A paz de alma é uma disposição pela qual a pessoa, colocada diante das piores dores, não sofre fratura em seu princípio axiológico. Ela compreende que a vida é assim e tem de ser assim. Portanto, não se agita, não se convulsiona, não se entrega a frenesis ou manifestações de inconformidade sem propósito. Pelo contrário, sabe que tudo se passa dentro das normas.
O ideal é quando a pessoa possui um temperamento tão dócil que não precisa fazer esforço para manter-se nesse estado de espírito. Para outros, de temperamento agitado, será necessário lutar, e nisso há um mérito especial.
Este é o primeiro ponto: considerar que o sofrimento é normal e parte integrante da vida, faz bem às almas e dá glória a Deus.
A dor, um “nonsense”?
A esperança de passar uma vida sem sofrimento é das mais mentirosas que possa haver. Segundo a concepção mundana, “coitado” é aquele a quem acontecem habitualmente infelicidades. Ele deve se conformar, porque “não tem remédio”.
É como alguém que nasceu, por exemplo, com uma doença na espinha dorsal, é paralítico, passa a vida numa cama. Não há o que fazer. A ideia que fica é: “Há gente que nasce assim, mas não sou desses, nem sequer posso pensar nisso. Isso é um absurdo.”
Então, a dor apresenta-se como o grande nonsense¹ e a alegria como o único sentido da vida. Resultado: a pessoa se apega enormemente a essa noção.
Olha, por exemplo, para seus próprios parentes: são todos ricos, bem instalados, não enfrentam contrariedades, os negócios dão certo, os planos de viagem não são perturbados, têm as relações que querem e evitam as que não desejam. Enfim, fazem a vida como lhes apetece. São “felizes”.
Mania do riso, negação da seriedade
Se considerarmos verdadeira essa teoria – que, na realidade, é infame –, o riso torna-se a atitude habitual do homem. Tudo quanto leva a pensamentos tristes é absurdo, porque perturba a alegria, considerada a finalidade da vida.
Nesse sentido, a seriedade seria irmã, filha ou mãe da melancolia. Logo, é preciso não ser sério, mas brincalhão, engraçado, viver rindo o dia inteiro. Se, durante o dia, houver vinte oportunidades de rir e de estar contente, tem-se um “bom dia”. Fora disso, nenhum dia seria bom.
Não é preciso ser adulto para ter essa mentalidade. Muitos meninos estudam pouco porque acham absurdo ter de estudar, pois isso “rouba” a alegria. Querem apenas uma vida de eterno feriado.
E, se alguém pergunta a um deles:
— Mas você não pensa que se tornará um adulto ignorante?
Ele responde:
— Não tem problema.
Desde que eu seja rico e possa me divertir, cultura, talento e todos os outros atributos humanos não têm importância nenhuma. É preciso ter dinheiro, vestir-me bem, frequentar o meio social que eu quero e rir, rir, rir o tempo inteiro.
Essa se torna a finalidade da vida. A seriedade torna-se impossível, pois tal mentalidade é a negação mais rotunda dessa virtude. O homem contemporâneo foi habituado a esse estado de espírito.
Ora, exatamente o contrário disso nós devemos adquirir.
Qualidade de sub-homem
Qual é o oposto desse estado de espírito? Antes de tudo, é compreender quão desprezível é uma pessoa que não possui as qualidades verdadeiras do homem.
O seu pensamento é como uma cartilagem inconsistente: só pensa asneiras. Sua vontade é como um leme quebrado: incapaz de indicar o rumo do navio. Sua sensibilidade é como a de uma pele doente: dolorida ao mínimo toque, incapaz de suportar o menor sofrimento.
Quem não é capaz de entender, admirar, querer ou fazer qualquer coisa um pouco acima do nível do chão não é um homem, mas um sub-homem, um bicho. Os passarinhos levam essa vida: se é agradável voar de um galho a outro, lá vão; se querem esvoaçar perto de um tanque, lá estão. Fazem apenas o que é deleitável, guiados pelos instintos.
Pois bem, assim agem certos homens. Uma pessoa que recebeu essa formação desde pequeno, e não foi habituada a reagir adquirindo um estado de espírito oposto, inevitavelmente desemboca na quarta Revolução, cuja essência está expressa num dos slogans da Revolução da Sorbonne: “É proibido proibir.”
Necessidade do árduo
Entretanto, isso se liga a outra realidade: o espírito humano bem construído possui tendências pelas quais, em certo momento, deseja realizar grandes ações.
É como um jovem que, de vez em quando, quer subir uma montanha, atravessar a nado uma baía, participar de um torneio de esgrima, fazer algo difícil. Seu corpo e sua sensibilidade têm necessidade do árduo, do grande, para se sentirem proporcionados às potências que não podem permanecer adormecidas.
Daí a existência de campeonatos — alguns medíocres — mas que, afinal, exprimem de algum modo essa necessidade. Daí também a nobreza do risco bem calculado. Se, diante de um risco, o indivíduo percebe ser capaz de enfrentá-lo e sair-se bem, e então se lança, essa atitude é nobre, elevada. A própria palavra “nobre” começa a ter sentido para ele.
Mesmo a melancolia e a tristeza podem acrescentar algo à sua alma. Por exemplo, a tragédia grega, com tudo o que tem de horrível, acaba sendo bela; e o homem, ao lê-la, acrescenta algo ao seu espírito.
Páscoa: seriedade gloriosa e triunfante
Esse mesmo homem, colocado diante da leitura da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo e das cerimônias da Semana Santa, tem a alma naturalmente disposta a corresponder à graça específica desses Mistérios da Vida do Redentor.
Ele vê o que Nosso Senhor fez de insigne e admirável e, estimulado por isso, diz:
“Eu também quero! Ainda que me venha um sofrimento tremendo, desde que eu O imite e seja um só com Ele, eu quero!” — É algo admirável!
Só então o homem começa a conceber o encanto das coisas vistas em profundidade, a compreender o aspecto do universo que conduz a Deus; aprende a elevar o espírito para os destinos eternos, para a adoração, para o serviço e para a glória de Deus.
Isso confere ao homem a solidez e a seriedade devidas. Ele introduziu em seu “mobiliário” mental o mais belo dos ornatos: a Cruz de Cristo. Porque compreendeu que nunca se fez coisa mais bela do que o Homem-Deus ter querido sofrer tudo quanto sofreu, da parte de homens que não tinham nenhum direito de fazer o que fizeram — homens infames, grosseiros, sem-vergonha. Nosso Senhor aceitou isso imediatamente, por um povo ingrato e por discípulos infiéis. Um nonsense aparente, mas sustentado no peito! Assim é: vitorioso!
Neste sentido, pode-se dizer que a Páscoa da Ressurreição é a festa da seriedade triunfante — não a seriedade esmagada, melancólica e triste, mas gloriosa, brilhando com todas as luzes de Deus.
¹ Do inglês: disparate.
(Extraído de conferência de 26/1/1989)