Admiração: suprema alegria!

Deus colocou uma nota de admirável em tudo quanto fez, porque quis incutir nos homens a convicção de que seu espírito deve estar voltado para o mais alto, através da admiração. Essa admiração supõe dois graus: um é por aquilo que a pessoa tem diante de si; outro é o de reportar tudo a Deus Nosso Senhor.

 

Ouvimos a descrição da investidura de um cavaleiro, tão bem apresentada por Léon Gautier(1). Não é verdade que achamos muito agradável presenciar toda essa cena? Por quê?

Uma alegria que somente as almas admirativas possuem

Sem dúvida, devido à beleza da cena, mas também porque essa pulcritude nos trouxe uma determinada forma de alegria que o mundo hoje em dia não conhece mais. É um modo de alegria ligado à admiração. Nós admiramos tudo isso, mas num enfoque, numa luz tal que nos produziu a alegria. E enquanto o mundo atual só concebe a alegria no deboche, na desordem, no extravagante, no grotesco, no ridículo, no dissipado, nós tivemos exatamente um júbilo que pudemos tocar com as mãos, sentimos em nossa própria alma, e que foi decorrente da contemplação de um ambiente e de uma cerimônia, e de pessoas vivendo nesse ambiente todas elas cheias do sentimento de admiração e de respeito pelo que faziam. Pareceu-nos agradável ser esse cavaleiro, e por certo houve aqui pessoas diante de cujo espírito passou a ideia: “Como eu gostaria de ser armado cavaleiro!”

Ser armado cavaleiro é algo que o mundo de hoje detestaria, porque leva a se preparar para o contrário da vida securitária oferecida aos homens pela sociedade atual. Não é inscrever-se num instituto de aposentadoria e pensões, nem conseguir um direito à promoção para poder comprar um automóvel melhor. Pelo contrário, é expor-se ao risco sem ganhar dinheiro, pelo mero amor ao heroísmo, à virtude, à Igreja Católica; expor-se a morrer transpassado por uma lança num deserto, ou naufragado num barco que conduz cavaleiros para a Terra Santa e que, numa procela do Mediterrâneo – diminuta para os transatlânticos de hoje, mas considerável para os pequenos barcos daquele tempo –, afunda repleto de cavaleiros; ou morrer numa luta contra albigenses ou mouros no próprio território europeu.

A perspectiva do risco trazia para os homens daquela época a admiração ao heroísmo, com a ideia de um grande destino. A esperança de vencer ou morrer na realização dessa obra magnífica e, por esta forma, dar à sua vida um grande sentido, a admiração pelo que significa viver para consumar esse holocausto é a causa dessa alegria. Daí a cena tão alegre do jovem que inicia a vida de sacrifício e vai para ela jubiloso, satisfeito por causa do grande holocausto de sua vida. Ele conhece o sentido de sua existência, ama, admira o sacrifício e tem aquela forma de alegria especial que só as almas que admiram possuem.

 Tudo quanto é admirável incute nos homens a convicção pelo que há de mais elevado

Deus colocou pelo menos uma nota de admirável em tudo quanto fez, e sem nenhuma exceção. Essa nota de admirável, ora se mostra evidente de maneira a encantar os homens, ora aparece no fundo de uma longa e árida pesquisa científica. Em certo momento o homem encontra o admirável. Se o Criador pôs o admirável em tudo é porque Ele quis incutir nos homens, de todos os modos e de todas as formas, essa convicção de que seu espírito deve estar voltado para o mais alto, para algo que lhe causa admiração e que a luz de sua vida é a admiração das coisas verdadeiramente admiráveis.

Tudo quanto Deus fez é admirável e Ele quer que vivamos numa contínua admiração das criaturas, para admirarmos a Ele que se reflete nelas. Por essa admiração feita de veneração, de adoração, deseja que nós O sirvamos heroicamente a nossa vida inteira.

Então, essa admiração supõe dois graus: um é a admiração próxima por aquilo que a pessoa tem diante de si; outro grau é reportar a Deus Nosso Senhor, de maneira a estar no termo final da admiração. O Criador, que é o Autor disso que estou admirando, tem essa maravilha de um modo infinito. E quando algum dia, pela misericórdia d’Ele e pelo mérito do preciosíssimo Sangue que Nosso Senhor derramou por mim, pelas lágrimas e pelos rogos da Mãe d’Ele, eu chegar ao Céu e admirá-Lo face a face, isso que estou vendo agora vou contemplar diretamente n’Ele por toda a eternidade.

Isso se verifica nas menores coisas. Por exemplo, sou muito sensível ao belo das pedras; é uma peculiaridade individual. Outro será mais sensível ao pulcro das aves, da música, etc. A mim me agrada, enquanto estou fazendo esta conferência, olhar para a superfície deste molhador de dedos que tenho diante de mim, adornado com uma pedra verde. Sei muito bem não se tratar de uma esmeralda maravilhosa, e não seria posta na coroa do Xá da Pérsia, nem de longe. Entretanto, é um verde que me agrada olhar. Mas não fico no agrado puramente sensitivo de um bicho que olha para uma coisa verde, e abana bobamente a cabeça sem saber por que, pois Deus fez-me homem e, muito mais do que isso, fez-me católico, apostólico, romano; batizado na minha infância, nasci na Igreja pela misericórdia d’Ele.

Devo, então, perguntar por que esse verde me agrada, pois não existe apenas um motivo sensitivo, mas uma razão de caráter mental, uma afinidade de temperamento e de modo de ser, por onde o fato de eu gostar dessa cor exprime algo de minha pessoa. Mas há uma consideração infinitamente superior: se algo de minha pessoa se exprime porque eu olho para esta pedra e gosto, algo da Pessoa que a criou se exprime pelo mesmo princípio. Logo, Deus considerou isto belo e digno de exprimi-Lo, e pôs este objeto diante de mim para, desde que eu reflita um pouco a respeito d’Ele, dizer-me esta verdade fundamental:

“Meu filho, você que vê e gosta disto por haver nisso uma afinidade com sua personalidade, saiba que minha perfeição infinita tem também uma expressão aqui, e que você e Eu nos encontramos na consideração dessa pedra. É misterioso, mas é verdade. Vendo-a e gostando dela, você de fato nota algo que é um lampejo de Mim. Contemple-a, um dia você Me verá face a face.”

Se sou capaz dessa reflexão, eu digo: “Que mistério! Quando, meu Deus, chegará esse dia em que, afinal, poderei ver-Vos face a face e descobrir o mistério que pusestes por detrás dessa pedra?”

Assim, essa pedra não é um objeto para o qual olhei de qualquer jeito, calculei o preço, verifiquei se é adequada para conter esponja com água, e avaliei apenas mercantilmente. Ela deve ser até considerada mercantilmente, porque tem o seu preço, mas não é essa a razão mais alta para eu avaliar a pedra. Nela encontrei uma espécie de ângulo de incidência por onde o Criador e eu nos encontramos. Eu admirei e, ao admirar, fiz uma reflexão que me elevou até Deus.

Meditar a partir de um ato de admiração

Isso que se dá com uma pedra, passa-se evidentemente ainda mais em relação a um animal. Por exemplo, um leão rugindo, magnífico, com aquela força, aquela juba, aquele domínio, aquela capacidade de ataque, se quisermos olhá-lo do ponto de vista sobrenatural, presta-se a considerações verdadeiramente de primeira ordem. Estou olhando o leão, vejo aquele furor magnífico e pergunto: “Mas, afinal de contas, contra quem esse furor? Contra mim? O leão ainda nem me viu, está lá longe furioso com o quê?”

Se me reporto à cólera divina contra o pecado, vejo como é lindo o furor da majestade, do direito, da força contra aquilo que é errado, torto, sujo, revoltado, arrogante. Um rugido do leão não tem alguma coisa da beleza do rugido da cólera de Deus por todos os espaços celestes? E quando eu vejo tanto pecado, tanta impiedade, tanta tibieza pútrida e asquerosa que se espalha em torno de mim, desejo uma retificação disso e uma punição, e me lembro do furor do leão, compreendo por que a Escritura chama Nosso Senhor Jesus Cristo de “Leão de Judá” (cf. Ap 5, 5). O Redentor, embora morto, derrotado, quando ressuscitou implantou a derrota de tudo aquilo que se pôs contra Ele. Foi o vencedor e sobre todo o mundo suas catedrais magníficas levantaram as suas torres. É verdadeiramente o rugido do Leão de Judá.

Compreendo que Deus, ao criar os leões, quis, sobretudo, que nós, católicos, à vista do leão fizéssemos uma meditação sobre a magnificência da cólera d’Ele. E nunca, ainda que víssemos todos os leões do passado, do presente e do futuro, veríamos algo de tão magnífico, tão divinamente leonino como no momento em que Deus, no Juízo Final, se voltar para os réprobos e mandar todos para o Inferno. São palavras de rugidos que aos réprobos deixarão horrorizados e enfurecidos.

Creio que eu desmaiaria de encanto vendo o furor do Leão de Judá. “Afinal Vos vingais, afinal afirmais a vossa glória! Ah, como Vos aplaudo, ó Deus, terrível perseguidor dos vossos adversários! Adoro o vosso direito, a vossa cólera e a vossa força!”

Não é bom, pensando num leão, elevar assim meu espírito? Não se faz, deste modo, uma boa meditação? É um ato de admiração por onde admirei o leão em tudo quanto Deus de Si quis simbolizar nele. Mas depois admirei no leão fatos da História no passado ou preditos para o futuro sobre as relações de Deus com os homens, para compreender toda a História da humanidade e, atrás dela, Deus Nosso Senhor. Assim fiz uma meditação a partir de um ato de admiração.

A admiração deve estar presente em todas as atitudes da alma

Eu poderia fazer o mesmo ato de admiração, por exemplo, em relação a uma pomba para ser comida. Com que suavidade e inocência ela está nas mãos daquele que a mata! Como ela é linda, pura no momento em que vai ser morta!

Lembro-me de um padre jesuíta que, durante uma aula, pôs o seguinte problema: Todo ser se alegra quando realiza o seu fim. Ora, ao criar a galinha, Deus tinha como uma de suas finalidades que ela servisse de alimento para o homem. Portanto, transpondo o exemplo para a pomba, se esta pudesse entender que vai ser morta em holocausto a um homem, ela se alegraria por cumprir com sua finalidade. Então, devemos imaginar a frustração da pomba velha que morre sem ter sido devorada, porque ela não realizou a sua finalidade natural; ou, pelo contrário, o instinto de conservação, que faz o ser sentir pavor de sua própria destruição, a levaria a não querer ser destruída?

Disse o sacerdote que tanto uma hipótese quanto outra é admissível, pois ambas partem de um pressuposto absurdo, isto é, um ente irracional pensar. Com efeito, de si, repugna à inteligência a ideia de um ser racional feito para o holocausto a outro ser criado.

A meu ver, o padre respondeu muito bem. Mas eu gostava de pensar como resolveria a coisa se fosse o animal imolado. Alegando a favor da alegria de se deixar imolar, o sacerdote imaginava o animal olhando para um homem e pensando: “Como esse homem é superior a mim, e me alegro em saber que daqui a pouco a minha carne vai ser carne dele! Que honra e promoção para mim ser devorado por ele! Ó momento como que de êxtase a hora em que eu sentir minha vida se exalar, mas sabendo que, de algum modo, vou ser humanizado e promovido”.

O raciocínio do padre me parecia evidentemente claudicante, e ele o apresentava como tal, pois era um bom professor e sabia bem o que dizia. Mas tinha um lado bonito que apresento aqui para compreendermos a beleza da pomba que se imola, representando algo de infinitamente mais alto do que isso: Nosso Senhor Jesus Cristo, Vítima que Se deixou imolar por nós, o Cordeiro de Deus que lavou os pecados do mundo inteiro com o seu preciosíssimo Sangue. Como é bonito, estando junto a um tabernáculo e vendo pintado um cordeiro imolado, pensarmos que ali está o Cordeiro de Deus realmente presente! Que coisa magnífica é admirar o cordeiro para adorar o Cordeiro de Deus, Nosso Senhor!

Por aí percebemos como em absolutamente tudo deve estar presente a admiração, em todas as atitudes da alma humana e de um modo preponderante. Essa admiração assim presente, nós a devemos considerar não apenas para com seres inferiores a nós – portanto, um animal, uma planta, uma pedra –, mas, sobretudo em relação aos seres iguais e superiores a nós.    v

(Continua no próximo número)

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 11/2/1977)

Revista Dr Plinio 256 (Julho de 2019)

 

1) Cf. Revista Dr. Plinio n. 255, p. 31.

 

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