E não só de me unir, mas morar n’Ele. Se eu pudesse estudar, rezar, conversar com amigos, enfim, fazer tudo quanto faz um menino, aos pés da imagem do Sagrado Coração de Jesus, seria para mim uma explosão de alegria, porque a imagem impregnaria dessas perfeições tudo o que eu realizasse, inclusive meus amigos.

Notem uma particularidade: eu poderia afirmar que quereria estar o tempo inteiro rezando lá, dizendo não às brincadeiras, à comedoria, ao leito bom, ao meu conforto, tudo por amor a Ele. Não era isso, mas algo diferente: como seria bom se Jesus pudesse estar presidindo tudo isso! Toda a minha vida gostei muito de éclair e de Apfelstrudel com “chantilly”. Se pudesse trazer às escondidas esses doces e comer aos pés d’Ele, como eu ficaria contentíssimo!

Creio que não tinha nada de mau nisso. E, portanto, também dizer a Ele: “Senhor, aqui está um Apfelstrudel — ou um éclair — tão afim convosco, que eu vou me unir a Vós comendo-o e pensando em Vós. Abençoai este doce!”

E se eu não pudesse fazer tudo lá, depois iria embora dizendo: “Senhor, infinitas graças pela boa companhia que me destes!”

Explicitando a vocação

Há nisso, em raiz, a vocação da “consecratio mundi”, da sacralização da ordem temporal.

Não estava em mim ser nem asceta, nem revolucionário. Eu era um menino da ordem temporal, que gostava da ordem temporal, alegrando-me muito em poder deleitar-me com ela, mantendo meu estado de graça e sabendo que nesse meu deleite não entrava pecado, pelo contrário, era bom e afim com Ele.

E neste sentido, eu gostava enormemente, em certas horas, de estar só. Não propriamente rezando — embora isso já fosse oração —, mas eu me deleitava em ver como tudo aquilo não era pecado, como era bom. E se nesses momentos alguém me dissesse, com provas de evidência, que o Sagrado Coração de Jesus não existia, eu era capaz de ter uma convulsão, um ataque e morrer. Portanto, era uma atitude profundamente religiosa.

Nessas horas de silêncio, eu sentia uma paz e um gáudio sensível da virtude, da união com Ele, mas intensa, que era minha alegria de viver. E, como não conhecia a Revolução, eu pensava que a vida inteira seria assim.

Naquela fotografia onde apareço sentado no braço de uma poltrona — postura da qual não gostei, por ser esportiva e contrária às boas maneiras; mas o fotógrafo mandou, e vi que ele estava sancionado pela “Fräulein” —, eu estou feliz e sentindo que minha felicidade me vem disso que estou descrevendo. Lembro-me bem daquele momento.

Veio depois o contato com o Colégio São Luís e o encontro com a Revolução. Então, estouro! Apresenta-se o sofrimento, batendo na porta, inopinadamente. Começa a batalha!

Todo esse edifício anterior para o que serviria?

De um lado, ajudou-me enormemente, porque foi para mim um elemento de apoio para a resistência. De outro lado, diante das solicitações do mundo, o desejo de uma vida temporal honesta, limpa, com o tempo passou a ser uma vida temporal admiradora do heroico, que já não tem sentido a não ser em função do heroísmo.

Era minha vocação que ia se explicitando através dessas evoluções.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 18/10/1985)

Diante do Sagrado Coração de Jesus

A devoção ao Sagrado Coração de Jesus, desde cedo se acendeu no interior do pequeno Plinio. Morando nas cercanias de Sua Igreja, sentia-se atraído por sua Bondade e Misericórdia, tal qual narraria mais tarde.

 

Bondade e Nobreza do Sagrado Coração de Jesus

Não me custou perceber que Nosso Senhor Jesus Cristo, especificamente enquanto fazendo ver seu Coração aos homens, era a fonte infinita da qual emanava todo o bem. E nele realizavam-se todas as perfeições e maravilhas de alma possíveis, de um modo que eu jamais poderia ter imaginado! E, ao discernir o bom espírito que havia em todas as coisas da Igreja, pensava: “Este ambiente é o reflexo d’Ele! A harmonia que encontro aqui é o próprio Deus. Ele é isso num grau supremo, extraordinário, perfeito e infinito”.

Às vezes, permanecia diante da imagem do Sagrado Coração de Jesus que existe num altar lateral da igreja [do Sagrado Coração de Jesus]. Via-O em pé, muito nobre e com um sorriso ligeiramente triste, mas imensamente convidativo, tocando com a mão no Coração e olhando para quem estava embaixo, como se dissesse:

“Queres um lugar aqui dentro? Não Me aceitas? Olha que tesouro! Isto é para ti!”.

Eu olhava e pensava: “Bem sei que isto é uma imagem e não um homem, mas as pessoas que construíram a igreja querem que Deus seja visto assim e, por isso, representaram Nosso Senhor dessa forma. Ora, Deus, visto assim, é completo! Percebo que Ele é de fato assim.

“Que fisionomia! A beleza de que ouço falar por aí não vale nada! Se um dia eu quisesse analisar a idéia de formosura, eu viria aqui para olhar a fisionomia d’Ele, pois só Ele é bonito! Esse é o padrão: uma beleza de alma, mais do que de corpo. Mas, que corpo…! E por detrás dele, que alma…! Que maravilha!

“Dado que essa imagem coincide de um modo inteiramente satisfatório com o ambiente da igreja e com o que me ensinaram a respeito de Nosso Senhor, olhando a sua fisionomia, suas mãos, seu traje, seus cabelos e seu gesto, terei uma ideia global a respeito d’Ele, que posso tornar mais precisa e mais rica em contornos, se examinar cada ponto. Sobretudo seus divinos olhos e seu Sagrado Coração.”

Começava, então, a fazer a análise psicológica d’Ele e assim O discernia. Hoje vejo o quanto eu “arquetipizava” a imagem por efeito da minha inocência, pois ela está realmente distante daquilo que a graça me fazia ver. Numa atitude de respeito e de adoração, eu compunha a mais alta das idéias que minha mente de criança podia formar. De maneira que, quando muito mais tarde conheci o Santo Sudário, exclamei: “É Ele!”.

Posso dizer que aquilo que eu via na infância representava ainda mais fielmente a Nosso Senhor do que o próprio Santo Sudário, o que se compreende facilmente, pois este O mostra enquanto morto e vítima, e na imagem do Sagrado Coração Ele Se me apresentava vivo, acolhedor e afável.

Eu via n’Ele algo de uma bondade insondável, e essa ideia era requintada pela impressão que me causava a cor vermelha de seu Coração. Encantavam-me também, em Nosso Senhor, o asseio e as boas maneiras, expressas no feitio da sua face e ainda mais no seu corpo, que parecia emitir luz. Sua túnica dava-me a ideia de uma pessoa perpetuamente limpíssima, sem mancha alguma na alma ou na própria indumentária. E havia no seu traje uma discreta bordadura dourada que me parecia indispensável à sua elevação. Essa consciência d’Ele a respeito da sua majestade me deixava encantado.

Eu me dizia: “Como Ele está em pé com distinção! Como o modo de segurar o Coração é o de uma pessoa bem-educada! Como a impostação da cabeça é de alguém que recebeu boa formação! Como a barba está bem-arranjada, sem faceirice! Que supremo aristocratismo natural nos cabelos! Tem-se a impressão de que Ele nem pensa nisso, mas não há um cacho, nem um fio, que não estejam inteiramente no lugar apropriado, para dar uma ideia perfeita d’Ele mesmo!

“Muita gente viveu em ambientes mais distintos dos que Ele frequentou. Mas… distinção é aquela! Os outros são todos insignificantes em comparação com Ele!”.

E eu chegava à conclusão: “Como Ele é amigo da ordem universal! Como é coerente com essa ordem! Ele ama todas as coisas na sua ordenação própria e no mais belo aspecto que podem dar de si mesmas. E com quanto carinho! Ele gosta dessa rosa que foi posta em seu altar, assim como também gosta de mim que estou igualmente aos seus pés. Ele é afim com tudo o que é reto! A Igreja Católica é santa porque é como Ele; é um hífen entre Ele e nós; é a própria auréola que nimba a cabeça d’Ele e por isto eu a amo! A influência, a mentalidade e a presença d’Ele estão neste ambiente”.

Essas graças foram de tal profundidade e alcance que não creio ter podido, naquela idade, conhecer d’Ele mais do que conheci. (…)

“Aqui está o Plinio…”

Eu tinha a impressão de que Ele me olhava, não com os olhos de vidro de uma imagem sem vida, mas, de algum modo, comunicando a essa imagem certa expressão. Não sabia como definir esse olhar, nem me preocupava em fazê-lo, pois, por outro lado, achava ser talvez uma ilusão de minha parte, em vista da distância entre Ele e os homens. Como Ele chegaria a ter uma manifestação assim a meu favor?

De qualquer maneira, parecia-me que Ele realizava comigo o mesmo que eu fazia em relação a Ele: analisar. E eu imaginava que Ele me olhava pensando: “Aqui está o tal Plinio, o menino número ‘um trilhão quinhentos milhões e tanto’, de quem gosto e no qual Me comprazo em apreciar tais aspectos bons; de quem espero tal coisa. É uma criança boazinha, para a qual Me digno olhar com compaixão e com intenção de beneficiá-la. Uma vez que está aqui, tenho algo a dizer-lhe, do que ele deve tirar proveito”.

Eu já considerava isso muito mais do que eu merecia e, então, diante da atitude d’Ele, refletia: “É um Pastor e um Rei que empreendeu de me governar, e Ele quer absolutamente a minha docilidade às suas indicações. Dar-me-á conselhos e ordens, preparando-me o caminho para voltar até Ele”.

As consolações promovidas pelo Sagrado Coração de Jesus

Eu refletia: “Antes de tudo, sinto-me elevado acima de mim mesmo, por ver a sua grandeza. De onde se abre em mim uma certa luz no cogitar e no ver, que me extasia, porque algo em mim é feito para admirar o que é mais do que eu. Quando saio das minhas ocupações normais de menino e vejo algo muito maior do que eu, tenho a impressão de fugir do bom para o ótimo! Ali eu me ponho ‘na ponta dos pés’ e me alegro. Isto é: vejo-O como Ele é e O adoro.

“Eu noto que, ao mesmo tempo em que O contemplo, Ele me faz como que ‘tocar com as mãos’ no pensar, no querer e no sentir d’Ele. E isso me comunica uma retidão e uma santidade no meu pensar, no meu querer e no meu sentir, à maneira de uma bebida deliciosa que eu tomasse e me agradasse sobremaneira, mas ao mesmo tempo me corrigisse. Ou seja, adorando-O, vejo que os meus aspectos tortos e reprováveis endireitam-se e, com isso, Ele me cura de doenças cuja existência eu ignorava.”

Sua seriedade me impressionava muito, e eu percebia que Ele queria manifestá-la no modo de segurar o Coração, rodeado de espinhos e tendo uma chama em cujo centro havia uma cruz. Esse Coração, retirado do peito e colocado à mostra, dava-me a ideia de uma certa violência, o que era acentuado pela cor vermelha, apesar de esta ser muito bonita. Isso me fazia lembrar da Paixão que Ele havia sofrido, e a carga desses símbolos tinha, para mim, o significado de uma pergunta feita por Ele: “Você se dá conta de que, em cada um dos seus atos maus, você feriu o meu Coração? Olhe como sou bom. Meça o mal que fez”.

E eu pensava: “Quanta intransigência! Basta cometer uma falta para Ele ostentar o Coração ferido… Quanta pureza e sabedoria! Ele, no fundo, está mostrando o que eu fiz… As suas mãos estão chagadas e eu tenho parte nisso. Os pés, aparecendo sob o traje, também o estão… As minhas falhas concorreram para esses ferimentos. Sinto que em mim há defeitos potenciais não reprimidos, em relação aos quais, por enquanto, não sou um alheio, pois não os rejeitei ainda.

“Também, estou vendo bem tudo quanto há de mal em mim… Se eu não aplicar atenção nisso, estou perdido, pois não sei até onde decairei…”. E concluía: “Como as coisas do homem tocam no infinito! Como é bonita a vida, ao considerar que cada pequeno fato tem relação com o Céu! Como tudo é grande!.”

Essa era a primeira “mensagem” d’Ele para mim.

A segunda, porém, manifestava-se assim: “Entretanto, meu filho, Eu não lhe digo isso para perdê-lo, mas para perdoá-lo, pois existe em Mim o manancial de um afeto mais suave que o veludo, mais ameno do que qualquer brisa do mar e capaz de inundá-lo inteiramente, até o mais íntimo de seu ser”.

E eu continuava refletindo: “Como é imensa a doçura d’Ele! Eu não seria capaz de medir sua grandeza, se não entendesse a dimensão dessa doçura! Sinto que Ele não quer cobrar algo de mim, nem castigar-me, nem vingar-se, pondo o seu pé chagado mas vencedor sobre minha cabeça desvairada e pecadora. Não! Ele quer dizer-me que está disposto a pagar o bem pelo mal, pois, apesar de tudo, tem pena de mim considerando a minha pequenez”.

Aquele corretivo era delicioso, mas eu percebia que me seria difícil manter essa postura interior e que em certo momento, eu teria de sofrer e lutar muito. Mas, como criança, pensava: “Bem, ainda não chegou a hora! E isto é tão bom que deixarei esse problema para depois”.

Eu tinha mais curiosidade em fixar minha atenção no que Deus estava me mostrando, do que em deduzir por mim mesmo a conseqüência futura daquilo. (…)

A “Consecratio Mundi”, em seus desejos

Entretanto, o meu desejo ia mais longe: eu queria morar n’Ele! E refletia: “Se pudesse estudar, rezar, conversar, enfim fazer tudo quanto faz um menino, aos pés da imagem do Sagrado Coração de Jesus, seria para mim uma explosão de alegria, pois sinto que Ele impregnaria tudo em mim e em torno de mim, inclusive os meus amigos”.

Poder-se-ia pensar que eu desejava permanecer rezando lá, abandonando as brincadeiras, a comedoria, o leito bom e o conforto. Não era assim! A minha ideia era a seguinte: “Como seria bom se Ele pudesse presidir toda a minha vida!”.

Eu gostaria de trazer às escondidas um éclair e dizer a Ele: “Senhor, aqui está este doce, tão afim convosco. Eu vou me unir a Vós comendo-o e pensando em Vós. Abençoai este éclair!”.

Eu comeria aos pés d’Ele e ficaria contentíssimo! Depois diria: “Senhor, eu trouxe mais um… É de café, o éclair de minha preferência!”

E se eu não pudesse permanecer ali, despedir-me-ia d’Ele assim: “Senhor, agradeço Vos pela boa companhia que me fizestes!”.

E acho que não haveria nada de mau nisso. Ali estava, em raiz, o desejo da “Consecratio Mundi” [Consagração do Mundo] e da sacralização da ordem temporal.

Oração Mental

Hoje percebo que a minha atitude nesses momentos era de verdadeira oração, entretanto não vocal. Eu pensava sobre muitas coisas, encantando-me por ver que eram boas e relacionando-as implicitamente com o Sagrado Coração de Jesus, o que constituía portanto uma meditação profundamente religiosa. Nessas horas de silêncio, eu tinha uma paz e um contentamento muito intenso em sentir a minha virtude e minha união com Ele. E essa era a minha alegria de viver!

Se alguém me afirmasse com provas de evidência que o Sagrado Coração de Jesus não existia, eu era capaz de ter uma convulsão e morrer. Pois se Ele não fosse verdadeiro, eu me desagregaria e não seria mais eu mesmo!

 

(Transcrito da obra “Notas Autobiográficas” de Plinio Correa de Oliveira).

Excelências do Coração de Jesus

Graças a Dona Lucilia, desde muito criança Dr. Plinio desenvolveu uma profunda devoção ao Sagrado Coração de Jesus, faceta do Homem-Deus que ele procurou cada vez mais explicitar e amar durante toda a vida. Eis o excerto de uma de suas numerosas conferências sobre o tema.

 

Estando no mês em que se celebra a festa do Sagrado Coração de Jesus, parece-me muito oportuno admirarmos a beleza de algumas das invocações com que O honramos na sua Ladainha. Esta é um verdadeiro tesouro de maravilhas e louvores, próprio a encher nossas almas de amor e adoração a Ele.

Coração do Filho, Coração da Mãe

Tomemos, por exemplo, essa belíssima invocação: Coração de Jesus, formado pelo Espírito Santo no seio da Virgem Mãe.

Se considerarmos o Coração de Jesus em sua realidade material e carnal, objeto de nosso culto como símbolo da vontade de Nosso Senhor e, portanto, do seu amor para conosco; se o considerarmos enquanto formado no seio imaculado de Nossa Senhora, com a matéria que a Mãe fornece para a constituição do corpo do Filho, ligada à divindade d’Ele em união hipostática compreendemos que a carne de Jesus é a própria carne de Maria, o sangue de Jesus é o próprio sangue de Maria, e, portanto, o Coração de Jesus é de algum modo o Coração de Maria.

Se nos detivermos na evocação desse processo de geração tão admirável, pelo qual Jesus foi assim formado do corpo de Maria, num oceano, num incêndio de amor e de adoração d’Ela para com esse filho que se modelava em suas entranhas, compreenderemos ainda mais como o Coração de Jesus está ligado ao Coração Imaculado de Maria, e como podemos ter uma confiança sem reserva na eficácia da intercessão de Nossa Senhora junto a Nosso Senhor.

Com efeito, Ele jamais poderia recusar qualquer coisa a essa Mãe Santíssima, perfeitíssima, da qual Ele não tem nenhuma queixa, antes o mais superlativo e total contentamento que o Criador pode ter em relação à sua criatura. Mais ainda: de cuja carne virginal Ele sabe ter sido formada a sua própria carne, e cujo Coração pulsa em uníssono com aquele que lateja em seu sagrado peito.

Creio que, para os devotos de Nossa Senhora, essa invocação se reveste de imenso significado, e merece ser recitada com especial fervor.

Um céu de majestade

Outra lindíssima invocação é esta: Coração de Jesus, de majestade infinita.

Segundo o luminoso ensinamento de Santo Agostinho, onde está a majestade, ali se acha também a humildade. As duas são inseparáveis. Daí concluímos que o Coração de Jesus, abismo de humildade, é por isso mesmo um firmamento de majestade.

Se dons artísticos eu tivesse, muito me alegraria representar a figura de Nosso Senhor, exprimindo não apenas a sua majestade ou somente a sua humildade, mas retratá-Lo numa dessas apresentações em que se vê, num só relance, aquilo que a majestade tem de comum com a humildade, ou vice-versa, e que é aquela esfera superior de virtude onde essas duas excelências particulares como que se encontram e se fundem.

Algo dessa ligação da suma majestade com a suma humildade me parece existir numa imagem na qual não está visível o Sagrado Coração, mas nem por isso deixa de ser muita expressiva nesse sentido: trata-se do “Beau Dieu d’Amiens”. Ali O vemos como um rei digníssimo, um doutor nobilíssimo, mas ao mesmo tempo tão sereno, tão manso, tão senhor de si, que se percebe que Ele seria capaz de receber a pior injúria e de se conservar inteiramente quieto, pacífico, sem nenhuma reação de amor próprio, desde que fosse essa a atitude mais santa no momento.

Foco de todo o amor de Deus

Outra invocação: Coração de Jesus, fornalha ardente de caridade.

Caridade é o amor de Deus. O fato de o Coração de Jesus ser essa fornalha  ardente ou seja, não só uma fornalha, que de si já traz a ideia do ardor, mas uma fornalha ardentíssima exprime bem a ideia de que Ele é o foco de todo o amor de Deus. E que a devoção ao Coração de Jesus, por intermédio do Coração Imaculado de Maria, é especificamente esplêndida para quem se lamenta de ser tíbio, de estar se arrastando de maneira vagarosa na vida espiritual. É a devoção mais indicada e mais excelente, capaz de comunicar o fogo e o fervor da caridade a essas almas que deploram sua estagnação nas vias da piedade.

Modelo de verdadeira paciência

Também me parece muito importante, para nossa época, a invocação com a qual louvamos o Coração de Jesus, paciente e misericordioso.

“Paciente” significa aquele que sofre. É, portanto, o Coração de Jesus sofredor e misericordioso, pronto a padecer até mesmo as injúrias que Lhe fazem os homens. É o Coração d’Ele enquanto amando o sofrimento, compreendendo que é a grande lei da vida e que, sem isso, a existência não vale absolutamente nada. Pois, em última análise, consideradas as coisas sob certo ângulo, o valor de uma criatura humana se mede por sua capacidade de aceitar com coragem e resignação as dores que a Providência permite em seu caminho.

E então temos o Coração de Jesus como nosso modelo de paciência. E uma das formas importantes de sermos pacientes, nesse sentido superior da palavra, diz respeito à atitude que tomamos em relação aos nossos próximos. Quer dizer, sabermos aturar os desaforos e provocações, sermos amáveis e bondosos para com aqueles que nos fazem sofrer pelo seu mau gênio, pelas dificuldades de trato, etc. Para isso, é necessário pedirmos ao Sagrado Coração de Jesus essa paciência de que Ele é a fonte.

Além dessa forma preciosa de paciência, uma das expressões mais típicas da capacidade de sofrer é o espírito de iniciativa, pelo qual o homem vence a preguiça, a moleza, o tédio, o amor a si mesmo e se lança ao trabalho, à luta apostólica, e se joga até o mais grosso e ardoroso dessa luta, se necessário for, quites a deixá-la imediatamente se o interesse da Igreja conduzi-lo no sentido oposto.

Eis a melhor forma de paciência que devemos rogar ao Coração de Jesus, é esse espírito de iniciativa e de combatividade, em virtude do qual renunciamos a todos os nossos relaxamentos.

Paciente e misericordioso. É a misericórdia enquanto corolário da paciência, disposta a tudo aturar e a tudo perdoar. Sim, convençamo-nos dessa maravilhosa verdade: o Sagrado Coração de Jesus nos perdoa uma vez, duas vezes, duas mil vezes, e não quer que desanimemos de seu perdão.

Assim, esta é a magnífica invocação que nos exorta a nunca perder a confiança na clemência de Nosso Senhor, pela intercessão do Coração Imaculado de Maria: Coração de Jesus, paciente e misericordioso. Paciente com os meus defeitos, com os meus pecados; misericordioso em relação às minhas lacunas. Pelos rogos do Coração de vossa Mãe Santíssima, tende pena de mim, ó Senhor.

Vítima que pagou por nossos pecados

Envolvendo idéias análogas à da invocação anterior, é a do Coração de Jesus, propiciação pelos nossos pecados.

Às vezes acontece nos sentirmos fundamentalmente indignos e as almas mais puras e mais altas o podem sentir até com maior intensidade. E compreendemos que, diante da justiça infinita de Deus, não somos absolutamente nada. Donde essa invocação constituir inestimável motivo de tranqüilidade para nós. Ela significa que, se meus sacrifícios, sozinhos, não têm valor diante do Altíssimo, há entretanto uma Vítima que vale tudo: porque é uma Vítima sem mancha, sem jaça, ligada por união hipostática à própria divindade. E essa Vítima é Nosso Senhor Jesus Cristo, que se ofereceu por mim, de tal maneira que tudo aquilo que eu tenho receio de não conseguir, essa Vítima alcança.

Ela carregou os meus pecados, por eles sofreu, e em virtude desse holocausto eu considero minhas faltas com vergonha, com contrição, pelo menos com atrição, mas em todo caso com imensa confiança, porque Alguém se imolou e derramou por mim, pela minha salvação, todas as gotas do seu sangue. Por isso eu devo ter confiança, não em mim, mas nesse sangue infinitamente precioso que por mim foi vertido à exaustão.

Esse é o Sagrado Coração de Jesus, propiciação pelos nossos pecados.

Fonte de toda consolação

Consideremos uma última invocação: Coração de Jesus, fonte de toda consolação.

A palavra “consolação” encerra dois sentidos: num deles quer dizer fortalecimento; no outro, alegria, suavidade, unção do Divino Espírito Santo na alma. E em ambos os sentidos o Sagrado Coração de Jesus é fonte de toda consolação.

Sabemos quanto Ele enche de júbilo e de satisfação espiritual as almas que Lhe são devotas, os corações que se abrem para a sua bondade infinita. Mas importa compreendermos também que a nossa força vem d’Ele. E quando nos sentirmos fracos, tíbios, desorientados, sobretudo quando estivermos sem coragem diante de algum grande ato de generosidade, não devemos avançar sozinhos, imaginando que por nosso próprio mérito o conseguiremos. Não! O Coração de Jesus é a fonte de toda a força. Por meio do Coração Imaculado de Maria, canal único e necessário para nos aproximarmos do Coração de Jesus, temos de nos dirigir a Ele e implorar as forças de que carecemos.

E seguramente não seremos frustrados em nosso pedido. Em determinado momento sentiremos a força de que precisamos, inclusive e acima de tudo, para realizarmos as coisas mais árduas e difíceis com relação à nossa vida espiritual.

Aqui ficam, portanto, algumas considerações que nos podem ser úteis em nossa piedade. Por exemplo, quando comungarmos, procuremos nos lembrar dessas invocações, pensando que recebemos na alma, por presença real, física, verdadeira e viva, esse Coração no qual adoramos todas as perfeições expressas nessa Ladainha.

Sagrado Coração de Jesus

Na imagem do Sagrado Coração de Jesus contemplamos a força, a varonilidade, a seriedade, a decisão do Rei e Mestre por excelência. Mas, ao lado disso, vemos n’Ele tanta doçura, tanta harmonia e um modo tão bondoso de tomar todas as coisas, que sentimos algo a nos dizer: “É feliz quem está com Ele, acerta na escolha do caminho da vida quem se põe afim com Ele, porque é objeto dessa bondade”. E Ele tem o poder de dar aquilo que o afeto d’Ele promete. Nosso Senhor Jesus Cristo não mente: de alguma maneira, custe o que custar, Ele nos concederá o prometido.

Plinio Corrêa de Oliveira

Contemplando o Sagrado Coração de Jesus

Junho é o mês do Coração de Jesus. Dr Plino tinha essa devoção arraigada em sua alma desde a mais remota infância, e a desenvolveu ao longo de toda a sua vida, como se pode ver no texto da conferência que transcrevemos a seguir.

 

A devoção ao Sagrado Coração de Jesus é tão antiga em mim que — como já contei aos senhores — antes mesmo de eu saber dizer “papai” ou “mamãe”, quando minha mãe me perguntava: “Onde está o Sagrado Coração de Jesus?”, eu apontava para a imagem d’Ele.

Conhecer uma devoção é, sem dúvida nenhuma, debaixo de certo ponto de vista, degustá-la. E o degustar alguma coisa, para o meu modo de ser, nunca é completo enquanto eu não conhecer essa coisa até ao fundo. Uma das razões que me empolgaram tanto no livro de São Luís Maria Grignion de Montfort, “Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem”, é que ele toma o assunto central e vai até onde se pode e se deve ir para ter conhecimento da questão. Vendo a montagem racional desse assunto, em função da doutrina católica, eu o compreendi. E compreendi bem, como gosto de compreender.

Entendendo desse modo, eu me sinto muito mais eu mesmo, sinto-me muito mais em casa para amar, porque a mente humana gosta de ver a insondabilidade das coisas, se com praz em de ver a força do raciocínio, se alegra em sondar palmo a palmo uma questão e ir até ao fundo dela.

É assim que o homem ama. Ao menos é assim que eu sei amar. Não sou, nem um pouco, amigo desses espíritos cartesianos que pensam que tudo se resume em compreender e que, uma vez compreendido, está tudo acabado. Não. É preciso ter o raciocínio, mas também o sentimento. Por que fazer a escolha entre o raciocínio e o sentimento? Se Deus fez o homem capaz de raciocínio e sentimento, tenhamos ambas as coisas, para fazer a vontade de Deus e para sermos nós mesmos.

O que se deve entender por “coração”?

Tomo os elementos que me parecem fundamentais nesse grande e misterioso assunto que é a devoção ao Sagrado Coração de Jesus.

Por “coração” os antigos entendiam não precisamente o que se entende hoje, mas algo que é ao mesmo tempo mais vasto e, em certo sentido, diferente.

Em nossos dias, o coração é quase o símbolo do sentimento desacompanhado da razão. Diz-se que o coração de uma pessoa vibra quando ela sente um certo enternecimento, quando é alvo de um ato de bondade, ou quando tem uma condescendência com algo.

Mas coração é só isso?

Para os antigos, não era assim. Eles tomavam o coração como o órgão que nós conhecemos, que pulsa, que tem aurículas, ventrículos, faz sístoles e diástoles, e em razão de cujo funcionamento — uns mais solidamente na sua jovem idade, outros mais precariamente nas idades avançadas — todos estamos vivos. Mas coração significava para eles algo mais. Era o conjunto das coisas que o homem vê, ama e guarda na sua mente, por assim dizer, como se fossem “slides”, porque lhe falaram mais.

A palavra coração representa esse conjunto de coisas enquanto amadas pelo homem com um amor que não é apenas uma conaturalidade ou uma simpatia, mas é um ato racional. As coisas que foram julgadas segundo certa doutrina verdadeira — que é o ponto de referência de tudo — e foram encontradas conformes a essa doutrina, e, por isso mesmo, amadas. A sensibilidade é um eco harmonioso, delicado e nobre, desse amor. Mas, é preciso ter compreendido bem e ter chegado bem até ao fim no julgamento, para amar inteiramente. É necessario compreender até ao fundo, para admirar e amar de corpo inteiro, de coração inteiro.

O coração do católico. O Coração de Jesus

O coração do católico representa, nesse sentido, a mentalidade dele, que inclui a sua sensibilidade, mas indica sobretudo aquilo que — estando de acordo com a doutrina católica, apostólica, romana — ele conhece pela Fé como verdadeiro. Aquilo que ele ama acima de tudo e toma como uma “linha rectrix” de todas as outras coisas, porque é conforme à verdade verdadeiríssima, à verdade soberana, à verdade padrão, segundo a qual todas as outras verdades são de fato verdades, e contra a qual todas as aparências de verdade não são senão erros enganosos.

Em todo caso, tendo já como pressuposto que o coração é o símbolo da mentalidade, nós podemos nos perguntar como era a mentalidade de Nosso Senhor Jesus Cristo. É um tema audacioso, é uma navegação tão alta que o homem tem medo de chegar até lá. Mas, de outro lado, esse ar atrai. Quanto mais alto se voa nele, mais se tem vontade de subir, e medo de ser obrigado a descer. É o contrário da aviação terrena.

O que nos é dado entrever daquilo que seria a mentalidade de Nosso Senhor Jesus Cristo em algum de seus aspectos?

Devemos considerar essa mentalidade muito mais na sua Humanidade Santíssima do que na sua Divindade. Nesta última, o tema subiria tanto que não seria fácil, pelo menos a um leigo, tratar da questão. Mas a Humanidade santíssima d’Ele está mais perto de nós. Um “perto” cuja distância vai de uma ponta a outra do universo, porque a perfeição d’Ele não tem comparação com nada e com ninguém.

A Fé nos ensina que o Verbo se encarnou e habitou entre nós. A natureza humana d’Ele está ligada pela união hipostática à natureza divina. A Segunda Pessoa da Santíssima Trindade encarnou-se e desse acontecimento único resultou Nosso Senhor Jesus Cristo. Essa dualidade de naturezas numa só pessoa significa que a sua Humanidade santíssima tinha com a Divindade um contacto mais íntimo que que teria com Deus o Santo mais perfeito.

Mistérios da união hipostática

Essa união, porém, não deixa de ter aspectos misteriosos para nós. Por exemplo, na Oração do Horto das Oliveiras, parece que a natureza humana de Jesus teve uma como que treva, uma como que noite escura, em relação à natureza divina, de maneira que Ele se sentiu abandonado e rezou:

— Meu Pai, se for possível afaste-se de Mim este cálice.

E veio um Anjo que o consolou, e Ele se reanimou.

Também, no alto da Cruz, Ele teve uma exclamação que parece lançar uma luz especial sobre o mistério das relações entre a sua natureza humana e a natureza divina. Ele bradou:

—Meu Pai, meu Pai, porque Me abandonastes?

É verdade que este é o primeiro versículo de um salmo que prenuncia a sua vitória, e, recitando-o, afirmava que ia ressuscitar. Mas, de qualquer forma, havia ali um brado de abandono.

Foi tão grande esse abandono que pouco depois Ele disse: “Consummatum est!” E entregou o seu Espírito.

Os senhores estão vendo, por aí, que havia mistérios, havia dores e padecimentos nesta humana natureza tão ligada à natureza divina. E como nesta vida há uma certa proporção entre os sofrimentos e as alegrias, que tremendos padecimentos devem ter sido os d’Ele, uma vez que devem ter sido tão extraordinárias suas alegrias! Os senhores podem imaginar, numa alma unida a Deus, formando com Deus uma só Pessoa, a alegria que isso pode dar! Nenhum Anjo do Céu tem essa alegria! Ele tinha e tem no Céu. Mas, de outro lado, se há uma proporção das alegrias com as dores, que dores, e que dores, e que dores Ele deveria sofrer!

“Tudo está consumado”: a dor do inexplicável

Poucas coisas fazem sofrer tanto o homem quanto a dor do inexplicável. Quando ele tem explicação para a sua dor, ele sofre menos. Mas, quando a dor é inexplicável e cai sobre ele como algo que ele não entende… Não é porque ele queira tomar satisfações de Deus, mas é que do não-entender lhe vem o medo de que aquilo seja um castigo por alguma culpa, que aquilo seja algo fora dos desígnios divinos.

Nosso Senhor não podia ter culpa, e Ele sabia disso, e nada para ele era inexplicável. Porém, que misteriosos sofrimentos Ele teve? Nós não o sabemos. Só sabemos uma coisa: é que Ele passou pelos tormentos mais pasmosos que jamais um ser tenha padecido na História. Esses sofrimentos de alma eram tão extraordinários que deixariam qualquer homem com a saúde arrasada em poucas horas: poderiam sobrevir enfartes, derrames cerebrais, e tudo o que os senhores possam imaginar. Ele aguentou até o fim, e seu último ato foi um ato de lucidez: “Consummatum est — Tudo está consumado”.

Depois de criar o universo, Deus o viu em seu conjunto e considerou que cada coisa era bela, boa e verdadeira, mas que o conjunto era mais belo do que cada uma das coisas em particular. Tem-se a impressão de que Nosso Senhor Jesus Cristo, ao morrer, considerou tudo o que sofreu e viu que tinha sofrido tudo o que devia padecer, e que era uma beleza, uma torrente de sangue e de dores, como nenhum oceano poderia conter. A última gota de sangue estava derramada, a última dor, a mais inexplicável, a mais pungente, estava sofrida. Estava tudo pronto. Ele contemplou a formosura deste horror e disse: “Está tudo oferecido pela Redenção do gênero humano: “Consummatum est”. Eu sofri tudo o que tinha que sofrer, e tudo o que se pode sofrer, Eu sofri de maneira a minha tarefa redentora estar inteiramente pronta: “Consummatum est”. Só me falta o último lance, que é a separação da alma do corpo. Depois disso, cessarei de sofrer. Mas esse último lance, Eu ainda tenho que dar: morrerei!”

E morreu… Que coisa maravilhosa! Com que sensibilidade, mas com que compreensão profunda de sua missão, com que força e continuidade Ele sofreu aquilo tudo! É algo que não se pode medir suficientemente.

Harmonia de perfeições

Ora, devemos imaginar o Homem Deus com todas essas forças e grandezas implícitas na alma, imaginá-Lo assim, vivendo os vários aspectos de sua vida terrena.

Por exemplo, quando Ele acariciou as crianças que vieram falar com Ele e disse: “Deixai vir a Mim os pequeninos, porque deles é o Reino do Céu”. Os senhores estão vendo o afeto, a bondade, a doçura… Não há homem de qualquer idade que vendo-O dizer: “Deixai vir a Mim os pequeninos”, não pense: “Bem, então há um lugarzinho para mim também, por mais que eu seja um pequenino, porque, em comparação com Ele, todo mundo é pequenino. Eu vou me aproximar”.

Que doçura nessas palavras! Essa é a suavidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, o qual era ao mesmo tempo tão forte e, no sentido mais sublime da palavra, tão decidido. Resolveu sofrer, sofreu até ao fim e até ao ápice tudo, e de bom grado, sem excluir nada. Tão terrível e tão misericordioso, a ponto de dirigir-se ao bom ladrão e fazer a primeira canonização na Igreja Católica:

— Tu hoje estarás comigo no Paraíso.

Os senhores podem imaginar como o bom ladrão se sentiu reconfortado e animado com essa promessa. Ficasse com inveja dele. Cada um de nós que, na hora da morte, ouvisse essas palavras: “Hoje estarás comigo no Paraíso”, se levantaria da cama para glorificar a Deus e dizer: “Mas então, Senhor, o que esperais? Vamos! Vamos, levai-me!”

Mas como pode uma alma humana compor esses quadros de conjunto, de maneira a, quando vir Nosso Senhor expulsando os vendilhões do templo, pensar n’Ele acariciando uma criancinha ou contando a parábola do Bom Samaritano; imaginá-Lo, com uma bondade indizível, curando este, aquele, e aquele outro, espargindo em torno de Si alegria, consolação, tranqüilidade, saúde; pensar n’Ele encantando os Apóstolos que O ouviam enlevadíssimos?

Como conjugar essas duas visões: Ele tão forte, tão incomparável, tão único, e, ao mesmo tempo, tão misericordioso e tão acessível aos pequeninos?

É preciso lembrar-se d’Ele como está no Santo Sudário, e aí se compreenderá como Ele era, no sentido mais nobre da palavra, o atleta de Deus, o herói de Deus! Siegfrid, Lohengrin, toda espécie de “heróis” dessa ordem, sublimados por Wagner, aqueles homens da mitologia antiga, tudo isso é quinquilharia em comparação com o Varão do Santo Sudário!

Como imaginar no Menino Jesus, apenas nascido em Belém, como imaginar que nessa Criança, cuja alma contém todas as canduras e inocências imagináveis e excogitáveis, estava o Herói que iria sofrer de maneira a impressionar os homens até ao fim do mundo?!

N’Ele todas essas perfeições se ajustavam de maneira a não se poder compreender. Ele é muito maior do que o campo de nossa visão. Ele é uma maravilha que, ou nós O consideramos por partes, ou não O conseguimos considerar.

Adorar todas as perfeições do Sagrado Coração de Jesus

Cada um adora Nosso Senhor como foi chamado a adorá-Lo. Como sou eu quem está falando, tenho de dizer o que me vai na alma. É meu modo de ser.

Eu nunca me contentaria de adorar só um desses aspectos sem procurar reuni-lo a todos os outros e, ao

menos muito sumariamente, fazer a ideia de como seria o conjunto. Eu tenho a impressão de que, se eu O conhecesse nesta vida terrena, uma das coisas que eu mais gostaria era de admirar e de adorar as transições de estados de espírito d’Ele, o como Ele passava de uma disposição para outra. De modo que eu pudesse compreender como é que uma disposição se encaixava na outra. E nessas transições, adorar a harmonia desses estados de espírito tão diversos. Parece-me que, com isso, o meu desejo das correlações, das reversibilidades e das harmonias, das ordenações em tudo, encontraria algo que o saciasse.

Há no teto da igreja do Coração de Jesus, em São Paulo, um afresco que é uma pintura boa, ao estilo do século

XIX. Esses quadros habituais de Nosso Senhor, muito respeitáveis e veneráveis, satisfazem muito a piedade, mas em geral fixam a atenção do homem num determinado estado de espírito de Nosso Senhor. Nos quadros do Sagrado Coração de Jesus, os autores fixam sempre — e a justo título, muito fundadamente — a sua misericórdia infinita. Mas a sua misericórdia infinita era só uma de suas perfeições. Não podemos sustentar que Ele não tinha outras perfeições, uma vez que Ele as tinha todas.

Como é belo esse afresco! Como é ótimo, como me tem feito bem ao longo de minha vida! Mas eu gostaria que outros quadros pintassem Jesus em outros estados de espírito.

Por exemplo, Ele meditando. O olhar absorvido, enlevado e contemplativo d’Ele, sozinho no deserto, durante quarenta dias de jejum. Gostaria de imaginá-Lo junto de uma pedra, no deserto árido, ou com uma vegetaçãozinha ordinária e muito rasteira, que seria o contrário da sublimidade da cena. Ou com uma bonita areia que se estende ao longe. No fundo, um pôr-de-sol em brasa e seu divino perfil se recortando sobre ele… Jesus meditando e orando. Portanto, sua natureza humana, por assim dizer, fazendo filosofia e teologia. Como é que seria a sua expressão fisionômica nessas ocasiões?

Se Ele já se tinha deleitado na contemplação do universo, quanto mais se deleitaria na contemplação daquilo que é mais do que todo o universo, Nossa Senhora! Gostaria de imaginá-Lo, então, na sua Humanidade e na sua Divindade juntas, olhando para dentro dos olhos de Nossa Senhora. Ela, enlevadíssima, num êxtase altíssimo. E Ele, enquanto Deus, pensando: “A minha obra-prima!”; e enquanto Filho e Homem pensando: “Minha Mãe! Que perfeição!”

O que um de nós daria para estar do lado de fora da porta e olhar pelo buraco da fechadura? Se nos exigissem como preço disso fazer qualquer sacrifício depois, nós faríamos. Morrer depois, não nos importaria! Ter visto essa cena e morrer… para que viver mais? E, de fato, me pergunto: haveria ânimo para viver, depois de ter visto isso? De que adiantaria, por exemplo, depois disso ver a beleza do mar? Eu gosto tanto do mar, mas depois de ter visto Maria, o que é ver o mar?…

Eis o Coração que amou tanto os homens!

Voltando àquele afresco da igreja do Coração de Jesus. Está Ele aparecendo a Santa Margarida Maria. O lugar da aparição está todo iluminado. Ele fala a ela com uma expressão de muita bondade, muito comprazimento, muita misericórdia. E ela está muito enlevada, naturalmente. A cena é ainda completada com as palavras tocantes de Jesus. Ele aponta o seu próprio Coração e lhe diz: “Eis aqui o Coração que tanto amou os homens e foi por eles tão pouco amado!”

Os senhores compreendem que é de cortar o coração! Que um tal Coração tenha amado tanto e tenha sido tão pouco amado, não se sabe o que dizer! Evidentemente, nós fomos amados por Ele muito mais do que nós O amamos, porque Ele é tão maior do que nós, que um ato de amor d’Ele deixa os nossos pobres amores muito atrás… Entretanto, o problema é que nós não O amamos até onde podemos, e era o que nós deveríamos fazer. Ele diz essas palavras com misericórdia e bondade. Mas eu gostaria de perceber ali todos os outros estados de espírito; gostaria de perceber essa correlação e de, por assim dizer, pela admiração, pela adoração — que é a palavra adequada quando se trata d’Ele — pela adesão, de algum modo tentar viver isso em mim. Enternecer-me como Ele, adorar como Ele, resistir como Ele, sofrer como Ele! Por que não?! Isso todos nós gostaríamos de fazer.

Uma coleção fabulosa

Se nós pudéssemos fazer uma coleção dos timbres de voz de Jesus ensinando como Mestre!… Ninguém foi mestre como Ele, que é o Divino Mestre! Explicando com clareza, com sabedoria, com profundidade, horizontes extraordinários, mas com uma simplicidade de desconcertar. Seu ensino é tão simples e, ao mesmo tempo, tão profundo! Santo Agostinho dizia que o ensinamento d’Ele era como um rio no qual um elefante se afogaria e um cordeiro passaria sem molhar senão os pés.

Como nós gostaríamos também de, por exemplo, colecionar os seus sucessivos olhares! Para não falar senão em dois : o olhar para São Pedro, que o converteu e o fez chorar a vida inteira, e um olhar para Nossa Senhora. Escolham o momento. Talvez o momento do último olhar nesta vida. Com certeza, antes de morrer, Eles trocaram um olhar em que transpareciam o carinho e a adoração da parte d’Ela, e o amor indizível, o apreço extraordinário e o carinho da parte d’Ele, ao se separarem.

Como seria a história de todos os seus olhares? E como seria o olhar d’Ele expulsando os vendilhões do Templo? Para Pilatos, desprezando toda a covardia do Procurador Romano? E o olhar de repreensão aguda e severa para Anás e Caifás?

Tudo isso era um reflexo do seu Coração. Esse Coração pulsou, ora com mais, ora com menos intensidade, ao longo de todos esses acontecimentos.

E por isso é belo pensar como a mente e o Coração d’Ele, numa união, viveram todos esses acontecimentos da sua vida terrena. Até ao fim do mundo haverá gente que adorará esses vários aspectos de Jesus.

Oração a fazer ao Sagrado Coração de Jesus

Que oração fazer a esse Divino Coração? Nós podemos repetir, olhando para Nosso Senhor crucificado, com seu Coração chagado pela lança do centurião, a jaculatória que está na Ladainha do Sagrado Coração de Jesus e que me encanta:

“Cor Jesu lancea perforatum, miserere nobis. — Coração de Jesus perfurado por uma lança”, tende compaixão de nós. Vós que levastes a pena de mim a ponto de quererdes que, depois de morto, vosso Coração ainda recebesse essa ferida, e que o resto de água misturado com sangue saísse de vosso lado por meu amor, tende pena de mim!”

E rezar também: “Anima Christi, sanctifica me. — Alma de Cristo, santificai-me”. Nada há de mais santo do que a Alma de Cristo… Que a Alma de Cristo, por assim dizer, toque em mim e me torne um Santo! Eu não quero outra coisa.

“Corpus Christi, salva me. — Corpo de Cristo, salvai-me. Sangue de Cristo inebriai-me. Água do lado de Cristo, lavai-me… e lavai-me mais ainda! Paixão de Cristo, dai-me forças. Olhai para minha miséria, minha moleza e minhas insuficiências. Dai-me força na luta contra os vossos inimigos. Ó Bom Jesus, ouvi-me, pelos rogos de Maria. Escondei-me nas vossas feridas. Cobri-me, com vossas feridas, da justa cólera do Padre Eterno. Na hora de minha morte, chamai-me e mandai-me ir para junto de Vós, para que Vos louve com os vossos Santos, com a Santa das Santas, por todos os séculos dos séculos. Amém.”

A recusa ao chamado divino e a necessidade da reparação

Se Luís XIV tivesse sido fiel à Mensagem do Sagrado Coração de Jesus, a França inteira se converteria. Mas o rei não a levou a sério. Nosso Senhor esperava que as diversas classes sociais fossem deixando filtrar, de umas para as outras, a Mensagem, e todos os corações batessem em uníssono com a de um rei fiel ao Coração de Jesus. O supremo esforço desse apelo divino foi despertar um movimento de reparação: a Contra-Revolução

 

A atitude do Sagrado Coração de Jesus com Luís XIV foi de misericórdia, mas ao mesmo tempo de inteiro respeito – o Coração de Jesus podia chamar-Se “Coração infinitamente respeitoso de Jesus” – em relação à organização político-social vigente.

Era bem claro que Ele queria considerar o rei de maneira tal, que não fez nenhuma alusão direta à má vida, nem aos pecados pessoais do monarca, mas chamou de “filho dileto do meu Coração” um pecador que O tinha insultado publicamente de diversas maneiras. Basta mencionar a destruição do Calvário edificado por São Luís Maria Grignion de Montfort, mas há muitas outras coisas a mencionar para se compreender bem quanto Luís XIV errou, ao lado de algumas coisas magnificamente acertadas que ele fez como, por exemplo, a revogação do Edito de Nantes.

Consequências da infidelidade na correspondência ao chamado divino

Acaba sendo, portanto, que o Sagrado Coração de Jesus tratou Luís XIV com muito afeto, porque quis fazer dele a primeira concha de repercussão de seu apoio, pois o recado d’Ele a Santa Margarida Maria Alacoque, que se dirige ao mundo inteiro, deveria ser comunicado antes de tudo ao rei. E, pela repercussão que encontrasse nele, ter uma dilatação por todo o bem-amado Reino da França, filha primogênita da Igreja.

Na sua comunicação, fica bem claro que Nosso Senhor esperava que as diversas classes sociais fossem deixando filtrar, de umas para as outras, a Mensagem, e que, afinal de contas, esta se espraiasse pelo reino inteiro, com a aceitação da missão das classes mais altas de baterem os corações em uníssono com a de um rei fiel ao Coração de Jesus.

Isto me parece muito importante inclusive do ponto de vista contrarrevolucionário, pois se Luís XIV tivesse feito assim e a França inteira se convertido ao som da voz do monarca amado pelo Sagrado Coração, creio que a Revolução Francesa teria ficado impensável. Notem bem: não é dizer que ela se tornaria impossível, mas ficaria impensável. Porque com o prestígio que tinha a realeza naquele tempo, mas também o prestígio individual colossal que Luís XIV, o Rei Sol, possuía na Europa inteira, tudo isso junto faria com que o modo de se embeber essa devoção na nobreza e depois no povo seria de um efeito extraordinário.

Por conseguinte, se a torneira da Revolução não tivesse sido aberta sobre a França, não teria podido alcançar o mundo inteiro como alcançou. O prestígio da França concorreu enormemente para que a Revolução se tornasse universal. Então, fica um homem colocado na posição por onde depende dele tudo, dar-se ou voltar atrás. No que diz respeito à atitude reparadora de nossa espiritualidade, do Sagrado Coração de Jesus como devoção inspiradora de pensamentos e atitudes contrarrevolucionárias, isto vem muito a propósito.

Estado de espírito difundido pelo mal

Por que o Sagrado Coração de Jesus estava de tal maneira pisado? Ademais, em um período a respeito do qual São Luís Grignion chegou a afirmar que a impiedade estava inundando a Terra inteira. Como se explica que analisemos a situação do mundo no “Ancien Régime” quase com uma nostalgia daquilo que nós não conhecemos, e esta mesma situação até anteriormente ao fim do “Ancien Régime” – portanto, quando ela estava menos grave do que se tornou nas vésperas a Revolução Francesa – foi, entretanto, qualificada por São Luís Maria Grignion e tantos outros santos, e a “fortiori” pelo Sagrado Coração de Jesus, de uma situação gravíssima?

Houve a difusão de um estado de espírito pelo qual, quando alguém denuncia o avanço do demônio, uma ou outra voz, em surdina, diz palavras de adiamento, de dúvida, de “laissez faire, laissez passer”(1). Entrevê-se que Luís XIV e as pessoas de seu tempo que receberam a Mensagem do Sagrado Coração de Jesus participavam de um estado de espírito que lhes sugeria ideias mais ou menos assim: “Temos o Rei Sol e todo o princípio monárquico que brilha com o seu resplendor máximo; neste momento falar da possibilidade de uma Revolução que vai chegar à decapitação dos reis, a um virtual destronamento das dinastias, é um absurdo. Nosso Senhor disse isso à Sóror Margarida Maria, mas na superior sabedoria d’Ele, da qual eu sou partícipe – porque a vaidade não pode deixar de entrar nessas ocasiões –, percebo pelo meu “feeling” e pela sensação normal das coisas que isso vai demorar.”

Donde a ideia de que essa Mensagem não poderia ser tomada tão a sério, e deveria ser sensatamente relativizada. Assim, todos os apelos feitos por meio de São Luís Grignion e outras pessoas deveriam parecer radicalismos e fanatismos.

Mensagens totalmente viáveis de serem cridas

Isso constituiu um pecado enorme, pois esta Mensagem foi dada em condições de, logicamente, ser crida por todo o mundo. Deus não pediu a ninguém uma adesão irracional, mas sim um “rationabile obsequium”; havia todas as razões para acreditar na autenticidade desta Mensagem como, por exemplo, na de Fátima também.

Estive lendo, há algum tempo, um relato sobre coisas de Fátima e encontrei o seguinte: o médico de Jacinta era um dos melhores de Lisboa. E no dia do enterro da vidente havia uma reunião de um centro médico católico de muita importância na vida cultural de Lisboa. O Cardeal Arcebispo Patriarca de Lisboa presidia a reunião, quando chegou atrasado esse grande médico cuja ausência todos estavam notando. Ele pediu desculpas ao cardeal pelo atraso e disse que fora a Fátima acompanhar o sepultamento de Jacinta. Apesar da respeitabilidade desse médico, a sala estourou em gargalhadas por causa da credulidade dele. Inclusive o cardeal ria a bandeiras despregadas.

Quer dizer, a Mensagem de Fátima, dada por meio de três pastorzinhos, tinha todas as condições para ser crida. Pois bem, a atitude do público lisboeta diante do enterro de Jacinta é quase uma negação galhofeira.

Vê-se que essa posição foi tomada por certas correntes em face da devoção ao Sagrado Coração de Jesus. Provavelmente houve risadas assim em círculos precursores do “voltaireanismo”, do iluminismo, etc.

Um espírito tépido, ideal para abafar qualquer fervor

Outras correntes foram mais moderadas. Quiçá tenha havido uma corrente comodista que não se ocupou muito com a coisa, pensando: “Essa mensagem talvez seja verdadeira. Mas que importância tem isso em comparação com saber se Madame de Montespan e os filhos dela vão ser reconhecidos por Luís XIV ou não; ou se o rei vai fazer suas caçadas em Fontainebleau este ano? Isto sim é o importante: a vida da corte e dos círculos sociais que se seguem em hierarquia. O resto, se o Sagrado Coração de Jesus disse… Talvez tenha dito mesmo, mas não vale a pena estudar isso. Basta que eu tenha alguma devoção tradicional, boa, segura e que, sobretudo, não seja principalmente católico, mas sim um cortesão ou uma cortesã, está acabado”.

Uma grossa parte de gente, que constituía o peso geral da opinião pública, tomava diante do fato essa atitude. Depois, algumas almas piedosas que tiveram conhecimento da Mensagem seguiram a coisa com atenção, e prolongaram uns filõezinhos que vararam de alto a baixo toda essa imensa crosta de classes sociais até chegar ao povinho. Então, há salpicos de devoção ao Sagrado Coração de Jesus em várias correntes da opinião pública.

Essa marcha geral conjunta da opinião francesa diante desse fato mostra o espírito da Revolução Iluminista – ele próprio filho da Revolução anterior, portanto, da Renascença, do Humanismo, do Protestantismo –, que foi com o tempo radicalizando-se. A bem dizer, o iluminismo já estava nascendo e ensopando de indiferença, de dúvida, essa devoção, não querendo aceitá-la porque ela pediria fervor, e essa grande massa não queria fervor, porque o fervor contrarrevolucionário é uma atitude diametralmente oposta à Revolução. Aliás, o próprio fervor revolucionário essa crosta grossa aprecia, mas não muito. É preciso viver tepidamente.

“Oxalá fosses frio ou quente. Mas porque és morno, nem frio nem quente, estou para vomitar-te de minha boca”, diz Nosso Senhor (Ap 3, 15-16). O pessoal vomitado pelos lábios divinos de Nosso Senhor é essa enorme crosta. Portanto, o grande esforço não era estar em dissonância com o rei, com esse ou com aquele, mas dissonar dessa enorme massa.

A alma da Contra-Revolução é o espírito reparador

Vemos, assim, a importância de uma concepção da História para compreender bem a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, e para adotar diante dela a atitude devida em face dos tempos atuais. Não é capaz de tomar bem uma posição de compreensão da devoção ao Sagrado Coração de Jesus quem não leve em consideração a noção de que essa foi uma imensa providência tomada por Deus para sacudir a Revolução e acabar com a tepidez. Terminada esta, o resto desapareceria.

Essa tepidez era produto de uma evolução histórica. Se um homem do tempo do Rei Sol não quisesse compreender tudo quanto ele perdeu na trajetória da Idade Média para Luís XIV, e que foi uma Revolução que lhe roubou tudo isso, não tinha solução.

A Mensagem do Sagrado Coração dá a entender que diante da situação de derrocada, a qual, em profundidade, acentuava-se já naquele tempo, o específico era a promoção dessa devoção enquanto reparadora. Esses fatos despertam a cólera divina. Mas Deus não quer punir o mundo. Então Ele indica o caminho especial para evitar que essa punição se dê. Não é um caminho entre outros, é o caminho específico.

Logo, o supremo esforço do seu amor é despertar um movimento de reparação que seja a Contra-Revolução, porque se tudo isso é a Revolução; por excelência e mais do que tudo, a Contra-Revolução é o que Ele está indicando. A própria alma da Contra-Revolução é o espírito reparador.

O que isso significa? Deus está ofendido pela Cristandade em geral. Ele considera a Cristandade como um bloco pecador. Tão gravemente pecador que o último esforço do amor d’Ele é aquele, como quem diz: “Prestai atenção, mas se esse esforço que Eu estou deitando não for seguido como deve, virá algo que é a liquidação da ordem em que estais”. Indica também, com a visão histórica retrospectiva inerente a essa devoção, que já foram feitos nessa direção muitos esforços não correspondidos pelos homens. E que então Deus apresenta um esforço que é ao mesmo tempo último e supremo, tão expressivo de amor, tão capaz de tocar as almas, que não se pode cogitar mais do que isso.

Assim, Ele convida a que, ao menos algumas almas de valor, se entreguem completamente a esse esforço reparador e sofram tanto que aplaquem a Deus, deixando-se crucificar como Nosso Senhor Se deixou.

Dona Lucília, sobre quem o Sagrado Coração de Jesus deitou diversas cruzes

Deste modo, as palavras do Sagrado Coração de Jesus se transformam numa mensagem para almas de elite que, sendo em número suficiente e, sobretudo, com um amor intenso, suportam todo o peso desses pecados. Se o resgate pago não estiver na proporção dos pecados cometidos, a avalanche se desencadeia.

Tenho a impressão de que se passou com esse lance de Nosso Senhor o mesmo que se deu com lances anteriores, ou seja, o número de almas que corresponderam foi real, com muito mérito e de um modo muito precioso, mas não foi suficiente. Muitos procuraram corresponder, mas de um modo mole. Várias organizações buscavam atender ao apelo do Sagrado Coração de Jesus, mas com falta de profundidade, de conceitos, etc.

Por esta forma conseguiam que, já dentro do mar solto, alguns barquinhos continuassem a navegar, mas vítimas das ondas que os arrastariam para onde quisessem. Embora continuassem a ter sucessores nessa reparação, provavelmente em número e amor cada vez menores, até chegar a um ponto no qual o número fosse tão pequeno que a avalanche ficaria solta.

Ora, dentro do horror desse mar tempestuoso, minha Obra seria um barquinho, preciosa resultante desses atos de reparação. Não se pode negar que no nascimento e na formação de minha Obra o Sagrado Coração de Jesus teve um papel muito grande, antes de tudo porque houve uma senhora sobre quem Nosso Senhor deitou cruzes desde meninota, e que sofreu desde pequena com uma resignação extraordinária e com os olhos voltados para o Sagrado Coração de Jesus. Esta senhora teve um filho que, por sua vez, fundou esta Obra.

Tendo nascido de Dona Lucília, posso dizer que nasci desse movimento descrito acima. Não propriamente nesse movimento, pois essa devoção já estava tão rarefeita na massa geral dos fiéis, que grande parte do que estou dizendo foi recomposto por mim pelo fato de eu ser contrarrevolucionário, e ter uma visão da História a qual me levou à conclusão de que a reparação é o único jeito.

Abominação num lugar sagrado

Quando tomei conhecimento das revelações de Paray-le-Monial eu teria uns dezessete anos mais ou menos. Para mim aquilo foi claríssimo. Portanto, tudo quanto estou dizendo agora é fruto de muita reflexão, ao longo de anos. Eu não disse antes porque a devoção ao Sagrado Coração de Jesus estava tão aguada, que se eu quisesse levá-la a todos esses extremos, receberia a objeção da imensa crosta dos tépidos que diriam: “Essas são considerações que se fossem verdadeiras estariam nos lábios de todos os bons padres que conhecemos…”

Como eles tratam essa devoção? Não é à maneira de lábaro, pois este supõe um exército em ordem de batalha. Quando chegou o momento de movimentos piedosos serem quase liquidados sob o pretexto de constituírem piedade privada e não litúrgica, essa devoção já não apresentava mais este caráter bélico. Antes de o demônio fazer o que se permite agora, essa devoção foi enxugada da face da Terra.

Deparei-me com um dos indícios mais marcantes desse destroçamento quando estive na França, na década de 1950, e fui visitar Paray-le-Monial. Saindo da igreja, minha vista bateu normalmente em uma livrariazinha católica que ficava em frente. Pensei em comprar para minha mãe uma lembrança que mostrasse com quanto afeto lembrei-me dela nesse lugar tão ligado a ela. Então, dirigi-me a uma vitrine onde vi cartõezinhos preparados com o bom gosto francês em todos os sentidos, de boa qualidade. Aproximei-me para ver o que havia nos cartõezinhos, certo de trazerem fragmentos da Mensagem do Sagrado Coração de Jesus. Pensei: “Eu posso comprar para mamãe essa coleção de cartõezinhos; ela vai gostar.”

Quando eu me inclino para ler, vejo se tratarem de trechos de Voltaire, Rousseau, d’Alembert, sem dizer uma palavra sobre o Sagrado Coração. Expostos numa livraria oficialmente católica, em frente à porta por onde saíam os que tinham ido venerar o lugar onde Nosso Senhor aparecera a Santa Margarida Maria Alacoque! Era a abominação no lugar sagrado, evidentemente.

Diante do sofrimento devemos ter o espírito reparador

Tomando tudo isso em consideração, vemos que se tivéssemos compreendido a necessidade da reparação e oferecido nossos sofrimentos com essa intenção reparadora o tempo inteiro, é fora de dúvida que teríamos obtido melhores resultados na luta contra a Revolução.

Pelo favor de Nosso Senhor Jesus Cristo e pela mediação onipotente de Nossa Senhora, conseguimos constituir a Contra-Revolução. Mas não somos ainda a Contra-Revolução marcada a fogo pela sua característica essencial: a reparação. Isto é o que falta!

Porque entre nós há os que fazem parte da legião dos acomodados, dos tépidos. E essa tepidez nos afasta do desejo da reparação, da cruz e de qualquer forma de sofrimento.

Ora, é preciso termos esse espírito reparador diante do sofrimento. Como se pode pretender vencer uma luta contra um tal inimigo sem aplacar primeiro a Deus? Como se Deus fosse um parceiro de segunda classe, cujo apoio na luta nós desejamos, é bom, vale a pena ter, nada mais. Mas o importante e decisivo fossem as regras de atuação na opinião pública. O que é isso em comparação com o que as circunstâncias exigem?

Antes de tudo, desarmemos a cólera de Deus por meio das orações de Nossa Senhora, tomando-A como a grande reparadora, associando à devoção ao Sagrado Coração de Jesus a devoção ao Imaculado e Sapiencial Coração de Maria.

Que essas palavras nos deem, pelo menos, um acento de especial desejo de que, por meio do Imaculado Coração de Maria, obtenhamos o perdão pela nossa afronta ao Sagrado Coração de Jesus.  v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 29/1/1995)

Revista Dr Plinio 255 (Junho de 2019)

 

1) Do francês: deixai fazer, deixai passar.